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Enunciação e regularidades gramaticais: apontamentos para o ensino de língua portuguesa para o ensino médio

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Academic year: 2017

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Elke Beatriz Felix Pena

ENUNCIAÇÃO E REGULARIDADES GRAMATICAIS:

apontamentos para o ensino de língua portuguesa para o

ensino médio

Belo Horizonte

(2)

Elke Beatriz Felix Pena

ENUNCIAÇÃO E REGULARIDADES GRAMATICAIS:

apontamentos para o ensino de língua portuguesa para o

ensino médio

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Linguística.

Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva

Linha de Pesquisa: Estudo da Estrutura Gramatical da Linguagem

Orientador: Prof. Dr. Luiz Francisco Dias

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG

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Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG

Pena, Elke Beatriz Felix.

Enunciação e regularidades gramaticais [manuscrito] : apontamentos para o ensino de língua portuguesa / Elke Beatriz Felix Pena. – 2015.

162 f., enc. : il., grafs., color., tabs., p&b.

Orientador: Luiz Francisco Dias.

Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva.

P397e

1. Língua portuguesa – Estudo e ensino – Teses. 2. Livros didáticos – Avaliação – Teses. 3. Língua portuguesa – Sintaxe – Teses. 4.

Enunciação – Teses. I. Dias, Luiz Francisco. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. IV. Título.

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AGRADECIMENTOS

A todos os meus (ex-)alunos, pois eles são os principais motivadores para que eu continue buscando conhecimento e me aperfeiçoando.

Ao professor Luiz Francisco, pela significativa aprendizagem nestes anos de orientação.

Ao Psica, pela compreensão, pelo incentivo e pelo amor.

À minha família, pelo apoio e incentivo de sempre.

À amiga Silvany, por me “ceder” a babá de suas filhas na reta final da escrita da tese. À Denise, por ter cuidado tão bem do Tomás. Sem as duas, certamente, não teria sido possível terminar o texto.

Às colegas, amigas e companheiras do Grupo de Pesquisa em Enunciação, da UFMG, pela troca de conhecimento, boas risadas e deliciosas viagens para os congressos. Agradeço em especial à Luciani, à Priscila e à Emiliana, cujos trabalhos serviram de base para o meu estudo.

À amiga-irmã, Ana Elisa Costa Novais, grande pesquisadora e colega de trabalho, que esteve ao meu lado durante todo o processo do doutorado, me incentivando, me ouvindo e, muitas vezes, me encorajando a continuar. E (principalmente!) pelos “socorros” para a formatação do texto.

Ao Willian Menezes e à Rivânia Trotta, pelo grande incentivo para que eu começasse o doutorado.

Aos colegas da Coordenadoria da Área de Língua Portuguesa (CODALIP), DO IFMG-Ouro Preto, por compartilharem minhas aflições, dúvidas, anseios, meu cansaço e estresse no processo do doutorado e, principalmente, por lutarem comigo pela minha licença para capacitação.

Ao IFMG - Ouro Preto, pela liberação para que eu conseguisse concluir o doutorado.

Aos funcionários do Poslin, pela prontidão e pela eficiência com que me atenderam durante o período de curso.

Ao Marcelo Cardoso dos Santos, amigo querido, pelo abstract.

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RESUMO

Neste trabalho, desenvolvemos um estudo com bases na Semântica da Enunciação, a fim de propor um ensino de gramática para o ensino médio em que sejam consideradas as dimensões orgânicas e enunciativas da língua. Para isso, analisamos capítulos destinados à sintaxe em três coleções de livros didáticos de língua portuguesa para o ensino médio. A partir dessa análise, discutimos os conceitos de contexto e de completude do sentido, apresentando os conceitos de intertexto e saturação no acontecimento enunciativo. Através disso, também propomos uma abordagem de ensino que considere as noções de lugares sintáticos e de exemplos-colmeia. Dessa forma, empreendemos um trabalho com sentenças, em sala de aula, que aborde um conjunto de exemplos que se relacionam, para que o aluno perceba, através das diferentes enunciações das formas linguísticas, a relação entre língua e sua exterioridade. Para tanto, nos apoiamos em estudos de Benveniste, Guimarães, Dias, Milner, Pecheux, Adam, Rastier, entre outros teóricos. Na perspectiva que adotamos, durante o acontecimento, definido por uma determinada cena enunciativa, o sujeito mobiliza e atualiza conhecimentos da memória dos dizeres. Nesse momento de atualização dessa memória é que se produz, paralelamente, o efeito de sentido e a posição de sujeito.

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ABSTRACT

In this work, we developed a study based on Semantics of Enunciation, in order to propose a kind of grammar teaching for high school that takes into account both the organic and enunciative dimensions of language. In order to do so, we Analyzed chapters dedicated to the syntax in three collections of Portuguese language textbooks for high school. From this analysis, we discuss both the concepts of context and completeness of meaning, BY presenting both the concepts of intertext and saturation in the enunciative event. Through this, we propose a teaching approach that considers both the notions of syntactic places and examples-hive. Thus, we undertook a job with sentences in the classroom that addresses a set of examples related to each other in order to make students notice, through different utterances of linguistic forms, the relationship between language and its externality. For this, we rely on the studies of Benveniste, Guimarães, Dias, Milner, Pecheux, Adam, Rastier, among other theorists. From the perspective we adopted during the event, defined by a certain enunciative scene, the subject mobilizes and updates his/her knowledges of the memory of sayings. When updating that memory is that, in parallel, both the effects of meaning and subject position are produced.

(9)

Sei que a arte é irmã da ciência Ambas filhas de um Deus fugaz Que faz num momento E no mesmo momento desfaz

(10)

LISTA DE FIGURAS

1 Resultado IDEB 2013 ... 13

2 Exemplo 1 ...19, 40, 81 3 Charge ... 29

4 Exemplo 3 ... 30

5 Propaganda Havaianas ... 84

6 Exemplo 4 ... 4, 35, 118 7 Exemplo 5 ... 38, 88 8 Livros didáticos mais distribuídos PNLD-2012 ... 45

9 Quadro-esquemático coleção I PNLD-2012 ... 49

10 Quadro-esquemático coleção II PNLD-2012 ... 54

11 Quadro-esquemático coleção III PNLD-2012 ... 58

12 Quadro-resumo1- conteúdos das coleções didáticas ... 61

13 Quadro-resumo2 organização da parte de gramática das coleções ... 63

14 Exemplo 6 ... 66

15 Exemplo 7 ... 70

16 Exemplo 8 ... 73

17 Exemplo 9 ... 76

18 Exemplo 10 ... 77

19 Exemplo 11 ... 91

20 Exemplo 12 ... 94

21 Exemplo 18 ... 102

22 Exemplo 19 ... 110

23 Exemplo 20 ... 114

24 Exemplo 21 ... 120

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 – ENUNCIAÇÃO: PRINCÍPIOS PARA NOSSA PESQUISA ... 22

1.1 SEMÂNTICA DA ENUNCIAÇÃO... 22

1.2 ENUNCIAÇÃO E LÍNGUA ... 29

1.2.1 A Transversalidade Enunciativa ... 29

1.2.2 Enunciação e Sintaxe ... 32

1.3 A QUESTÃO DO CONTEXTO ... 40

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E CORPUS ... 43

2.1 A PESQUISA ... 43

2.2 COLETA E SELEÇÃO DE DADOS ... 43

2.2.1 O PNLD-2012 ... 45

2.2.2 Coleções didáticas ... 48

2.2.2.1 (CI) Português: contexto, interlocução e sentido ... 48

2.2.2.1.1 Estrutura Geral da Coleção ... 49

2.2.2.1.2 Manual do Professor ... 49

2.2.2.1.3 A Organização do eixo Gramática ... 51

2.2.2.2 (CII) - Português – Linguagens: literatura, produção de texto, gramática ... 53

2.2.2.2.1 Estrutura Geral ... 53

2.2.2.2.2 Manual do Professor ... 54

2.2.2.2.3 A Organização do eixo Gramática ... 56

2.2.2.3 (CIII) Português: literatura, gramática, produção de texto ... 58

2.2.2.3.1 Estrutura Geral ... 58

2.2.2.3.2 Manual do Professor ... 58

2.2.2.3.3 A Organização do eixo Gramática ... 60

2.2.3 Sobre a organização dos conteúdos nos livros didáticos de português do ensino médio ... 60

(12)

CAPÍTULO 3-MEMÓRIA, ACONTECIMENTO E ENSINO: O EXEMPLO-

COLMEIA ... 65

3.1 DO CONTEXTO PARA O INTERTEXTO ... 65

3.2 EXEMPLO-COLMEIA: UMA METODOLOGIA DE ENSINO ... 80

CAPÍTULO 4 – LUGARES SINTÁTICOS E ENSINO ... 84

4.1 LUGAR SINTÁTICO ... 84

4.2 LUGAR SINTÁTICO DE SUJEITO ... 95

4.3 LUGAR SINTÁTICO DE OBJETO ... 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 124

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 128

(13)

INTRODUÇÃO

Nosso interesse, neste estudo, é apresentar uma reflexão sobre como podem ser

trabalhados os conteúdos referentes ao ensino-aprendizagem de língua materna, em

especial, os conteúdos sintáticos, tomando-se por base o arcabouço teórico da Semântica

do Acontecimento (Guimarães, 2002). Para isso, analisaremos atividades propostas em três

coleções de livros didáticos (doravante LD) de língua portuguesa do ensino médio (EM),

procurando identificar em cada uma delas aspectos enunciativos da língua, que nem

sempre (ou quase nunca) são considerados nos LD, mas que estão presentes por ser parte

constitutiva da própria língua (Benveniste, 2006). A partir dessas análises e dos estudos já

desenvolvidos nesse campo teórico a respeito do que chamamos de lugares sintáticos,

pretendemos apontar algumas perspectivas de abordagens para o ensino que consideram as

dimensões orgânica e enunciativa da língua, bem como o enunciado como parte

constitutiva da produção de sentido.1

Nessa direção, vamos mostrar o porquê decidimos desenvolver essa pesquisa com o

ensino médio, utilizando o livro didático.

Comecemos pelo nível de ensino. São três os principais motivos que nos levaram

ao desejo de dispensar nossa atenção ao EM. O primeiro deles inicia-se pela nossa

experiência docente que se dá, por um lado, nos últimos anos, nesse nível de ensino, e, por

outro, numa experiência anterior, na formação de professores dos cursos de Letras e

Pedagogia. Dessa forma, pudemos articular nossas experiências docentes com as de

professor-orientador, acompanhando estágios curriculares de licenciandos que tanto

ministravam as aulas quanto as observavam. Essa dupla vivência no ensino nos levou a

dúvidas e desafios, os quais motivaram o início da nossa pesquisa e participação no Grupo

de Estudos da Enunciação, na UFMG.

Os dois próximos motivos estão diretamente ligados ao primeiro, pois por estarmos

atuando no EM é que nos interessamos por pesquisas desenvolvidas para esse nível, bem

como por estatísticas oficiais a seu respeito.

1 Nos capítulos seguintes, desenvolveremos as noções de lugares sintáticos e dimensões orgânica e

enunciativa da língua. Por ora, apenas para esclarecimento ao leitor, definiremos esses termos, de forma demasiadamente objetiva, da seguinte maneira:

Lugares sintáticos: lugar qualificado que dá aos termos ocupantes desses lugares a capacidade de

adquirirem funções nas sentenças.

Dimensão orgânica da língua: ocupação material ou não do lugar sintático.

Dimensão enunciativa da língua: instância de acionamento das possibilidades de ocupação do lugar

(14)

O segundo motivo que nos levou à presente pesquisa é a carência de estudos

voltados ao ensino-aprendizado neste período da educação básica, como afirma Mendonça

(2006):

Se muitas pesquisas aplicadas ao ensino já se debruçaram sobre a realidade do ensino fundamental I e do ensino fundamental II (...), isso não se repete para a etapa posterior de escolarização, o EM (...). Há de fato uma demanda por pesquisas que ajudem a compreender por que razões, no EM, as competências relativas ao campo da linguagem ainda estão longe do patamar desejado, como indicam, mesmo que de maneira parcial, avaliações do nível nacional como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). (MENDONÇA, 2006, p.13)

Também no que se refere a políticas e avaliações públicas, o EM apresenta um

grande atraso, quando comparado ao ensino fundamental.

Segundo Jurado e Rojo (2006), em 1986, o Ministério da Educação (MEC)

começou a avaliar e distribuir livros para o ensino fundamental público. Essa ação do

governo federal só é levada ao EM em meados de 2003, quando se inicia a criação de

critérios para a avaliação dos LDs desse nível de ensino. Somente com os Princípios e

Critérios para Avaliação do Livro Didático de Português para o Ensino Médio

(PNLEM-2005) que livros de língua portuguesa são distribuídos ao EM, mesmo assim para um

universo restrito de alunos nas regiões Norte e Nordeste.

A inclusão do EM no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB),

conduzido pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira

(INEP), desde 1990, também foi tardia, de acordo com os dados apresentados por

Marcuschi (2006), acontecendo apenas em 1995, depois de já realizadas duas aferições no

ensino fundamental, em 1990 e 1993. Em 1997, o INEP realiza a primeira versão do

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com a intensão de autoavaliação para os

alunos concluintes dessa etapa. Por ser facultativo e pago, teve baixa adesão. Em 2001, já

gratuito, o MEC coloca o Enem como alternativa, parcial ou total, para o ingresso no

ensino superior.

O terceiro motivo para a pesquisa no EM se deve às estatísticas oficiais que trazem

(15)

Básica (IDEB)2 divulgado em setembro de 2014, o EM ficou abaixo da meta de 3,9 pontos

prevista pelo MEC para o ano de 2013. Nesse nível de ensino, o Ideb registrado no Brasil

foi de 3,7 pontos, o mesmo registrado em 2011.

FIGURA 1- Gráfico IDEB 2013. Fonte: Ministério da Educação/INEP

Dados levantados pelo Movimento Todos pela Educação3, a partir das informações

da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2013, mostram que somente

54,3% conseguiram concluir o EM até os 19 anos. Outro índice que nos chama atenção é o

percentual de jovens com idade certa (15 a 17 anos) matriculados no EM, que passou de

54,4% em 2012 para 54,3% em 2013. O Plano Nacional de Educação estipula que, em dez

anos, a taxa líquida de matrículas no ensino médio seja de 85%. Mas, como é indicado,

esse índice teve uma pequena variação negativa.

Dadas as motivações para realizarmos esse estudo no EM, agora passamos para

aquelas que nos levaram a utilizar os LD de língua portuguesa.

Ainda é indiscutível a significativa presença na sala de aula do livro didático como

principal material didático para o professor e para os alunos, como nos diz Jurado e Rojo

(2006, p.44),

Tal como se apresenta hoje, ele [o livro didático] tem sido o instrumento de letramento mais presente na escola brasileira, especialmente a partir da década de 1970. Atualmente, representa a

2O Ideb é um indicador geral da educação nas redes privada e pública. Foi criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e leva em conta dois fatores que interferem na qualidade da educação: rendimento escolar (taxas de aprovação, reprovação e abandono) e médias de desempenho na Prova Brasil, em uma escala de 0 a 10.

(16)

principal, se não a única, fonte de trabalho com o material impresso na sala de aula, ao menos na rede pública de ensino.

A partir de 2003, em decorrência da elaboração do primeiro PNLEM-2005, a

qualidade pedagógica desse material virou objeto de observação. Com isso, e com as

significativas pesquisas desenvolvidos sobre o ensino de língua materna, os LD tiveram

grandes avanços no que diz respeito à diversidade de gêneros e tipos textuais, bem como

em suas atividades de leitura e produção de textos. No entanto, o mesmo não se pode falar

no que se refere ao ensino de gramática, como vemos em estudo de Mendonça (2006),

Tomemos como exemplo desse movimento o lançamento da obra organizada por J. W. Geraldi, O texto na sala de aula, em 1984. Os artigos deste livro já propunham uma reorientação para o português, com base na leitura e escrita de textos como práticas sociais significativas e integradas, e na análise dos problemas encontrados na produção textual como mote para a prática de AL (análise linguística), em vez de exercícios estruturais de gramática (normativa e descritiva). Apesar de ter-se convertido num marco entre as publicações voltadas para a formação de professores, não se efetivaram, desde seu surgimento, grandes mudanças quanto ao ensino de gramática, ao passo que o trabalho com leitura e escrita já apresentou algumas modificações (MENDONÇA, 2006, p.200).

O que percebemos é que o ensino da sintaxe acontece em duas direções. A

primeira, mais tradicional, é aquela em que o estudo de categorias sintáticas é relacionado aos grupos morfológicos e a “funções” que os termos exercem na sentença, tal como orienta a gramática normativa. Aqui, vemos um estudo pautado na memorização de

categorias e localizações estritamente geográficas dos termos na sentença. Dessa forma, essa abordagem funciona quando são apresentados ao aluno exemplos que “cabem” nas definições.

A segunda abordagem surgiu a partir dos estudos linguísticos sobre o texto, em que

ele é considerado unidade de sentido, como a Linguística Textual e a Linguística de

Gêneros e Tipos textuais. Nessa concepção, o estudo sintático somente é necessário se

considerar a função que a oração ocupa no texto, em relação à coerência e à coesão desta

unidade de sentido. Com isso, o conhecimento da organicidade sintática das sentenças se

perdeu muito em nome da maior importância do sentido global do texto e de alguns

(17)

Dias (2010) faz um estudo sobre o ensino de sintaxe em livros didáticos do ensino

fundamental e aponta alguns problemas relativos a esse ensino. Dois deles são:

a) interação dos estudos gramaticais com os estudos do texto e do discurso – com a

grande importância que os estudos do texto e do discurso tomaram nas últimas

décadas, os autores de livro didático tentam adequar suas obras a essas bases. No

entanto, articular a organicidade da língua ao seu papel no texto ou no discurso

exige domínio dessas abordagens, e, como diz Dias, “Esses estudos ainda não adquiriram uma estabilidade suficiente, principalmente no Brasil, para que possam fornecer segurança aos autores de manuais didáticos” (p.193)

b) heterogeneidade terminológica e dispersão do campo gramatical – devido à grande diversidade dos fundamentos teóricos dos estudos gramaticais, alguns conceitos

como os de língua e gramática variam consideravelmente. Com isso, surgem novas

terminologias ligadas a diferentes bases teóricas, que ainda não foram

completamente apreendidas pelos autores desses manuais. Com isso, percebe-se

grande confusão terminológica-conceitual que pode ter como consequência dar a velhas formas “rótulos” novos.

Entendemos que, no ensino fundamental, o trabalho com gramática deve estar

relacionado ao texto, para que esse aluno perceba e entenda a função sintática em um

contexto maior, participante da unidade de sentido do texto. Segundo Dias (2003), essa

forma de ensinar a gramática deve acontecer nas primeiras séries. Ele propõe que, nas duas

últimas, os conceitos já sejam explicitados. Concordando com essa proposta, vamos além

para dizer que o Ensino Médio é o momento de trabalharmos com questões mais

conceituais, que devem abordar tanto os aspectos orgânicos quanto enunciativos da língua,

acompanhando o nível de maturidade cognitiva e o conhecimento que esse aluno veio

adquirindo por todos os anos de escola. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio (1999) - PCNEM, o EM tem, como anos finais da educação básica, o

objetivo de aprofundar o conteúdo do ensino fundamental e oferecer ao aluno instrumentos

(18)

Mendonça (2006), encontramos considerações a respeito do trabalho sistemático com

língua no ensino médio.

Não se exclui aqui a necessidade de sistematizar na AL (análise

linguística), já que, especialmente nessa etapa de escolarização, não há

mais motivo para tratar os fenômenos normativos, sistêmicos, textuais e discursivos de forma intuitiva. Isso é defendido para a abordagem de alguns aspectos do EFI (ensino fundamental I) (principalmente) e EFII

(ensino fundamental II), quando a meta maior é alfabetizar e letrar, ou

seja, levar os alunos à apropriação do sistema de escrita e inseri-los em diversas práticas letradas significativas. Portanto, é preciso que o trabalho com AL no EM parta de uma reflexão explícita e organizada para resultar na construção progressiva de conhecimentos e categorias explicativas dos fenômenos em análise. (p.204)

Nos PCNEM e PCN+, encontramos, em diversos momentos, a orientação para o

trabalho com a gramática e a reflexão a respeito da materialidade da língua. Esses

documentos apresentam as bases para o ensino, como os objetivos, as competências e as

habilidades referentes a esse nível escolar. Então, podemos dizer que nossa posição a

respeito da abordagem ecoa nesses princípios.

No mundo contemporâneo, marcado por um apelo informativo imediato, a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas, que se mostram articulados por múltiplos códigos e sobre os processos e procedimentos comunitários, é, mais do que uma necessidade, uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania desejada (PCN+-Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, p.20)

Mais especificamente sobre a estrutura da língua, encontramos:

Cabe à escola aprimorar a competência gramatical dos alunos, de modo a levá-los a gerar sequências próprias, consideradas como admissíveis e aceitáveis no interior da Língua Portuguesa, bem como aprender enunciados distintos. (Idem; p. 57)

Se está se falando em levar o aluno a gerar sequências próprias, podemos dizer que

é necessário que ele conheça a estrutura dessas sequências. Nessa perspectiva, podemos

dar a entender que desconsideramos o ensino a partir de textos, mas essa impressão não se

sustenta. Achamos coerente a nossa visão com a que propõe o ensino no e pelo texto, no

(19)

texto é uma unidade de sentido integrada por enunciados, por isso, o enunciado tem papel

fundamental na nossa concepção de ensino de língua.

Esta definição considera de modo direto que o texto é uma unidade de significação. Ela se caracteriza por produzir sentido, e é isso que faz dela (desta unidade) um texto. Outro aspecto é que esta unidade (o texto) integra enunciados, ou dito de outro modo, o texto é integrado por enunciados. E é isso que faz com que o texto seja texto e faça sentido. (GUIMARÃES, 2011, p. 19)

Ao olharmos para o texto, sua constituição e suas relações, entendemos esse

processo e o relacionamos, posteriormente, a outros enunciados que o compõem,

formando, assim, o sentido dessa unidade (o texto).

Segundo Guimarães (2011, p. 126),

Esta posição coloca, de início, no centro da questão do ensino dois aspectos fundamentais: 1) o funcionamento do enunciado; 2) o fato de que o sentido dos enunciados são produzidos (sic) por sua relação de integração com o texto.

O aspecto 1, parte do objeto do estudo que propomos neste trabalho, diz respeito à

consistência interna dos enunciados, então, às suas sistematicidades, às relações entre os

elementos que os compõem. Essa sistematicidade está diretamente ligada à produção de

sentido, i.e., a articulação entre os elementos que formam o enunciado é fundamental para

o seu sentido. Para nós, a sistematicidade gramatical está associada à produção de sentido,

porque é um lugar de constituição de referência.4

Com isso, continuamos a concordar com Guimarães quando diz que é fundamental

que seja ensinado a observar e a levar em conta essas sistematicidades do enunciado. Ele também afirma que se deve “ensinar o funcionamento gramatical (fonológico, morfológico, sintático) junto ao funcionamento semântico da produção de sentido”. (GUIMARÃES, 2002, p. 126)

Essa abordagem não se desvincula do que orienta o PCN+, no volume sobre “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, como nos mostra a seguinte citação:

Em sentido amplo, texto é qualquer manifestação articulada que se veicula por linguagens. Sendo ele o elemento mínimo de qualquer

(20)

situação de interlocução, sua organização segue padrões formais que

devem ser compreendidos para que essa interlocução se efetive. (grifo

nosso) (p. 43)

A que se referem esses “padrões formais”? Acreditamos que a elementos que constituem esse texto: desde sua estrutura tipológica até a dimensão dos enunciados que

compõem essa estrutura.

Nossa base teórica se constitui: i) pela Semântica da enunciação; ii) por estudos

sintáticos que consideram a dimensão enunciativa da língua, além da sua organicidade.

Dessa maneira, defendemos que de outras enunciações se cria a memória de ocupação e

relação dos componentes de uma sentença, ou seja, uma sentença se assenta sob a

enunciação de outras sentenças (DIAS, 2012). A sentença, tomada como face regular do

enunciado, é o ponto de contato entre o dizível e a atualidade do dizer. Desta forma, ao

analisarmos uma sentença, devemos considerar tanto as regularidades dos seus elementos

quanto “as regularidades da significação advindas das recorrências da memória” (DIAS,

2010, p. 03). Essa perspectiva teórica será desenvolvida no próximo capítulo.

Uma vez conhecidos e entendidos, pelo aluno, usuário da língua, o funcionamento e

o processo de produção de sentido desta língua, o entendimento de sua organização passa a

ser mais eficaz. Em vez de categorizar por processos de memorização termos e

nomenclaturas sintáticas, o aluno passará a identificar a regularidade da sentença em

relação à regularidade de sentido produzido neste processo enunciativo. E além da

sentença, poderá estabelecer a relação deste enunciado com os demais enunciados do texto,

formando uma rede de sentidos, considerando-se as duas dimensões da língua: a

enunciativa e a orgânica.

Podemos observar no uso de LD em sala de aula ou numa leitura atenta desse

material, que aparecem algumas tentativas de levar para o campo do ensino da sintaxe

fundamentos e abordagens enunciativas, apresentando atividades que demandem o

acionamento da memória e da historicidade da língua. No entanto, ainda se vê uma

fragilidade quanto ao uso dessas bases e ao domínio dessas abordagens, gerando uma

(21)

Vejamos um exemplo retirado de uma das coleções utilizadas na pesquisa5. O exercício abaixo faz parte do item “Atividades” propostas ao final do capítulo de introdução ao ensino de sintaxe de um dos livros analisados.

(1)

FIGURA 2 – Exemplo (1)

FONTE: Coleção didática I, v.2, p. 510.

O enunciado É. O amor é cego. é o objeto de análise da questão 5, em que é pedido

para que o aluno diga como o mesmo é constituído sintaticamente. A resposta indicada no

Guia de Recurso do professor (p. 188) é “O enunciado é constituído de duas frases curtas

‘É.’ e ‘O amor é cego.’ Em cada frase, há uma oração (um período simples).” Se formos

considerar a definição de frase dada anteriormente6, É não poderia ser classificada como

tal. Se a sua extensão é marcada pelo ponto, deveríamos considerá-la individualmente, de

acordo com a definição de frase das autoras. Sem relacioná-la à segunda sequência, O

amor é cego, não haveria possibilidade de sentido, adotada a perspectiva indicada

anteriormente. O que acontece aqui é um exemplo de que os enunciados estão relacionados

5 Dedicamos o próximo capítulo à exposição das coleções de livros didáticos das quais selecionamos as

atividades que analisaremos neste trabalho.

6“ Frase é um enunciado linguístico que, independente de sua estrutura ou extensão, traduz um sentido

(22)

a uma rede de memória, por isso o É é apontado pelas autoras como uma frase, mesmo não

abordando o aspecto enunciativo em sua definição. Apesar de É, isoladamente, não trazer

uma referência específica, O amor é cego possui uma anterioridade discursiva, e,

relacionados, pode-se chegar ao sentido.

Ainda na questão 5, mas no segundo item, é pedido que o aluno diga se há sentido

em É. O amor é cego, desconsiderando-se o contexto. Apesar de não estar claro na questão

a que contexto específico elas se referem, na sugestão de resposta entendemos que é ao

contexto do anúncio publicitário: a imagem, e os dizeres da parte inferior direita do texto.

As autoras afirmam ser possível compreender o enunciado “como uma afirmação genérica

sobre o fato de o sentimento amoroso levar os apaixonados a verem seus objetos de amor de forma completamente idealizada (...)” sem enxergar os seus defeitos. Porém, só é possível fazer essa leitura do enunciado em questão porque ele foi relacionado a algo além

do que está materializado no anúncio, o que nos impede de dizer que houve uma “descontextualização” completa como nos sugere o comando da atividade. E o que seria

esse “algo além do materializado”? Na nossa perspectiva, é o acontecimento enunciativo,

atualizando enunciações presentes na memória desse enunciado. Mas essa instância não é

levada em consideração no material analisado, pelo menos de forma consciente.

A questão 6 busca levar o aluno a pensar o sentido de É. O amor é cego

considerando todos os demais elementos, o que é bastante interessante em relação à

compreensão do anúncio. No entanto, a relação da sintaxe com o sentido produzido não é

abordada. Perde-se o foco na sintaxe para abordar questões relacionadas ao texto

apresentado, anúncio publicitário, sem estabelecer um elo entre a constituição da sentença

e a relação entre os grupos que a constituem (o sintático, tema do capítulo).

Há uma atualidade nos textos, que exige relações bem complexas, como relações

anafóricas, extratextuais, etc., mas, ao mesmo tempo, ao se passar para as questões sobre

esse texto, a rede de memória desses dizeres não é explorada na sintaxe. Não é dada

orientação de como elementos linguísticos ali presentes devem ser observados e nem é

explicitada a relação entre esses elementos e o sentido do texto. O interessante é pensarmos

que, mesmo assim, os alunos, ao responderem a essas questões, fazem essas relações. A

resposta aos exercícios só é possível pela passagem naquilo que não é realizado

materialmente no dito, mas que é constitutivo do dizer, ou seja, o aluno tem que buscar

(23)

No decorrer dos capítulos que se seguem, serão apresentadas essa e outras

atividades que fazem parte de LD do EM. Com a finalidade de entendermos melhor a

sistemática desses livros quanto à metodologia de análise linguística que deve ser utilizada

pelo professor, consideramos, além das atividades relacionadas aqui, no manual do

professor, as orientações a respeito do trabalho com a sintaxe.

Quanto à análise linguística, nossa atenção foi para o estudo das relações de

articulação na língua entre a memória e a atualidade no acontecimento enunciativo,

considerando, assim, os lugares sintáticos constituídos nas sentenças. Nosso objeto de

estudo é o enunciado, considerando a sua consistência interna e sua relação com os demais

enunciados de um texto (Guimarães, 2002).

Este texto foi organizado em quatro capítulos. No primeiro, apresentamos as bases

teóricas que dão sustentação a essa pesquisa, trazendo os conceitos da Semântica da

Enunciação e da relação entre enunciação e sintaxe. No segundo capítulo, são apresentados

o corpus e a metodologia utilizados no trabalho. Nos dois capítulos seguintes, 3 e 4,

apresentamos análises que buscam demonstrar a proposta que trazemos para o ensino de

sintaxe com bases enunciativas, para o ensino médio. No capítulo três, discutimos os

conceitos de contexto e completude de sentido e propomos os conceitos de intertexto,

saturação no acontecimento enunciativo e exemplo-colmeia. Por fim, no capítulo quatro,

fazemos uma exposição de aspectos enunciativos da constituição dos lugares sintáticos de

sujeito e objeto, tendo em vista possibilidades de trabalho com exemplos-colmeia.

Ao final da tese, como anexos, disponibilizamos a digitalização das páginas dos LD

em que se encontram os exemplos utilizados nesse trabalho, para que o leitor possa fazer a

(24)

CAPÍTULO 1 – ENUNCIAÇÃO: PRINCÍPIOS PARA NOSSA PESQUISA

1.1 A SEMÂNTICA DA ENUNCIAÇÃO

Quando falamos em Teoria da Enunciação, é importante determinarmos a que “teoria da enunciação” estamos nos referindo. Há vários estudos enunciativos que apresentam diferentes abordagens conceituais em relação ao que é língua, sujeito e até

mesmo enunciação, de acordo com o tipo de análise que é realizada. Flores (2008) aponta

essa pluraridade, dividindo os estudos sobre enunciação em dois grandes grupos, de acordo

com o modelo de análise utilizado em cada um deles.

No primeiro grupo, estão os autores cuja reflexão é voltada para a enunciação, mas

não formulam modelo de análise: Benveniste, Bally, Sechehaye e Guillaume,

considerados, pelo autor, fundadores dessa abordagem da língua.

Do segundo grupo, participam autores que elaboraram propostas

teórico-metodológicas de análise enunciativa, como Jakobson, Ducrot, Authier-Revuz, Culioli,

Fuchs, Hagege, Kebrat-Oracchioni, entre outros.

Nossa perspectiva é a da Semântica do Acontecimento7, desenvolvida por

Guimarães (2002) com fundamentos em Benveniste e Ducrot. Para apresentarmos as bases

que nos orientam nessa teoria, faremos um caminho já percorrido por estudiosos como

Dias (2009) e Dalmaschio (2013). Apontaremos dois importantes estudos no campo da

enunciação que servem de referência para nosso trabalho, naquilo que nos aproxima e

também nos afasta de suas teorias: a passagem da língua para o discurso, de Benveniste

(2006), e o conceito de acontecimento, de Ducrot (1987).

Benveniste (2006, p.82) define a enunciação como “este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”, trazendo para o primeiro plano dos estudos linguísticos a individualidade do sujeito que faz o aparelho funcionar, “Este ato (de produzir enunciado) é o fato do locutor que mobiliza a língua por sua conta.”. Há uma materialidade pertencente ao aparelho formal, da qual se apropria o locutor para colocá-la

7 Termo cunhado por Guimarães que equivale à Semântica da Enunciação. No decorrer dessa seção,

(25)

em funcionamento em determinado tempo e espaço (aqui-agora). O locutor, uma das faces

do sujeito de Benveniste, que sempre pressupõe o outro (eu-tu), é introduzido pelo ato individual pelo qual a língua é utilizada como “parâmetro nas condições necessárias da enunciação” (p.83). São duas instâncias apresentadas por Benveniste, a da língua e a do discurso. A instância da língua é onde a língua guarda um conjunto de formas que se

constitui em uma classe de indivíduos linguísticos. O locutor enuncia - através da

apropriação desses individuais (o pronome “eu”) que permitem ao homem individualizar -

promovendo o desdobramento da instância da língua em uma segunda instância, a do

discurso, na qual produzimos referência. Em outras palavras, para Benveniste, a

enunciação é a passagem da possibilidade de língua para uma instanciação discursiva. Mais tarde, Ducrot (1987), ao definir enunciação como um “acontecimento histórico”, traz para o campo dos estudos da língua a noção de “histórico/historicidade”, muito cara às nossas pesquisas. Porém, o que Ducrot entendia por histórico é algo pontual,

marcado por um tempo cronológico, em que o enunciado dito em um determinado tempo e

espaço não será repetido em uma outra enunciação.

O que designarei por esse termo é o acontecimento constituído pelo aparecimento do enunciado. A realização de um enunciado é de fato um acontecimento histórico: é dado existência a alguma coisa que não existia antes de falar e que não existirá depois. É essa aparição momentânea que chamo enunciação. (p.168)

Para ele, o acontecimento enunciativo é histórico, mas essa historicidade é marcada

no tempo e no espaço específicos, dando ao enunciado um caráter de irrepetibilidade.

Essa visão de irrepetibilidade é reconstruída em Guimarães. Esse autor, ao se

colocar como um semanticista, afirma que nos estudos semânticos é fundamental

pensarmos que o que dizemos é construído na e pela linguagem (Guimarães, 2002). A linguagem fala de algo, mas esse “algo” não está presente no mundo. Por isso, para esse autor, para se fazer análise do sentido, é necessário fazer uma análise da enunciação, do

acontecimento do dizer, pois o objeto de análise para a Semântica do Acontecimento é o enunciado: “saber o que significa uma forma é dizer como seu funcionamento é parte do

processo da constituição do sentido do enunciado.” (GUIMARÃES, 2002, p.7)

Para Guimarães (1989 e 1995), a enunciação é um espaço que considera a

constituição histórica do sentido, desta forma, abordar a enunciação é observar o sujeito

(26)

“acontecimento no qual se dá a relação do sujeito com a língua” e, partindo do que Ducrot (1987) desenvolve na teoria polifônica da enunciação, coloca uma importante questão para

seus estudos: como tratar a enunciação como funcionamento da língua sem remeter isto a

um locutor, a uma centralidade do sujeito?

Ao tratar essa questão, é importante explicitar que, para nós, fundamentados na tese

antirreferencialista de Ducrot, a produção de sentido não se dá através da relação entre

uma expressão linguística e seu referente como entidade no mundo. A questão que é

colocada neste campo de estudo a respeito da produção de sentido é como ao dizer fala-se

das coisas, pois as coisas existentes são referidas enquanto significadas na e pela

linguagem. Desta forma, como define Guimarães (2002), para a semântica linguística, a

questão do sentido não é uma questão ontológica, mas uma questão simbólica: “Enuncia-se

enquanto ser afetado pelo simbólico e num mundo vivido através do simbólico” (p.11). Enunciar passa, assim, a ser uma prática política, e não mais individual. Dessa forma,

entendemos o sentido como algo histórico-social e não particular.

Tomando a enunciação como o acontecimento da linguagem, apresentamos os

elementos da constituição desse acontecimento. Constituem esse acontecimento: i) a

língua; ii) o sujeito, que se constitui pelo funcionamento da língua na qual se enuncia algo;

iii) a temporalidade e iv) o real a que o dizer se expõe ao falar dele (materialidade histórica

do real).

Dentro dessa constituição, é preciso entender que o acontecimento não é marcado

por um presente em que o locutor diz eu e enuncia a partir de um antes (passado) e um

depois (futuro), como propôs Benveniste. Para a semântica do acontecimento não é o

sujeito que temporaliza, mas o próprio acontecimento. “O sujeito não é assim a origem do tempo da linguagem. O sujeito é tomado na temporalidade do acontecimento” (GUIMARÃES, 2002, p. 12)

A temporalidade é constituída, por um lado, de um presente que abre em si uma

latência de futuro (a futuridade), a partir da qual se dá uma projeção e uma produção de

efeito na memória, que abre o lugar dos sentidos, do interpretável. Por outro lado, o

presente do acontecimento constitui um passado que é a rememoração de enunciações,

uma nova temporalização, considerada como o que é da ordem do memorável.

Dessa forma, afirmamos que o acontecimento é a diferença na sua própria ordem,

não sendo um fato no tempo, um antes e um depois, marcados cronologicamente, mas na

(27)

significações. Essa temporalização é constituída no acontecimento enunciativo, momento

de atualização do dizer, diferentemente da forma como Ducrot entende essa temporalidade.

Dessa maneira, o enunciado é atualizado e não irrepetível. Dado esse fundamental papel do

acontecimento enunciativo é que Guimarães denomina a sua teoria de Semântica do

Acontecimento.

Usamos nesta abordagem o termo memória discursiva de acordo com Pierre Achard

(1999). Segundo este autor, há uma repetição, tomada por uma regularidade do discursivo.

Essa regularização dá à memória um estatuto social. Apesar desta repetição e regularização

dos discursos, a história não forma uma memória autônoma, é necessário um texto atual

que a busque. Desta forma, a enunciação é tomada como “operações que regulam o encargo, quer dizer, a retomada e a circulação do discurso” (ACHARD, 1999, p.17). Ainda segundo Achard, a memória nunca é fielmente reproduzida num enunciado, sendo esse

enunciado o ponto de partida para o entendimento de uma regularidade. A memória

discursiva seria, então, a força da regularidade desses elementos.

A memória é o tempo da dispersão, do heterogêneo, do múltiplo. Mas não há presente sem memória. A memória é o ancoradouro do presente. O heterogêneo, o disperso, o múltiplo habitam a unidade, o homogêneo, e a unidade do corpo que fala se divide (GUIMARÃES, 1995, p.67)

Para Pêcheux (2002), há diferentes modos de dizer o que se diz. Os enunciados

podem remeter ao mesmo fato, mas não constroem as mesmas significações, que são

construídas no acontecimento. Os enunciados são passíveis de interpretações e precisam de

formulações para significar. As proposições do sujeito falante são atravessadas por uma

série de atualizações, transformando o que aparentemente seria homogêneo em heterogêneo. Esta heterogeneidade discursiva é própria deste sujeito falante, é “o espaço de necessidade equívoca”. (PECHEUX, 2002, p.33).

Há dois espaços que atravessam o discurso: um de significações estabilizadas,

normatizadas, e o outro de transformações de sentidos, de lacunas a serem preenchidas

sempre.

(28)

Em decorrência dessas mudanças é que se estabelecem as filiações históricas

organizadas em memórias e as relações sociais em redes de significado, como afirma

Pêcheux.

O enunciado é repleto de lacunas, os equívocos, que devem ser preenchidos pelas

relações de memória, que são sócio-históricas. É próprio do discurso se atualizar “só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação” (p.56).

Para ilustrarmos o que acabamos de dizer a respeito do acontecimento enunciativo e

da sua historicidade, vejamos a seguinte manchete, retirada do jornal mineiro O Tempo

(06/10/2013), na primeira de uma série de reportagens a respeito da transposição do Rio

São Francisco, proposta e iniciada pelo governo federal.

(2) A transposição do descaso e do abandono no sertão. (Caderno Especial, p. 19)

O enunciado que forma o título dessa reportagem traz uma organização

reconhecível das palavras na língua portuguesa e uma relação entre elas que levam um

leitor nativo a entender, sem grandes problemas, o seu sentido. Mas o que nos leva a esse

efeito de completude do sentido de um enunciado? Para a Semântica do Acontecimento, a

relação entre os elementos que formam esse enunciado é histórica, uma vez que já fizeram

parte de outros enunciados em outros acontecimentos. Há, em cada palavra aí presente,

uma memória que se atualiza em cada nova enunciação, mantendo e, ao mesmo tempo,

modificando seu sentido.

Acreditamos que as palavras guardam as propriedades de seus usos e que a

significação não é anterior à enunciação, mas construída no acontecimento da linguagem,

que produz uma atualização e uma determinada pertinência. As palavras e/ou as

construções ditas podem ser as mesmas, mas com uma pertinência àquele dizer, pois a

atualização sempre pressupõe a diferença, o deslocamento de sentido. Devido a essa

atualização, que sempre pressupõe a diferença, não podemos considerar o sentido fora da

enunciação e entendemos que não buscamos sentido analisando apenas a palavra, mas a

relação da palavra com as outras que participam da enunciação. Dessa maneira, olhamos a

palavra tendo em vista seu conjunto de determinação. A essa forma de pensar e representar

o sentido das palavras, Guimarães (2007a) chama de Domínio Semântico de Determinação

(29)

Precisamos, então, definir o que tomamos por determinação e, consequentemente,

por determinante e determinado. Para nós, as relações de determinação se constituem no

acontecimento enunciativo, a partir do modo como as palavras se relacionam em um texto, entendido como “uma unidade de significação integrada por enunciados” (p.82). Queremos dizer que, se um elemento X determina um elemento Y, tornando-se, então, Y determinado

por X, isso acontece na enunciação e não é dado anteriormente como próprio da natureza

da palavra. Há uma relação de sentido em duas vias, determinante – determinado, construída na enunciação. Isso porque não há, intrinsecamente, na palavra, algo que a faça

ser um termo que determina ou que é determinado. Por isso não podemos considerar essa

relação como fixa, independente do acontecimento enunciativo. Relacionada à

determinação, temos a designação de um termo, fundamental na nossa perspectiva de

análise. A designação é produzida pelo processo enunciativo e também é instável, por ser

constituída na relação de uma palavra com outra. Segundo Guimarães (2007a, p.95),

A designação de uma palavra é uma relação de palavra a palavra, que não é uma classificação das coisas existentes, é uma significação que acaba por identificar coisas, não enquanto existentes, mas enquanto significadas.

Esse é também um processo resultado de uma ação histórica, pois os elementos

linguísticos já participaram de outros eventos, sendo assim, não é possível termos uma

enunciação inaugural. Na enunciação, esses elementos linguísticos criam uma relação de

atualização com outros elementos linguísticos, constituindo a designação. E esse é o

processo necessário para a significação. Como, na semântica, encontramos esse termo

sendo usado como sinônimo de referência, Guimarães preocupa-se em diferenciá-los

dentro de seus estudos. A designação é a atualização, a relação linguística dentro do enunciado, é “o modo pelo qual o real é significado na linguagem” (p.82). Já a referência é a particularização de algo que foi designado, isto é, particularizado pela enunciação.

Nessa perspectiva, o DSD mostra, portanto, como as palavras se organizam e como

elas produzem sentido na enunciação. Guimarães caracteriza a designação das palavras,

(30)

De um certo modo, podemos dizer que no acontecimento se refaz insistentemente uma língua, pensada não como uma estrutura, um sistema fechado, mas como um sistema de regularidades determinado historicamente e que é exposto ao real e aos falantes nos espaços de enunciação. De outra parte, (...), o modo de referir, ou seja, a relação com as coisas é construída por uma determinação enunciativa, que os Domínios semânticos de determinação descrevem e interpretam. (GUIMARÃES, 2007a, p.96)

Partindo desse princípio teórico, em (2), “Transposição” nos remete à transposição do Rio São Francisco, assunto muito divulgado e discutido pela imprensa brasileira desde

sua proposta, em 2007, pelo governo federal. No dado exemplo, seu complemento “do rio são Francisco” é substituído por “do descaso” e “do abandono”. Apesar disso, percebemos que em “transposição” é mantida toda a rede de memória de “transposição do Rio São Francisco”, como se esse termo, no título da reportagem, já abrangesse os outros que estão implícitos no enunciado. “Descaso” e “abandono” são palavras de sentido negativo que aqui se relacionam à “transposição” e, ao mesmo tempo, a “sertão”. Ao lermos “descaso” e “abandono”, já entendemos - ou presumimos - que o projeto não esteja tendo o sucesso esperado, provavelmente, por problemas de atraso, mau uso da verba, má gestão etc. Concomitantemente a essa relação, percebemos que “no sertão” nos remete a “seca”,

“pobreza” e, logo, a “descaso e abandono”, relações presentes em enunciados anteriores a

(1). O acontecimento enunciativo é constituído por uma memória do dizer e pela

atualização dessa memória no momento em que se dá a enunciação.

Nessa configuração, Guimarães apresenta o que chama de cena enunciativa (2002 e

2007a), que são especificações e distribuições dos lugares enunciativos no acontecimento. Esses lugares são configurações do agenciamento enunciativo para “aquele que fala” e “aquele para quem se fala”. Na cena enunciativa, esses lugares não são pessoas “donas” do seu dizer, mas lugares constituídos pelos dizeres. A distribuição desses lugares se faz pela

temporalização específica do acontecimento, fundamental na cena enunciativa.

Assumir a palavra é se por no lugar que enuncia, o lugar do Locutor (L),

representado no dizer como fonte deste dizer, o presente constituído por L. Porém, para

que L se represente como origem do dizer, é necessário que ele esteja afetado por um lugar

social de locutor, que o autorize a dizer. Esse lugar é chamado de locutor-x, em que x é

uma variável que predica esse lugar social (de presidente, diretor, professor etc). É

(31)

quando também se dá como lugar social, locutor-x, formando assim uma condição díspar

de L em si mesmo.

Resumindo, durante o acontecimento, definido por uma determinada cena

enunciativa, o sujeito mobiliza e atualiza conhecimentos da memória dos dizeres. Nesse

momento de atualização dessa memória é que se produz, paralelamente, o efeito de sentido

e a posição de sujeito.

1.2 ENUNCIAÇÃO E LÍNGUA

1.2.1 A transversalidade enunciativa

No volume 1, da coleção 1 do nosso corpus de pesquisa, encontramos algo que não nos parece comum em livros didáticos de LP. A unidade 6, “Introdução aos estudos gramaticais”, inicia-se com o capítulo “A gramática e suas partes” (p.314-325), em que são apresentadas as origens dos estudos gramaticais, diferentes concepções de gramáticas e, o

que mais nos interessa aqui, os níveis de análise gramatical.

A partir da charge

FIGURA 3 – Charge

(32)

as autoras procuram demonstrar para os alunos que todo falante tem um conhecimento

intuitivo da sua língua, construído no momento da aprendizagem da fala. Como ilustração,

afirmam que, ao decompor o verbo “comemorar” em “comer” e “morar”, o personagem

“demonstra reconhecer a possibilidade de analisar as palavras em diferentes níveis.” (p.315)

Na página seguinte, após explicar a diferença entre gramática descritiva e gramática normativa, é apresentado o tópico “Os níveis da descrição gramatical”:

(3)

FIGURA 4 – Exemplo (3)

FONTE: Coleção Didática I, V2, p. 315

Os níveis apresentados, a princípio, nada acrescentam em relação ao que é

canonicamente dito pelas gramáticas tradicionais, mas o fato de apresentá-los aos alunos,

podendo levá-los a conhecer (e até refletir) a respeito de formas de se olhar para a língua,

nos pareceu relevante, já que ainda não é comum em aulas de português. Além dessa

singularidade, segue, no texto das autoras, informações sobre esses níveis. Vejamos:

(3.1)

(33)

pragmático”. Há uma diferenciação, embora não explicada ou explicitada, entre o que é do linguístico e o que é do gramatical para as autoras. Também percebemos que elas

procuram mostrar que o discursivo faz parte dos estudos da língua e da própria língua.

Ainda, ao seguir na leitura do capítulo, nos é apontado que a divisão em níveis se faz por

uma questão metodológica, quando é colocado que o conhecimento do falante não é “compartimentado” e, ao usar a língua, são “processadas” informações referentes a todos os níveis.

Trouxemos esse exemplo porque ele nos mostra como há um movimento em alguns

livros didáticos que visa trazer para o campo do ensino de gramáticas questões discursivas,

que até então sequer eram mencionadas no ensino. Claro que ainda existe um

distanciamento entre a teoria apresentada e a efetiva prática nos exercícios desses manuais,

mas percebemos uma intenção de se fazer essa aproximação.

Na sequência, aproveitaremos o exemplo (3) para falar sobre como lidamos com os

níveis de análise linguística na nossa perspectiva enunciativa.

Não desconsideramos os níveis de análise linguística, mas os concebemos da forma

posta por Benveniste em que há organização de fronteira entre eles, que se dão em

decorrência do sentido do conjunto do discurso. Flores (2011), trazendo o pensamento de Benveniste, afirma que a análise enunciativa aponta para o “sentido de conjunto do discurso”, porque “as unidades distribuem em um nível e integram um nível superior” (p.51). Dessa maneira, “a Enunciação não é um nível da análise, mas um ponto de vista – o do sentido (ideia) – sobre os níveis.” (p.52) Ou seja, a enunciação perpassa por todos os níveis de análise, não se prendendo ou pertencendo a um só deles.

Ainda segundo Flores (2011, p.52),

O estudo da Enunciação não se limita, então, a certos mecanismos da língua, mas compreende a língua na sua totalidade. E, nesse ponto, seguimos de perto as ideias de Benveniste: se o aparelho formal de enunciação é constitutivo da língua, então todo e qualquer fenômeno linguístico carrega em si a potencialidade de um estudo em termos de Enunciação. Qualquer fenômeno linguístico de qualquer nível (sintático, morfológico, fonológico, etc.) pode ser abordado desde o ponto de vista da Enunciação.

Numa perspectiva enunciativa, os níveis de análise linguística estão envolvidos

num mecanismo de “inter-relação, de engendramento” entre eles, que Flores denominou de

(34)

o nome que damos à diferença que há entre pensar a língua como uma

organização cujos níveis se apresentam como “camadas” sobrepostas e

pensa-la como um todo que é atravessado pelas marcas da Enunciação. (idem)

Com isso, dizemos que a Enunciação é sempre transversal à língua e não linear,

perpassando (transversalmente) todos os níveis de análise linguística considerados pela

linguística clássica.

Portanto, quando observamos a sintaxe num viés enunciativo, estamos

considerando a relação existente entre aquilo que é materializado no acontecimento enunciativo e aquilo que “atravessa” essa materialidade. Por isso defendemos a tese de que a enunciação precisa ser considerada no ensino.

1.2.2 Enunciação e Sintaxe

Como já apresentado, nossa forma de tratar a língua é de natureza semântica.

Assim, vale, já de início, reafirmar que, nessa perspectiva, a referência é constituída na

relação entre o acontecimento enunciativo e o espaço histórico desse dizer, tal qual nos

apresenta Guimarães (2002). Essa noção é fundamental para o entendimento de que, para

nós, existe uma relação intrínseca entre semântica e sintaxe. Essa maneira de tratar a língua é proposta por Dias. Lembramos, aqui, o seu objetivo de “elaborar uma gramática capaz de explicar o funcionamento da língua, trabalhando a relação entre a configuração orgânica e suas projeções de acionamento enunciativo” (DIAS, 2002, p.3).

Dessa forma, consideramos a língua em duas dimensões: i) orgânica: possibilidades

regularmente configuradas numa ordem material específica e ii) enunciativa: mecanismos

de acionamento dessas possibilidades. Em (i), temos a sintaxe como base para a

observação dessa ordem material e a relação entre os elementos que compõem essa

estrutura orgânica. (p. 4) Consideramos que faz parte da forma linguística uma dimensão

enunciativa, que traz a memória social e histórica das enunciações desta forma, que

marcam a futuridade e o passado no presente do acontecimento (GUIMARÃES, 2002),

(35)

Para nós, “sentença é a face regular da unidade configurada como enunciado” (DIAS, 2009, p.8). Nela, vemos configurados os lugares sintáticos8 nos quais a memória do

dizer e a atualidade desse dizer encontram pontos de contato. Esses pontos de contato são

objeto de estudo da sintaxe, uma vez que a regularidade das sentenças está relacionada à

regularidade da significação das recorrências da memória.

Uma unidade sintática é articulada, isto é, constituída articulatoriamente, na medida em que os seus constituintes já participaram de outras unidades em outros domínios de enunciação da língua. Dessa maneira, uma sentença (ou oração) se assenta não exatamente sob outras sentenças (à maneira de uma reprodução de padrões), mas sob a enunciação de outras sentenças, de onde os componentes trouxeram as regularidades do funcionamento agregador da unidade. (DIAS, 2012, p.1)

De outras enunciações é que se cria a memória de ocupação e relação dos

componentes na sentença, ou seja, das enunciações anteriores é que os termos que a

compõem trazem as regularidades do funcionamento da sentença.

Para definirmos essa regularidade da sentença, utilizamos o conceito de site, de

Milner (1989)9, em sua Teoria das posições. Para esse autor, são duas as posições ocupadas

nas sentenças às quais denomina de place e site. O place marcaria a localização orgânica

de um item lexical na sentença. Já o site seria o lugar de pertinência dos termos em uma

sentença, sendo os sites o objeto de estudo da sintaxe. A fim de exemplificarmos essas

posições, utilizaremos o estudo de Dalmaschio (2013) sobre a não ocupação do lugar do

objeto na perspectiva da semântica da enunciação (também retomaremos esse estudo ao

falarmos sobre enunciação e ensino no item 3.3). Nessa perspectiva, consideremos o objeto

sintático, nos exemplos10 dados pela autora (p.90):

8 O capítulo 4 tratará especificamente dos lugares sintáticos.

9 Retomaremos Milner no capítulo 4, ao tratarmos dos lugares sintáticos de sujeito e objeto e sua relação com

o ensino.

10 Como são exemplos retirados de outro trabalho, não manteremos aqui a sequência numérica dada aos

(36)

FIGURA 5 – Propaganda Havaianas

(A) “Sandálias e mulheres, os homens preferem com curvas.” (B) Os homens preferem mulheres e sandálias com curvas.

Em (B), o place objeto seria o lugar projetado pelo verbo, posicionamento regular

no português, depois das formas verbais. Em (A), há um deslocamento desse lugar

“Sandálias e mulheres”. No entanto, nos dois (A) e (B), os termos sublinhados continuam

exercendo a função de objeto. Isso nos leva ao fato deste deslocamento ter sido realizado

em função do site, o lugar qualificado, não fixo, dos termos, que aponta para uma

ocupação motivada pelo acontecimento enunciativo dos termos que compõem a sentença.

Dias (2009) adota a noção de site, mas utiliza o termo “lugar sintático” para se referir a ela. O lugar sintático, como demonstrado acima, não é um lugar geográfico na

sentença, mas um lugar qualificado que dá aos termos ocupantes desses lugares a

capacidade de adquirirem funções na sentença. Desta forma, estudar sintaxe não é olhar

para os termos, mas para os lugares sintáticos, observando aquilo que governa a relação

entre os grupos de termos que ocupam os lugares, ou seja, as funções gramaticais que

conhecemos – sujeito, predicado, adjuntos etc - são relações entre os lugares sintáticos e só assim podem ser consideradas como relações sintáticas (DIAS, 2009. p.9)

Para o ensino de sintaxe, nosso foco neste trabalho, essa discussão pode trazer

grandes contribuições para o entendimento por parte do aluno em relação a certos

mecanismos da língua. Vejamos o exemplo abaixo, cujos complementos dos verbos que

(37)

(4)

FIGURA 6 – Exemplo (4)

FONTE: Coleção didática II, V.2, p.268-269

Responder às questões 1 e 2a seria impossível se fossem consideradas, para uma

análise sintática, apenas as relações internas materializadas nos enunciados. Os verbos

passar, chutar, atrasar e lançar (focos da questão1) fazem parte, nessa cena enunciativa, da

mesma memória, a do futebol. Outros enunciados pertencentes a esse campo, produzidos

anteriormente, ajudam a produzir o efeito de sentido deste quadrinho. A recuperação dos

complementos não é feita somente no contexto apresentado na tirinha, como os desenhos,

mas os próprios verbos carregam sentidos que possibilitam a ocupação dos lugares pelo

acontecimento enunciativo do qual esses verbos estão participando. Se isolarmos os verbos

da tirinha, ainda assim, conseguimos relacioná-los, talvez aí de maneira mais ampla, a uma

memória de jogo, bola.

Ainda pensando no exemplo (4), vamos apresentar outro estudo que serve como

base ao nosso trabalho: a macrossintaxe, de Berrendonner (1990). Para esse autor, a

microssintaxe é determinada na relação de ligação entre os constituintes da sentença,

relação interna. Já a macrossintaxe apresenta dois níveis de combinatória, que se

complementam, M (memória) e C (clauses – sentenças), em que um dos níveis mantém uma relação de apontamento em relação ao outro. Os elementos que compõem o enunciado

estabelecem relações de apontamento com a memória, atualizando o enunciar. Esses níveis

(38)

Fonte: Berrendonner (1990, p.26)

Temos em C o nível do texto, dos elementos orgânicos, da sentença; e em M, o

nível dos implícitos, da memória discursiva, evocada pelos apontamentos realizados pelos

elementos presentes em C. No acontecimento enunciativo em que ocorre a atualização da

memória em enunciado, C regulariza, na sentença, as informações de M.

Então, em (4), “passa, chuta, atrasa”, materializadas em C, apontam para M, em sua virtualidade, “1- passa a bola para outro jogador; 2- chuta a bola pra mim, não prenda a bola assim ou chuta pro gol; 3- atrasa a bola para dar tempo de outro chegar, pro time se organizar, pra defesa agir; etc” Essas possibilidades em M são atualizadas no acontecimento enunciativo, na cena posta em questão, e se mantém como memória para

enunciações futuras.

O que queremos mostrar é que, para responder às questões dos exercícios sobre

sintaxe, o aluno tem que recorrer a um não dito nos comandos das atividades, mas que

fazem parte da sintaxe da língua, apesar disso não ser considerado no ensino – como também pode ser visto no exemplo (1), na introdução deste trabalho, em que é necessária a

articulação entre o exposto na peça publicitária e algo da exterioridade dela que a constitui

na sua historicidade. Como vimos em Pecheux (2002), os dizeres são marcados por

lacunas, e são essas lacunas que permitirão, ou melhor, motivarão essas operações de

apontamento para o memorável, o histórico. Para a sintaxe com bases enunciativas, as

sentenças são formadas como resultado de coordenadas de enunciação na instalação do

dizer, que projetam os lugares sintáticos. Dessa forma, esses lugares são parte constituinte

das sentenças estando ou não ocupados organicamente, como nos apresenta Dias (2009, p.12), “o enunciado habita a unidade que a sintaxe apreende como sentença, domina os lugares sintáticos, antes mesmo dos componentes linguísticos se instalarem na organicidade oracional”.

Essa relação entre as dimensões orgânica e enunciativa, apesar de ainda não ser

tratada de forma ampla no ensino, aparece em alguns momentos do material que

analisamos. Vejamos a sugestão de atividade que encontramos no Manual do Professor, da

Imagem

FIGURA 1- Gráfico IDEB 2013.   Fonte: Ministério da Educação/INEP
FIGURA 2  – Exemplo (1)
FIGURA 3  – Charge
FIGURA 4  – Exemplo (3)
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Referências

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