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Aspectos da comunicação nas práticas avaliativas na Estratégia Saúde da Família.

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Academic year: 2017

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Aspectos da comunicação nas práticas

avaliativas na Estratégia Saúde da Família

Aspects of communication in Family Health

Strategy evaluation practice

Katia Virginia de Oliveira Feliciano 1

1 Grupo de Estudos de Gestão e Avaliação em Saúde. Instituto de

Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.070-550. E-mail: kfeliciano@terra.com.br

Abstract

This article adopts a hermeneutical and critical approach, in order to examine the importance of the conditions making possible and legitimizing commu-nications practices aiming to evaluate the Family Health Strategy. It is the participatory nature of the strategy that enables it to establish social networks and negotiation techniques aiming to achieve cohe-rence between the autonomous judgment of each indi-vidual and the expectation of obtaining contracts and agreements for joint projects. The shared decision-making process is shown to be a network of relations that are always in tension, in which the success of negotiations may be hampered by asymmetrical power relations and unfair distribution of the power to make threats. This means that is indispensable that what is said and how language is used be called into question. In order to reflect on language as a construct in a given context, the article draws on the work of Gadamer, Habermas and Ricoeur. It aims to reaffirm the importance of intersubjectivity as a condition for decision-making, thereby helping to build up the training potential of evaluation in the area of health.

Key words Communication, Participative planning, Program evaluation, Health evaluation, Evaluation

Resumo

Este artigo adota uma perspectiva hermenêutica e crítica para examinar a importância das condições de possibilidade e legitimidade de práticas comunica-tivas para a avaliação na Estratégia Saúde da Família. É o caráter participativo da avaliação que possibilita estabelecer redes sociais e técnicas de negociação, visando à coerência entre a autonomia do julgamento de cada um e a expectativa de obter acordos e pactos na construção de projetos comuns. O processo decisório compartilhado se apresenta como uma rede de relações sempre tensas, na qual, o êxito da negociação pode ser prejudicado pela assimetria de poder e os potenciais de ameaça injus-tamente distribuídos entre interlocutores, tornando indispensável o questionamento do que é dito e da própria situação de uso da linguagem. Para refletir sobre a linguagem como objeto construído, em um dado contexto, recorre-se a Gadamer, Habermas e Ricoeur. Espera-se reafirmar a importância da inter-subjetividade como condição de possibilidade das decisões, contribuindo para o fortalecimento do potencial formativo da avaliação em saúde.

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Introdução

A adoção da Estratégia Saúde da Família como eixo estruturante do sistema público de saúde, a enorme expansão de cobertura por meio desta estratégia e a complexidade do seu processo de implantação levaram o Ministério da Saúde, desde 2003, a for-talecer a avaliação enquanto importante instrumento para a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, a construção da Política Nacional de Avaliação da Atenção Básica em Saúde, desen-volvida pela Coordenação de Acompanhamento e Avaliação do Departamento de Atenção Básica (CAA/DAB) da Secretaria de Atenção à Saúde, obje-tivou a indução de uma cultura avaliativa nas três esferas de governo, com o apoio das instituições de ensino e pesquisa.1

A institucionalização traz à discussão o poder transformador da avaliação em saúde, que está condicionado à participação daqueles, potencial-mente, afetados pelas consequências que possam advir da sua prática. Depara-se, portanto, com a necessidade de constituir, de modo duradouro, espaços de encontro entre interlocutores (políticos, planejadores, gestores, trabalhadores de saúde, usuários e não-usuários, instituições do setor e de fora do setor saúde), nos quais se arbitre entre reivin-dicações concorrentes relativas aos interesses e aos valores relacionados com a saúde, a doença e o cuidado.2Em quaisquer situações, os discursos e as práticas resultam da interação entre diversas preten-sões, exigências e condições de validez.3-5

O reconhecimento do processo avaliativo como construção coletiva, por conseguinte, a assunção do caráter contextual e reconstruído das decisões sobre os modos de agir, está presente nos discursos oficiais que expressam a expectativa institucional de aceitabilidade e legitimidade da Estratégia Saúde da Família.6Na busca de efetivação da integralidade em saúde, a amplitude e a diversidade das redes de comunicação que é possível estabelecer representam desafios práticos para o campo da avaliação. Particularmente, devido à proposta de opera-cionalizar a promoção da saúde por intermédio dessa estratégia.7A partir da concepção mais abrangente da Carta de Ottawa, em 1986, quando a promoção da saúde, superando as limitações das abordagens de risco, passa a dar prioridade às mediações com outros setores e à participação social.8Desse modo, ganha destaque na avaliação o sentido de fortaleci-mento da transformação em prol da cidadania e dos

manifesta-se cada vez mais a ideia de comparti-lhamento da responsabilidade e compromisso na tomada de decisões e encaminhamentos das mesmas.9-12Amplia-se o debate sobre as posturas epistemológicas e metodológicas potencialmente mais adequadas para a avaliação de programas e serviços de saúde, com a negociação entre atores representando o cerne da proposta de avaliação de quarta geração desenvolvida por Guba e Lincoln.13 Nessa, a mensuração de resultados da intervenção (primeira geração), descrição das atividades desen-volvidas (segunda geração) e julgamento da adequação segundo referenciais técnicos (terceira geração), passa pela construção de pactos efetivados mediante a linguagem, por sujeitos que buscam o ajuste entre práticas e ideais de vida.

A linguagem é um elemento estruturador da experiência, sendo sempre utilizada em um dado contexto sociocultural condicionado por convenções que regulam a interação humana.3,4,14Uma maior perspicácia relacionada ao uso comum da linguagem trará uma visão mais aguçada das posições e funções de indivíduos e coletividades, jogando um pouco de luz sobre o obscuro e o contraditório presente na realidade que por meio da prática avaliativa se pretende transformar. Também propiciará uma visão mais sutil dos níveis diferenciados de poder que afetam a possibilidade de desenvolvimento de competências para participar da vida em sociedade.14 O modo de utilização da linguagem pode trazer um sério problema para a constituição do processo avaliativo como um dispositivo de mudança.

Neste artigo, adota-se uma perspectiva hermenêutica e crítica para examinar a importância das condições de possibilidade e legitimidade de práticas comunicativas para a avaliação no âmbito da Estratégia Saúde da Família. Na reflexão sobre a linguagem como objeto construído, prática concreta que se constitui em um dado contexto social e intera-cional, recorre-se a Gadamer, Habermas e Ricoeur para conferir visibilidade a uma esfera de interesse que não é mais técnico, o qual ressalta a eficácia de intervenções sobre o mundo, mas prático, referindo-se à busca de acordos e pactos sobre a melhor forma de agir. A perspectiva habermasiana também remete ao interesse pela emancipação, portanto, à partici-pação dos indivíduos na discussão dos objetivos e meios dos processos sociais pelos quais são afetados.

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contextos específicos, merece consideração as desigualdades de autoridades técnicas e científicas, acrescidas na relação entre os avaliadores e os avali-ados da autoridade política, que têm criado obstáculos para o questionamento sobre a correção de ações e normas e a adequação de avaliações e de padrões segundo os quais se interpretam as necessi-dades. É justamente o entrecruzamento de linguagem e poder que mostra a importância de reinterpretar não apenas o que é dito, mas a própria distribuição dos papéis aos falantes como pré-condição para realizar a comunicação.3,15,16Conforme Marcondes (2000: 47)14, isso significa interrogar-se:

[...] sobre o objetivo, o propósito do ato no tipo de situ-ação de discurso em que se realiza, explicitando os seus efeitos e conseqüências.

Para Gadamer (2006: 129),17a autoridade, em um sentido positivo, diz respeito à superioridade do saber ou do ser-capaz-de-fazer, à superioridade da compreensão. No entanto, ele chama à atenção:

Aquele que tenta obter vantagem do peso institucional de sua superioridade e coloca isso no lugar de argumentos, sempre corre o risco de falar de forma autoritária e não autoritativa.

A legitimidade da autoridade tem a autocrítica como uma exigência ética. Também implica em reconhecer que a liberdade crítica do outro pode exigir até mesmo a limitação da própria autoridade. Aspectos que denotam o profundo entrelaçamento interno entre autoridade e liberdade crítica. Contudo, no âmbito de uma racionalidade que confere primazia à ciência e à técnica na formação da opinião e da vontade, liberdade crítica e autoridade constituem-se como opostos.

Com efeito, há oposição entre questionamento e autoridade nos contextos de ação em que a assime-tria de poder está vinculada à dominação. No desen-volvimento das práticas em saúde a desvalorização do saber acumulado pela experiência prática coti-diana pode ser considerada legítima, com base nos processos de racionalização que privilegiam a um saber-fazer fundado no conhecimento técnico-cientí-fico.15-17Também é legitimada pela universalização de interesses que se fundamenta na ideia do benefi-ciamento de todos pela adesão aos critérios e normas técnicas preconizados para qualificar a atenção à saúde. Esta ideia induz a uma valorização positiva da universalização, que parece estar em sintonia com o alcance do objetivo mais caro à institucionalização da avaliação: a transformação para a garantia da

qualidade da atenção prestada.

A sobrevalorização dessa racionalidade, de caráter estratégico, reduz a comunicação à trans-missão unilateral de informações e faz com que a linguagem seja utilizada como meio para persuadir acerca da valoração correta de possíveis alternativas de ação, aparecendo como neutra e universal. Dessa perspectiva, a decisão sobre a melhor forma de agir não pressupõe o reconhecimento do caráter simul-taneamente contextual e singular dos modos de andar a vida, sendo tomada de forma fundamental-mente monológica.3,15Embora as relações interpes-soais entre os usuários e os trabalhadores de saúde possam ser cordiais e os usuários possam até mesmo se mostrar satisfeitos com o caráter informativo da comunicação. No entanto, como aponta Habermas,15 essa racionalidade encerra uma pretensão tecnocrática que obscurece o conflito de interesses do cotidiano que torna necessária a discussão prática.

A desconsideração pela contribuição do saber prático, adquirido pela experiência, para a decisão, segundo Gadamer,16converte a práxisem uma apli-cação acrítica do conhecimento técnico-científico, difundindo uma perda de flexibilidade no trato com o mundo, uma renúncia à liberdade de escolha em relação ao próprio poder-atuar. Desse modo, a práxis

que significa sempre escolha e decisão entre possi-bilidades é reduzida à exequibilidade daquilo que é preconizado fazer. Muito embora o julgamento dirigido à situação concreta, requeira a reivindicação de validade das propostas quanto à eficácia, legiti-midade nos contextos de desenvolvimento e capaci-dade de estabelecer efetiva comunicação entre as diferentes perspectivas em interação.3

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Cabe atentar para a simultaneidade das regras que regulam os contextos de interação, até porque a ação instrumental está referida à aquisição de habili-dades para a realização de ativihabili-dades essenciais à vida prática, assim como em muitas circunstâncias pretende-se influenciar a decisão do outro. Para Habermas,18os sujeitos que atuam comunicativa-mente também podem se orientar para o próprio êxito, mas só alcançam o êxito almejado, mediante o entendimento. Destaca-se, então, a dimensão ética e política da ação comunicativa na qual o interesse emancipatório desempenha um papel essencial. Na busca de, mediante o processo de reflexão e auto-reflexão, explicitar no nível da consciência o conflito das desigualdades, da resistência e da conformidade que, ocultado, negado ou obscurecido, estava condi-cionando as decisões.15

Habermas3 alerta para os contrastes nos conceitos de responsabilidade e autonomia quando se leva em conta a racionalidade da ação. Na ação comunicativa, como não se pode prescindir do convencimento sobre a correção dos argumentos apresentados, responsável é aquele capaz de orientar os seus atos por pretensões de validade intersubjeti-vamente reconhecidas. A possibilidade de olhar criti-camente as propostas e de encontrar caminhos alter-nativos de ação é parte do exercício democrático, que implica no desenvolvimento da autonomia para assumir a responsabilidade do próprio julgamento. A autonomia pressupõe um sujeito responsável, que se reconhece capaz de agir de conformidade com a sua vontade, mas sabe que os outros são constitutivos de seu problema e de sua possível solução. Isso solicita outra atitude em relação a si mesmo e ao outro, sendo menores as possibilidades de ocorrer abuso de poder.

No agir estratégico, a responsabilidade diz respeito à escolha correta entre alternativas de ação e à capacidade de controlar algumas condições necessárias para alcançar os intentos. O que amplia a autonomia, aumentando as possibilidades daqueles que detêm maiores poderes recorrerem à coerção na negociação dos conflitos. Aqui a ideia de autonomia está ligada à do "constrangimento", pois alude a um sujeito autônomo, gestor de suas relações e necessi-dades, capaz de fazer valer sua vontade, exercendo o poder sobre o outro.3Ricoeur (1991: 257)19 argu-menta que a violência é fruto também da não-reci-procidade na interação, da oposição entre a forma ativa do fazer e a forma passiva do ser feito, portanto, do suportar.

nativa para solução conflitos e de formação coletiva da vontade. O êxito da negociação, contudo, pode ser prejudicado por uma assimetria de poder que esteja ligada à dominação. Por isso, para cumprir de fato o seu papel, a negociação necessita garantir a equidade dos compromissos estabelecidos, os quais regulam, entre outras coisas, o direito à participação, o tipo de temas, contribuições, informações e a permissão de sanções. Assim, a simetria dos inter-esses de cada participante é considerada como um problema da combinação entre os mesmos, com o pacto sendo alcançado de modo não-coercitivo, levando à formação de uma vontade geral que agrega os argumentos e as alternativas na repartição de benefícios.

São enormes os desafios para estabelecer um processo equitativo de negociação, mas esse proce-dimento, com todas as suas dificuldades e con-tradições, representa um passo essencial para asse-gurar o potencial formativo da avaliação. É fato que a utilidade prática da avaliação está fortemente vinculada à participação na produção de subsídios e tomada de decisões relevantes relacionadas com a qualidade de vida e assistência à saúde.10Este poten-cial formativo adquire destaque no âmbito da institu-cionalização da avaliação, por meio da integração do monitoramento e da investigação avaliativa à rotina dos serviços.1O propósito de melhorar a qualidade da atenção básica no seu decorrer, com ênfase na prestada pela Estratégia Saúde da Família, reitera a importância da intersubjetividade como condição de possibilidade das decisões.

Prática avaliativa como “ação sensata”

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reconheci-amplas da vida humana precisam ser contempladas no âmbito de práticas que, expressando a respon-sabilidade sanitária, visam o desenvolvimento de habilidades pessoais e institucionais para a proteção da saúde e o estabelecimento de parcerias com o conjunto de práticas sociais comprometidas com a qualidade de vida (articulação dos recursos comu-nitários e de outros setores).6A possibilidade de um contato compreensivo com os participantes traz consigo a exigência de, no contexto de cada situação, reconhecer o caso de aplicação de uma regra geral.16,17Na organização e no processo de trabalho em saúde a tarefa é unir o saber-fazer tecnológico à capacidade de considerar visões de mundo e formas de ação alternativas.

A intersubjetividade das práticas em saúde envolve necessariamente o diálogo para que se possa verbalizar e resolver conflitos.3,15 Na equipe de saúde da família, os novos padrões de autonomia e responsabilidade profissional, que sustentam a trans-formação na dinâmica social das práticas em saúde, requerem, de um lado, o questionamento das desigualdades estabelecidas entre os distintos trabalhos e a aceitação da interdependência da autonomia profissional. De outro, a formulação de um projeto comum fundado na interdisciplinaridade do conhecimento e no caráter multiprofissional da operação do trabalho. Também implica em negoci-ação na busca de construir projetos terapêuticos indi-viduais e estabelecer pactos entre a equipe e a comu-nidade, a equipe e a rede integrada de serviços de saúde, bem como entre a equipe e as distintas instân-cias institucionais de dentro e de fora do setor saúde.2

Dessa perspectiva, a tomada de decisões rela-cionadas com a organização do processo de trabalho, as práticas em saúde, a coordenação de ações, o planejamento e a avaliação está apoiada na coerência entre a autonomia do julgamento de cada um e a expectativa de obter acordos e pactos na construção, entre outros aspectos, de projetos terapêuticos indi-vidualizados e de projetos de intervenção coletivos. Assim, o processo avaliativo em saúde remete de maneira simultânea à ideia de necessidade e de alguma incerteza quanto a seu destino, tendo em vista o condicionamento recíproco entre conheci-mento, compreensão, execução e transformação da realidade.

Potvin, citada por Bodstein,11 considera esta indeterminação, chamando a atenção para o programa (formulação de objetivos e estratégias para alcançar a transformação visada pelo projeto) como sistema de ação em que, apesar da possibilidade de definição de seus elementos básicos como o contexto

de desenvolvimento, a estrutura, o processo de trabalho e os efeitos que podem ser atribuídos às ações realizadas, não deveriam ser reduzidos à racionalidade linear de um modelo lógico. Note-se que, mesmo quando a proposta de intervenção é pactuada, o desenvolvimento das ações pode não corresponder ao que foi concebido, além disso, as mudanças não se referem apenas aos resultados e efeitos programados.

Essa indeterminação ressalta o caráter ético das práticas em saúde que não permite restringir a sua avaliação aos julgamentos da adequação das ativi-dades executadas, com base na aplicação de regras técnicas e estratégicas descontextualizadas. Não obstante, como lembra Ayres,21nas práticas avalia-tivas os aspectos técnicos e científicos necessitam de entrar em contato com os não-técnicos, para que os pressupostos, métodos e resultados das tecnociências da saúde possam dialogar com os inalienáveis inte-resses de compreensão e simultânea construção do si mesmo e do outro. É a aceitação deste sentido formativo – o conceito gadameriano de formação refere-se à maneira humana de aperfeiçoar aptidões e faculdades – que possibilita a configuração de um saber prático que cria o hábito de recorrer ao bom senso na tomada de decisões.

Na medida em que estabelece uma relação consciente e negociada na formulação e avaliação continuada de um projeto comum, a prática avalia-tiva se legitima pela capacidade de julgar e emitir juízos, constituindo-se como práxis. Assim posta, como práxis, a avaliação estará de fato implicada com o que almeja em sua última instância: a trans-formação da realidade. O movimento recursivo entre o ter-sido, o está-sendo e o vir-a-ser, em um processo incessante de retificação das escolhas iniciais, tornando factível a ideia de aprimoramento das políticas de saúde, da gestão dos serviços, da formação e supervisão técnica e ética dos profis-sionais, com o propósito de oferecer adequada atenção, melhor condição de saúde e qualidade de vida. Também factível a ideia de modificação contínua dos envolvidos, a partir da experiência em que estão engajados.

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compromissos sobre a melhor forma de agir. Esse ponto de vista também elucida a relação recorrente entre as questões de saúde e os projetos de vida.

Os procedimentos participativos resgatam o respeito pelas distintas esferas da experiência, permitindo que seja vivenciado um permanente processo de aprendizado e autocorreção, no qual a argumentação desempenha um papel importante.9,12 É o caráter participativo da avaliação que possibilita estabelecer redes sociais e técnicas de negociação, nas quais o outro se constitui como mediador na relação com o mundo, assumindo o compromisso e a responsabilidade no julgamento sobre questões como: O que queremos por meio dessas escolhas? Como fazer com que a escolha coletiva seja verdadeiramente a escolha de cada um, a escolha de todos? No âmbito da decisão individual ou coletiva, quando está em jogo a tomada de posição diante de pretensões de validade, controversas, sobre a melhor forma de atuar, Habermas (2004: 14)22 chama a atenção para a ética que perpassa a força consensual do argumento:

O que pesa sobre as decisões dos participantes de um discurso prático é a força de obrigatoriedade daquela espécie de razões que, em tese, podem convencer a todos igualmente – não só as razões que refletem minhas prefe-rências, ou as de qualquer outra pessoa, mas as razões à luz das quais todos os participantes podem descobrir juntos, dado um assunto que precisa ser regulamentado, qual a prática que pode atender ao interesse de todos.

O conjunto das medidas tomadas pelos indiví-duos e instituições para preservar ou restaurar a intersubjetividade da decisão tem adquirido importância, no Brasil, desde os meados dos anos 1990. Época a partir da qual se tornaram mais comuns as propostas e práticas de avaliação que consideram a inclusão de julgamentos diferentes originários dos distintos pontos de vista dos impli-cados com um programa ou serviço. Como mostram Bodstein,11 Furtado,12 Campos,23 Bursztyn e Ribeiro,24 aspecto cada vez mais valorizado é o caráter reflexivo e socializado dos procedimentos participativos que desencadeiam um processo de aprendizagem social e organizacional. Entretanto, as abordagens construtivistas e participativas têm sido efetivamente utilizadas na avaliação de projetos de promoção em saúde, sobretudo na vertente que compreende a saúde como uma parte do desenvolvi-mento integral do ser humano.

interessados que partilham decisões e controle do projeto), em contraposição à tradicional postura de especialistas externos (os interessados valorizados como informantes, com as decisões e o controle permanecendo com o grupo técnico). Apesar do avanço significativo trazido pela postura colabora-tiva, estes autores chamam a atenção que esta perspectiva não pode ser confundida e nem substitui a formulação de Paulo Freire sobre a abordagem participativa na pesquisa e prática de planejamento e gestão de programas sociais. Já que Freire se focaliza no caráter estrutural das relações de poder e dominação no interior da sociedade.

Há de considerar que o recurso à abordagem participativa continua dizendo respeito, de modo quase que exclusivo, às pesquisas motivadas por questionamentos advindos da experiência e do refe-rencial teórico de avaliadores externos. Dois fatos, no entanto, tornam necessários incluir a avaliação como preocupação cotidiana da Estratégia Saúde da Família, destacando o sentido prático de mediação de pactos: a) o compromisso dessa estratégia com a participação social para identificar as necessidades, programar e avaliar as ações propostas com base na realidade local, privilegiando o monitoramento das atividades de rotina que estaria vinculado aos processos de planejamento e decisão;6b) a Política Nacional de Avaliação da Atenção Básica em Saúde que visa melhorar a qualidade da atenção neste nível do sistema de saúde.1

A prática avaliativa constituída como processo de negociação coloca em evidência a questão da “vontade” enquanto decisão, deliberação, mostrando a importância de aproximar-se aos atos de natureza política para conhecer como se realizam as relações de poder, distribuem-se as responsabilidades dos envolvidos na avaliação e o modo pelo qual parti-cipam das decisões que lhes dizem respeito enquanto cidadãos.14Uma análise crítica denota que a partici-pação social não traduz necessariamente uma perspectiva ética. Alguns autores destacam os elementos típicos de controle sobre a sociedade e a possibilidade da falta de sintonia entre as percepções da população local e dos mediadores (técnicos e especialistas).24

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ção que não reconhece a pluralidade de caracterís-ticas da população nem a diversidade de elementos que a constituem, pode ser quem define qual é o interesse dessa população, constituindo e expres-sando a “vontade comum”.3,5

Thompson25 chama a atenção sobre a dependência entre a capacidade de agir em busca de alcançar objetivos e interesses e a posição do indi-víduo ou grupo dentro de um campo de interação ou instituição. O que permite falar de indivíduos ou grupos “dominantes” e “subordinados”, bem como de indivíduos ou grupos que, tendo acesso parcial a recursos, ocupam uma posição intermediária em um campo ou instituição. Para este autor, os casos de dominação têm particular importância quando suas características estruturais se repetem de um contexto a outro.

É pertinente lembrar as características estruturais das variadas formas de subordinação conformadas nos distintos contextos constituídos pelas equipes de saúde da família e as suas repercussões sobre as condições de uso da linguagem na avaliação. Por exemplo, entre outras, as relações de subordinação do tipo pessoa que demanda para satisfazer uma necessidade de saúde e profissional que realiza o atendimento, particularmente quando se trata do médico, que tem influência nas decisões técnicas. Também do tipo de funcionário que reivindica melhores condições de trabalho e instituição com a qual mantém um vínculo empregatício, que tem influência nas decisões políticas. Ademais, do tipo decorrente da desigualdade de valor atribuído aos distintos trabalhos na equipe, que tem influência sobre as decisões técnicas, éticas e políticas rela-cionadas ao cuidado.

Nessas situações, a possibilidade de universa-lização dos interesses, que está sempre presente na negociação, pode se concretizar pelo reconheci-mento da autoridade. Já que os efeitos produzidos mediante o uso da linguagem dar-se-iam, principal-mente, pelo fato de falar, isto é, pelos potenciais de ameaça mobilizados nas relações de poder configu-radas no contexto em que a avaliação está sendo realizada.18,19 Essa interdição da intersubjetividade de escolhas e decisões faz com que os compromissos pactuados não traduzam o convencimento quanto à interpretação de necessidades e propostas de ação, fortalecendo a ideia de que a instituição deva ter necessariamente uma natureza constrangedora e repressiva.

No entanto, é fundamental destacar a importância das instituições como mediadoras na avaliação em saúde, já que é por meio do conjunto de medidas tomadas pelas pessoas e pelas

institui-ções que se pode alcançar (ou não) a realização de fins individuais e coletivos.18,19,22 Todavia, uma perspectiva crítica acerca dessa mediação requer que seja explicitado se a decisão sobre a melhor forma de agir pressupõe o reconhecimento de pretensões de validade problemáticas, para que os acordos institu-cionais que servem aos interesses de alguns indiví-duos não venham a ser apresentados como servindo aos interesses de todos. Em uma situação ideal, a prática comunicativa asseguraria a cada um o seu direito no que diz respeito ao movimento livre de temas e contribuições, informações e argumentos.

Certamente que a adaptação de gestores, profis-sionais de saúde e usuários às ações que se apoiam em uma racionalidade meio-fins, reforça a unilate-ralidade no uso da linguagem. Torna excepcional a “ação sensata”, referida ao caráter necessariamente intersubjetivo da decisão.26Aspecto que cria dificul-dades para o estabelecimento de vínculos de coope-ração entre os interessados e inibe o potencial forma-tivo da avaliação na Estratégia Saúde da Família. No dia a dia dessa estratégia constitui-se como uma tarefa primordial a formação de novos sistemas de valores relativos à avaliação continuada – para superar as concepções tradicionais arraigadas sobre o caráter burocrático dos sistemas de informações em saúde – e ao processo avaliativo como construção compartilhada de soluções, com base na compreensão dos significados e pressupostos dos envolvidos. Gadamer17 afirma que quanto mais racionais as formas de organização da vida (e do trabalho), menos a capacidade de julgamento é prati-cada e ensinada.

Considerações finais

O processo de aprendizagem individual, organiza-cional e social mediante o qual o valor atribuído é construção de um coletivo, confere legitimidade aos resultados da avaliação, contribuindo de forma mais efetiva para correção de rumos. Evidencia, portanto, um poder transformador que não se restringe à competência do saber-fazer, mas abrange também a expressão da multiplicidade de perspectivas inter-pretativas e de vivências. As implicações conceituais e práticas desse processo reconstrutivo remetem, simultaneamente, ao sentido formativo de aprimora-mento das capacidades humanas, do ponto de vista gadameriano,4e ao sentido de melhoria do programa contemplado no conceito de avaliação formativa.27 Ambos os sentidos se revelam produtores de possi-bilidades novas no pensar e fazer dos implicados na prática avaliativa.

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avalia-ção torna-se ainda mais fecundo quando se esta-belece o diálogo entre a concepção, a execução e a avaliação de projetos e programas. De modo que o planejamento possa desempenhar o papel pretendido por Onocko28de mediador entre uma racionalidade crítica e a necessária instrumentalidade operativa. A argumentação desempenha um papel importante nesses processos de aprendizagem, já que as relações que uma pessoa, ou um grupo social, estabelece entre a razão (faculdade de avaliar e emitir juízos) e o mundo, por meio das necessidades, dos interesses e da ação, continuam sempre contingentes se não são acrescidas da habilidade de aprender dos seus erros, da refutação de pressupostos e do insucesso das suas intervenções.29

Na aprendizagem individual e coletiva de habili-dades novas de interação e reflexão está implícita a necessidade de lidar com os diferentes grupos de interesses que possuem níveis diferenciados de poder e de controle sobre os recursos. O processo decisório compartilhado é uma rede de relações sempre tensas, na qual, constantemente, são viven-ciados os avanços, os recuos, as revoltas e as alianças, tornando indispensável o questionamento do que é dito e da própria situação de uso da lingua-gem.3,14,19,26As mediações operadas trazem implí-citas à noção de síntese do heterogêneo, a ideia de concordância discordante.19À gestão cabe a respon-sabilidade de colocar como um imperativo ético a transição de uma prática monológica para o diálogo. É delicada e difícil a transição para o diálogo e a argumentação que, evidenciando os elementos mais estratégicos para aferir os sucessos e os fracassos da prática cotidiana, requer a força esclarecedora da

reflexão e da auto-reflexão e a capacidade de privile-giar uma comunicação não-coagida.4,15A liberdade para posicionar-se permite a cada um colocar as suas ideias e intuições como aporte pessoal ao cresci-mento coletivo, pondo em jogo o interesse pela emancipação. É desta perspectiva que a comunica-ção é aqui tomada, como um conceito cuja definicomunica-ção completa só se realiza na medida em que os seus possíveis e variados usos vão se instituindo, por meio da relação com o outro, do diálogo e de ações.3,4,14

Para finalizar, cabe atentar-se que o fortaleci-mento da rede de negociações para a construção de mudanças passa, necessariamente, pelo estabeleci-mento de pactos que favoreçam o desenvolviestabeleci-mento e a sustentabilidade do processo avaliativo na Estratégia Saúde da Família. Estudo de implantação da Política Nacional de Avaliação da Atenção Básica em Saúde evidencia a premência dessa tarefa. Segundo Felisberto et al.,27sobretudo desde 2003 até meados de 2005, duas características foram marcantes na atuação do Ministério da Saúde como indutor da integração do monitoramento e da pesquisa avaliativa à rede básica de saúde: o desen-volvimento da capacidade técnica e o foco no for-talecimento das Secretarias Estaduais de Saúde. Também avançaram os processos de negociação envolvendo as três esferas de gestão que resultaram no pacto de indicadores da atenção básica. O único dispositivo com grau de implantação insuficiente foi o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). As três esferas de gestão reconhecem a incipiência das práticas de monitoramento e avaliação na atenção básica.

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Recebido em 26 de abril de 2010

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