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Concentração fundiária e assentamentos de reforma agrária: uma análise da estrutura agrária na Zona da Mata Pernambucana

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Academic year: 2017

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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI)

Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL)

TALLES ADRIANO DOS REIS

CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA: UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA AGRÁRIA NA ZONA DA MATA PERNAMBUCANA

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TALLES ADRIANO DOS REIS

CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA: UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA AGRÁRIA NA ZONA DA MATA PERNAMBUCANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como exigência para obtenção do título de mestre em Geografia, na área de concentração “Desenvolvimento Territorial”, na linha de pesquisa “Campesinato, Capitalismo e Tecnologias”.

Orientador: Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira.

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TALLES ADRIANO DOS REIS

CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA: UMA ANÁLISE DA ESTRUTURA AGRÁRIA NA ZONA DA MATA PERNAMBUCANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como exigência para obtenção do título de mestre em Geografia, na área de concentração “Desenvolvimento Territorial”, na linha de pesquisa “Campesinato, Capitalismo e Tecnologias”.

Orientador: Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

______________________________________________

Prof. Dr. Paulo Roberto Raposo Alentejano (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

______________________________________________

Prof. Dr. Eraldo Da Silva Ramos Filho (Universidade Federal de Sergipe)

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Aos que forjam matéria bruta e lapidam finas esperanças.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, José Maércio, e à minha mãe, Adriana Maria, que, além do árduo trabalho para criar a família, e do exemplo de vida, me proporcionaram os valores que basearam a minha formação. Aos meus irmãos Anderson, Juninho, Lázaro, Felippe e à minha irmã Tássia, os quais cada um a sua maneira, com seus silêncios e palavras, me deram o sentido da palavra família.

Ao meu companheiro Rogerio, companhia presente em todos os momentos e que, com seu coração, contribuiu para a minha compreensão verdadeira da palavra amor.

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) grande escola de formação do homem e da mulher do futuro, exemplo pedagógico em sua prática contra a ordem e guardião da esperança.

Aos companheiros e companheiras militantes do MST, e de outros movimentos e organizações, que vamos acumulando na caminhada, nas lutas, nos cursos e nos bares das esquinas. Tantos e inumeráveis que recorro ao agradecimento geral, mas não menos especial. Deixo claro que sou um pouco de cada um e cada uma, e que não vejo a hora de reencontrá-los novamente.

À minha querida Turma José Carlos Mariátegui, como todas com suas contradições inerentes a processos de formação coletiva, mas também repleta de carinho, amizade e energia pela construção do novo. Exemplo de que o Mestrado não precisa ser uma trajetória solitária.

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Márcio Mendes Pereira (UFRRJ).

Aos funcionários do INCRA e do IBGE que me atenderam no percurso da pesquisa. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) por ter contribuído para que a universidade brasileira se pinte de povo.

Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), especificamente ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), conquista dos sem-terra, e que permitiu as condições materiais para a realização do mestrado.

Ao Projeto de Residencia Agrária “Desenvolvimento territorial e educação do campo em Territórios da Cidadania e assentamentos de reforma agrária nas cinco macrorregiões” do PRONERA, uma política pública que é fruto da parceria entre UNESP/ENFF/IPRI/Via Campesina. Um resultado da luta dos movimentos sociais do campo.

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Quem sabe o canto da gente Seguindo na frente Prepare o dia da alegria. A gente sorria E tudo era só alegria Na mesma esperança Ficava de novo criança. Na grande avenida A vida perdida O encontro marcado No claro da lua Tudo ficou tão contente Porque minha gente De novo era povo na rua. E o grande cordão Cantava o refrão que crescia Da simples canção Que era de João e Maria E o povo na rua Pensou que era sua De tanto que andava Atrás de qualquer alegria. E na cantiga de João Que era só ilusão Jogou a esperança que havia. A vida perdida É como a mulher mais querida Levando João E o povo na mesma avenida E um dia de festa Só mesmo podia Fazer da tristeza A maior fantasia. Quem sabe o canto da gente Seguindo na frente Prepare o dia da alegria.

Geraldo Vandré

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RESUMO

A concentração da terra no Brasil é um grave problema social que se arrasta desde o período colonial. As lutas pelo acesso à terra e pela reforma agrária assumiram outra dimensão a partir dos anos 1980, com o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O objetivo do presente trabalho é analisar a estrutura agrária da mesorregião Zona da Mata Pernambucana, em Pernambuco. A metodologia se baseou na análise de três fontes principais: os dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), ambos mantidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e os dados do Censo Agropecuário 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram analisadas as informações dos 43 municípios da região, que foram classificadas em: a) de acordo com o módulo fiscal em minifúndio, pequena propriedade, média propriedade e grande propriedade; b) por classe de área em hectares; e c) em agricultura familiar e não familiar. Cada grande propriedade, por sua vez, foi classificada em produtiva ou improdutiva. Como conclusão, observamos que a região possui 560 grandes propriedades (1,88% do total), que concentram 248 mil hectares (40,05% de todas as terras), das quais a metade (292 grandes propriedades) são improdutivas e concentram mais de 127 mil hectares. A área ocupada pelas grandes propriedades é próxima àquela verificada na Região Nordeste (39% de todas as terras) e inferior à brasileira (56%). A análise fundiária baseada no tamanho da propriedade, em hectares, também indica que a região estudada tem um percentual menor de área ocupada por imóveis com mais de 1000 ha, 12,17%, frente a 19,8% em Pernambuco, 30,1% no Nordeste e 45% no país. Porém, isso não significa que a região estudada tem uma concentração fundiária menos concentrada, pois a média do módulo fiscal é de 14,56 ha, logo, uma grande propriedade na região é toda aquela acima de 218 ha. Por outro lado, a região apresenta o maior percentual de propriedades de exploração não familiar (83,3%), o que pode indicar que muitos pequenos produtores podem ter sua renda majoritariamente oriunda de atividades assalariadas fora da parcela. A luta pela terra conquistou mais de 124 mil hectares em 136 assentamentos de reforma agrária na região, contribuindo para a redução de cerca de 33% da área ocupada pelas grandes propriedades. O assentamento de 14.977 famílias promoveu uma reconfiguração da estrutura fundiária na qual as pequenas propriedades passaram de 17,6% para 59% do número de imóveis, ampliando de 11,6% para 31,8% o total da área ocupada.

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ABSTRACT

The concentration of land in Brazil is a serious social problem that has dragged on since the colonial period. The struggles for access to land and agrarian reform took another dimension to the 1980s, with the emergence of Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). The objective of this study is to analyze the agrarian structure of Zona da Mata of Pernambuco, Brazil´s northeastern. The methodology is based on analysis from three main sources: data from the Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) and the Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), both maintained by Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), and data from the 2006 Agricultural Census, conducted by Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). It was analyzed informations from the 43 municipalities of this region, that were classified into three types: a) according to the fiscal module in smallholding, small farms, medium and large property; b) to extention in hectares; and c) to familiar and unfamiliar agriculture. Every large property, in turn, was classified as productive or unproductive. In conclusion, we observed that the region has 560 large estates (1.88% of total), concentrating for 248,000 hectares (40.05% of all land), half of which (292 large estates) are unproductive and covering more 127 thousand hectares. The area occupied by large farms is similar to that observed in the Northeast (39% of all land) and lower than Brazil (56%). The landed analysis based on size of farm (in hectares) also indicates that the region studied has a lower percentage of area occupied by properties with more than 1000 ha, 12.17%, compared to 19.8% in Pernambuco, 30,1 % in the Northeast and 45% in the country. But that does not mean that the region studied has a concentration of land, since the average fiscal module is 14.56 ha, so a large estate in the region is all that above of 218 ha. On the other hand, the region has the highest percentage of unfamiliar operating properties (83.3%), which may indicate that many small farmers may have their income mainly coming from salaried activities outside the portion. The struggle for land acquired more than 124,000 hectares with 136 agrarian reform settlements in the region, contributing to a reduction of about 33% of the area occupied by large farms. The settlement of 14,977 families promoted a reconfiguration of agrarian structure, in which small farms increased from 17.6% to 59% of the number of properties, increasing from 11.6% to 31.8% of the total land ocupied.

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RESUMEN

La concentración de la tierra en Brasil es un grave problema social que se arrastra desde el periodo colonial. Las luchas por el acceso a la tierra y por la reforma agraria asumieron otra dimensión a partir de los años ochenta, con el surgimiento del Movimiento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). El objetivo del presente trabajo es analizar la estructura agraria de la mesorregión Zona de la Mata Pernambucana, en Pernambuco. La metodología se basó en el análisis de tres fuentes principales: los datos do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) y del Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), ambos bajo gerencia del Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), y los datos del Censo Agropecuario de 2006, realizado por el Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Fueron analizadas las informaciones de los 43 municipios que componen la región, que fueron clasificados: a) de acuerdo con el módulo fiscal en minifundio, pequeña propiedad, media propiedad y grande propiedad; b) por tipo de área en hectáreas; y c) en agricultura familiar y no familiar. Cada grande propiedad, a la vez, fue clasificada en productiva o improductiva. Como conclusión, observamos que la región posee 560 grandes propiedades (1,88% del total), que concentran 248 mil hectáreas (40,05% de todas las tierras), de las cuales la mitad (292 grandes propiedades) son improductivas y concentran más de 127 mil hectáreas. El área ocupada por las grandes propiedades es parecida a aquella verificada en la Región Nordeste (39% de todas las tierras) e inferior a la brasileña (56%). La análisis de la estructura de la propiedad rural basada en el tamaño en hectáreas, también indica que la región estudiada tiene un porcentual menor de área ocupada por inmuebles con más de 1000 ha, 12,17%, frente a 19,8% de Pernambuco, 30,1% en el Nordeste y 45% en el país. Pero esto no significa que la región estudiada tenga una concentración de la propiedad menor, pues la media de los módulos fiscales es de 14,56 ha, por tanto, una gran propiedad en la región es aquella con más de 218 ha. Por otro lado, la región presenta el mayor porcentual de propiedades no familiares (83,3%), lo que puede indicar que muchos pequeños productores tengan su renda, mayoritariamente, oriunda de actividades asalariadas fuera de su parcela. La lucha por la tierra conquisto en la región más de 124 mil hectáreas en 136 asentamientos de reforma agraria, contribuyendo para la reducción de cerca de 33% del área ocupada por las grandes propiedades. El asentamiento de 14.977 familias promovió una reconfiguración de la estructura de la propiedad a partir de la cual las pequeñas propiedades pasaron de 17,6% a 59% del número de inmuebles, ampliando de 11,6% a 31,8% el total del área ocupada.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização das cinco mesorregiões do estado de Pernambuco... 42 Figura 2 – Localização das três microrregiões que compõem a região Mata

Pernambucana... 43 Mapa 1 – Porcentagem da área total dos imóveis rurais ocupada por grandes

propriedades, Mata Pernambucana ̶̵̶ 2006... 54 Gráfico 1 – Área total e explorável dos imóveis rurais e área dos estabelecimentos

agropecuários, por Unidade da Federação Brasil ̶̵̶ 2006... 57 Gráfico 2 – Ocupação territorial do Brasil ̶̵̶ 2006... 58 Gráfico 3 – Estrutura fundiária do Brasil, Nordeste, Pernambuco e Zona da Mata, por

classes de hectares, em porcentagem ̶̵̶ 2006... 62 Mapa 2 – Porcentagem da área ocupada por estabelecimentos não familiares Mata

Pernambucana ̶̵̶ 2006... 71 Mapa 3 – Número de famílias assentadas na Mata Pernambucana (2014)... 77 Mapa 4 – Concentração da terra nas Unidades Federativas do Brasil pelo Índice de

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Participação relativa de cada mercadoria na receita de exportações brasileiras (1861-1928)... 40 Tabela 2 – Municípios da mesorregião da Mata Pernambucana... 44 Tabela 3 – Estrutura agrária da Mesorregião da Mata Pernambucana ̶̵̶ 2013... 53 Tabela 4 – Comparativo entre as estruturas agrárias do Brasil, da Região Nordeste e

Mesorregião da Mata Pernambucana ̶̵̶ 2010, 2013... 55 Tabela 5 – Ocupação da área territorial – Brasil ̶̵̶ 2006... 58 Tabela 6 – Estrutura agrária por classes hectare estado Pernambuco ̶̵̶ 1985, 1996,

2006... 59 Tabela 7 – Estrutura agrária por classes de hectare para a região Nordeste ̶̵̶ 1985,

1996, 2006... 60 Tabela 8 – Estrutura agrária por classes de hectare para o Brasil ̶̵̶ 1985, 1996, 2006.... 60 Tabela 9 – Estrutura fundiária, por classe de hectares, para a Zona da Mata

Pernambucana ̶̵̶ 2006... 61 Tabela 10 – Estrutura fundiária, por classe de hectares, para o país, região Nordeste,

Pernambuco e a Zona da Mata (em porcentagem) ̶̵̶ 2006... 61 Tabela 11 – Estabelecimentos agropecuários familiar e não familiar, Brasil, Nordeste,

Pernambuco e mesorregiões de Pernambuco ̶̵̶ 2006... 69 Tabela 12 – Estabelecimentos agropecuários familiares e não familiares das

microrregiões da mesorregião da Mata de Pernambuco ̶̵̶ 2006... 72 Tabela 13 – Comparação entre os dados do INCRA e IBGE... 73 Tabela 14 – Assentamentos existentes na Zona da Mata Pernambucana, por período de

criação... 78 Tabela 15 – Assentamentos de reforma agrária criados no Brasil ̶̵̶ 1900 até 2013... 78

Tabela 16 – Distribuição geográfica dos assentamentos ̶̵̶ 1900 até 2013... 79

Tabela 17 – Estrutura agrária dos municípios da mesorregião da mata pernambucana ̶̵̶

2013... 101 Tabela 18 – Porcentagem área rural do município ocupada por grandes propriedades ̶̵̶

2013... 102 Tabela 19 – Relação dos assentamentos existentes Mata Pernambucana... 103 Tabela 20 – Número e área de estabelecimentos familiares e não familiares, por

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAG Associação Brasileira do Agronegócio

FAO Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação GEE Grau de Eficiência na Exploração

GUT Grau de Utilização da Terra

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MAPA Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PA Projeto de Assentamento

PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar SIPRA Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária SNCR Sistema Nacional de Cadastro Rural

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 13

2 O NORDESTE E A ZONA DA MATA PERNAMBUCANA... 29

3 A ESTRUTURA AGRÁRIA NA REGIÃO... 46

3.1 Os dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural do INCRA... 46

3.2 Os dados do Censo Agropecuário 2006 do IBGE... 56

3.2.1 Classificação por classes de hectares... 59

3.2.2 Classificação em agricultura familiar e não familiar... 64

3.3 Os assentamentos de reforma agrária... 75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 88

REFERÊNCIAS... 92

APÊNDICE A – MAPA 4: CONCENTRAÇÃO DA TERRA NAS UNIDADES FEDERATIVAS DO BRASIL PELO ÍNDICE DE GINI ̶̵̶ 2006... 100

APÊNDICE BTABELA 17: ESTRUTURA AGRÁRIA DOS MUNICÍPIOSDAMESORREGIÃODAMATAPERNAMBUCANA ̶̵̶ 2013. 101 APÊNDICE C - TABELA 18: PORCENTAGEM DA ÁREA RURAL DO MUNICÍPIO OCUPADA POR GRANDES PROPRIEDADES ̶̵̶ 2013... 102

ANEXO A - TABELA 19: RELAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS EXISTENTES NA MATA PERNAMBUCANA ̶̵̶ 2014... 103

ANEXO B - TABELA 20: NÚMERO E ÁREA DE ESTABELECIMENTOS FAMILIARES E NÃO FAMILIARES, POR MUNICÍPIO ̶̵̶ 2006... 107

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1 INTRODUÇÃO

Por que estudar a estrutura agrária no Brasil em pleno alvorecer do século XXI? A questão agrária ainda é um tema necessário à compreensão de nossa sociedade?

A questão agrária é sim uma temática pertinente ao entendimento do Brasil. Pensá-la exige analisarmos como as classes sociais, e suas frações, estabelecem as relações de produção no campo brasileiro. A questão agrária, como afirma Stedile (2005, p. 15-16), significa “o conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira”. Através da forma como se organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização da terra, produto de relações sociais históricas, é que podemos compreender como ocorre a produção e apropriação de valor.

Nesta perspectiva, destaca-se o agronegócio como síntese da exploração capitalista no campo, cujas entidades de representação evocam um discurso triunfalista e modernizante para produção no campo. A Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) é bastante clara a esse respeito, como lembra Pinto:

[A ABAG] surge com um discurso na grande imprensa convencendo a população sobre a importância do agronegócio na participação do PIB brasileiro e no saldo positivo da balança comercial do país. No seu próprio site a Abag se denomina como 'alavanca inquestionável de modernização do país' e organização a serviço do povo brasileiro. Uma das principais reivindicações da entidade logo de seu surgimento foi o aumento da liberação de créditos subsidiados por parte do governo, a política cambial e a diminuição da carga tributária, bem como as condições para maior competitividade no mercado internacional. (PINTO, 2010, p. 10).

Leite e Medeiros (2012, p. 81-87) destacam que o termo agronegócio1 é recente em

nosso país e guarda correspondência com a noção de agribusiness, que se refere às relações econômicas entre o setor agropecuário produtivo, o industrial, o comercial e o de serviços. Porém, hoje, o termo não pode ser dissociado das instituições que o disseminaram, como a ABAG e entidades patronais, especialmente, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Sociedade Brasileira Rural (SBR). Somam-se a estas as entidades por ramos produtivos, como a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Abrasoja), entre outras. Para a segurança de seus empreendimentos, a parcela do agronegócio responsável pela produção das commodities precisa de terra, como diz Fernandes (2007, p.

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91): “ocontrole da propriedade da terra é um dos trunfos do agronegócio. É fundamental que a terra esteja disponível para servir à lógica rentista”.

Para entendermos o agronegócio como força hegemônica, temos que recorrer ao conceito de hegemonia, no sentido exposto pelo italiano Antônio Gramsci. Nas sociedades desenvolvidas, que Gramsci chama de “ocidentais”, o poder do Estado ocorre através da dominação, sob a forma de coerção, mas também através da hegemonia construída pelo consenso na sociedade civil. Se, no oriente, predomina o poder coercitivo do Estado, no ocidente este poder está mais diluído entre o Estado (que nunca abre mão da coerção, quando necessário) e a sociedade civil, daí o conceito de “Estado Ampliado”2:

É claro que tais institutos [de dominação direta e seus mecanismos de coerção] continuam a existir nas sociedades 'ocidentais' mais complexas; continuam a ter papel fundamental na reprodução da sociedade segundo os interesses de uma classe dominante. Mas, ao lado deles, Gramsci vê a emergência da 'sociedade civil'. E o que especifica essa sociedade civil é o fato de, através dela, ocorrerem relações sociais de direção políticoideológica, de hegemonia, que – por assim dizer -'completam' a dominação estatal, a coerção, assegurando também o consenso dos dominados (ou assegurando tal consenso, ou hegemonia, para as forças que querem destruir a velha dominação). (COUTINHO, 2011, p. 14, grifo nosso do autor).

A sociedade civil, segundo Gramsci, é o palco privilegiado da luta de classes. É por meio dos diferentes “aparelhos privados de hegemonia” que se confrontam os projetos das classes antagônicas da sociedade. Enquanto a classe dominante, que já detém o controle da sociedade política, luta pela manutenção da hegemonia, as classes subalternas lutam pela construção de uma contra-hegemonia, a qual, por sua vez, necessita ascender ao Estado e assumir o controle de seus aparatos para se consolidar.

Desta forma, na atualidade, o Estado assume a forma de Estado Ampliado, diferente do Estado Sujeito, autônomo, idealista, gerenciador dos conflitos, neutro; e do Estado Objeto, homogêneo, a serviço unicamente da classe dominante, que precisa “mudar de mãos” para servir à outra classe. Como ressalta Mendonça (2015), o Estado Ampliado significa uma permanente inter-relação entre Sociedade Civil e Sociedade Política (ou Estado restrito), sendo que a primeira é portadora dos aparelhos privados de hegemonia que organizam as “vontades coletivas”, gerando “o consenso em torno a um projeto hegemônico, enquanto a segunda é integrada por um conjunto de organismos que asseguram, quer pela coerção, quer pela difusão do consenso, a hegemonia de um projeto” (MENDONÇA, 2015, p. 20-21)

As entidades do agronegócio, para a construção de sua hegemonia na sociedade,

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utilizam-se de intensas campanhas ideológicas no sentido de legitimar a visão de que o agronegócio, além de produzir comida, superou o antigo e atrasado latifúndio, bem como a pequena produção familiar ineficiente, e opera através de modernas empresas que têm como foco a sustentabilidade e o compromisso com a responsabilidade social (SANTOS, 2015, p.41).

No mesmo sentido, Bernardo Mançano Fernandes (2007, p. 90) diz que o conceito de agronegócio é uma construção ideológica, que objetiva superar a imagem latifundista da agricultura capitalista. Pois o latifúndio carrega em si a imagem da exploração, do trabalho escravo, da concentração da terra, do coronelismo, da subserviência, do atraso político e econômico. O latifúndio é um espaço que pode ser ocupado para o desenvolvimento do país, pois toda terra que não é utilizada para a produção de alimentos, repeitando o disposto na legislação sobre o cumprimento de sua função social, pode ser utilizada para reforma agrária.

O processo de criação de imagens e de novos referenciais, articulados em complexas estratégias de comunicação, atuam no imaginário e no inconsciente coletivo, e são parte desta disputa de projetos no seio da sociedade. Fernandes complementa que a imagem do agronegócio foi construída:

[…] para renovar a imagem da agricultura capitalista, para 'modernizá-la'. É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e excludente para dar relevância somente ao caráter produtivista, destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas tecnologias. (FERNANDES, 2007, p. 90).

Em que pese todo o esforço das instituições do agronegócio para manterem sua hegemonia da sociedade, este modelo de desenvolvimento para o campo brasileiro têm gerado graves consequências para a sociedade. Primeira, uma crescente destruição do meio ambiente, cujos índices de erosão e de perda de solo fértil tem atingido níveis alarmantes, além do avanço de processos de desertificação. A marcha do agronegócio para a região Amazônica tem promovido o desmatamento de milhares de hectares, cujas florestas têm sido substituídas por pasto para criação de gado e, posteriormente, para o plantio de soja3. No estado do

Maranhão, por exemplo, a área plantada de soja subiu de 15 mil hectares em 1990 para alcançar 565 mil ha em 2013, e 677 mil ha em 2014. Roraima, que em 1990 tinha zero hectare de soja plantado, em 2014 já apresentava 16 mil ha.

A soja é a principal commodity agrícola produzida pelo agronegócio. Está havendo um

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nítido deslocamento desta cultura do Sul para as regiões Norte e Nordeste do Brasil, o que reforça pesquisas que indicam o papel da soja no incremento do desflorestamento no arco do desmatamento amazônico. Em 1990, o Sul concentrava 53% de toda a área de soja plantada no país; o Centro-Oeste detinha 33,60%; o Norte, 0,30% e o Nordeste 3,25%. Em 2013, segundo os dados do IBGE4, a participação do Sul caiu para 35,80% da área plantada; o

Centro-Oeste ampliou para 46,20%; enquanto o Norte passou a representar 3,31% e o Nordeste 8,33% da área plantada. Se, no Brasil inteiro, neste intervalo de treze anos, a área plantada de soja aumentou 241%, na região Norte este aumento foi de 2.663% e na Nordeste 617%, enquanto que no Sul foi abaixo da média, 162%. A variação da área plantada no Centro-Oeste foi de 331,74%.

Para Shlesinger e Noronha (2006, p. 09), a rápida expansão da soja, a partir da década de 1990, está diretamente associada à maior demanda por carne animal. Os autores indicavam que, na época do seu estudo, 90% de toda a safra do mundo era destinada às indústrias de esmagamento, que transformavam o grão em óleo e farelo, este último servindo de ração para a criação de gado, frangos, porcos, entre outros, no sistema de confinamento. Explicam que o farelo de soja é o principal item do cardápio dos animais criados em cativeiro por conter alto teor de proteína vegetal. Os aminoácidos presentes no farelo são altamente digestíveis e complementam outros ingredientes para a obtenção de uma dieta balanceada.

O Estado participa decididamente neste processo de expansão da soja e outras

commodities. Além do financiamento da produção, o apoio através da renúncia fiscal e de infraestrutura é significativo. Como exemplos, Shlesinger (2006, p. 61) aponta a renúncia fiscal provocada pela Lei Kandir (Lei Complementar nº 87 de 13/09/1996) que desonerou o ICMS das exportações de produtos primários e semielaborados e dos bens de capital adquiridos pelas empresas.

Outra ação de renúncia fiscal, continua Shlesinger, foi a Medida Provisória nº 252, de junho de 2005, conhecida como “MP do Bem”, transformada em lei em outubro do mesmo ano, e que prevê a suspensão por cinco anos da cobrança de tributos federais, como o Imposto sobre Produtos industrializados (IPI), o PIS e a CONFINS, estimulando novos investimentos de empresas nacionais e estrangeiras que desenvolvam plataformas de exportação no país. O alvo das isenções são as empresas que exportam, no mínimo, 80% de sua produção. O agronegócio é um dos poucos segmentos da economia brasileira onde há empresas que exportam parcela tão expressiva da produção, afirma Shlesinger (2006, p. 62).

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Além dos benefícios federais, os estados também têm suas políticas de renúncia fiscal, ampliando ainda mais as benesses às grandes empresas do agronegócio. Em 2002, por exemplo, “o governo do Piauí, além de comprometer-se a realizar investimentos em infraestrutura, concedeu à Bunge5 isenção de impostos por 15 anos” (SHLESINGER, 2006, p.

61).

O agronegócio também causa a contaminação do solo e das águas por agrotóxicos, muitos já proibidos em outros países, mas que continuam sendo comercializados no nosso país (GURGEL; GURGEL, 2012). Cada vez mais cientistas da área de saúde descobrem nexos entre o consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer6. Além da contaminação, a supressão das áreas de preservação permanente, que

protegem as nascentes e cursos d'água diminuem a quantidade e a qualidade da água. Também já está comprovado que o desmatamento na Amazônia afeta as chuvas na região sudeste, como os jornais diários têm noticiado com frequência.

A atual crise econômica pela qual vem passando nosso país, reflexo da crise do capitalismo global, também tem evidenciado a fragilidade do discurso de que o agronegócio é importante para a manutenção do superávit comercial, bem como nos mostra os limites do desenvolvimento que prioriza a exportação de produtos primários, especialmente as

commodities agrícolas.

Com uma pauta baseada, principalmente, em minério de ferro, soja e petróleo, as exportações brasileiras tiveram uma queda em termos de valores negociados. Cacioli e Fordelone (2015) afirmam que os preços das commodities caíram 21% entre 2010 e julho de 2015, após subirem incríveis 113% nos oito anos anteriores:

Sem uma indústria competitiva, o País concentrou ainda mais a sua pauta de exportações. Em 2002, os três principais produtos vendidos para a China – minério de ferro, petróleo e soja – correspondiam a 61,1% de todo o valor exportado. Em 2014, a concentração desses itens encostou em 80%. (CACIOLI; FORDELONE, 2015).

Com a desaceleração do crescimento chinês, o país asiático tem diminuído consideravelmente as importações de produtos primários. Assim, os preços internacionais despencaram. O preço médio da tonelada do minério, por exemplo, “caiu 71% em pouco mais

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A Bunge é uma das maiores empresas do agronegócio do mundo. Segundo Dowbor (2014, p. 11) foi fundada pelo holandês Johann Bunge em 1818, negocia US$46 bilhões (2010) em grãos, oleaginosas e açúcar. É uma grande intermediária do agronegócio do Brasil e da Argentina, destinando a soja e seus derivados para alimentação de porcos e outros animais na China. O CEO é o brasileiro Alberto Weisser. Foi processada por 300 milhões de dólares de evasão fiscal na Argentina, é a maior processadora mundial de oleaginosas, e teve um faturamento em 2012 de US$50 bilhões.

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de quatro anos. Do pico de US$ 187,18, em fevereiro de 2011, o produto despencou para US$ 54,73, em julho de 2015. Apenas nos últimos 12 meses encerrados em julho, a queda foi de 43% [...]” (CACIOLI; FORDELONE, 2015).

A prioridade pelo agronegócio, nos últimos anos, correu paralela à não realização da reforma agrária. O Brasil é um dos poucos países da América Latina que não fez uma reforma agrária e, por isso, mantém uma estrutura agrária extremamente concentrada7, possuindo uma

das maiores concentrações de terra do mundo. Não fez a reforma agrária clássica, a qual colocaria grandes áreas improdutivas para a produção de alimentos, seja para alimentar a crescente massa de trabalhadores urbanos, fruto do processo migratório de êxodo rural, seja na forma de matérias-primas e insumos para “alimentar” máquinas do setor industrial.

Em outros países, a reforma agrária clássica cumpriu quatro funções principais que incidiriam fortemente na consolidação do capitalismo e na superação de relações não capitalistas: incorporação de terras ao processo de acumulação capitalista; aumentou a produção de alimentos para os trabalhadores urbanos despojados de seus meios próprios de reprodução; elevou a produção de matérias-primas e insumos indústrias; e contribuiu com a ocupação territorial do país, desempenhando também um objetivo geoestratégico. Na verdade, segundo Horacio Martins de Carvalho, o que se fez no Brasil foi uma reforma agrária conservadora:

A reforma agrária conservadora ou convencional é resultado de uma operação negociada entre antigas e novas forças sociais por intermédio do sistema institucionalizado de partidos conservadores e reformistas tentando modificar as regras de funcionamento da estrutura latifundiária sem mudar as normas institucionais da ‘sociedade tradicional’ representada pelo latifúndio e por amplos setores do empresariado rural ligado à pecuária e à produção de grãos para a exportação. Essa via enfoca a reforma agrária como uma questão isolada e setorial. (CARVALHO, 2004, p. 116).

Sem uma reforma agrária que democratizasse o acesso à terra para milhões de sem-terra, perdurou o latifúndio ao longo do tempo. O latifúndio é elemento-chave para a compreensão do processo de formação social do Brasil. Em outras palavras, sem a compreensão do processo histórico de desenvolvimento do latifúndio, não é possível entender a nossa história.

No Brasil a promulgação da Lei de Terras de 1850 somente “formalizou o que concretamente já estava acontecendo desde a criação das capitanias hereditárias e das sesmarias: a apropriação privada de grandes parcelas de terra pelas classes e frações de classe

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que constituíam o bloco no poder à época” (CARVALHO, 2002, p. 4). A Lei de Terras estabelecia ainda, segundo Stedile, “de que maneira se daria a introdução do colono europeu no país, como parte da política de substituição da mão de obra escrava pela assalariada e de 'embranquecimento' do país” (STEDILE, 2015, p. 69, grifo do autor). Como mostrou Silva:

A lei representou uma tentativa dos poderes públicos (o Estado imperial) de retomar o domínio sobre as terras chamadas devolutas, domínio esse que lhe escapava tendo em vista a vertiginosa ocupação que se processava então sob a iniciativa privada. Tem sido justamente destacado que a motivação principal da adoção da lei estava nos desdobramentos da cessação do tráfico de escravos e no desejo de estimular a imigração estrangeira. (SILVA, 1997, p. 18).

O que comunga com a análise de que “[...] no Brasil, a concentração da propriedade privada da terra atua como processo de concentração da riqueza e, portanto, do capital” (OLIVEIRA, 2010, p. 287).

A abolição da escravatura, em 1888, incidiu sobre a questão agrária, como aponta Mendonça:

A abolição viria potencializar a estrutura agrária de duas formas: por um lado, ao provocar o surgimento de um “quase campesinato”, expulsava-se dos custos da produção agrícola os gastos com a subsistência dos trabalhadores, barateando-a e garantido a continuidade da expansão produtiva; por outro, ao ensejar o aparecimento de tipos de exploração agrícola fundados sobre mecanismos de dominação que repunham o econômico sob formas de coerção extra-econômica – o coronelismo e suas seqüelas como a meação, o colonato, o barracão, etc. - a renda da terra emergia como forma de valor, amplinao a acumulação por meio de relações sociais cuja reprodução assegurava-se no âmbito da circulação, superestimando a extração de excedentes. (MENDONÇA, 1997, p. 23).

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O Império cairia meio ano depois e a República não se atreveria a reformar o status da propriedade territorial. Ao contrário, quando se impõe a mobilização da maior parte do Exército brasileiro para esmagar um foco insurrecional de pobres no campo, em Canudos, os chefes republicanos não vacilam um só instante São implacáveis: mandam varrê-lo da face da terra. (FACÓ, 1978, p. 18-19).

Mendonça (1997), ao estudar o ruralismo na primeira república, também ressalta o caráter predominantemente rural da economia e sociedade brasileiras. No início de 1920, 75% da população economicamente ativa estavam alocados na atividade agrícola e apenas 13% na indústria. Sobre a concentração fundiária, destaca que do conjunto de seiscentas mil propriedades então registradas, “quase metade compunha-se de unidades produtivas com menos de 41 ha, ao passo que, em outro extremo, quatrocentas e sessenta e uma delas possuíam área superior a 25.000 ha respondendo, sozinhas, por 1/7 do total da terra em uso no país” (MENDONÇA, 1997, p. 22).

Mudanças na estrutura fundiária não ocorreram também com a “Revolução de 1930”, quando Getúlio Vargas, em aliança com a nascente burguesia industrial, derrota as oligarquias agrárias de Minas Gerais e São Paulo. “O pacto político que emerge não altera a estrutura da terra ou a concentração fundiária. Ao contrário, precisa dela para manter as massas de camponeses pobres e afastadas dos meios de produção de sua sobrevivência e autonomia” (STEDILE, 2015, p. 71).

O governo varguista também promulgou uma série de “decretos-lei proibindo o usucapião nas terras públicas e, ao mesmo tempo, encerrou a vigência da lei de 1850, transferindo a exclusividade da expedição de títulos de propriedade para a justiça comum. Mas a lei continuou a servir de modelo na falta de outro instrumento normatizador” (SILVA,1997, p. 18).

Rui Facó (1978, p. 12) também apresenta dados estatísticos da década de 1940 e, em Pernambuco, somente as 20 principais usinas possuíam terras numa área superior a 270 mil hectares.

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Extensão Rural8, que desempenhou um importante papel na implantação da revolução verde.

O golpe militar de 1964 irá impor um novo ritmo à revolução verde, alcançando grande desenvolvimento nos anos da década de 1970.

O imperialismo norte-americano, conforme aponta Mendonça (2015, p. 22), fomentou a expansão do capitalismo no campo brasileiro, incentivando a sua industrialização e estimulando a financeirização da agricultura.

Luciano Souza ressalta que esta modernização conservadora, centrada na tecnificação agrícola, seguindo os ditamos da revolução verde, atingiu mais fortemente os pequenos agricultores familiares e teve como consequências o “aumento da dependência tecnológica, o elevado nível de degradação ambiental, a ampliação da pobreza e da dependência financeira do agricultor e a generalização do desemprego rural [...]” (SOUZA, 2011, p. 235).

Sérgio Leite et al. (2004, p. 38) reforçam também que durante o regime militar prevaleceu a vertente do “desenvolvimento agrícola” em detrimento da “reforma agrária”, prevista no Estatuto da Terra. As políticas de governo que foram direcionadas para a modernização do latifúndio tiveram lugar central na estratégia de desenvolvimento adotada, na qual as exportações de produtos agrícolas e agroindustriais eram essenciais para a geração de divisas. As poucas ações de reforma agrária foram pontuais, para resolver um ou outro conflito, recorrendo inclusive a instrumentos anteriores ao Estatuto da Terra, como alternativas às desapropriações.

O processo de ascenso das lutas sociais no final dos anos 1970 e, principalmente, no início dos 1980, recolocou no seio da sociedade pautas de direitos sociais que haviam sido, por motivos óbvios, impedidas e bloqueadas durante o regime militar. A reforma agrária era uma delas. Leite et al. (2004) resgatam que:

Uma certa perspectiva de alteração desse quadro surgiu com a redemocratização, em 1985, quando a chamada 'Nova República' inscreveu a reforma agrária entre suas prioridades. A Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), pautada sobre o Estatuto da Terra, lançada durante o 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, estabeleceu metas de longo, médio e curto prazos quanto à extensão de áreas a serem desapropriadas e ao número de famílias a serem assentadas, propondo o estabelecimento de zonas prioritárias de reforma agrária. (LEITE et al., 2004, p. 39).

As forças latifundiárias, aliadas com a imprensa, rapidamente produziram uma forte campanha contra este primeiro Plano, espalhando o terror e desvirtuando a proposta das “zonas prioritárias de reforma agrária”. O governo então recuou e a reforma agrária continuou

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restrita a ações pontuais de distensionamento de conflitos mais graves.

A chamada Constituição Cidadã de 1988 foi o auge deste processo. Ao reconhecer a importância da reforma agrária e tratá-la como um direito, são reconhecidos alguns avanços. Porém, há também opiniões críticas sobre a forma como a reforma agrária é disposta no texto constitucional:

O princípio da função social da propriedade rural do Estatuto da Terra foi levado para a Constituição de 1988 (artigos 184 e 186). Mas minuciosa e detalhista, ela na verdade veio a constituir mais um bloqueio ao processo de reforma agrária que já vinha se arrastando. Absorvendo dispositivos inteiros da lei ordinária que já vigorava, até mesmo os de natureza processual, sua aplicação ficou dependendo de regulamentação por lei complementar. Pelo Estatuto da Terra, o poder público desapropriava, garantia a posse e a única coisa que se reclamava, depois, era o justo preço da indenização, pela constituição de 88 o expropriado podia questionar o ato até mesmo do Presidente da República. (SILVA, 1997, p. 20).

Com a não realização da reforma agrária, ou com esta reduzida a “uma política pontual e ocasional de projetos de assentamentos” (CARVALHO, 2002, p. 11), a estrutura agrária permaneceu concentrada em nosso país.

Fernandes, resgatando a proposta do Plano Nacional de Reforma Agrária, apresentado em 2003, pondera que seriam necessários apenas 35 milhões de hectares para assentar 1 milhão de famílias e que, considerando que em média a agricultura capitalista controla 70% das propriedades agropecuárias, cerca de 300 milhões de hectares, “não era de fato uma proposta que abalasse tanto as estruturas do poder hegemônico. Mesmo assim, ela não foi aceita pelo governo Lula” (FERNANDES, 2013, p. 194-195).

Tania Bacelar de Araujo, ao estudar o recente período de desenvolvimento, em especial no Nordeste, conclui que “a base agropecuária ocupou novos espaços e se modernizou sem que mudanças na velha estrutura fundiária se afirmassem, e a exploração de seus abundantes recursos naturais se fez em tempos nos quais a dimensão ambiental não tinha o destaque dos tempos atuais […].” (ARAUJO, 2014, p. 542).

O esforço de análise, empreendido na presente pesquisa, objetivou entender a estrutura agrária na mesorregião Zona da Mata Pernambucana e como os assentamentos de reforma agrária alteraram e influíram sobre a posse da terra, reconfigurando o território. A criação de assentamentos rurais é parte de um processo maior de luta pelo território, é parte do movimento de territorialização, desterritorialização e reterritorialização (TDR)9.

Bernardo Mançano Fernandes (2007, p. 81) afirma que território, como categoria geográfica, tem uma longa história teórica. Em suas variadas concepções, o território sempre

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foi estudado considerando “as relações de poder, desde o Estado ao capital, desde diferentes sujeitos, instituições e relações. Na essencialidade do conceito de território estão seus principais atributos: totalidade, multidimensionalidade, escalaridade e soberania”.

O território então é objeto de disputa entre as frações de classes com seus respectivos interesses. Fernandes (2012) aborda que esta disputa se materializa num processo de expulsão dos camponeses (desterritorialização) e que as ocupações de terra representam a recriação do campesinato (territorialização):

Essa miséria é gerada cotidianamente pelas relações capitalistas, que, depois de se apropriarem da riqueza produzida pelo trabalho familiar camponês, também se apropriam de seu território. Ao perder a propriedade, seu espaço de vida, seu sítio, sua terra e território, a família camponesa é desterritorializada. Como reação a esse processo, ocorrem a luta pela terra e as ocupações, na tentativa de criação e recriação da condição camponesa: campesinato e território são indissociáveis, e a separação entre eles pode significar a destruição de ambos […]. Criação e recriação significam territorialização e reterritorialização do campesinato, ao passo que a destruição significa a sua desterritorialização. É na formação que acontece a territorialização do campesinato. Desde as lutas das Ligas Camponesas até as lutas do MST, por exemplo, pela conquista de frações do território brasileiro que denominamos de latifúndios, lutas nas quais algumas dessas frações são transformadas em assentamentos, acontece a formação do território camponês. Simultaneamente a esse processo de formação e territorialização do campesinato, muitas famílias camponesas são expulsas, expropriadas, ou seja, são desterritorializadas. (FERNANDES, 2012, p. 747-748, grifo do autor).

Entendemos também o território como um espaço em que se realizam as relações sociais, onde estão em confronto permanente as classes sociais e suas frações. Numa relação dialética, a desterritorialização camponesa significa uma territorialização capitalista; e vice-versa, uma territorialização camponesa significa uma desterritorialização capitalista.

A estrutura agrária contribui para a análise do território e das relações, ali imbricadas, de territorialização e desterritorialização. Ela não nos explica tudo, mas ela nos indica algo e pode nos fornecer importantes dados para a compreensão da nossa questão agrária.

Ressaltamos que não concebemos a estrutura agrária como algo atemporal, a-histórico ou estático, mas sim como um processo histórico e social, que expressa relações de poder e é resultado de ações de forças de classe e do Estado.

A estrutura agrária, segundo Michel Gutelman10, “consiste na materialização de um

sistema geral de relações de forças” (GUTELMAN apud CARVALHO, 2002, p.3) onde as classes sociais disputam o sobrevalor produzido sobre determinadas relações sociais. Por outro lado, a análise da estrutura agrária é parte de uma realidade bem mais complexa e que

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envolve outros tipos de relações sociais e políticas na caracterização da sociedade brasileira11.

Num prefácio a uma obra clássica da geografia nordestina, Prado Júnior argumenta que:

[...] A estrutura agrária e as relações de produção no campo brasileiro se revestem, em muitas instâncias, de extrema complexidade. Esse é particularmente o caso do Nordeste onde se foram construindo através do tempo, sistemas econômicos muito particularizados que precisam ser levados em consideração na formulação das reformas regidas na atual conjuntura econômica e social do país. (PRADO JÚNIOR, 1973. p. 11-12).

A estrutura agrária permanece concentrando-se por meio de ações do Estado. Além de não adotar medidas efetivas para a desconcentração da terra, o Estado a fortalece através de mecanismos variados e, principalmente, financeiros. Em recente pesquisa, a estrutura agrária foi utilizada para compreender a forma como ocorre a distribuição dos financiamentos bancários12 destinados à produção agropecuária. Neste estudo, enquanto “os 50% menores

estabelecimentos empregam cerca de apenas 6,5% do total de financiamentos, os 5% maiores utilizam quase 63%, e os 10% maiores 70% desse total” (SOUZA; NEY; PONCIANO, 2015, p. 267). O índice gini de concentração dos financiamentos no Brasil, apontado no mesmo estudo, é de 0,764. Para Pernambuco, os 10% maiores estabelecimentos agropecuários concentraram 61,77% dos financiamentos, enquanto os 50% menores apenas 11,34% dos financiamentos.

Uma das consequências inevitáveis da permanência da concentração da terra é a continuidade de conflitos e crimes a ela associados13. Segundo o relatório da Comissão

Pastoral da Terra, no período de 2005 a 2014 foram registrados no Brasil 10.128 conflitos por terra, que envolveram cerca de cinco milhões de pessoas e culminaram no assassinato de 308 pessoas (CONFLITOS, 2014). Como explica Medeiros:

Os dados indicam a permanência de um padrão de conflitualidade que é constitutivo da nossa história e cujo cerne é, como diversos pesquisadores têm apontado, o acesso à terra. As disputas em torno desse bem revestiram-se de diversas formas ao longo do tempo, mas sua raiz está no processo de transformação da terra em equivalente de mercadoria e, portanto, na criação de condições para sua livre compra e venda no mercado e apropriação da renda fundiária. A mercantilização subjuga e tende a diluir outros significados dados à terra pelos que nela vivem. (MEDEIROS, 2015, p.26).

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“O concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação” (MARX, 2007, p. 256-257).

12 A pesquisa em questão considerou os financiamentos oriundos de programas governamentais de crédito sejam eles federais, estaduais ou municipais, e não provenientes de programas governamentais de crédito.

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Na última década, o desenvolvimento capitalista no campo, sob a hegemonia do agronegócio, além dos sujeitos sem-terra passou a atingir também comunidades quilombolas e indígenas, impondo dificuldades de acesso ou permanência na terra a essas comunidades.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) denuncia que, das 1.047 terras indígenas reivindicadas por estes povos atualmente, apenas 38% estão regularizadas. Cerca de 30% das áreas estão em processo de regularização e 32% sequer tiveram iniciado o procedimento de demarcação por parte do Estado brasileiro. Das terras indígenas regularizadas, “em termos de extensão territorial, 98,75% se encontram na Amazônia Legal. Enquanto isso, 554.081 dos 896.917 indígenas existentes no Brasil, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, vivem nas outras regiões do país, que têm apenas 1,25% da extensão das terras indígenas regularizadas” (RELATÓRIO..., 2014, p. 12).

Sérgio Leite et al. ponderam que apesar das modificações ocorridas, no início da década de 2000, pelo menos dois elementos permaneceram praticamente inalterados desde o início da colonização: a pobreza da população trabalhadora rural e a elevada concentração da terra e do poder. Desta forma, o controle do monopólio da propriedade fundiária está na

base do processo de exclusão social da população rural que, impedida de ter acesso à propriedade da terra, foi levada a se submeter a formas extremas de exploração. Tal situação de exclusão e pobreza suscitou, em diferentes momentos, formas de reação da população trabalhadora[...]. (LEITE et al., 2004, p. 52)

A pobreza rural, a partir de 2003, teve significativa diminuição, conforme indicam várias pesquisas que analisam as políticas sociais dos governos petistas14. Se os índices de

pobreza rural diminuíram, o mesmo não se pode dizer em relação à concentração da terra. Para Delgado “não há evidência, incluindo as comparações recentes – Censo Agropecuário de 2006, comparado ao de 1996 – de que tenha havido diminuição na desigualdade de distribuição de terras, mas sim do contrário” (DELGADO, 2010, p.416).

Uma das dificuldades existentes para se estudar a estrutura agrária são as diferentes formas de classificação e de fontes da informação. Assim, pretendemos aqui realizar um estudo comparativo entre os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dois Institutos partem de fonte de dados primárias diferentes, o primeiro analisa a estrutura agrária a partir dos dados fornecidos ao Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), baseados no imóvel rural; o

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segundo considera o estabelecimento rural e seus dados são coletados durante a realização do Censo Agropecuário, que ocorre, aproximadamente, a cada dez anos.

Há uma diferença fundamental entre “imóvel rural” e “estabelecimento agropecuário”. O imóvel rural parte dos dados de matrícula do imóvel registrados em cartórios de imóveis, e declarados junto ao INCRA. O estabelecimento agropecuário considera a gestão, administração do estabelecimento. Assim, um imóvel rural se arrendado para duas famílias se constitui em dois estabelecimentos agropecuários. Da mesma forma que dois imóveis rurais administrados por uma única família se constituem em um estabelecimento agropecuário. Mais à frente retornaremos a este ponto.

Do INCRA também foram utilizados os dados do Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), que permitiu a confrontação com os dados do SNCR e a configuração de uma classificação da estrutura agrária mais precisa, além, é claro, de dimensionar o tamanho e significância dos assentamentos rurais na região estudada. Isso foi necessário pois no SNCR os assentamentos agrários aparecem classificados como uma única propriedade que, devido à sua área, normalmente se encontram classificadas como grandes propriedades, fato que não condiz com a realidade, na qual temos sim um agrupamento de pequenas propriedades15. Então foi necessário um trabalho, município por município, de

glosar, retirar das grandes propriedades os assentamentos agrários e, paralelo, contabilizar as famílias assentadas em cada um destes na faixa das pequenas propriedades. Este detalhado trabalho permitiu uma configuração mais precisa da estrutura agrária a partir dos dados do SNCR.

A definição da área a ser estudada, a zona da mata pernambucana, surgiu de um interesse pessoal do pesquisador em conhecer uma das regiões de maior conflitividade rural, seja em relações trabalhistas no campo (SIGAUD, 1980) ou por terra (ROSA, 2011). Vale dizer também que a região foi o berço das históricas Ligas Camponesas que, nos anos 1950, “assumiu expressão nacional, tendo a reforma agrária como bandeira de luta, e sendo fortemente reprimida após o golpe militar [...].” (LEITE et al., 2004, p. 52).

Metodologicamente foram utilizadas três fontes de dados: o Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, 2013) e o Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária – SIPRA (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, 2014), ambos

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do INCRA, e o Censo Agropecuário do IBGE, realizado em 2006 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012). O SNCR e o Censo são as mais utilizadas na maioria dos estudos sobre a questão agrária brasileira. O diferencial do presente trabalho foi a incorporação dos dados do SIPRA no aferimento da estrutura agrária a partir dos dados do SNCR.

Porém, também há críticas sobre seu uso, além as limitações de acesso ao SNCR e o fato dele ser autodeclaratório, os dados do Censo também, às vezes, apresentam contradições. Sobre esta questão, Fernandes diz que:

Muitas críticas são feitas a essas fontes, por causa repetição de dados no caso do Sistema Nacional de Cadastro Rural e do aumento e diminuição dos números de estabelecimentos no caso do Censo Agropecuário, por exemplo. Todavia, a utilização dessas fontes também é uma forma de acompanharmos as mudanças de seus resultados e as decisões políticas para aprimorá-las. (FERNANDES, 2007, p. 77-78).

Os dados dos quarenta e três municípios que integram a mesorregião foram classificados de três formas:

a) de acordo com o número de Módulos Fiscais em: minifúndio, pequena propriedade, média propriedade e grande propriedade; com base no Grau de Utilização da Terra (GUT) e no Grau de Eficiência na Exploração (GEE), as grandes propriedades foram divididas em produtivas e improdutivas;

b) classes de hectares: 0 a 10 ha, 10 a 100 ha, 100 a 1000 ha, e acima de 1000 ha; c) estabelecimento da agricultura familiar e não-familiar, de acordo com a Lei 11.326

de 24 de julho de 2006 (BRASIL, 2006).

Incorporamos no estudo as informações de todos os assentamentos de reforma agrária implantados na região, a fim de apurar ainda mais a análise da estrutura agrária, pois os assentamentos aparecem no SNCR como grandes propriedades.

Esta categorização dos assentamentos como grandes propriedades é equivocada, uma vez que se trata de uma grande propriedade que foi parcelada em várias unidades menores, beneficiando agora muito mais famílias.

A problematização e análise dos dados permitiu entender a realidade agrária da região, pois a estrutura agrária é indissociável das relações sociais de produção no campo, em especial do quadro de disputas entre o agronegócio e os camponeses.

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procuramos realizar um trabalho pura e metodicamente geográfico, uma vez que analisávamos um problema que é não só geográfico como também histórico, social e, sobretudo, econômico [...]” (ANDRADE, 1973, p. 17).

O uso destas diferentes variáveis para a análise da estrutura agrária na região permitirá uma compreensão melhor deste todo complexo. A forte presença dos assentamentos de reforma agrária na região é analisada como fruto de um processo maior de lutas pela terra e veremos como isso interfere, e modifica, esta estrutura agrária.

Assumindo a estrutura agrária como fruto de um processo histórico, de enfrentamento permanente das classes sociais num território, no qual o Estado não é neutro e nem representante de uma única classe16, é importante fazermos um breve percorrido histórico

sobre o processo que resultou nesta estrutura agrária de hoje.

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2 O NORDESTE E A ZONA DA MATA PERNAMBUCANA

Manoel Correia de Andrade, no clássico livro “A Terra e o Homem no Nordeste”, dizia que o Nordeste é uma das regiões geográficas mais discutidas e menos conhecida do país (ANDRADE, 1973, p. 21). O interesse pela região e sua importância histórica na formação de nosso país atraiu o interesse de grandes historiadores, sociólogos, economistas, entre tantos outros. Também pessoas do mundo das artes retrataram a região. Na literatura, lembramos de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e Ariano Suassuna. Somente Pernambuco, na pintura, nos propiciou Lula Cardoso Ayres e Cícero Dias, além do importante Movimento de Cultura Popular, do qual participaram Paulo Freire, Abelardo da Hora e tantos outros. O vigor da cultura popular também recitou o Nordeste nos versos de Patativa do Assaré e nas canções de Gonzagão.

O fato reclamado por Andrade (1973), de a região ser muito estudada e ao mesmo tempo pouco conhecida, nos dias de hoje, já está superado. É inegável que ainda existem dúvidas, fatos desconhecidos, interpretações equivocadas, mas estas ocorrem como em qualquer outra região do país. Porém aquela visão de um Nordeste “distante”, pobre, miserável, império da fome, com retirantes a caminhar quilômetros pés descalços na terra seca povoa poucas mentes.

Nesta pesquisa, para nos aproximarmos dessa região e de sua realidade concreta, recorremos principalmente a Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Jacob Gorender, Francisco de Oliveira, Mário Lacerda de Melo, Manoel Correia de Andrade e Leonardo Guimarães Neto. Não é nosso objetivo abarcar todas as concepções interpretativas sobre a região, mas sim discorrer sobre os elementos principais da formação do Nordeste e como nela se desenvolveu, pari passu, a concentração fundiária.

Também nasceram no Nordeste fortes movimentos que, direta ou indiretamente, contestaram a propriedade da terra e as relações de exploração nela estabelecidas. Tanto no Arraial de Canudos, de Antônio Conselheiro; no Caldeirão, do Beato Lourenço, no Quilombo de Palmares, de Zumbi; nas ações dos grupos de cangaço no sertão e, mais significativamente, nas Ligas Camponesas na zona da mata, o confronto contra a ordem estabelecida envolvia também a luta pela posse da terra e por outras relações sociais de produção.

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capitalistas de produção; pela produção de mais-valor em relações capitalistas clássicas17; e

também pela apropriação via circulação de produtos produzidos por relações não capitalistas, na qual um dos exemplos é o das relações estabelecidas entre famílias camponesas e os compradores de sua produção, situação esta muito bem discutida por Bartra (2011).

A exploração econômica inicial no nosso país, no período colonial, teve como um dos seus pilares o latifúndio. Marx descreve como a exploração das riquezas nos países coloniais, associado à expulsão dos camponeses e à apropriação de suas terras na Europa central, foi fundamental para a acumulação de grandes volumes financeiros necessários à expansão e ao desenvolvimento das forças produtivas, culminando na revolução industrial do início do século XIX:

As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e da pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista. Esses processos idílicos são fatores fundamentais da acumulação primitiva. (MARX, 1998, p. 864).

Para Marx (1998, p. 828), a chamada acumulação primitiva é “o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista”. Compara o papel da acumulação primitiva para o desenvolvimento capitalista ao “pecado original” na teologia (MARX, 1998, p. 827).

É a correlação de forças entre as diferentes classes sociais e suas frações que configura a apropriação das terras e as formas de acumulação, seja por espoliação direta ou produção de mais valia. David Harvey diz que:

O que é quase certo é que o capitalismo não poderia ter sobrevivido e florescido na forma que tem hoje, se não fosse pela expansão perpétua das populações disponíveis tanto como produtores quanto como consumidores. Isso tem ocorrido mesmo quando as populações não são organizadas de acordo com as relações sociais, as tecnologias, as formas de produção e os arranjos institucionais capitalistas. As contribuições da escravidão, do ouro incaico, do fornecimento de matérias-primas extraídas das populações indígenas e dos mercados não capitalistas de produção e absorção de capital excedente foram fundamentais para sustentar o crescimento capitalista através dos séculos. (HARVEY, 2014, p. 120).

Com o início da exploração das riquezas naturais, o grau de extração leva Caio Prado

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a descrever esse processo colonizador como o “sentido da colonização”:

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social da formação e evolução histórica dos trópicos americanos. (PRADO JÚNIOR, 1953, p. 25, grifo nosso).

A essência de nossa formação está no fato de nos constituirmos para “fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais do que isto [...]” (PRADO JÚNIOR, 1953, p. 26). Tendo sempre como objetivo principal o exterior, a demanda e os interesses da metrópole é o que determinarão a organização da sociedade e de nossa economia.

Guimarães ([197?]), apesar de equivocado em sua leitura sobre o modo de produção vigente no referido período18, analisa muito bem como o latifúndio foi importante para a

consolidação do poder:

No sistema de plantação, como aliás no conjunto de economia pré-capitalista do Brasil-Colônia, o elemento fundamental, a característica dominante a qual estavam subordinadas tôdas as demais relações econômicas, é a propriedade agraria feudal, sendo a terra o principal e mais importante dos meios de produção. (GUIMARÃES, [197?], p. 30-31, grifo do autor).

No período colonial, a ocupação territorial, a partir da faixa litorânea, ocorreu através das capitanias hereditárias, pelo regime sesmarial19. Antes das sesmarias, segundo Nozoe

(2005, p. 1), a legislação fundiária aplicada foi baixada de modo descontinuado, “dispersa em um amplo número de avisos, resoluções administrativas, cartas de doação, forais e os textos das Ordenações. Essa gama de dispositivos legais ensejou uma legislação fragmentada, nem sempre coesa, revogada e reafirmada de tempos em tempos [...]”.

Modelada com base em usos e procedimentos legais legados pela tradição, essa norma jurídica [sesmaria] constituiu-se no principal meio de promoção da colonização e do aproveitamento dos vastos territórios do além mar que a expansão ultramarina colocou sob domínio da Coroa lusitana. A transposição deste instituto jurídico para terras brasileiras deu-se em face do desejo da Coroa portuguesa de promover o povoamento e o aproveitamento por particulares, de um lado, e, de outro, da ausência de um meio legal alternativo para viabilizar aqueles intentos.

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Alberto Passos Guimarães (GUIMARÃES, [197?]), juntamente com Nelson Werneck Sodré, defendia a tese de que no Brasil colonial o modo de produção predominante era o feudalismo; diferentemente de Caio Prado Jr., Roberto Simonsen e Gunder Frank, que, partindo de análises diferentes, avaliavam o referido período como colonial capitalista.

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