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ONGs e educação: significados atribuídos por jovens à participação em projetos educativos

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Academic year: 2017

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ONGS E EDUCAÇÃO: SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS POR

JOVENS À PARTICIPAÇÃO EM PROJETOS

EDUCATIVOS

Belo Horizonte

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ONGS E EDUCAÇÃO: SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS POR

JOVENS À PARTICIPAÇÃO EM PROJETOS

EDUCATIVOS

Dissertação apresentado ao curso de Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de pesquisa: Movimentos Sociais, Educação e Ações Coletivas.

Orientador: Professor Doutor Juarez Tarcísio Dayrell

Co-Orientador: Geraldo Magela Pereira Leão

Belo Horizonte

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MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Dissertação intitulada ONGS E EDUCAÇÃO: SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS POR JOVENS À PARTICIPAÇÃO EM PROJETOS EDUCATIVOS, de autoria de PAULO EMÍLIO DE CASTRO ANDRADE, analisada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

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Sinto-me um eterno aprendiz. Fazer mestrado foi uma tentativa de aprender mais. Deu certo. Aprendi muito. Agradeço, então, a dois grupos de pessoas e instituições. O primeiro é composto pelos “mestres” de toda a vida. Aqueles que fazem parte do meu cotidiano.

A Deus, por me ensinar a lutar pela vida e por me ajudar a compreender o valor de cada dia, por me manter forte o suficiente para transpor os obstáculos deste percurso.

À minha mãe, Maria Lívia, a maior educadora que já conheci, por me ensinar a não desistir daquilo que parece importante para mim. Tê-la como referência de luta me ajudou a chegar até aqui. Seus ensinamentos desde o meu nascimento, certamente, foram essenciais para que eu desse conta de vencer mais este desafio!

Ao meu pai, Alexandre, pela demonstração de dignidade e honestidade ao longo da vida. Ter sua companhia intensa nos momentos antes de partir foi um presente, o qual nunca me esquecerei.

Aos meus irmãos, João, Regina, Fafaia e Silvinha, e seus companheiros, pelo acolhimento aos meus “choramingos” durante o difícil processo do mestrado.

À Mara, uma especial surpresa na reta final do mestrado, que me ajudou a compreender a importância deste processo para a minha vida e pelo carinho e amor que tem me dedicado desde que nos encontramos!

Aos meus sogros, cunhados e sobrinhos, pelo acolhimento na família e carinho dedicado.

Aos meus especiais amigos, Alessandra, Bibiana, Karina, Paola, Richard, Rodrigo, Saulo e Shirley, pelo companheirismo e apoio constantes. Ser amigo de mestrando não deve ser fácil, mas eles entenderam meus momentos de afastamento e me ajudaram a seguir em frente!

À Cristiane, minha analista, pela escuta cuidadosa às minhas angústias, por me ajudar a compreender o real sentido de todos os momentos vividos nos últimos anos.

O segundo grupo de pessoas e instituições é composto por aqueles que fizeram parte, diretamente, da minha trajetória no mestrado.

À Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em especial ao Programa de Pós-Graduação em Educação, pelo acolhimento a um “desconhecido”, pelas ricas oportunidades que me proporcionaram para que eu pudesse adquirir e compartilhar importantes conhecimentos e pontos de vista.

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ajudou-me a ampliar meu olhar diante das possibilidades da educação. Emociono-me ao lembrar de momentos vividos no cotidiano com esses jovens. Um agradecimento especial à Rafaela, Juliana e Nana, por terem mantido com muita abertura o papel de interlocução sobre os assuntos da minha pesquisa.

Aos jovens que me permitiram conhecê-los mais de perto, acompanhar-lhes o cotidiano e analisar-lhes as atitudes, bem como por terem aceito meu convite e me ensinado tanto. Foi um privilégio muito grande poder aprender a pesquisar tendo-os como sujeitos.

Ao Observatório da Juventude da UFMG, pelas ricas oportunidades de troca e por ter me proporcionado oportunidades de dar minha contribuição ao importante trabalho que desenvolve. Especialmente às minhas colegas Carla, Fernanda, Helen e Renata Bergo por todo o carinho e atenção que tiveram comigo nos últimos anos!

Aos professores Inês Teixeira e João Valdir, por me ensinarem que uma aula expositiva pode ser muito enriquecedora. A qualidade do trabalho de vocês é inspiradora. Aos demais professores da Faculdade de Educação da UFMG, pelos ensinamentos e pela dedicação ao que fazem.

À Humbiumbi – Arte, Cultura e Educação – fonte do meu desejo em aprender mais sobre educação de jovens.

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Nesta pesquisa, buscou-se refletir sobre as dimensões educativas de organizações não governamentais (ONGs). Para tal, investigou-se a ONG Associação Imagem Comunitária (AIC), em Belo Horizonte, buscando compreender a metodologia de trabalho desenvolvida e os significados que os jovens atribuem à participação nos projetos desenvolvidos pela Associação Imagem Comunitária. No desenvolvimento da pesquisa, privilegiou-se a abordagem qualitativa, optando pelo estudo de caso, que incluiu diferentes métodos de coleta de dados: observação participante do cotidiano da ONG, acompanhamento da participação de oito jovens nas atividades da AIC em 2007, entrevistas individuais e análise de documentos. Dentre os resultados da investigação, evidenciou-se que a metodologia utilizada pela AIC contribui para que os jovens participantes dos seus projetos de comunicação comunitária estabeleçam novos circuitos de participação e atuação na cidade e amplia as esferas de sociabilidade entre eles. Ao mesmo tempo, influencia na escolha profissional desses jovens, bem como na elaboração dos seus projetos de futuro, apesar dos limites apresentados para a inserção deles no mercado de trabalho.

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The research investigated the educational dimensions of NGOs, in an attempt to understand the methods employed in their work, and the significance for youngsters of lower classes in Belo Horizonte for taking part in the projects developed by the Associação Imagem Comunitária. The investigation gave preference to a qualitative approach, deciding on the study of a case, which included data collection through different methods: observing and participating in the daily activities of 8 youngsters at the Association in 2007, individual interviews, and analysis of documents. Among the results of the investigation, it was found that the methods of the Association make it possible for the young participants of their community communication projects to establish new circuits of participation and action in town, expanding sociability spheres amongst them. At the same time, there is also an influence on the professional choices made by the youths and on their elaboration of plans and projects for the future, in spite of the limitations they find when it comes to being included in the working class.

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AIC CEPAL

CMJ Cuco GT GCI ONG PPL RJC

– Associação Imagem Comunitária

– Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (órgão das Nações Unidas)

– Conselho de Mídias Juvenis da AIC

– Projeto Cuco – Juventude, Cultura e Comunicação – Grupos de Trabalho

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1 INTRODUÇÃO... 1.1 Juventude: uma categoria em construção... 1.2 Percurso metodológico...

2 AS ONGS NO BRASIL... 2.1 As Ongs: questões e desafios no cenário brasileiro...

3 AS DIMENSÕES EDUCATIVAS DA ASSOCIAÇÃO IMAGEM

COMUNITÁRIA ... 3.1 AIC: sua história e seus projetos ... 3.2 Juventude e as dimensões educativas das ONGs... 3.3 Atuação dos jovens na AIC em 2007... 3.3.1 O processo formativo em mídias... 3.3.2 O conselho de Mídias Juvenis... 3.3.3 A produção de programas de televisão... 3.3.4 O grupo cultural interação... 3.3.4.1 A atuação do GCI em 2007... 3.3.4.2 O cotidiano do GCI... 3.4 Reflexões sobre a metodologia de trabalho da AIC... 3.4.1 A relação entre jovens e educadores na AIC...

4 REPERCUSSÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS JOVENS NOS PROJETOS DA AIC... 4.1 A cidade é minha comunidade... 4.2 A participação juvenil... 4.3 A dimensão da sociabilidade para os jovens ... 4.4 Os jovens e o trabalho ... 4.4.1 Os jovens e seus projetos de futuro...

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...

POST SCRIPTUM...

REFERÊNCIAS ...

APÊNDICES... Apêndice A – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA... Apêndice B – PROPOSTA DA ATIVIDADE DE CONSTRUÇÃO DE ROTEIRO DE VIDEODOCUMENTÁRIO... Apêndice C – TABELA DE ATIVIDADES DIÁRIAS... Apêndice D – PERFIL DOS JOVENS PESQUISADOS...

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1 INTRODUÇÃO

Minha intenção é analisar as dimensões educativas presentes no trabalho desenvolvido pelas organizações não governamentais (ONGs) no ponto de vista dos jovens que as frequentam, compreendendo a repercussão que as atividades oferecidas podem gerar em algumas das dimensões da vida deles.

O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu dado meu amadurecendo nos estudos e práticas no campo da educação. Minha experiência profissional está amplamente vinculada ao trabalho educativo em ONGs. Atuei como educador e coordenador de projetos socioculturais de atendimento a adolescentes e jovens da ONG Humbiumbi – Arte, Cultura e Educação nos últimos dez anos. O público principal atendido pela Humbiumbi é composto por jovens das camadas populares da Regional Oeste de Belo Horizonte. Atuei, nos últimos cinco anos, na produção de materiais educativos para jovens e educadores de projetos parceiros do Instituto Ayrton Senna, por intermédio do “Programa Educação pela Arte”. Além disso, acompanhei o trabalho de diversas ONGs em todo o Brasil por meio de uma rede de relações com seus gestores, educadores e jovens.

Em termos acadêmicos, tenho focado esforços para pesquisar os limites e as possibilidades que uma articulação entre comunicação e educação possibilitam na formação de jovens. Na graduação, desenvolvi a pesquisa Educomunicação: o jornal O Ato, a Rua, a Lua sob a perspectiva do newsmaking, na qual analisei o processo de produção de fanzines por jovens moradores de bairros da periferia da Regional Oeste de Belo Horizonte que participaram do projeto Comunicação no Centro Cultural.1 Na pós-graduação, pesquisei os processos de produção e de apropriação dos jovens do mesmo projeto pela linguagem radiofônica para dar voz aos sonhos, às realidades e aos olhares sobre si mesmos, o outro e o mundo. Esse estudo resultou na produção de monografia intitulada Análise do programa ‘Nossa Cara’sob a perspectiva do newsmaking.

O foco dessas pesquisas esteve centrado na análise do processo de produção midiática dos jovens, tendo como referência central o newsmaking, uma teoria do campo da comunicação. Por meio das pesquisas, pude concluir que propor a produção de mídia pode ser uma maneira de envolver os jovens em questões importantes da vida de cada um e de suas

1 O Projeto “Comunicação no Centro Cultural” foi desenvolvido entre 1999 e 2003, mediante parceria entre o

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comunidades. Apesar das suas contribuições, naquele momento ainda não me colocava questões relacionadas às visões de mundo, aos valores e aos interesses expressos pelos jovens que participaram do projeto social pesquisado, tampouco se houve dimensão educativa no trabalho em questão e a possível repercussão dele na vida dos jovens. Posteriormente, passei a questionar e buscar entender a existência e os significados da dimensão educativa das ONGs na vida dos jovens. Assim, decidi ingressar na pós-graduação na Faculdade de Educação da UFMG.

Minhas experiências de trabalho em uma ONG e na relação com uma variedade de outras entidades me levaram a problematizar uma série de questões relacionadas à atuação do 3º Setor no Brasil, enfocando especificamente sua dimensão educativa. A primeira delas é a importância de compreender parte do discurso das ONGs.

Há um crescente número de entidades que se dizem responsáveis pelo aumento da autonomia dos jovens que atendem, afirmando que as práticas delas têm papel central nesse processo. Há, também, as organizações que assumem como resultado do trabalho delas a transformação das formas como seus educandos veem o mundo e nele atuam. São afirmações, muitas vezes, fundadas em observações empíricas sem, no entanto, um esforço de análise crítica e profunda dos processos e resultados de suas ações. A questão que está em jogo, inicialmente, é problematizar o trabalho desenvolvido pelas ONGs. Qual seria a repercussão de tais ações na vida dos jovens?

Tendo em vista o contexto de atuação das ONGs no Brasil, outras questões influenciaram meu interesse em desenvolver esta pesquisa. À medida que as ONGs ampliam sua atuação – consequência, dentre outros fatores, da ampliação da visibilidade social que alcançam e dos recursos postos à sua disposição pelo Estado e por empresas –, não estaria o Estado deixando de exercer parte de suas obrigações sociais ou, pelo menos, pulverizando os impactos de sua ação?

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Essas questões estão entre os focos desta pesquisa, na qual me dediquei a compreender as dimensões educativas das ONGs e a repercussão das suas ações em algumas dimensões da vida dos jovens.

1.1 Juventude: uma categoria em construção

Embora o número de estudos relacionados à juventude tenha aumentado na última década, observa-se, ainda, a necessidade de ampliar as reflexões sobre a realidade juvenil e seus desafios, principalmente, aqueles relacionados à sua formação educacional.

A relativa carência de estudos da juventude e, mais que isso, a pouca abrangência deles foram observadas por Marília Spósito (1997), que mapeou dissertações e teses defendidas em programas de pós-graduação em Educação no período entre 1980 e 1995. Na pesquisa, Spósito considera que há dispersão e variação temáticas causada pela diversidade de enfoques utilizados pelos diversos estudos. Foi-me possível constatar um conjunto considerável de dissertações e teses pesquisadas nas quais busquei compreender a categoria juventude, em geral restrita à escola, com base na condição de aluno ou, em outros casos, enfatizando a condição de “estudante-trabalhador”. É importante apontar, também, a existência (e em alguns casos aumento quantitativo) das pesquisas que abordam a juventude em seus aspectos psicossociais, com ênfase na psicologia e, mais recentemente, em menor número, na participação política, na atuação em grupos juvenis e na relação entre a juventude e a violência.

A partir do final da década de 1990, no entanto, ampliou-se o interesse em compreender as várias dimensões da vivencia juvenil, crescendo o número de estudos sobre a condição juvenil fora do espaço escolar. Spósito (1997, p. 50) considera que houve um “alargamento de seus interesses e práticas coletivas, acentuando a importância da esfera cultural que fomenta mecanismo de aglutinação de sociabilidades, de práticas coletivas e de interesses comuns”.

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idades como fator fundamental para o conhecimento das experiências dos atores e da organização social das diferentes culturas, lamentando certo descaso em relação a essa dimensão em pesquisas acadêmicas. Debert (1999) analisa a idade cronológica relacionando-a aos estágios de maturidade e com o conceito de geração. Segundo a autora, a idade cronológica, na modernidade, está ligada à definição do status de cidadão, ao estabelecimento de direitos e obrigações, além de impactar vários âmbitos da vida dos sujeitos.

Sobre a dimensão histórica e social das formas de periodizar a vida, nesse caso, da juventude, Debert (1998) afirma que os recortes de idade e a definição de “práticas legítimas” relacionadas a cada uma das etapas da vida não são consequência da evolução científica, tendo em vista a preocupação em estabelecer parâmetros precisos do desenvolvimento biológico humano. Assim, a autora destaca que

as categorias de idade são construções culturais e que mudam historicamente [o que] não significa dizer que elas não tenham efetividade. Essas categorias são constitutivas de realidades sociais específicas, uma vez que operam recortes do todo social, estabelecendo direitos e deveres diferenciais em uma população, definindo relações entre as gerações e distribuindo poder e privilégios. (DEBERT, 1998, p. 53).

Spósito (2000) avança na tentativa de superar a dimensão etária da juventude, reconhecendo-a, mas incorporando a essa categoria a dimensão da diversidade, das diferenças entre classes sociais, das relações étnicas e de gênero, da forma como os jovens se apropriam do território e da maneira diversa como se configura a participação nas religiões, entre eles.

Alberto Melucci (apud DAYRELL, 2005, p. 33) “defende a ideia que os fenômenos evolutivos presentes nas mudanças dos ciclos vitais são fatos que dizem respeito a cada momento da existência, fazendo das mudanças ou transformações uma característica estável da vida do indivíduo”. Assim, o autor compreende o desenvolvimento como um processo de construção contínua, em que tudo aquilo que foi acumulado durante a vida é importante para a construção do sujeito. A adolescência, então, segundo Melucci, precisa ser compreendida não como um tempo que termina ou como uma fase de crise e de passagem entre a infância e a vida adulta, mas como o início da juventude, na qual se observam mudanças no corpo, na maneira de estabelecer relações e de construir referências sociais.

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momento de experimentação que os jovens vivem, compreender que se trata de um período de construção e ampliação de relações e de vínculos, da construção de valores e de ingresso e/ou preparação para o ingresso no mundo do trabalho, dentre outras. Ao tratar sobre a diversidade juvenil, Dayrell (2007, p. 6)afirma:

A juventude é uma categoria socialmente construída e ganha contornos próprios em contextos históricos, sociais e culturais distintos, marcada pela diversidade nas condições sociais (origem de classe, por exemplo), culturais (etnias, identidades religiosas, valores, etc.), de gênero e, até mesmo, geográficas, dentre outros aspectos.

Os jovens sujeitos desta pesquisa residem em bairros periféricos de Belo Horizonte. Na história de vida deles, há casos de falta de acesso a bens culturais, em razão de trajetória escolar irregular, da grande dificuldade de inclusão qualificada no mercado de trabalho ao mesmo tempo em que amam, têm sonhos em relação a si mesmos, à família e à comunidade onde vivem, estabelecem vínculos entre pares e encontram opções de diversão.

Esta pesquisa teve como partida uma visão de juventude que reconhece a diversidade de interesses, conhecimentos, pontos de vista e sonhos entre os jovens como constitutiva da própria categoria. 2 Uma visão que considera o momento de vida dos jovens como uma fase de experimentação, da construção de valores, de busca pela construção e ampliação de relações e de vínculos, da identificação de projetos para o futuro e do ingresso ou busca do ingresso no mundo do trabalho.

1.2 Percurso metodológico

Para cumprir os objetivos desta pesquisa, utilizamos como referência metodológica a abordagem qualitativa. Entre as possibilidades da pesquisa qualitativa, escolhemos desenvolver um estudo de caso. Conforme aponta Becker (1993), o estudo de caso permite construir uma compreensão abrangente do grupo que está sendo estudado, tendo em vista as modalidades de atividade e de interação que estabelecem e as maneiras como relacionam entre si e com o mundo, por exemplo. Ainda segundo o autor, o estudo de caso também permite “desenvolver declarações teóricas mais gerais sobre regularidades do

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processo e estrutura sociais” (BECKER, 1993, p. 118). Ao desenvolver um estudo de caso, o pesquisador lida com descobertas inesperadas, sendo possível que a pesquisa seja reorientada com base em dados, fatos e situações que surgem a cada encontro com o grupo acompanhado.

A definição da ONG estudada nesta pesquisa se deu com base em um estudo exploratório de projetos desenvolvidos por organizações com jovens de Belo Horizonte que utilizam metodologias diferentes das tradicionalmente presentes nas práticas escolares. Produzimos um mapeamento de iniciativas de ONGs por meio da pesquisa de seus sítios na internet e publicações às quais tivemos acesso.

Após analisar as diversas iniciativas mapeadas, desenvolvemos um estudo de caso da Associação Imagem Comunitária (AIC), que desenvolve atividades em que jovens que residem em bairros da periferia de Belo Horizonte produzem mídia.

Entre os objetivos da AIC estão “constituir-se num centro de experimentação comunitária em comunicação e de criação de possibilidades para o acesso público às mídias”, “construir espaços para que grupos socialmente excluídos ou com poucas oportunidades de visibilidade se coloquem no debate público” e “fomentar a construção da cidadania, entendendo-se como algo em constante processo”. (LIMA, 2007, p. 28-29)

A escolha da AIC se deu por alguns motivos principais. O primeiro está ligado ao reconhecimento social que a ONG vem ganhando nos últimos anos. Recentemente, recebeu diversos prêmios importantes, dentre eles o prêmio Itaú-Unicef, considerado uma das principais premiações a trabalhos de ONGs do Brasil por diversas instituições do Terceiro Setor. A AIC tem sido premiada, também, por diversas instituições internacionais, como o CEPAL/ONU.

Outro motivo para a escolha da AIC foi o fato de a equipe de coordenação e de educadores ter produzido uma sistematização publicada em 2007. Ter a experiência sistematizada e publicada é um diferencial importante da AIC em relação às demais ONGs mapeadas que ainda não a possuem.

Finalmente, a dimensão comunicativa dos produtos criados pelos jovens que participam dos projetos da ONG influenciou nessa escolha. Diferentemente do que foi observado no trabalho de outras instituições, as produções de mídia dos jovens da AIC ganham visibilidade em redes de televisão aberta, emissoras de rádio, sites da internet e publicação de larga tiragem de jornais, por exemplo.

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primeiro deles é a observação participante, que teve a função de contribuir para compreender de forma mais aprofundada as experiências dos jovens no cotidiano das ações realizadas pela AIC. Entre as diversas vantagens em realizar a observação, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999, p. 164) apontam que, por meio dela, é possível “identificar comportamentos não intencionais ou inconscientes e explorar tópicos que os informantes não se sentem à vontade para discutir [...] [e] permite o registro do comportamento em seu contexto temporal-espacial”.

A observação participante permite, segundo Becker (1993), que o pesquisador se engaje em várias atividades diferentes, dependendo do grau em que ele é participante e observador. Ou seja, o observador pode, de um lado, “não participar em absoluto” de forma tão discreta que aqueles que estão sendo observados mal o percebem. De outro lado, o observador pode ser um “participante em caráter integral”, vivendo intensamente a comunidade em estudo ou trabalhando cotidianamente na organização que está sendo estudada, por exemplo.

Assim, identificamos um grupo de oito jovens que participaram como “educandos” dos projetos “Rede Jovem de Cidadania” (RJC) e “Cuco”, e que, em 2007, mantiveram vínculo com a AIC para serem os sujeitos desta pesquisa. Os jovens3 que acompanhamos são Otto, Fernanda, Daniela, Carlos, Bruno, Igor, Érica e Laura. Importante explicitar que, em 2007, esses jovens não participavam mais dos projetos realizados pela AIC como “educandos”. Alguns deles atuaram nos projetos da ONG como estagiários ou monitores e outros frequentavam as atividades realizadas pela ONG informalmente, tal como o Conselho de Mídias Juvenis.

Ao longo de seis meses, acompanhamos os jovens nas diversas atividades de que participavam, dentre elas o processo formativo em mídias e o conselho de mídias juvenis. Nesse período, íamos diariamente à AIC, para observar os jovens. Importante destacar que nem todos participavam das mesmas atividades, dividindo-se entre elas. Portanto, foi necessário que acompanhássemos atividades diversas para que fosse possível observar todos os oito jovens pesquisados.

Em fevereiro de 2007, no momento em que nos preparávamos para iniciar a pesquisa de campo, promovemos vários encontros com a equipe de coordenadores da AIC. Em um deles, a coordenadora geral disse que alguns dos jovens que haviam participado do

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processo formativo em mídias entre 2003 e 2006 estavam estruturando um grupo juvenil, denominado Grupo Cultural Interação.4

Acreditamos que acompanhar o processo de estruturação de um grupo juvenil seria uma forma de evidenciar a repercussão que aqueles jovens atribuíam à participação deles nos projetos desenvolvidos pela AIC.

É importante explicitar os motivos que nos levaram a ter interesse em acompanhar as reuniões e demais atividades dos jovens do grupo Interação. O primeiro deles refere-se ao fato que todos os jovens membros do grupo participam e/ou participaram de algum tipo de atividade realizada pela AIC. A maior parte dos jovens do GCI participou do processo formativo em mídias que a ONG realizou entre 2003 e 2006 por meio dos projetos Rede Jovem de Cidadania e Cuco.

Outra razão é que as reuniões do grupo realizavam-se no espaço da AIC e, além disso, o grupo havia negociado com a instituição a utilização da sua estrutura, tais como equipamentos, lanches e vales-transporte. Para tanto, os jovens ofereciam contrapartidas à AIC, que se efetivavam por meio de ajuda na produção de atividades diversas realizadas pela ONG.

Uma terceira e importante razão era o interesse em verificar possíveis influências, conceitual e metodológica, da AIC sobre o trabalho daqueles jovens, tendo em vista a atuação deles no grupo Interação.

Acompanhei o cotidiano dos jovens nas atividades cotidianas da AIC e do grupo Interação entre abril e novembro de 2007, estando presente em diferentes atividades relacionadas ao processo de produção de mídia, que serão descritas e analisadas ao longo desta dissertação. Diariamente, ficava entre quatro e oito horas na AIC. A cada dia, verificava quais dos jovens estavam na ONG e decidia quem observar, já que eles se dividiam entre as várias atividades. Estabeleci uma relação informal com os jovens que, muitas vezes, me avisavam das atividades que iriam desenvolver, como um convite à minha observação.

Uma questão importante foi a que chamamos de “os imponderáveis da vida real”, ou seja, acontecimentos que geram mudanças de rota, independentemente das vontades do pesquisador. Após quatro meses de observação dos jovens em suas atividades na AIC, a pesquisa de campo foi interrompida por dois meses, em decorrência de um problema de saúde do pesquisador. Os jovens demonstraram estranheza com o meu “desaparecimento”, enviando-me e-mails em busca de notícias. Após minha alta hospitalar, fiz contato com os

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jovens, estabelecendo novos combinados em relação à continuidade da observação, que seria retomada 45 dias depois, conforme orientação médica. Essa interrupção impactou o trabalho de observação, já que algumas das ações que os jovens estavam desenvolvendo não foram continuamente observadas e, na retomada da pesquisa de campo, os jovens estavam vivenciando outras atividades.

Um segundo instrumento metodológico utilizado foi um trabalho coletivo,5 proposto ao grupo de oito jovens, com a intenção de aprofundar questões que surgiram ao longo das observações e preparar para as entrevistas individuais, que seriam realizadas na sequência. Neste trabalho em grupo, propomos aos jovens, coletivamente, que produzissem um roteiro de um videodocumentário, com base nos conhecimentos e habilidades desenvolvidos nos projetos da AIC de que participaram. Solicitamos aos jovens, ainda, que preenchessem uma ficha6 do “dia típico” deles, para que pudesse compreender as atividades que desenvolvem no cotidiano. Nas observações, evidenciou-se que os jovens participavam de uma grande variedade de atividades, mas não conseguimos caracterizá-las. Por isso, o preenchimento dessa ficha tornou-se importante.

O trabalho coletivo7 foi importante para que nós pudéssemos aprofundar alguns dos aspectos observados na participação cotidiana dos jovens em atividades na AIC e nas entrevistas individuais. O trabalho coletivo esteve, também, ligado à preocupação de minimizar os possíveis impactos negativos inerentes à relação de poder estabelecidas entre entrevistador e entrevistado, que seriam posteriormente realizadas com parte dos jovens. Conforme explicita Bourdieu (1997, p. 695),

tentar saber o que se faz quando se inicia uma relação de entrevista é em primeiro lugar tentar conhecer os efeitos que se pode produzir sem o saber por esta espécie de intrusão sempre um pouco arbitrária que está no princípio da troca (especialmente pela maneira de se apresentar pesquisa, pelos estímulos dados ou recusados, etc.) é tentar esclarecer o sentido que o pesquisado se faz da situação, da pesquisa em geral, da relação particular na qual ela se estabelece, dos fins que ela busca e explicar as razões que o levam a aceitar de particular da troca.

Para aprofundar a compreensão sobre a repercussão do trabalho da ONG na vida dos jovens, fizemos entrevistas individuais semi-estruturadas, 8 criando um espaço para que

5 A proposta do trabalho coletivo e os materiais utilizados neste trabalho encontram-se no APÊNDICE B. 6 A ficha encontra-se no APÊNDICE C.

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os sujeitos se expressassem em relação às questões centrais da pesquisa. Para isso, foi construído um roteiro semi-estruturado que norteou as entrevistas. Foram feitas entrevistas individuais com quatro dos oitos jovens sujeitos desta pesquisa. A escolha dos jovens se deu pela intensidade da participação deles nas atividades da ONG e do GCI, em 2007, verificada nas observações participantes. As entrevistas foram realizadas em novembro e dezembro de 2007.

Os registros das observações, das entrevistas e do trabalho coletivo atividade prática foram organizados ao longo do próprio processo de observação, das entrevistas individuais e do trabalho coletivo. A análise dos registros iniciou-se no momento da pesquisa de campo e finalizou três meses depois, quando foi possível estabelecer um distanciamento do campo. Tal análise resultou da interação entre teorias e conceitos, construídos por meio do estudo da bibliografia identificada e das práticas dos jovens. Neste momento, as atividades foram interrompidas novamente, em razão de novo problema de saúde. Foram seis meses de interrupção medica, até que eu pudesse retomar as atividades e finalizar o trabalho do mestrado.

Esta dissertação está estruturada em três partes, além desta introdução. No capítulo 2, explicita-se o processo de surgimento e intensificação da atuação das ONGs no Brasil. Em seguida, questões inerentes à atuação das ONGs no País são problematizadas e descritos o foco de atuação de parte dessas organizações no campo da educação.

No capítulo 3, a história da AIC é descrita e os aspectos relevantes da metodologia de trabalho da ONG são analisados, tendo em vista os objetivos desta pesquisa.

No item 4, é apresentada a repercussão dos projetos desenvolvidos pela AIC na vida dos jovens pesquisados, tendo em vista a participação deles. Nesse sentido, são analisados aspectos relacionados à participação, à sociabilidade, ao acesso à cidade, aos projetos de futuro e ao trabalho.

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2 AS ONGS NO BRASIL

O chamado “Terceiro Setor” tem sido, de forma crescente, tema de interesse social e acadêmico, estando presente na mídia cotidianamente. A ampliação da quantidade de instituições no Brasil e, principalmente, a influência que exercem na sociedade têm gerado atenção em relação a elas. Diversos estudos acadêmicos9 vêm se dedicando a compreender suas características, formas de atuação e implicações na sociedade. De um lado, há uma tendência em valorizar as instituições que compõem o Terceiro Setor, tendo em vista a disseminação de possíveis resultados positivos que elas estariam gerando para a transformação positiva dos grupos nos quais atuam. Ao mesmo tempo, é visível a desconfiança de setores da sociedade em relação a essas entidades, dado o surgimento de denúncias de irregularidades na captação e utilização de recursos públicos por parte delas, bem como o questionamento do resultado efetivo de suas ações.

Na busca por caracterizar o Terceiro Setor, Souza (2006, p. 113) destaca a característica heterogênea das instituições que o compõem:

Nem nos EUA nem aqui se chegou a um consenso sobre o conceito de terceiro setor e sobre exatamente que tipo de entidades o compõem. A expressão ‘terceiro setor’ tenta aglutinar num espaço social próprio, ocultando as diferenças internas, um universo extremamente heterogêneo de organizações privadas sem fins lucrativos, originadas de diferentes segmentos e grupos sociais com interesses igualmente diferentes.

Teodósio (2002, p. 13) também aponta a dificuldade de definir o Terceiro Setor, já que os conceitos associados a ele são “amplos, imprecisos e até mesmo contraditórios entre si”:

Numa definição mínima sobre o termo, entende-se por Terceiro Setor uma gama variada de organizações que vão desde entidades sem fins lucrativos, instituições filantrópicas, fundações, projetos sociais ligados a empresas, dentre outras, e tendo como destaque as chamadas Organizações Não-Governamentais. (2002, p. 13)

Como afirma Teodósio (2002), as ONGs parecem ser as instituições que mais têm visibilidade no âmbito do Terceiro Setor. O termo “ONG” não é definido na legislação, sendo

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considerado uma categoria que vem sendo construída socialmente. No Brasil, o termo é entendido como um tipo de organização da sociedade. Gohn (1997, p. 60) define ONG como “um agrupamento de pessoas, organizado sob a forma de uma instituição da sociedade civil, que se declara sem fins lucrativos, com o objetivo de lutar e/ou apoiar causas coletivas”.

O surgimento e a ampliação da quantidade e da atuação das ONGs brasileiras ocorrem a partir de determinado contexto histórico, social e político. Pinto (2006, p. 652) chama a atenção para o fato que a intensificação da participação da sociedade civil, no Brasil, nas últimas décadas do século XX, deu-se como efeito “de sua própria organização e pelos novos papéis a ela atribuídos”.

Nas últimas décadas do século XX, no Brasil, a expressão “sociedade civil” foi entendida como participação e organização da população na luta contra o regime militar. Segundo Gohn (2005, p. 70):

Este fato significou a construção de um outro referencial para o imaginário político nacional, fundado na crença de que a sociedade civil deveria se mobilizar e se organizar para alterar o status quo no plano estatal, dominado pelos militares e por um regime não democrático [...]. (GOHN, 2005, p. 70)

Um dos eixos de luta da sociedade civil, naquele momento histórico, referia-se à noção de busca de autonomia, ou seja, propor formas de organização independentes do Estado. Até então, o Estado exercia uma centralidade, atuando “como promotor do desenvolvimento econômico e, posteriormente, como protagonista e garantidor do processo de redemocratização pelo qual passou a maioria dos países do continente [latino-americano]”. (PINTO, 2006, p. 652)

Assim, novos atores se colocaram nesse cenário, dentre os quais os movimentos sociais populares (urbanos e rurais) que reivindicavam reconhecimento de alguns dos direitos sociais, relativos a temáticas, como raça, segurança, gênero, meio ambiente, dentre outros. Com isso, evidenciou-se a ampliação e a “pluralização” dos grupos organizados que redundaram na criação de movimentos, associações, instituições e ONGs, com os fundamentos que diziam respeito à valorização da cultura popular, a centralidade atribuída ao diálogo, à ética e à democracia no processo de construção de relações sociais mais justas. (GOHN, 2005, p. 72-73)

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dos seus membros deixou de ser um eixo estruturante. Para Gohn (2005, p. 78), os movimentos sociais viveram uma crise de identidade e o termo “cidadania” passou a ganhar centralidade nesse novo contexto:

A importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública, para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que atendam não apenas as questões emergenciais, a partir do espólio de recursos miseráveis destinados às áreas sociais. (GOHN, 2005, p. 78)

É nesse momento que as organizações não governamentais, que, até então, atuavam como instituições de apoio aos movimentos sociais e populares, caracterizadas como militantes, ganharam força. É importante explicitar que as ONGs não são os movimentos sociais, mas relacionam-se com ele. As ONGs têm metas a cumprir, organizam suas ações por meio de projetos preestabelecidos que recebem financiamento de terceiros. (PINTO, 2006, p. 656).

Na busca por caracterizar a intensificação do surgimento de ONGs no Brasil, citamos dados da pesquisa Perfil das Associadas, realizada pela Associação Brasileira de ONGs (ABONG) em 2004. A pesquisa revela que apenas 15,85% das ONGs associadas foram legalmente fundadas antes de 1980, sendo que 80,69% foram constituídas entre 1981 e 2000. Esse dado indica a intensificação da criação das ONGs nas décadas de 1980 e 1990, no Brasil, período subsequente à ditadura no País. A ampliação do número de ONGs brasileiras coincide com um momento histórico marcado pela perda de força da ideia do Estado de Bem-Estar Social, pela reorganização produtiva no mundo ocidental e pelas transformações nas relações de trabalho. Todas essas mudanças deslocaram o papel do Estado e, assim, geraram transformações nas formas de relação entre ele e a sociedade civil.

Nesse contexto, várias são as possibilidades de classificação da atuação das ONGs, conforme os diversos autores que se dedicam a pesquisar o tema. Pinto (2006, p. 657), por exemplo, classifica essas organizações com base em dois critérios: as organizações que defendem a causa dos seus próprios membros, entre eles, negros contra o racismo e gays que se articulam contra o preconceito e as ONGs que defendem a causa de outros – por exemplo, os meninos de rua, vítimas de abuso dos direitos humanos, dentre outros.

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movimentos sociais que lutam pelos direitos da sociedade. Essas “esferas” coexistem no tempo e no espaço, segundo a autora.

A autora classifica essas organizações a partir de quatro eixos: as “caritativas” são aquelas que atuam no campo da assistência, voltadas ao “menor, à mulher e ao velho”. Essas ONGs ampliaram sua atuação na década de 1980, em decorrência da expansão da rede de creches promovida pelas políticas públicas. A expansão das religiões no País também contribuiu para a ampliação das ONGs “caritativas”, que têm como um de seus exemplos a Pastoral da Criança, vinculada à Igreja Católica, que, entre suas ações, busca diminuir a mortalidade infantil no Brasil.

As “desenvolvimentistas”, segundo a autora, são aquelas organizações ligadas, principalmente, ao conceito de desenvolvimento sustentável, articulando-se em redes internacionais. Podemos citar a WWF-Brasil para exemplificar as ONGs desenvolvimentistas. Essa organização, que atua no Brasil desde 1971, realiza projetos com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável do planeta, tendo como foco as questões ecológicas.

Já as organizações “ambientalistas”, que têm tido ampla visibilidade desde a década de 1990, a autora denomina “campanhas espalhafatosas” e estudos e diagnósticos relacionados ao meio ambiente. A ação dessas ONGs tem gerado impactos urbanos importantes, como a recuperação de praças e prédios. Uma das ONGs ambientalistas mais conhecidas mundialmente é o Greenpeace.

Gohn cita, por fim, as ONGs “cidadãs”, “voltadas para a reivindicação dos direitos de cidadania”, atuando nas grandes cidades. Essas organizações nascem das associações e dos movimentos sociais, o que as demarca como “agentes de democratização, característica peculiar no Brasil” (GOHN, 1997, p. 61). Há, entre as ONGs “cidadãs”, as que se dedicam a construir redes de solidariedade e as que focam suas ações em “segmentos discriminados” da população. Um exemplo de ONG cidadã é o Instituto Ayrton Senna.10

Para ampliar a compreensão da atuação das ONGs brasileiras, consideramos importante buscar estabelecer um perfil dessas instituições. A ABONG (2005) aponta que 31,68% têm todo o território nacional Brasil como principal âmbito de atuação. Em termos estaduais, 29,70% têm como principal âmbito os territórios estaduais. Segundo a pesquisa, os Estados do Nordeste e do Sudeste brasileiro são os que mais compreendem ações das ONGs associadas à ABONG. Esses dados apontam uma dimensão importante das ONGs brasileiras,

10 O Instituto Ayrton Senna desenvolve projetos educativos em parceria com escolas e com ONGs, com o

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que é a alta capacidade de se articular e de realizar ações não apenas nas comunidades e municípios onde estão sediadas. Essas articulações, em geral, são financiadas pelo Estado, empresas privadas e órgãos internacionais.

Em relação aos beneficiários das ações das ONGs pesquisadas pela ABONG, ficou evidenciado que as entidades atuam com mais de um público. Assim,11 61,88% delas atuam tendo as organizações populares e movimentos sociais como público beneficiário, 49,50% com mulheres, 43,56% com crianças e adolescentes. Há uma incidência significativa da porcentagem de ONGs que atuam com professores e estudantes de escolas, sendo 22,28% e 19,31% respectivamente, o que significa uma tendência dessas organizações em buscar contribuir para a qualificação da educação do País. Por meio dos dados da pesquisa, fica evidenciada outra tendência das associadas à ABONG em atuar com as minorias, tais como portadores de HIV, moradores de áreas de ocupação, povos indígenas, gays e lésbicas, portadores de necessidades especiais, entre outras.

Em relação aos objetivos das instituições junto ao público beneficiário,12 70,3% declaram que buscam “desenvolver a consciência crítica/cidadania” entre os beneficiários, sendo que 55,45% afirmam que pretendem transformar suas ações em políticas públicas e 52,48% têm a intenção de “fortalecer as entidades e coletivos organizados”. Apenas 11,88% das associadas à ABONG afirmam que atuam para “solucionar problemas imediatos”. Esses dados explicam o caráter “mobilizador” e “articulador” que diversas ONGs brasileiras vêm demonstrando. As ações do Greenpeace, por exemplo, tendo em vista as campanhas publicitárias e manifestações que realiza pela preservação do meio ambiente, podem ser tomadas como exemplo de mobilização social com a intenção de promover a consciência crítica da população sobre o tema. Mais que isso, articulam grupos e pressionam o Estado para controlar ações de empresas privadas que estariam em desacordo com a legislação vigente em relação ao tema.

Ao especificar as principais áreas temáticas13 priorizadas pelas associadas à ABONG, a pesquisa aponta que 47,03% delas focam a educação, enquanto 40,59% priorizam temas relacionados à participação popular, 29,7% justiça e promoção de direitos e 26,73% o fortalecimento de outras ONGs e de movimentos populares. Para atuar nessas áreas temáticas, as instituições utilizam como principal tipo de intervenção capacitações técnicas (65,35%),

11 Em muitos casos, uma mesma organização atua junto a diversos públicos. 12 Em muitos casos, uma mesma organização tem mais de um foco de atuação.

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assessoria (46,53%), articulação política (34,16%) e prestação de serviços, configuradas como atendimento direto ao público (31,19%). Há, também, ONGs que atuam com pesquisa (21,29%). Esses dados evidenciam o foco das entidades na educação, temática que tem sido debatida amplamente na sociedade brasileira nos últimos anos, apesar de não podermos aferir transformações significativas. O destaque dado pelas instituições à temática da promoção de direitos parece ser uma resposta à atuação do Estado, que não garantiria aos cidadãos, entre eles as crianças e adolescentes, o conjunto de direitos previsto na legislação do país. Esses dados parecem vincular-se aos de articulação política, ou seja, as ONGs utilizariam espaços de diálogo e interlocução com o Estado como forma de influenciar as políticas. Isso é evidenciado, também, nos dados relacionados às relações institucionais que elas estabelecem. Segundo a pesquisa, 79,7% das associadas à ABONG participam de Redes, 74,75% participam de fóruns e 64,36% fazem parte de conselhos de políticas públicas.

Em termos de orçamento e infra-estrutura, há uma grande diversidade entre as instituições participantes da pesquisa, sendo que a maior parte delas recebe recursos internacionais, seja de agências das Nações Unidas, tal como o Unicef, seja de financiadores globais. Segundo dados da mesma pesquisa realizada em 2003, 78,71% das instituições recebem recursos advindos de agências internacionais de cooperação, 42,57% comercializam produtos e realizam prestação de serviços, 36,63% recebem financiamento de órgãos governamentais federais e 35,15% têm empresas ou institutos empresariais brasileiros como fontes de recursos. Em relação à infra-estrutura, 50,5% delas possuem sede própria e 99% têm computador disponível para suas atividades.

Esses dados contribuem para a compreensão de diversos aspectos relacionados às instituições do País, apesar de não serem representativos de sua totalidade. Nessa pesquisa, evidencia-se, mais uma vez, a heterogeneidade dessas instituições. Mesmo assim, é possível identificar contornos característicos, tendências de atuação, formas de sustentabilidade e outras questões referentes a essas organizações.

2.1 As ONGs: questões e desafios no cenário brasileiro

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aspectos. Não é nossa pretensão, aqui, esgotar as possibilidades de discussão sobre o tema, mas, sim, colocar em questão algumas das características, enfoques e formas de atuação das ONGs.

Um primeiro ponto a ser problematizado refere-se às relações entre as ONGs e o Estado. É relevante destacar que, cada vez mais, as ONGs recebem recursos do Estado brasileiro para desenvolver suas atividades, sendo que, em diversos casos, elas são totalmente dependentes do repasse de recursos estatais. Surge, portanto, uma questão importante, qual seja, o fato de que há ONGs que utilizam seus espaços e articulações para a prática de lobbie e lançam “mão das verbas públicas, direcionando-as para interesses de minorias em nome de ações públicas mais eficazes14“ (GOHN, 1997, p. 61). Ou seja, há ONGs que captam recursos públicos e os utilizam com um número bastante reduzido de cidadãos. Justificaria, então, o investimento do Estado em ações que beneficiam a vida de poucas pessoas?

Por outro lado, autores como Gohn (1997) contrapõem a esse “problema” das ONGs a possibilidade que elas têm de apresentarem-se como um novo espaço de organização da sociedade civil, espaço mais espontâneo e menos burocrático, cujo potencial é constituir-se como “mecanismos fundamentais de construção da cidadania brasileira”, exercendo a fiscalização da sociedade civil sobre a sociedade política, em relação aos bens públicos (GOHN, 1997, p. 61). Em relação às questões apresentadas por Gohn, é importante problematizar dois aspectos. Estariam as ONGs se responsabilizando por ações historicamente assumidas pelo Estado, configurando uma “privatização do Estado”? É possível afirmar que a maior parte das ONGs, efetivamente, contribui com a sociedade na perspectiva de se constituírem como um “mecanismo de construção da cidadania”?

Nesse sentido, tendo em vista o foco desta pesquisa, ou seja, a análise das dimensões educativas de uma ONG, não estaria o Estado se abstendo de assumir suas obrigações, principalmente, com relação aos direitos dos cidadãos à educação de qualidade? Em relação a essa questão, Oliveira e Hadad (2001) descrevem duas facetas contraditórias entre a atuação das ONGs:

De um lado, tal envolvimento (de institutos e fundações empresariais) aponta para um importante compromisso social de parte do capital, compromisso fundamental em sociedades como a brasileira, com elevada concentração de renda e considerável desnível social. Mas, ao mesmo tempo, aponta também

14 Ao fazer essa afirmação, Gohn (1997) refere-se ao fato de que, segundo ela, as ONGs apresentariam mais

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para um crescente descomprometimento do setor público com a educação, correndo-se o risco de rompimento de um dos aspectos mais importantes na construção da democracia social brasileira. (OLIVEIRA; HADAD, 2001, p. 80)

Um dos exemplos possíveis para aprofundar as reflexões dessa questão é o “Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano”,15 criado em 2000 pela Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência Social. Em Belo Horizonte, as atividades de todos os núcleos desse programa são desenvolvidos por entidades (ONGs, associações e centros comunitários, por exemplo), conveniados com a Secretaria Municipal de Assistência Social. Ao Estado, nesse caso representado pelos governos federal e municipal, cabe definir as referências conceituais e de funcionamento do trabalho, além de financiar os custos de execução das ações pelas entidades conveniadas. Às entidades, por sua vez, cabe o trabalho de “contratar os educadores, planejar e desenvolver as atividades, acompanhar e avaliar os jovens, e participar das reuniões de formação e planejamento organizados pela prefeitura”. (DAYRELL et al., 2007, p. 50)

Nessa pesquisa, Dayrell et al. (2007, p. 47-82) destacam, dentre os desafios encontrados, que há uma clara precariedade de implementação do programa, visível na distância entre os seus objetivos e as ações práticas realizadas cotidianamente. Dentre as diversas questões observadas, evidenciou-se que a infra-estrutura oferecida não parecia adequada às necessidades do programa. A qualidade das ações também foi questionada, uma vez que apresentou características de fragmentação, descontinuidade e poucos resultados na aprendizagem dos jovens.

Diante do exemplo exposto, evidencia-se que essa articulação não produziu os resultados previstos, o que não descaracteriza pontos positivos da iniciativa, descritos por Dayrell et al. (2007). O que justificaria, então, o fato de o Estado repassar a essas entidades funções que a ele são de dever, como promover a formação dos adolescentes?

Essa questão parece estar articulada a outro ponto que merece ser problematizado: a pulverização dos recursos públicos, uma vez que o Estado investe seus recursos no trabalho realizado pelas ONGs. O exemplo do Agente Jovem pode ser suficiente para demonstrar que o repasse de recursos para as entidades do Terceiro Setor executoras das ações pode ter caracterizado como uma pulverização dos recursos e, consequentemente, de resultados.

15 Entre os objetivos do projeto, segundo Dayrell et al. (2007, p. 48), estão proporcionar oportunidades de

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É necessário, no entanto, apontar que essa pulverização dos recursos públicos pode gerar resultados positivos, como no caso do “Programa Cultura Viva”, desenvolvido pelo Ministério da Cultura do Governo Federal. Esse programa vem, nos últimos cinco anos, promovendo a articulação entre Estado e ONGs brasileiras para a realização de ações de formação com crianças e jovens nos campos da arte e da cultura, em todo o território nacional, com a clara intenção de descentralizar o investimento cultural do Estado que, no caso brasileiro, historicamente, concentrou-se no sudeste do País, em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A escolha das iniciativas que recebem os recursos do Estado se dá por meio de um edital público, com diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Cultura (MinC). Uma vez aprovadas pelo MinC, essas iniciativas tornam-se “Pontos de Cultura” integrantes do “Programa Cultura Viva”. Atualmente, há cerca de 800 Pontos de Cultura conveniados. Ou seja, o Estado identifica grupos culturais formalizados em todo o território nacional e se propõe a articulá-los em um programa. Há repasse de recursos para que os Pontos de Cultura realizem suas ações. A forma de execução do “Programa Cultura Viva” poderia caracterizar uma ampla pulverização dos recursos públicos. No entanto, ao que parece, ele tornou-se uma importante ação de democratização cultural no País, uma vez que descentralizou o direcionamento dos recursos públicos destinados à cultura, distribuindo-o a ONGs em todos os Estados brasileiros. Ao analisar ações do Estado no campo da cultura, verifica-se que, no Brasil, o Estado é o principal patrocinador da cultura e que, nas últimas décadas, possibilitou a produção cultural no País por meio de leis de incentivo, caracterizadas pela isenção de impostos de empresas privadas que decidem patrocinar projetos culturais aprovados pelo MinC.

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qualidade compatível com a proposta pelo programa? Qual o significado efetivo dessas ações nas comunidades beneficiárias?

Nessa articulação entre o Estado e as ONGs brasileiras, a relação entre ONGs e o Estado pode gerar um efeito que se concretiza “na tendência de o Estado ver estas organizações como sinônimo de sociedade civil”, o que, em termos práticos, se configuraria como uma estratégia do Estado em, ao se articular com ONGs, presumir que estaria solucionando “a difícil tarefa de administrar a representação da sociedade civil em órgãos estatais” (PINTO, 2006, 666). Consideramos que essa é uma questão que merece aprofundamento, uma vez que ela aponta novas perspectivas da execução das políticas sociais no País, como no caso do Agente Jovem, ou seja, a “terceirização” de responsabilidades da execução de políticas sociais e educacionais. O resultado que se observa é que, em muitos casos, a sociedade civil passa a exercer uma função pública. Nesse sentido, Oliveira e Hadad (2001, p. 79) afirmam:

Se, antes, a participação da sociedade civil se circunscrevia aos processos de democratização do Estado, pelo seu papel de controle e direcionamento dos serviços públicos, neste momento ela é conduzida a colaborar diretamente com a oferta dos serviços educacionais, na lógica de diminuição de responsabilidades do Estado.

Oliveira e Hadad (2001) apontam para a necessidade de problematizar os papéis e o lugar das ONGs e do Estado. Compreendemos que as articulações entre Estado e Terceiro Setor podem garantir espaços importantes de participação social necessários à democracia. A articulação entre esses setores pode gerar transformações sociais importantes, que parecem não demandar, necessariamente, o “repasse” de responsabilidades, mas, ao contrário, o compartilhamento de competências na construção de soluções para os desafios sociais do País.

Outra questão que consideramos importante problematizar em relação às ONGs no Brasil refere-se à autonomia de atuação dessas instituições, observada entre ONGs que têm desenvolvido ações no campo da educação. São diversas as ações realizadas por ONGs no campo da educação, dentre elas, projetos de atendimento direto e prestação de serviços junto a educadores e órgãos do Estado:

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professores e atuação no plano das orientações pedagógicas. (OLIVEIRA; HADAD, 2001, p. 80)

Muitas vezes, as ONGs recebem forte influência dos seus financiadores para realizar suas ações com focos comuns aos da entidade que financia os projetos. Isso se dá à medida que a maior parte das ONGs não possui recursos próprios, dependendo de recursos de empresas privadas, fundações empresariais, organismos internacionais e do Estado. Os financiadores, em alguns casos, parecem buscar “padronizar” o trabalho das ONGs ou criar uma espécie de “diretriz” de atuação entre elas. Assim, ao estabelecer parcerias com alguns dos financiadores que desenvolveram suas próprias diretrizes de atuação, as ONGs estariam perdendo parte da autonomia em definir suas próprias referências conceituais e metodológicas.

A Fundação Itaú Social, braço social do Banco Itaú, é uma das que realizam programas na área de educação. Entre os programas que a instituição realiza está o “Educação e Participação”, que desde 1995 realiza ações focadas na melhoria da qualidade da educação escolar, por meio do estímulo à criação de parcerias entre ONGs e escolas. Uma das ações desse programa é o Prêmio Itaú-Unicef, realizado a cada dois anos. O prêmio, que distribui recursos financeiros, tem entre seus objetivos identificar e divulgar projetos educacionais que sirvam de referência para outras ONGs e escolas. Em 2003, 1834 projetos de ONGs foram inscritos no Prêmio Itaú-Unicef, sendo que, em 2005, foram 1682 iniciativas inscritas. Importante destacar que o prêmio é amplamente divulgado, em todo o País, por meio de propaganda em rádio, jornal, televisão e internet e cartazes afixados nas agências do banco.

A Fundação Itaú-Social16 apresenta os indicadores utilizados na edição do Prêmio Itaú-Unicef em 2007. A instituição definiu que para vencer o prêmio as iniciativas das ONGs deveriam conjugar “educação e proteção social como meio de assegurar o direito ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes de 6 a 18 anos”, além de realizar ações de forma continuada e no contraturno da escola, ou seja, fora do tempo escolar dos alunos. Outra diretriz do prêmio é que os projetos, para serem vencedores, deveriam ter o desenvolvimento integral das crianças e dos adolescentes como objetivo principal; ou seja, promover aprendizagem; ampliar a capacidade de convivência e participação, os repertórios de competências e habilidades cognitivas; e promover “o acesso e o aproveitamento dos serviços sociais básicos com foco no sucesso escolar, na promoção da saúde, na participação e avaliação do processo educativo junto com as famílias”.

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A Fundação Itaú-Social aponta, também, alguns dos critérios utilizados na seleção dos projetos que serão premiados, dentre os quais a sustentabilidade política, financeira e técnica das ONGs.

Por sustentabilidade política, a Fundação Itaú-Social entende a capacidade que a ONG deve ter em estabelecer redes de relacionamento, conferindo à iniciativa credibilidade e legitimidade, sendo capaz de “constituir-se como operação de uma ação pública”. Ao definir esse critério, o prêmio explicita claramente a visão da Fundação Itaú-Social de que é necessário às iniciativas sociais o caráter político, de garantia da credibilidade social diante dessas iniciativas para que as instituições executoras possam operar ações públicas, ou seja, de alguma forma, assumir papéis que seriam conferidos ao Estado.

Por sustentabilidade financeira, a instituição entende a capacidade que as instituições devem ter de criar condições financeiras para viabilizar o desenvolvimento do projeto inscrito no prêmio, bem como a possibilidade de dar continuidade às ações realizadas. Ao estabelecer esse critério, a instituição que realiza o prêmio define claramente o foco em entidades capazes de se articular com financiadores. Importante citar que, como as ONGs, em sua maioria, viabilizam sua sustentabilidade financeira exclusivamente por meio de parcerias com financiadores, e que essas parcerias são marcadas por descontinuidades, poderíamos afirmar que a maior parte das ONGs brasileiras não podem garantir a possibilidade de dar continuidade às iniciativas.

Já o conceito de sustentabilidade técnica remete às “competências acumuladas e capacidade da organização de criar condições favoráveis para o desenvolvimento das crianças e adolescentes e garantir seu acesso aos serviços voltados à infância e à adolescência”; ou seja, o prêmio está interessado em avaliar se as iniciativas são capazes de, realmente, possibilitar o desenvolvimento do público beneficiário.

A Fundação Itaú-Social realizou, no ano seguinte a premiação das iniciativas vencedoras do Prêmio Itaú-Unicef, ações de formação com as entidades que realizam as iniciativas semifinalistas, finalistas e premiadas. As ações de formação acontecem a distância e presencialmente. Nessas formações, a organização do prêmio dissemina os conceitos, estratégias, metodologias, dentre outros itens que considera importantes como referência para qualificar as iniciativas participantes.

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promover formação das ONGs inscritas tendo como referencial conceitual a própria diretriz do prêmio, a Fundação Itaú-Social estaria influenciando o trabalho realizado por essas ONGs. Uma das características das ONGs no Brasil é a diversidade de parcerias com financiadores que estabelecem. Como os recursos são reduzidos, elas acabam estabelecendo vínculos com vários parceiros. Nesse contexto, ao realizar ações com parceiros diferentes, recebem variadas influências e demandas, o que, muitas vezes, pode descaracterizar a identidade do trabalho e promover conflitos de interesses e pontos de vista. Isso pode significar iniciativas que, de fato, exercem poucas influências positivas e, até mesmo, a realização de ações que respondem aos interesses e demandas dos financiadores, e não do público que se beneficia dessas ações.

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3 AS DIMENSÕES EDUCATIVAS DA ASSOCIAÇÃO IMAGEM COMUNITÁRIA (AIC)

Durante a realização da pesquisa de campo no cotidiano das ações realizadas pela AIC com os jovens, um dos focos principais das observações relacionava-se à compreensão das dimensões educativas do trabalho da instituição. Neste capítulo, descrevemos o trabalho realizado pela AIC, enfocando especialmente aspectos da metodologia utilizada como referência pela ONG. Importante ressaltar que o enfoque dado nesta pesquisa é o ponto de vista dos jovens que participaram de projetos realizados pela AIC.

3.1 A AIC: sua história e seus projetos

Cheguei à sede da AIC na manhã do dia 17 de abril de 2007. Durante os seis meses de observação, observei os espaços e a maneira como as pessoas circulavam por ele. A AIC funciona em uma casa localizada no bairro Floresta, em Belo Horizonte. Logo na entrada da casa, no andar térreo, avistei uma sala com seis computadores. Ao longo das observações, constatei que essa sala é permanentemente utilizada por jovens e educadores. Percebi que os jovens que frequentam a instituição utilizam livremente os equipamentos. À frente, uma pequena sala para reuniões que, nesse período, foi bastante utilizada para o planejamento e a discussão de temas das produções de mídia, para a realização de avaliações pelo GC Interação, bem como pelo grupo cultural formado por jovens que participaram de projetos realizados pela AIC no passado.

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O andar abaixo da entrada da casa, que chamei de “subsolo 1”, é dedicado às produções de rádio e televisão. Na entrada, uma sala de produção, com um computador, equipamentos de vídeo, prateleiras de fitas VHS e DVDs. Na parede, encontra-se um quadro branco dividido em pequenos quadrados, um para cada dia do mês, nos quais são descritas as atividades de produção de mídia e os seus responsáveis, além dos equipamentos que serão utilizados em cada uma delas. Há, ainda, um quadro de avisos, no qual constam telefones considerados importantes, recortes de jornal e recados. Nesse espaço, é feita a produção dos programas veiculados na televisão, que consiste no trabalho de preparação de todos os detalhes anteriores às filmagens e entrevistas. Além disso, esse espaço é utilizado para a seleção inicial das imagens e dos áudios colhidos nas filmagens. Ao lado, duas pequenas salas chamadas de “ilha de edição”, equipadas com computadores e filmadoras digitais para a realização das edições dos programas. Nesses espaços é feita a finalização das produções antes de serem veiculadas na televisão e no rádio.

O último andar inferior, que chamei de “subsolo 2”, é composto por uma cozinha e uma sala de produção, com um computador e um pequeno depósito de materiais. Nesse andar, há um amplo pátio, descoberto, onde são realizadas atividades com grupos maiores.

Foi possível observar, desde o início, o trânsito intenso e livre, tanto dos jovens quanto dos educadores e funcionários, por todos os espaços da casa. Em torno de trinta pessoas circulam pelos espaços por dia. Não percebi que a hierarquia das pessoas fosse marcada pelo acesso e pela utilização dos espaços. Não há “sala da diretoria” ou “sala dos jovens”. Os espaços parecem ser organizados para atender às demandas de produção de mídia e as diversas pessoas (jovens, educadores e coordenadores) envolvidas em cada uma delas vão utilizando os espaços na medida de suas necessidades e de seus interesses. Assim, jovens, educadores e coordenadores ora atuam em determinado espaço da instituição, ora em outros. Apenas o setor administrativo da AIC tem uma sala própria, onde são arquivadas notas fiscais e feitas a prestação de contas dos diversos projetos.

Imagem

TABELA DE ATIVIDADES DIÁRIAS

Referências

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