G
ERLIENEM
ARIAS
ILVAA
RAÚJOFatores socioeconômicos contextuais associados à
condição bucal de adolescentes no Brasil
G
ERLIENEM
ARIAS
ILVAA
RAÚJOFatores socioeconômicos contextuais associados à
condição bucal de adolescentes no Brasil
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Departamento de Odontologia, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.
Área de Concentração: Saúde Coletiva
Orientador: Prof. Dr. Angelo Giuseppe Roncalli
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por sua bondade constante, perceptível em todos os dias da minha vida, me cumulando de bênçãos e da graça de saber o quanto me ama e cuida de mim.
À minha mãe, ser mais nobre que conheço, mulher guerreira e meu apoio incondicional em todas as horas. A ela devo o apreço pelos estudos e meu exemplo mais marcante de ser humano.
Às minhas irmãs, minhas pérolas, as melhores que eu poderia ter, por todo o incentivo e por acompanharem minha trajetória com torcida e generosidade constantes.
A toda minha família, por ser o berço onde pude vivenciar o que tantos não podem, onde sempre houve beleza e verdade nos relacionamentos.
Aos meus amigos, flores no meu caminho, por serem fonte certa de estímulo e solidariedade em tudo que faço.
A Sidharta Augusto, que me adotou como “irmã mais nova”, sempre se antecipando e tentando resolver minhas necessidades sem que eu sequer precisasse pedir.
À gráfica 100%, na pessoa da minha amiga Clarissa Queiroz, pela disponibilidade para me ajudar na corrida contra o tempo.
Ao meu cunhado Paulo Rocha que me emprestou um pouco da sua extrema habilidade com os idiomas, pronta e generosamente.
A todos que fazem o PPGScol da UFRN - coordenadores, professores, funcionários e alunos - e que contribuíram para a realização deste momento ímpar de crescimento em minha vida, em todos os âmbitos.
À Maísa Rodrigues, Ângela Ferreira e Luiz Noro, pelo dom de educar com humanidade, proximidade e franqueza.
Ao professor Ângelo Roncalli, que sempre admirei como pesquisador e educador, pela simplicidade e gentileza com que me orientou no caminho a trilhar.
RESUMO
Muitas pesquisas são realizadas confrontando condições de saúde bucal com variáveis individuais, como fatores socioeconômicos e demográficos. No entanto, da mesma forma que os indivíduos divergem entre si, os grupos também possuem características próprias e os efeitos dessa diferenciação precisam ser pesquisados. O Brasil, apesar de ser uma das maiores potências econômicas do mundo e vir apresentando uma melhoria no valor médio de seus indicadores de saúde, é também um dos mais desiguais e permanece entre os países com maiores iniquidades em saúde. A proposta deste estudo foi pesquisar a importância dos determinantes sociais a nível contextual na saúde bucal de adolescentes brasileiros, população pouco pesquisada na literatura. A pesquisa foi feita através de uma abordagem ecológica, no intuito de identificar possíveis desigualdades entre municípios e capitais. Utilizando dados do SBBrasil 2010, foram avaliados desfechos menos comuns (perda do 1º molar, índice de cuidados odontológicos e T-Health) que fornecem informações sobre o grau de morbidade da cárie e o nível de saúde dos tecidos dentários, além de abordar aspectos relacionados aos serviços. A associação destes indicadores de saúde bucal com fatores socioeconômicos como renda, emprego, educação e desigualdade, coletados do CENSO 2010, foi analisada por meio de regressão linear simples e múltipla. Os domínios do estudo incluíram as 27 capitais brasileiras e 4 clusters representativos dos municípios do interior do país. Foi possível constatar um melhor acesso aos serviços em localidades com melhor distribuição de renda. No entanto, a forte associação de fatores contextuais relativos à pobreza, baixos níveis de educação e más condições de moradia e emprego com piores níveis de saúde bucal em adolescentes parece ofuscar os efeitos das desigualdades de renda sobre os agravos bucais no país. Em algumas localidades, em especial no interior das regiões Norte e Nordeste, continua prevalecendo uma odontologia mutiladora, cujos efeitos são perceptíveis já em sua população adolescente. O acesso aos serviços restauradores no Brasil ainda permanece limitado e desigual. Os resultados deste estudo evidenciam as iniquidades em saúde bucal no país e mostram a necessidade da inclusão de novas perspectivas na abordagem tradicional da Odontologia Preventiva e nos modelos de educação em Odontologia. O combate a essas iniquidades requer a cooperação dos vários autores envolvidos no processo e a inclusão da saúde bucal no contexto da saúde geral. A abordagem dos determinantes sociais, bem como a avaliação da distribuição das doenças bucais no território brasileiro e sua inclusão no contexto da saúde em geral, devem nortear a implementação de programas e ações em saúde bucal, de forma a contribuir para a redução das desigualdades.
ABSTRACT
Many surveys are conducted comparing oral health conditions with individual variables, such as socioeconomic and demographic factors. However, in the same way that individuals differ among themselves, the groups also have their own characteristics and the effects of this differentiation must be researched. Brazil, despite being one of the major economic powers of the world and shows an improvement in the average value of its health indicators, is also one of the most unequal and remains among the countries with the greatest health inequities. The purpose of this study was to investigate the importance of social determinants on the contextual level oral health among Brazilian adolescents, population not much researched by the literature. The research was made using an ecological approach in order to identify possible inequalities between cities and capitals. Using data from SBBrasil 2010 it was evaluated less common outcomes (loss of first molar, dental care index and T-Health) which provide information on the degree of morbidity of caries and health level of dental tissues, in addition to analyze the related services. The association of these oral health indicators with socioeconomic factors such as income, employment, education and inequality, collected from Census 2010, was analyzed by simple and multiple linear regressions. The study included the 27 state capitals and four clusters representing the municipalities of the country. It was possible to see better access to services in locations with better income distribution. However, the strong association of contextual factors related to poverty, low levels of education and poor housing and jobs with poorer levels of oral health in adolescents seems to overshadow the effects of income inequalities on dental caries in the country. In some locations, particularly within the North and Northeast, whichever one keeps dentistry mutilating, whose effects are already noticeable in its adolescent population. Access to restorative services in Brazil remains limited and unequal. The results of this study highlight the inequities in oral health in the country and show the need of the inclusion of new perspectives on the traditional approach of Preventive Dentistry and education models in Dentistry. Tackling health inequalities in oral health in the country requires the cooperation of various actors involved in the process and the inclusion of oral health in the context of overall health. The social determinants approach, as well as evaluating the distribution of oral diseases in the country and its inclusion in the context of overall health, should guide the implementation of programs and oral health practices in order to contribute to the reduction of inequalities.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead (1991)...
24
Figura 2 - Distribuição do Índice de Cuidados Odontológicos de acordo com os domínios do estudo. Brasil, 2013...
46
Figura 3 - Distribuição do Índice de Perda do 1o Molar Permanente de acordo com os domínios do estudo. Brasil, 2013...
47
Figura 4 - Distribuição do Índice T-Health (6) de acordo com os domínios do estudo. Brasil, 2013...
48
Quadro 1 - Principais características dos quatro levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil. (Brasil, 2012)...
32
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Componentes obtidos a partir dos dados socioeconômicos dos
municípios do interior do Brasil. Brasil, 2013... 40
Tabela 2 - Distribuição dos municípios do interior em cada cluster, por
região brasileira. Brasil, 2013... 42
Tabela 3 - Valores dos componentes da ACP em cada cluster. Brasil,
2013... 42
Tabela 4 - Estatística descritiva dos indicadores socioeconômicos dos 31
domínios estudados. Dados referentes ao ano de 2010. ... 44
Tabela 5 - Estatística descritiva dos desfechos de saúde bucal referentes aos 31 domínios estudados. Dados referentes ao ano de
2010... 45
Tabela 6 - Análise de Regressão Linear Simples para o desfecho “Índice
de Cuidados Odontológicos”. Brasil, 2013... 49 Tabela 7 - Modelo final para a análise de regressão linear múltipla do
desfecho "Índice de Cuidados Odontológicos". Brasil,
2013... 49
Tabela 8 - Análise de Regressão Linear Simples para o desfecho “Perda
do 1º Molar Permanente”. Brasil, 2013... 50 Tabela 9 - Modelo final para a análise de regressão linear múltipla do
desfecho "Perda de 1o. Molar Permanente". Brasil,
2013... 50
Tabela 10 - Análise de Regressão Linear Simples para o desfecho “T
-Health (6)”. Brasil, 2013... 51 Tabela 11- Modelo final para a análise de regressão linear múltipla do
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
PNUD = Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento
T-health = Índice de Equivalência de Dentes Saudáveis (Tissue-Health) CPO-D = índice de Dentes Cariados, Perdidos e Obturados
CNDSS = Comissão Nacional de Determinantes Sociais de Saúde
CEBES = Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
OMS = Organização Mundial da Saúde
DSS = Determinantes Sociais da Saúde
CDSS = Comissão sobre os Determinantes Sociais da Saúde
SUS = Sistema Único de Saúde
PIB = Produto Interno Bruto
ICNTP = Índice Comunitário de Necessidades de Tratamento Periodontal SBBrasil = Pesquisa Nacional de Saúde Bucal
CPI = Índice Periodontal Comunitário
DAI = Índice de Estética Dentária (Dental Aesthetic Index)
CTA = Comitê Técnico Assessor
IADR = Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (International Association for Dental Research)
FDI = Federação Dentária Internacional
GOHP = Programa Mundial de Saúde Bucal da OMS (Global Oral Health Programm)
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Gini = Medida de Desigualdade criada pelo estatístico italiano Conrado Gini.
DATASUS = Banco de Dados do Sistema Único de Saúde
RIPSA = Rede Interagencial de Informações para a Saúde
PEA = População Economicamente Ativa
ACP = Análise de Componentes Principais
KMO = teste de Kaiser-Meyer-Olkin
ANOVA = Análise de Variância
CONEP = Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CNS = Conselho Nacional de Saúde
TCLE = Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 12
2 REVISÃO DA LITERATURA... 14
2.1 DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE ... 14
2.1.1 Determinação social ... 14
2.1.2 Os significados da Saúde ... 15
2.1.3 Determinação social da saúde... 15
2.2 DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E SAÚDE BUCAL ... 24
2.3 LEVANTAMENTOS EPIDEMIOLÓGICOS EM SAÚDE BUCAL NO BRASIL... 27
2.3.1 SBBrasil 2010 ... 29
3 OBJETIVOS ... 36
3.1 OBJETIVO GERAL ... 36
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 36
4 MÉTODO ... 37
4.1 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA ... 37
4.2 VARIÁVEIS DO ESTUDO ... 37
4.2.1 Variáveis Independentes ... 37
4.2.2 Variáveis Dependentes ... 39
4.3 AMOSTRA ... 40
4.4 ESTRATÉGIAS DE ANÁLISE ... 40
4.4.1 Análise de Componentes Principais ... 40
4.4.2 Análise de Clusters ... 41
4.4.3 Regressão Linear ... 43
4.5 ASPECTOS ÉTICOS ... 43
5 RESULTADOS ... 44
5.1 RESULTADOS DA ANÁLISE DESCRITIVA DAS VARIÁVEIS ... 44
6 DISCUSSÃO ... 52
7 CONCLUSÕES ... 61
1 INTRODUÇÃO
A distribuição da saúde e da doença em uma sociedade não é um processo aleatório.
Ele está associado à posição social, que por sua vez define as condições de vida e trabalho de
indivíduos e grupos (COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA
SAÚDE, 2008).
A questão da determinação social em saúde não é bem uma novidade, mas nos últimos
anos voltou a ocupar um lugar de prestígio nas pesquisas em todo o mundo (CEBES, 2009). O
conhecimento científico tem caráter provisório e, com o passar do tempo, novos conceitos vão
sendo criados, ao passo que novos desafios vão sendo gerados, exigindo respostas que
satisfaçam aos anseios atuais (VOLPATO, 2007). Dessa forma, em 2005, a OMS criou a
Comissão sobre os Determinantes Sociais da Saúde, cujo trabalho resultou na divulgação de
um impactante relatório sobre o tema em 2008. O objetivo maior deste empreendimento foi
promover uma tomada de consciência sobre a importância dos determinantes sociais na
situação de saúde de indivíduos e populações e também da necessidade de combate às
iniquidades em saúde por eles geradas (COMISSÃO NACIONAL SOBRE
DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2008).
O Brasil, apesar de ser uma das maiores potências econômicas do mundo e vir
apresentando uma melhoria no valor médio de seus indicadores de saúde, é também o 3º em
desigualdade social, segundo dados do PNUD (2011), e permanece entre os países com
maiores iniquidades em saúde, que surgem como produto de grandes desigualdades entre os
diversos estratos sociais e econômicos da população brasileira.
As iniquidades em saúde entre grupos e indivíduos, ou seja, as desigualdades de saúde
que além de sistemáticas e relevantes são também evitáveis, injustas e desnecessárias,
segundo a definição de Margareth Whitehead (1992), são um dos traços mais marcantes da
situação de saúde brasileira. Aprofundar o seu conhecimento é importante não apenas porque
o Brasil possui uma grande parte da população pobre da América Latina, mas porque
apresenta um grande potencial para erradicar essa pobreza (NERI; SOARES, 2002).
Contribuir com a investigação dos determinantes sociais com reflexo na saúde bucal e as
iniquidades geradas a partir deles no país, produto de grandes desigualdades entre os diversos
estratos sociais e econômicos da população brasileira, constitui o principal objetivo deste
estudo. Enquanto os valores médios dos índices socioeconômicos do Brasil apresentam
condições de vida e de saúde, sendo submetidos a privações de liberdade que limitam sua
capacidade de optar entre diferentes alternativas, de ter voz frente às instituições do Estado e
da sociedade e até mesmo de ter maior participação na vida social (BUSS; PELLEGRINI
FILHO, 2006; COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA
SAÚDE, 2008).
Tratando-se especificamente do campo da Saúde Bucal Coletiva, são facilmente
encontrados, na literatura brasileira, estudos pesquisando relações entre a condição bucal de
crianças, em especial tratando-se da cárie, e fatores a nível individual, como gênero, etnia,
idade, condições socioeconômicas, entre outros (GUSHI et al., 2005b; BARATA et al., 2007;
SALES-PERES et al., 2008; BASTOS et al.; 2009). Estudos com adolescentes são menos
comuns na literatura e, mesmo nestes, são utilizados indicadores tradicionais, havendo poucos
que se aventuram pesquisando desfechos inovadores como os presentes neste estudo. Da
mesma forma, estudos de natureza ecológica são menos usuais, a despeito de propiciarem
uma visão mais ampla sobre a importância dos determinantes sociais, especificamente
contextuais, na condição de saúde bucal no país, em especial a dos adolescentes. Os grupos
sociais são unidades legítimas de análise e suas propriedades diferem daquelas dos seus
membros individuais. As variáveis grupais ou contextuais podem ter efeitos independentes
das características individuais, as quais incluem a capacidade de escolha de cada indivíduo
(PELLEGRINI FILHO, 2004). Os estudos ecológicos possuem a particularidade de,
investigando os efeitos do meio sobre a saúde de uma população, servir como auxiliar na
gestão de políticas públicas direcionadas a reduzir desigualdades em saúde, em especial no
tocante ao acesso e utilização dos serviços. Estudos nacionais e internacionais têm mostrado
que a experiência de enfermidades bucais é suscetível às desigualdades sociodemográficas e
geográficas, sugerindo a existência de iniquidades em saúde bucal (FERNANDES; PERES,
2005; FISCHER et al., 2010; HJERN et al., 2001; NGUYEN; HAKKINEN; ROSENQVIST,
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE
2.1.1 Determinação social
Para melhor entender o significado e a importância dos determinantes sociais da saúde
(DSS), faz-se necessário partir do pensamento original que sustenta tudo que exploraremos a
seguir - a teoria da determinação social dos indivíduos. Começar por ela é necessário porque a
saúde, seja qual for o significado que lhe seja atribuído, não pode estar dissociada da
determinação geral da vida das pessoas.
No âmbito do pensamento social contemporâneo, é difícil contestar a ideia de que os
indivíduos são fortemente determinados por sua posição na sociedade e que essa
determinação atravessa todas as dimensões da vida social. No entanto, é possível considerar
essa determinação até níveis mais amplos, onde se encontram as relações econômicas e
macrossociais. As possibilidades para o desenvolvimento e realização de capacidades
individuais, as expectativas, os valores e o próprio caráter das pessoas são profundamente
marcados pela estrutura econômico-social geral, que é progressivamente mais mundial. Este
modo de se fazer presente na vida das pessoas passa por uma série de mediações, o que
explica as diferenças nas condições materiais e culturais de diversas famílias de uma mesma
classe ou grupo social. Da mesma maneira, existem diferenças nos valores éticos, gostos
estéticos, características das relações interpessoais de cada subgrupo, de cada família e de
cada indivíduo. Esta, portanto, é a última mediação na determinação de cada indivíduo: ele
mesmo. Isso quer dizer que a sequência de determinações sociais, desde as características
mais gerais da sociedade até as mais particulares, conforma as individualidades, mas essas são
ativas na escolha de seus atos. Essa escolha e o comprometimento individual e coletivo que
daí podem derivar são momentos críticos para a transformação da própria estrutura social, dos
padrões de relações e valores que conformam uma dada sociedade (FLEURY-TEIXEIRA,
2.1.2 Os significados da Saúde
Os significados da saúde são muitos e sua compreensão é primordial para um maior
aprofundamento no estudo sobre seus determinantes. A definição mais tradicional de saúde é
puramente negativa, considerada como a simples ausência de doenças. Amplamente
contestada, como componente de uma visão restritiva, puramente biológica e médica da
questão da saúde, certamente não se aplica a uma análise da determinação social da saúde.
Outra definição, mais moderna, está presente na Constituição da Organização Mundial
de Saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006), de 1946, que considera a saúde
como um estado de perfeito bem-estar. Apesar de ser uma concepção positiva, apresenta
alguns inconvenientes. Em primeiro lugar, há a indeterminação, a incapacidade de especificar
o objeto que se pretende definir. Em segundo lugar, está o fato de postular a saúde como um
estado ideal de plenitude e, portanto, inatingível. Evidentemente, não é este o sentido concreto
que a saúde representa na vida cotidiana das pessoas (DEJOURS, 1986).
Chega-se, então, no final da década de 80, a uma terceira definição, que tem
conquistado progressivamente mais espaço no setor saúde. Ela visualiza a saúde como um
meio, um recurso para a vida das pessoas. Aqui vigora uma definição positiva, sem elevá-la a
patamares utópicos. Este último conceito permite a clara distinção da saúde em relação aos
outros recursos e condições da realização da vida humana, determinando o seu espaço dentro
dos objetivos de vida das pessoas. Assim, ela pode ser considerada como meio para a vida ou
para a realização dos indivíduos, sendo tomada como um dos elementos da qualidade de vida
e uma das condições objetivas para o desenvolvimento humano, e não como o seu conjunto.
Saúde, capacidade psicobiológica é, certamente, uma condição parcial para a realização dos
indivíduos na vida que, ao mesmo tempo, abrange e é condicionada pelas determinações de
sua existência como ser biológico (FLEURY-TEIXEIRA, 2009; ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1986).
2.1.3 Determinação social da saúde
2.1.3.1 Os Determinantes Sociais da Saúde e seus conceitos
Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS), ao longo do tempo, foram sendo
características sociais dentro das quais a vida transcorre”. De acordo com a Comissão de Determinantes Sociais de Saúde da OMS, eles são “as condições sociais nas quais as pessoas vivem e trabalham”. Em 2008, a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais de Saúde publicou, em seu relatório final, um conceito mais detalhado, passando a defini-los como “os
determinantes vinculados aos comportamentos individuais e às condições de vida e trabalho, bem como os relacionados com a macroestrutura econômica, social e cultural”. Acrescentou ainda que são “produto da ação humana e, portanto, podem e devem ser transformados pela
ação humana” (COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA
SAÚDE, 2008).
Faz-se importante diferenciar aqui desigualdades e iniquidades em saúde. Para isso,
vamos utilizar o conceito proposto por Margareth Whitehead, em 1992, em um documento de consultoria, elaborado a pedido da OMS. Para a autora, “desigualdade” conota as principais diferenças dimensionais, sistemáticas e evitáveis entre os membros de uma dada população. Já a “iniquidade” corresponde às diferenças e variações que são não apenas desnecessárias e evitáveis, mas também desleais e injustas.
Almeida-Filho (2009) diferencia de forma mais prática esses conceitos, ao dizer que:
A ocorrência de variação natural ou genética, expressa em diferenças individuais, advindas da interação de processos sociais e biológicos, produz diversidade nos espaços coletivos sociais e desigualdades nas populações humanas. Por outro lado, estruturas sociais, processos políticos perversos e políticas de governo sem equidade, geram desigualdades relacionadas à renda, educação e classe social, portanto inequidades, correspondendo à injustiça social. Algumas dessas desigualdades, além de injustas, são iníquas e, portanto, moralmente inaceitáveis, constituindo iniquidades que geram indignação e, potencialmente, mobilização social.
2.1.3.2 O Campo da Determinação Social da Saúde
As condições sociais são efetivamente a base para o padrão sanitário de um povo,
assim como a posição de cada indivíduo na sociedade é uma base da própria saúde. É mais do
que evidente o grande diferencial de risco ambiental ou físico a que estão submetidos os
indivíduos conforme a sua posição social. Esse gradiente social se manifesta na comparação
entre países e no interior dos países, na comparação entre os diversos estratos sociais. A
exposição a agentes biológicos, químicos ou físicos danosos, a deficiência nutricional, o
desgaste físico generalizado ou o esforço repetitivo no trabalho são características das
condições sociais de pobreza ou miséria que ainda acometem a maior parte da população
mundial. Além da maior exposição aos riscos, a vulnerabilidade das populações carentes é
ampliada pela deficiência no acesso à educação e aos serviços de saúde, o que reduz a sua
capacidade de lidar com tais riscos. No entanto, a determinação social da saúde não está
circunscrita aos males provenientes da exposição aos riscos de dano fisiológico, que são
característicos da pobreza. Há, ainda, um campo de determinantes sociais sobre a saúde mais
sutil, mas igualmente intenso. Trata-se do campo comumente chamado de determinantes
psicossociais. Nele se encontram o grau de reconhecimento, o nível de autonomia e de
segurança, assim como o balanço entre esforço e recompensa e entre expectativas, realizações
e frustrações que os indivíduos obtêm no curso de suas vidas (FLEURY-TEIXEIRA, 2009).
O campo da determinação social da saúde é cada vez mais relevante, estando na base
da série causal dos principais problemas de saúde da atualidade no mundo em geral
(Fleury-Teixeira, 2009). As crianças têm chances de vida dramaticamente diferentes dependendo de
onde nasceram. No Japão ou na Suécia as pessoas podem viver mais de 80 anos; no Brasil, 74
anos; na Índia, 63 anos; e em um de vários países africanos, menos de 50 anos (NOGUEIRA,
2009). Segundo estatísticas da OMS (2009), foi encontrada uma diferença de mais de 40 anos
na expectativa de vida da Islândia (80 anos), na Europa, e em Serra Leoa (menos de 40 anos),
situada na África Ocidental. Uma diferença sem fundamentos biológicos que a justifiquem.
Além da diferença entre países, podemos encontrar dados chocantes no interior de um
mesmo país ou até de uma cidade, como acontece em Glasgow, na Escócia. Em sua parte
mais rica, a expectativa de vida para os homens é de 82 anos, ao passo que na parte mais
pobre é de apenas 54 anos, menor do que a média da Índia. Chamamos a atenção para o fato
de que, em Glasgow, ninguém vive em situação de pobreza, ou seja, com menos de dois
dólares por dia. No entanto, as desigualdades parecem afetar e causar iniquidades mesmo em
O campo da determinação social da saúde, fundamentando-se nas mais amplas
evidências, seja na análise histórica, seja dentro dos próprios padrões da pesquisa
epidemiológica contemporânea, vai de encontro a uma concepção liberal da economia e da
sociedade que pretende que as atitudes e os comportamentos individuais são essencialmente
frutos da escolha individual e determinados pela natureza. Obviamente, não se trata de negar a
determinação genética das condições de saúde, mas de precisar o seu peso em face dos
determinantes comportamentais e sociais (FLEURY-TEIXEIRA, 2009).
É preciso, também, uma nova maneira de entender a pobreza e como ela pode
influenciar a saúde do indivíduo. Para isso, são pertinentes as palavras de Buss e Pellegrini
Filho (2006):
A pobreza não é somente a falta de acesso a bens materiais, mas também a falta de oportunidades e de possibilidades de opção entre diferentes alternativas. Pobreza é também falta de voz frente às instituições do Estado e da sociedade e uma grande vulnerabilidade frente a imprevistos. Nessa situação, a capacidade dos pobres de atuar em favor de sua saúde e da coletividade está bastante diminuída.
2.1.3.3 Abordagens
Há várias abordagens para o estudo dos mecanismos através dos quais os DSS
provocam as iniquidades de saúde, cada um com um enfoque particular. A primeira delas
refere-se aos “aspectos físico-materiais” na produção da saúde e da doença, entendendo que as diferenças de renda influenciam a saúde pela escassez de recursos dos indivíduos e pela
ausência de investimentos em infraestrutura comunitária (educação, transporte, saneamento,
habitação, serviços de saúde, etc), decorrentes de processos econômicos e de decisões
políticas. Outra abordagem privilegia os “fatores psicosociais”, explorando as relações entre percepções de desigualdades sociais, mecanismos psicobiológicos e situação de saúde, com
base no conceito de que as percepções e as experiências de pessoas em sociedades desiguais
provocam estresse e prejuízos à saúde. Uma forma mais abrangente de compreensão é através
dos enfoques “ecossociais” e os chamados “enfoques multiníveis” que buscam integrar as abordagens individuais e grupais, sociais e biológicas numa perspectiva dinâmica, histórica e
ecológica. Finalmente, há a abordagem que enfoca o desgaste do chamado “capital social”, que busca analisar as relações entre a saúde das populações, as desigualdades nas condições
grupos. Em outras palavras, analisa as relações de solidariedade e confiança entre pessoas e
grupos, como um importante mecanismo através do qual as iniquidades de renda impactam
negativamente a situação de saúde (BUSS; PELEGRINI FILHO, 2007).
Segundo vários autores, o desgaste do capital social em sociedades iníquas explicaria
em grande medida porque sua situação de saúde é inferior à de sociedades em que as relações
de solidariedade são mais desenvolvidas. Ao contrário do capital físico ou humano, que são
bens privados, o capital social é um bem público, criado pelas relações sociais. A debilidade
dos laços de coesão social ocasionada pelas iniquidades de renda corresponde a baixos níveis
de capital social e de participação política. Países com grandes iniquidades de renda, escassos
níveis de coesão social e baixa participação política são os que menos investem em capital
humano e em redes de apoio social fundamentais para a promoção e proteção da saúde
individual e coletiva (KAWACHI et al., 1997).
Estudos mostram, ainda, que não são as sociedades mais ricas as que possuem
melhores níveis de saúde, mas as que são mais igualitárias e com alta coesão social (BUSS;
PELEGRINI FILHO, 2007). O Japão não é o país com maior expectativa de vida no mundo
por ser o mais rico ou pelos japoneses possuírem hábitos mais saudáveis como não fumar ou
praticar exercícios, mas pelo fato do Japão ser um dos países mais igualitários do mundo
(BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2006).
2.1.3.4 Os DSS, a Saúde Pública e aspectos históricos
Para alguns autores, fatores como o desgaste do modelo neoliberal de
desenvolvimento, as tensões geradas pela crescente iniquidade socioeconômica e até mesmo
as mudanças climáticas com efeitos sobre a saúde, em especial de grupos populacionais mais
pobres e vulneráveis, contribuíram para o redirecionamento do foco das atenções da Saúde
Pública para o tema dos determinantes sociais. No entanto, a preocupação de entender as
condições sociais e ambientais e suas relações com o processo saúde-doença para poder
intervir sobre elas sempre fez parte, de diversas maneiras, de diferentes momentos da história do desenvolvimento do que hoje se denomina “Saúde Pública”. Desde o século V a.C, com o Tratado “Ares, Águas e Lugares” de Hipócrates, passando pela teoria miasmática do século XIX até os movimentos sanitários do século passado, muito tem-se discutido sobre o assunto.
No entanto, ao longo do século XX houve um permanente embate entre os diferentes
biológicos, individuais e tecnológicos, com outros onde foi destacada a importância dos
determinantes sociais e ambientais (SOBRAL; FREITAS, 2010).
Ainda hoje, falar sobre “determinação social da saúde” requer, para muitos, a quebra de um paradigma. É o questionamento do senso comum, segundo o qual a qualidade da saúde
de um determinado lugar é equivalente à qualidade de atenção médica instalada. Dr. Marc
Lalonde foi um dos destaques no rompimento dessa crença. Em 1974, ele elaborou um
documento que discutia reformas no sistema de saúde do Canadá, diante do fracasso de um
modelo de atenção médico-sanitária voltado aos doentes. Propôs, assim, a criação de uma
nova abordagem para o campo de saúde, dividindo-o em quatro grandes elementos: a biologia
humana, o entorno ambiental, os estilos de vida e a organização do sistema de saúde pública.
Em outras palavras, fatores determinantes da saúde que existem fora da assistência médica
(TAMBELLINE; SCHUTZ, 2009).
No final da década de 1970, as discussões acerca da determinação da saúde passaram a
incluir a questão social como elemento de peso, o que pôde ser constatado na Declaração de
Alma-Ata, em 1978 e na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em
1986 (TAMBELLINE; SCHUTZ, 2009).
No Brasil, o Movimento da Reforma Sanitária, com ampla participação popular,
trouxe conquistas permanentes para o país, a partir de propostas elaboradas no relatório final
da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986). A Constituição Federal do Brasil, aprovada em
1988, determina em seu artigo 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Além disso, um novo Sistema Nacional de Saúde é criado, o SUS, fundado nos princípios da solidariedade, equidade e universalidade (BRASIL, 1986;
BRASIL, 1988; COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA
SAÚDE, 2008).
A Organização Mundial da Saúde, com o objetivo de promover uma tomada de
consciência sobre a importância dos determinantes sociais na situação de saúde de indivíduos
e populações, bem como da necessidade de combate às iniquidades em saúde por eles
geradas, criou a Comissão sobre os Determinantes Sociais da Saúde (Comission on Social
Determinants of Health) em março de 2005. No ano seguinte, o Brasil foi o primeiro país a
criar a sua própria comissão – Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2008). E foi aqui no Brasil, na cidade do Rio de
Janeiro, que aconteceu a 1ª Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, em outubro de 2011, com o tema “Todos pela Equidade”.
Como bem resumiu a CEBES, em 2009:
O enfoque de determinantes sociais procura alertar as autoridades dos países sobre a necessidade de se chegar a uma solução coletiva dos problemas da desigualdade social em saúde. Portanto, as políticas públicas nessa área não devem se limitar a promover incentivos de mudança de comportamento individual diante dos riscos das enfermidades. As pessoas estão morrendo por falta de justiça social, e esta é uma das conclusões mais salientes no relatório da OMS (COSTA, 2009).
2.3.1.5 O estudo dos DSS e suas interpretações
A relação de determinação não é uma simples relação direta de causa e efeito. Logo, o
principal desafio dos estudos sobre os determinantes sociais de saúde consiste em estabelecer
uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais, de natureza social, econômica e
política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a situação de saúde de
grupos e pessoas. Os fatores individuais são importantes para identificar que indivíduos no
interior de um grupo estão submetidos a um maior risco, enquanto que as diferenças nos
níveis de saúde entre grupos e países estão mais relacionadas com outros fatores,
principalmente o grau de equidade na distribuição de renda (BUSS; PELLEGRINI FILHO,
2007).
Tem crescido bastante, nos últimos anos, a literatura científica internacional dedicada
ao estudo das iniquidades em saúde e seus determinantes. Este aumento se deu em quantidade
e qualidade, e abordagens metodológicas diferentes vêm sendo utilizadas para análise dos
problemas em nível populacional, como é o caso da análise contextual. Ela se fundamenta no
reconhecimento de que os grupos sociais são unidades legítimas de análise e que as
propriedades destes grupos diferem daquelas dos seus membros individuais. Em outras
palavras, é o mesmo que dizer que as variáveis grupais ou contextuais podem ter efeitos
independentes das características individuais ou modificar a maneira como estas
características individuais incidem sobre a situação de saúde (KRIEGER, 1994; SUSSER,
1998).
O clássico estudo de Rose e Marmot (1981) sobre a mortalidade por doença
detectaram que os de níveis hierárquicos inferiores tinham um risco relativo maior de
desenvolver a doença de, aproximadamente, duas, três e quatro vezes quando comparados aos
funcionários do mais alto nível da hierarquia. Os autores encontraram que os fatores de risco
individuais, como colesterol, hábito de fumar, hipertensão arterial e outros explicavam apenas
35 a 40% da diferença, sendo os restantes 60-65% basicamente relacionados aos DSS.
Outro ponto que merece destaque é a influência que a riqueza de um país e a forma
como ela está distribuída têm sobre a saúde da população. É evidente que o volume de riqueza
gerado por uma sociedade é um elemento fundamental para proporcionar melhores condições
de vida e de saúde, mas há inúmeros exemplos onde países com PIB total ou per capita menor
possuem melhores indicadores de saúde que outros com PIB maiores (BUSS; PELLEGRINI,
2006). Corroborando este fato, estudos constatam que, uma vez superado um determinado
limite de crescimento econômico de um país (cerca de 8.000 a 10.000 dólares per capita), um
crescimento adicional da riqueza não se traduz em melhorias significativas das condições de
saúde. A partir desse nível, o fator mais importante para explicar a situação geral de saúde de
um dado país não é sua riqueza total, mas a maneira como ela se distribui (WILKINSON,
1997).
A desigualdade na distribuição de renda não é prejudicial apenas à saúde dos grupos
mais pobres, desprivilegiados, como muitos de grupos mais abastados podem pensar. Ela
prejudica a sociedade como um todo. Grupos de renda média em um país com alto grau de
iniquidade de renda possuem uma situação de saúde pior que a de grupos com renda inferior
vivendo em uma sociedade mais equitativa. (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2006;
NOGUEIRA, 2009).
2.1.3.6 Modelos de Referência
Os diversos estudos sobre os DSS e as iniquidades em saúde permitiram a construção
de modelos que procuram esquematizar a trama de relações entre os vários níveis de
determinantes sociais e a situação de saúde. Apesar da existência de outros modelos mais
complexos, que buscam explicar com maiores detalhes as relações e mediações entre os
diversos níveis de DSS (SOBRAL; FREITAS, 2010) e a gênese das iniquidades, foi escolhido
o de Dahlgren e Whitehead (1991), por ser de fácil compreensão e mais clara visualização
Este modelo dispõe os DSS em diferentes camadas, segundo seu nível de abrangência,
desde uma camada mais próxima aos determinantes individuais até uma camada distal onde se
situam os macrodeterminantes (Figura 1). Na base do modelo estão os indivíduos, com suas
características individuais de idade, sexo e fatores genéticos que exercem influência sobre seu
potencial e suas condições de saúde.
Na camada imediatamente externa, aparecem o comportamento e os estilos de vida
individuais. Esta camada representa o limiar entre os fatores individuais e os DSS, uma vez
que os comportamentos dependem não apenas de opções feitas pelo livre arbítrio das pessoas,
mas também de DSS, quer sejam o acesso a informações, propaganda, pressão de pares,
possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer, entre outros.
A próxima camada destaca a influência das redes comunitárias e de apoio, cuja maior
ou menor riqueza expressa o nível de coesão social, de fundamental importância para a saúde
da sociedade como um todo.
No nível seguinte, estão representados os fatores relacionados às condições de vida e
de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais, como
saúde e educação, indicando que as pessoas em desvantagem social apresentam diferenciais
de exposição e de vulnerabilidade aos riscos à saúde, como consequência de condições
habitacionais inadequadas, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e
acesso menor aos serviços.
Finalmente, no último nível, estão situados os macrodeterminantes que possuem
grande influência sobre as demais camadas e estão relacionados às condições econômicas,
culturais e ambientais da sociedade, o que inclui também determinantes supranacionais como
Figura 1 - Modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead (1991)
Fonte: Dahlgren e Whitehead (1991)
2.2 DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E SAÚDE BUCAL
Na área de saúde bucal, muitos estudos nacionais e internacionais têm apontado a
associação entre condições bucais e determinantes sociais, desde o nível individual até às
condições socioeconômicas, culturais e ambientais de caráter mais geral. Estes trabalhos têm
constatado que a experiência de tais agravos é susceptível às desigualdades sociodemográficas
e geográficas, sugerindo a existência de iniquidades em saúde bucal (FISCHER et al., 2010;
GARCIA; TABAK, 2011; JOHNSON et al., 2011; MOREIRA; NICO; TOMITA, 2011).
A cárie dentária, principal causa de perdas dentárias, é um bom exemplo para
evidenciar este quadro de iniquidade. Vem ocorrendo um declínio acentuado e real deste
agravo entre crianças nos países industrializados e em alguns países em desenvolvimento,
inclusive no Brasil, tendo como possíveis causas: o aumento e a universalização da exposição
das pessoas ao flúor em suas variadas formas de aplicação, com destaque para a água de
populações; alterações nos padrões dietéticos; maior ênfase nas atividades de prevenção e
promoção de saúde; e mudanças nos critérios de diagnóstico da doença (SALES-PERES;
BASTOS, 2002; BALDANI; VASCONCELOS; ANTUNES, 2004; GUSHI et al., 2005b).
Contudo, esta diminuição na incidência e prevalência da cárie não está ocorrendo de forma
homogênea. O que se observa é que um pequeno grupo concentra a grande maioria dos
problemas em saúde bucal, e um percentual maior se apresenta livre de cárie ou com poucas
lesões, demonstrando a ocorrência do fenômeno chamado “polarização” da cárie. Este
fenômeno tem sido documentado, tanto em crianças como em adultos, em inúmeros países
industrializados como a Finlândia, o Reino Unido, a Austrália e também em nações em
desenvolvimento como a Arábia Saudita e o Brasil (SALES-PERES; BASTOS, 2002; GUSHI
et al., 2005b).
Nos grupos mais desfavorecidos, independente da faixa etária estudada, a cárie é mais
prevalente e ocorre com maior extensão e gravidade. Estes indivíduos têm menor acesso e
utilizam menos serviços preventivos e assistenciais, possuem padrão alimentar mais rico em
sacarose, têm piores hábitos de higiene bucal e menor acesso e utilização de fluoretos
(BARBATO; PERES, 2009). No caso particular do Brasil, o quadro epidemiológico de saúde
bucal reflete com nitidez algumas das principais características de sua sociedade, como
agudas desigualdades sociais, sistema educacional com ênfase na formação de nível superior e
um grande número de pessoas de baixa renda e em estado de pobreza relativa ou absoluta
(SALES-PERES; BASTOS, 2002).
A atribuição da redução da cárie a melhorias nos serviços de saúde bucal é
questionada por ter ocorrido em países distantes uns dos outros e com diferentes sistemas de
serviços de saúde bucal. Além disso, seu papel é considerado bastante inferior quando
comparado às mudanças socioeconômicas (BALDANI; VASCONCELOS; ANTUNES,
2004).
GUSHI et al. (2005b), pesquisando a prevalência e severidade da cárie entre
adolescentes no estado de São Paulo e sua associação com o acesso aos serviços
odontológicos, encontraram que sujeitos que nunca foram ou não frequentavam regularmente
ao dentista, apresentaram baixos valores de CPO-D, indicando que um maior acesso aos
serviços não parece estar diretamente relacionado a uma redução no ataque da cárie. Já um
estudo ecológico conduzido por Antunes et al., em 2008, identificou associação significativa
entre a utilização de serviços odontológicos e melhores condições de saúde gengival em
É possível constatar os mesmos gradientes sociais encontrados em estudos da saúde
geral no âmbito da saúde bucal. Blas e Kurup (2010), pesquisando dados provenientes do
Reino Unido, encontraram um declínio na prevalência da perda dentária em adultos com mais
de 20 anos de 1993 a 2003. No entanto, um gradiente social da perda dentária persistiu.
Reforçando esse achado, um estudo sobre a prevalência da cárie dentária em crianças, na
Escócia, encontrou uma associação com o grau de privação encontrado nos bairros onde
moravam. Crianças com cinco anos vivendo em áreas menos carentes foram mais propensas a
não possuir nenhum dente afetado pela cárie (LEVIN et al., 2009).
Estudos que investigam a influência da raça na saúde bucal no Brasil têm encontrado
resultados contraditórios. Ela é percebida, em especial, em agravos como bolsas periodontais
mas, enquanto os adolescentes negros são menos acometidos no Nordeste, a situação se
inverte no sudeste sugerindo que esta região, a despeito de ser a de maior provisão de serviços
odontológicos do país, não parece estar estendendo esses benefícios de forma igual para
pardos, negros e brancos (BASTOS et al., 2009).
Em relação aos fatores socioeconômicos individuais, os estudos nacionais, de forma
geral, têm relatado associação entre altos valores de CPO-D e de perda dentária em
adolescentes com baixa renda, baixa escolaridade, provenientes de escola pública e de baixo
nível social (GUSHI et al., 2005a; VIANA et al., 2009). Pesquisando fatores contextuais,
Kolterman, Giordani e Pattussi (2011) relacionaram altas taxas de funcionalidade dentária em
adultos a municípios com alta renda, alta escolaridade, alto IDH, fluoretação há mais de 10
anos e locais de residência em áreas urbanas.
Fatores de risco biológicos e comportamentais têm sido privilegiados nas pesquisas de
saúde bucal. Mais recentemente, os determinantes psicossociais começaram a ser estudados,
em um esforço para melhor compreender e enfrentar os processos subjacentes às iniquidades.
Finlayson et al., pesquisando adultos americanos em 2010, encontraram que o estado de saúde
bucal autorrelatada era influenciado negativamente por níveis elevados de estresse crônico,
sintomas depressivos e dificuldades materiais. Níveis mais elevados de autoestima e
religiosidade foram considerados protetores.
Em relação à saúde bucal autorelatada, Sanders e Spencer (2004), em um estudo
investigando a distribuição sócioeconômica da percepção em saúde bucal em uma amostra
populacional na Austrália, constataram que adultos socioeconomicamente desfavorecidos
percebem um maior impacto negativo por problemas de origem bucal e relatam mais
A saúde bucal parece receber influência dos determinantes sociais distribuídos desde
as camadas proximais às mais distais, como pode ser constatado na literatura que vem
abordando o tema com ênfase nos aspectos físicos, materiais e psicossociais até enfoques
multiníveis.
De uma perspectiva global, esta busca recente pela pesquisa sobre os determinantes
sociais parece ter recebido seu primeiro impulso na Conferência Mundial de Ottawa, sobre
Promoção da Saúde, em 1986, onde foi debatida a importância de ambientes e estilos de vida
saudáveis, bem como de sistemas de saúde orientados para a promoção de saúde e prevenção
de doenças. Em 2009 ocorreu a 7ª Conferência Mundial da OMS sobre Promoção da Saúde
em Nairóbi, no Quênia e, pela primeira vez na história, a saúde bucal foi abordada através de
uma sessão especial organizada pelo Programa Mundial de Saúde Bucal (GOHP) da OMS.
Nesta ocasião, a saúde bucal foi reconhecida como direito humano e fundamental para a saúde
geral e para a qualidade de vida. A importância de incluir a promoção de saúde bucal e
prevenção de doenças na atenção primária foi reconhecida, bem como a necessidade de
capacitação, políticas e recursos financeiros para reduzir o fosso entre pobres e ricos
(PETERSEN, 2010).
Entre as 4 orientações da GOHP para o século XXI, encontra-se a promoção de estilos
saudáveis e redução de fatores de risco à saúde bucal cujas causas são ambientais,
econômicas, sociais e comportamentais. No tocante à pesquisa em saúde bucal, são claras as
orientações da OMS para que uma maior ênfase seja dada sobre os determinantes sociais,
qualidade de vida, sistemas de saúde bucal, evidências das intervenções em saúde pública e
pesquisa operacional, de forma a preencher a lacuna das pesquisas em saúde bucal entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Recentemente, a Associação Internacional de
Pesquisa Odontológica (IADR) iniciou um projeto promissor sobre o desenvolvimento de
uma agenda mundial para a pesquisa sobre desigualdade social em saúde bucal, sendo
destinada a cobrir as principais doenças bucais e seus determinantes sociais e as implicações
para a pesquisa em saúde pública (PETERSEN, 2010; WILLIAMS, 2011).
2.3 LEVANTAMENTOS EPIDEMIOLÓGICOS EM SAÚDE BUCAL NO BRASIL
A realização de inquéritos nacionais periódicos e regulares torna possível conhecer a
realidade epidemiológica de uma população a partir de cortes transversais periódicos e
permitindo correlacionar os resultados com as condições de vida das populações, conhecer a
distribuição dos fatores de risco e a percepção das pessoas a respeito do seu estado de saúde.
É possível obter informações sobre determinantes geográficos, sociais, econômicos e culturais
da saúde-doença, além de seus comportamentos relacionados. Os inquéritos nacionais são
meios eficazes para se conhecer a realidade do acesso aos múltiplos serviços e podem dar voz
aos seus usuários, possibilitando conhecer seu grau de satisfação. Por fim, são ferramentas
importantes para formular e avaliar programas e políticas públicas de saúde implementadas, o
que é de interesse de todos os níveis de governo e também da sociedade em geral, na busca de
melhores patamares de saúde (BARROS, 2008; WALDMAN, 2008).
Com relação ao uso dos inquéritos populacionais, têm sido apontadas suas
potencialidades para o estudo e o monitoramento das desigualdades sociais em saúde e seus
determinantes. Para isso, é importante que os bancos gerados sejam públicos e possam ser
analisados por vários grupos de pesquisadores, de diferentes perspectivas, fornecendo
inúmeras análises para utilização pelos gestores do sistema de saúde. É fundamental, também,
que haja rigor metodológico que garanta reprodutibilidade, validade e confiabilidade, e que haja uniformidade de procedimentos para permitir comparações nacionais e internacionais (VIACAVA, 2002; WALDMAN, 2008; RONCALLI et al., 2012).
No Brasil, o primeiro levantamento de saúde bucal de base nacional só foi realizado
em 1986 pelo Ministério da Saúde. As limitações orçamentárias foram determinantes para
definir a abrangência geográfica, a população alvo e a abrangência do exame bucal. Foram utilizadas algumas recomendações da OMS, como as faixas etárias, a aferição de doença periodontal pelo ICNTP (Índice Comunitário de Necessidades de Tratamento Periodontal) e alguns critérios de diagnóstico de cárie. Entretanto, tal metodologia não seguiu uma
normatização básica oficial e única. Realizou-se um inquérito na área urbana de 16 capitais,
distribuídas entre as cinco macrorregiões do país, incluindo crianças (6 a 12 anos),
adolescentes (15 a 19 anos) e adultos (35 a 44 anos e 50 a 59 anos). A justificativa para não
considerar os idosos na pesquisa, como proposto pela OMS e adotado em países
desenvolvidos (65 a 74 anos), foi baseada no fato de a esperança de vida ao nascer ser, à
época, de 65,5 anos no Brasil. Ocorrência de cárie e doença periodontal, necessidade e uso de
prótese dentária foram observados, além de informações sobre acesso aos serviços de saúde
(RONCALLI, 1998; QUEIROZ; PORTELA; VASCONCELLOS, 2009).
Dez anos depois, em 1996, com o Sistema Único de Saúde (SUS) já implantado, foi
saúde bucal da população brasileira, tomando como referência o inquérito de 1986, para obter
um referencial para as ações preventivas do SUS. No entanto, pode-se considerar que houve
um retrocesso. Apesar de aumentar sua abrangência, utilizando as 27 capitais brasileiras, o
levantamento se restringiu a escolares de 6 a 12 anos, avaliando somente cárie dentária. O
plano amostral, uma adaptação linear e acrítica da metodologia proposta pela OMS em 1987,
era extremamente deficiente, com definição inadequada do tamanho e com processos de
composição da amostra a partir de critérios não-probabilísticos. Dessa forma, foi alvo de
muitas críticas e não tornou possível a comparação com os dados do levantamento anterior,
seu principal objetivo (RONCALLI, 2006a; QUEIROZ; PORTELA; VASCONCELLOS,
2009).
A terceira experiência de levantamentos epidemiológicos em saúde bucal, o Projeto
SBBrasil 2003 – Condições de Saúde Bucal da População Brasileira, nasceu com o intuito de
realizar um amplo levantamento epidemiológico que avaliasse os principais agravos em
diferentes grupos etários e que incluísse tanto a população urbana como a rural, recuperando
as deficiências de levantamentos anteriores, gerando dados mais confiáveis e contribuindo
para o estabelecimento de uma normatização em termos de pesquisas epidemiológicas
transversais. O objetivo maior, no entanto, era obter informações epidemiológicas capazes de
subsidiar a elaboração das diretrizes para uma política nacional de saúde bucal, bem como
ações para o fortalecimento da gestão dos serviços públicos de saúde bucal nas diferentes
esferas de governo (MARTINS et al., 2005; QUEIROZ; PORTELA; VASCONCELLOS,
2009; RONCALLI, 2006b; RONCALLI; CORTES; PERES, 2012).
Os resultados do SBBrasil 2003 mostraram uma distribuição heterogênea da doença,
registrando diferenças entre as regiões e os grupos sociais, sendo que a experiência da doença
foi mais severa nos grupos populacionais mais submetidos à privação social. Os índices de
cárie entre adolescentes foram mais elevados do que na infância, sendo expressivo o aumento
da doença num período crítico de transição para a fase adulta e que, quando não controlada,
pode progredir até a velhice, com aumento do número de dentes perdidos (BRASIL, 2004;
FRIAS et al., 2007).
2.3.1 SBBrasil 2010
Dentro das estratégias para a construção do eixo da vigilância em saúde da Política
modernizou a proposta metodológica do SBBrasil 2003. O projeto sofreu alterações no
tocante à análise dos dados e em relação à técnica de pesquisa em domicílios. Alguns índices
foram acrescentados, como a avaliação de traumatismo dentário, e outros foram modificados
como o CPI (Índice Periodontal Comunitário) e a avaliação da necessidade de prótese. Com
relação ao plano amostral, em 2010 as capitais passaram a ser consideradas como domínios do
estudo. Uma maior racionalidade foi dada à pesquisa nos municípios do interior, compondo
uma amostra de 30 municípios em cada região (totalizando 150), e o levantamento foi feito
somente em domicílios da zona urbana, por considerar a pouca representatividade da zona
rural no universo amostral (RONCALLI; CORTES; PERES, 2012).
Seguindo as recomendações da 4ª edição do Manual da OMS, de 1997, com algumas
modificações, a amostra do SBBrasil 2010 incluiu as seguintes idades e faixas etárias: 5 anos,
12 anos, 15 a 19 anos, 35 a 44 anos, e 65 a 74 anos. As condições de saúde bucal pesquisadas
foram: cárie dentária (CPO-D), condição periodontal (CPI), traumatismo dentário (fraturas
coronárias e avulsão dentária), oclusão dentária (DAI), fluorose dentária (índice de Dean) e
edentulismo (uso e necessidade de prótese). Além de investigar tais agravos, assim como na
edição anterior, foram coletados dados acerca das condições socioeconômicas, utilização de
serviços odontológicos e autopercepção de saúde bucal A amostra, estatisticamente
representativa da população brasileira, foi de aproximadamente 38 mil pessoas (BRASIL,
2011b; RONCALLI et al., 2012).
Os resultados do SBBrasil 2010 confirmam a ocorrência de melhoras significativas
nos níveis de saúde bucal da população, principalmente no que se refere à severidade da cárie
dentária e da doença periodontal. Segundo a classificação adotada pela OMS, o Brasil saiu de
uma condição de média prevalência de cárie aos 12 anos em 2003 (CPO entre 2,7 e 4,4), para
uma condição de baixa prevalência em 2010 (CPO entre 1,2 e 2,6), apresentando a melhor
média entre os países da América do Sul, acompanhado da Venezuela.
Segundo o relatório final do projeto, para a faixa específica dos 15 aos 19 anos, houve
uma diminuição de 1,92 pontos na média do CPO-D, passando de 6,17 em 2003 para 4,25 em
2010. De qualquer forma, este valor permanece maior que o dobro do encontrado na faixa dos
12 anos (2,01). Esta evolução do CPO entre infância e adolescência tem sido um achado
proporção de adolescentes livres de cárie (CPO=0) foi de 23,9% e caiu pela metade o número
de adolescentes que sofreram algum tipo de perda dentária (BRASIL, 2011b).
Quanto à condição periodontal, mais da metade (50,9%) dos adolescentes não
apresentaram nenhum problema periodontal. A presença de cálculo foi encontrada em 28,4%
dos adolescentes e 1/3 deles apresentaram sangramento gengival, com diferenças regionais
marcantes. O percentual de adolescentes sem problemas gengivais variou de 30,8% na região
Norte a 56,8% na região Sudeste.
Menores prevalências estão relacionadas às oclusopatias severa e muito severa, com
valores de 6,6% e 10,3%, respectivamente. A necessidade de reabilitação protética começa a
surgir nessa faixa etária, onde 13,7% precisam e 3,7% já utilizam algum tipo de prótese
dentária. Comparando aos resultados de 2003 (27%), houve uma redução de 52% da
necessidade de prótese entre adolescentes.
Um dado curioso refere-se à utilização dos serviços. Os resultados da 1ª e 2ª edição do
SBBrasil mostraram que quase 14% dos adolescentes brasileiros nunca consultaram um
dentista. Apesar de este percentual ter se mantido estável durante este período, ocorreram
diferenças regionais, diminuindo no Nordeste (de 21,6% para 16%) e aumentando no Sudeste
(de 10,1% para 14%) e Centro-Oeste (de 12% para 19,4%).
A despeito de melhores resultados em nível de Brasil e também de cada região do país,
as disparidades regionais persistem. De forma geral, o Sudeste e Sul apresentam condições
significativamente melhores do que as demais regiões do país, em especial o Norte e
Nordeste.
O Quadro 1 resume as principais características dos quatro levantamentos
epidemiológicos realizados no Brasil, dando informações acerca do cenário político-sanitário,
Quadro 1 - Principais características dos quatro levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil. (Brasil, 2012)
Categorias de
Análise 1986 1996 2003 2010
Cenário político-sanitário
Redemocratização do país (Nova República);
Crescimento e amadurecimento do Movimento Sanitário; VIII Conferência Nacional de Saúde; Divisão Nacional de Saúde Bucal (DNSB)
Primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso; Democracia
representativa aparentemente consolidada; Avanço
na implantação de uma vertente econômica neoliberal;
Saúde Bucal como Área Técnica no Ministério da Saúde
Início do projeto no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e conclusão
no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva; Pouca ou nenhuma mudança na política macroeconômica; Política de Saúde Bucal priorizada no conjunto de políticas públicas;
Rearticulação da Coordenação Nacional de Saúde Bucal; III Conferência
Nacional de Saúde Bucal
Projeto desenvolvido ao longo do segundo mandato de Luiz
Inácio Lula da Silva; Manutenção da política macroeconômica; Política de Saúde Bucal ainda priorizada
no conjunto de políticas públicas
Cenário epidemiológico
Alta prevalência e severidade de cárie dentária em escolares;
Alto índice de edentulismo em adultos
e idosos1; Desigualdades regionais
no perfil epidemiológico
Tendência de queda da cárie da população escolar;
Persistência de desigualdades
regionais
Confirmação da tendência de declínio da cárie dentária na população escolar (12 anos); Persistência de grandes desigualdades regionais; Concentração do declínio e de
melhores condições de saúde bucal em área urbana de capitais do Sul e Sudeste e em alunos de escola privada; Quadro de edentulismo ainda alarmante; Surgimento de outras necessidades como as
oclusopatias
Confirmação da tendência de declínio da cárie dentária na população de 12 anos; Queda
de 25% em relação a 2003, maior que o declínio entre 1996
e 2003; Persistência das desigualdades regionais; Edentulismo ainda alto, mas
com resultados positivos já perceptíveis em população
adulta Características metodológicas Delineamento amostral probabilístico com representatividade em nível macrorregional; Avaliação de cárie
dentária, doença periodontal e edentulismo; Zona urbana de 16 capitais;
Grupos etários de escolares a idosos
Modelo amostral não probabilístico; Avaliação somente de cárie dentária em
escolares de 6 a 12 anos; Zona urbana de
27 capitais e Distrito Federal
Delineamento amostral probabilístico com representatividade em nível macrorregional; Avaliação de
cárie dentária, doença periodontal, edentulismo,
oclusopatias e fluorose. Verificação de condições socioeconômicas e acesso a serviços; Zona urbana e rural
de 250 municípios de diferentes portes populacionais (de menos de 5
mil a mais de 100 mil habitantes); 6 grupos etários,
de bebês a idosos
Manteve a estratégia geral do modelo de 2003, ou seja,
delineamento amostral probabilístico com representatividade em nível macrorregional e para capitais;
Pesquisa somente em domicílios e não mais em escolas para 5 e 12 anos; Zona
urbana de 177 municípios (30 do interior em cada região mais as 27 capitais); 5 grupos etários (5, 12, 15-19, 35-44 e 65-74 anos); Melhorias nas técnicas
de pesquisa de campo e nas estratégias de análise
Articulação com a política de
saúde
Vinculado ao Programa de Prevenção de Cárie Dentária (PRECAD);
Sem continuidade
Nenhuma política de saúde bucal definida; Sem continuidade
Articulado à Política Nacional de Saúde Bucal (Brasil Sorridente); Continuidade
ainda indefinida
Projeto inserido na Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) como componente relativo aos dados primários do
eixo da Vigilância em Saúde Bucal; Continuidade estabelecida e vinculada à
manutenção da PNSB
Capilarização para estados e
municípios e incorporação da
metodologia
Nenhuma Nenhuma
Restrita inicialmente à fase de execução nos 250 municípios sorteados; Indícios claros de incorporação metodológica em estados do Nordeste, Sudeste
e Sul que ampliaram a amostra estadual; Absorção e
incorporação da metodologia pela Academia
Expansão da amostra em alguns estados e municípios;
Absorção e incorporação da metodologia consolidada
Fonte: Roncalli, Cortes e Peres, 2012.
1Na ta ela, os ha ados idosos do leva ta e to de 1 6 são, a realidade, adultos e