• Nenhum resultado encontrado

Os limites da proteção: a Defensoria Pública do Rio de Janeiro

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Os limites da proteção: a Defensoria Pública do Rio de Janeiro"

Copied!
40
0
0

Texto

(1)

CPDOC

T

C

OS LIMITES DA PROTEÇÃO: a

Defensoria Pública do Rio de Janeiro

Sandra Regina Soares da Costa

Texto

Cpdoc

n° 38

(2000)

Centro de Pesquisa e Documenta� de História Contemporânea do BrasIl Fundaçàp Getulio Vargas

Praia de Botafogo 190 - 14" andar - Rio de Janeiro - Cep 22253-900 -Telefone (55-21) 559-5677 -Fax ( 5-21) 559-5679 E-mail cpdoc@fgv.br

..

(2)

".

f

OS LIMITES DA PROTEÇÃO: a

Defensoria Pública do Rio de Janeiro

Sandra Regina Soares da Costa

Texto Cpdoc na 38

(2000)

Conselho Editorial dos Textos CPDOC

Maria Celina D 'Araujo; Helena Maria B.Bomeny e Carlos Eduardo Sarmento

FU�

A�

,r . .

"�",.��.��

LPUC�

I

(3)
(4)

.�

Introduçio

Parte I - Sobre a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

A organização da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro

Parte n -Sobre cidadania e acesso à Justiça

A cidadania moderna e as ciências sociais Acesso à justiça

Parte m - Sobre o dia-a-dia do defensor e do usuário

Em Niterói Em São Gonçalo

Conclusão

(5)

o trabalho de Sandra Regina Soares

da Costa aqui apresentado é produto de pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto Brasil em Transição aprovada pelo Pronex, coordenado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da

Fundação Getulio Vargas (FGV) e que tem o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política (pPGACP)

da Universidade Federal Fluminense (UFF) como instituição associada.

Como responsável pelo módulo desse projeto intitulado Reforma do Estado, Justiça e Consolidação da Democracia, contei com a colaboração de Sandra na qualidade de bolsista de Iniciação Científica pelo PffiICIUFF no decorrer de meados de 1998 até fevereiro de 2000.

O relatório produzido, embora seja ainda uma etapa preliminar de um projeto que merece maIor investimento e dedicação, é convincente o bastante para que seja divulgado. Através de um sério trabalho de campo, Sandra analisa o funcionamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, um dos mais importantes órgãos criados pela Constituição de 1988 no sentido de ampliar o acesso à Justiça, especialmente, para os mais pobres. Por ISSO mesmo, a Defensoria tem sido

O que este relatório mostra é que apesar de vir cumprindo várias das funções que motivaram sua criação, a Defensoria

apresenta problemas sérios quanto a seu processo de institucionalização. Conforme se vê no decorrer do trabalho, e a seguir a tendência nele observada, cada unidade da Defensoria pode se constituir em um "feudo" isolado dos demais órgãos que deveriam compor a instituição. A pesquisa

mostra que cada defensor, talvez mesmo devido à precariedade institucional, tende a desenvolver estratégias próprias para sua ação no sentido de enfrentar não só as questões de atendimento da população como também as aquelas voltadas para a infra-estrutura de seu trabalho.

Fica evidente também que se estabelece, na prática, uma relação, ás vezes subjetiva, entre Defensoria e pobreza maIS forte do que a relação Defensoria/cidadão. Ou seja, de acordo com o que se apresenta neste relatório, legitima-se a concepção de que pobre e cidadão ainda são coisas distintas.

(6)

Introdução'

Com a queda das ditaduras militares latino-americanas surgem novos arranjos legais que IDcorporam mecanismos alternativos para a resolução de conflitos. Os que mais têm-se destacado são a arbitragem, a conciliação e a negociação. Temos a criação, também, de instituições como os Juízados Especiais I e a Defensoria Pública, no Brasil, e o Defensor dei Pueblo ou Ombudsman, em alguns países da América do Sul. Todos representam novas instâncias de resolução de conflitos ou de acesso à justiça.

A Constituição brasileira de 1988

tomou obrigatória a Defensoria Pública, que já existia no Rio de Janeiro, desde

1950, sob a forma de Assistência Judiciária, ligada à Procuradoria Geral da Justiça. Sua função é atuar junto à população pobre e carente, como órgão responsável pela assistência jurídica, integral e gratuita, na esfera judicial ou extrajudicial. A 'Justiça gratuita" também é promovida pela OAB e pelos escrítórios­ modelo de algumas faculdades de Direito.

Este relatório tem como objetivos a

análise da percepção dos defensores e

• Uma versão modificada deste trabalho foi apresentada como monogrnfia de conclusão do curso de Ciências Sociais em fevereiro de 2000, junto à UFF, orientada por Maria Celina D'Araujo. A autora é mestranda em Antropologia Social no

Museu Nacional, Rio de Jaoeiro.

funcionários das defensorias públicas de Niterói e São Gonçalo, frente ao atendimento prestado à população, e a identificação das demandas que ali chegam. A comparação entre os núcleos de Niterói e São Gonçalo foi feita para que se pudesse observar como o acesso à justiça se realizava em duas cidades com índices de qualidade de vida tão diferentes.

Para a realização da pesqUisa foi

utilizada a observação participante,

mediante um tempo de vivência nos

núcleos de primeiro atendimento da

Defensoria Pública e em varas cíveis e de

família dos dois municípios. Foram

realizadas entrevistas abertas e pontuais, buscando detectar a visão dos funcionários,

defensores e do público sobre os serviços

prestados. Ou seja, como a defensoria é

pensada e vivida pelos seus atores.

1 Destinados ao julgamento de pequenas causas,

(7)

.'

Parte I - Sobre a Defensoria Pública do

Estado do Rio de Janeiro

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1 988, criou um importante mecanismo de acesso à justiça, a Defensoria Pública, nascida a partir de intensos debates, onde se constatava que:

Não há acesso igual de todos ao aparelho judicial do Estado; os que o conseguem não o têm em igualdade de condições; os necessitados nem sempre recebem a assistência judiciária de que precisam, quando a recebem . (Rosa, 1983, p.20)

Como resultado desse debate, o art. 134 da Constituição Federal instituiu que:

"A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação juridica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados

( ... )"

o texto constitucional é inovador

porque garante não só a assistência judiciária, como também, a consultoria juridica para os "necessitados".2

A função essencial da Defensoria Pública é garantir que o princípio

2 Artigo 5° da Constituição Federal de 1988, item LXXIV.

constitucional de igualdade no acesso à

justiça seja garantido àqueles que não

podem arcar com os honorários

advocatícios. Garante que os brasileiros

"hipossuficientes" possam exercer seus

direitos e garantias individuais, em todos

os graus e instâncias, obtendo assistência

juridica, judicial e extrajudicial, integral e

gratuita. A Defensoria Pública também poderá ser utilizada pelo servidor público

quando for acionado, civil ou

criminalmente, por motivo de ato praticado

durante o exercício de suas funções.

A regulamentação da Defensoria Pública foi feita por lei complementar,

aprovada em 1 2 de janeiro de 1 994.

É

a

Lei Complementar n° 80/94, que versa

sobre a organização da Defensoria Pública

da União, do Distrito Federal e dos

Territórios, e dispõe sobre a sua

organização nos Estados. Note-se que a

Defensoria Pública não é um órgão do

Poder Judiciário e sim do Executivo. As defensorias públicas estaduais estão

ligadas aos executivos Estaduais e a

Defensoria Pública da União ao Executivo

Federal.

Pela lei que regulamenta a

Defensoria Pública dos estados, ela fica assim estruturada (art. 98):

1 -Órgão de administração superior a) Defensoria Pública-Geral do

Estado;

(8)

• r

b) Subdefensoria Pública-Geral do Estado;

c) Conselho Superior da Defensoria

Pública do Estado;

d) Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado

Il -6rgão de atuação:

a) As Defensorias Públicas do Estado; b) Os Núcleos da Defensoria Pública do Estado;

III -

6rgãos

de execução:

a) Os Defensores Públicos do Estado.

A Lei Complementar 80/94

estabelecia prazo de 1 80 dias para que os estados se organizassem e elaborassem a

lei complementar estadual que efetivamente instituiria a Defensoria em cada unidade da federação. Quer dizer, formalmente, a Defensoria já estava criada desde a Constituição de 1 988, mas seria de responsabilidade dos Estados implementá­ la de fato.

Organizaçio da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro

A Defensoria Pública garante não apenas o acesso de todos à justiça, mas também o principio da igualdade e garantia da cidadania. Desta forma, além de ser uma instituição

essencial à função jurisdicional do estado, caracteriza-se como um dos

mais importantes

instrumentos de realização do estado de justiça. (Extraído da Homepoge da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em 02/0112000)

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro conta com uma página na internet, local em que se pode obter informações e fazer pesquisas. Parte do material utilizado acerca de sua história, foi dali extraído.

O antigo Estado do Rio de Janeiro, a

partir de 1 950, passou a oferecer

oficialmente assistência judiciária, aos

necessitados através da Procuradoria Geral

da Justiça Esse tipo de assistência foi

instituído pela lei federal de 05 de

fevereiro de 1 950. A Assistência

Judiciária, de então, contava com seis

defensores, cargo criado pela lei estadual

n° 2. 1 88 de 2 1 de julho de 1954. A

assistência judiciária só se tomará órgão

do governo do Estado do Rio de Janeiro

em 22 de maio de 1970, pelo Decreto-Lei

n 286, mas ainda submetida à Procuradoria

Geral da Justiça.

(9)

.'

Federal e nos Territórios. O serviço era

realizado pelos ocupantes dos cargos

iniciais da carreira do Ministério Público

Federal.

Com a Constituição estadual de 23 de julho de 1975, que consagra a fusão do antigo estado do Rio de Janeiro com a Guanabara, a assistência judiciária gratuita foi reafirmada através do artigo 82 do texto constitucional. A chefia da assistência judiciária continuou a cargo do Procurador Geral da Justiça. Em 1981, a Chefia

Institucional da Defensoria foi transferida do Procurador Geral da Justiça, para o secretário de Estado de Justiça, pela Emenda Constitucional n° 1 6, de 24 de junho. A Lei Complementar nO 1 8 (de 26

de junho de 198 1 ) criou a Coordenadoria da Assistência Judiciária, dando mais autonomia ao órgão.

Em 1996, o ISER (Instituto Superior

de Estudos Religiosos) e o CPDOC

(Centro de Pesquisas e Documentação de

História Contemporânea do Brasil) da

Fundação Getulio Vargas, realizaram

pesquisa com 1 .2 1 6 moradores da cidade do Rio de Janeiro, na qual a Defensoria

Pública foi apontada como a instituição

mais eficiente do estado.

Os números divulgados atualmente

pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro

dão conta de cerca de um milhão de

atendimentos realizados anualmente no

Estado. Informam também que 70"/0 das

ações nas varas e tribunais do Estado são de sua responsabilidade. Os defensores públicos do Estado - 440 à época da

pesquisa - ingressam na carreira por meio de concurso público, e sua função principal é orientar o assistido, promovendo acordos e defendendo-os em processos judiciais. A Defensoria atua junto ao Judiciário, nas

àreas criminal, cível, de família e de órfãos e sucessões. O atendimento inicial é feito nos Núcleos de Primeiro Atendimento, que se encontram divididos por regiões.

Também possui núcleos especializados na defesa do consumidor, da criança e do adolescente, do idoso, da mulher e em assuntos fundiários.

Os serviçoS prestados pela

Defensoria Pública são: orientação juridica

em geral, divórcio, separação judicial, ação

de alimentos, guarda de menores, adoção,

tutela, curatela, investigação de

paternidade por exame de DNA,

inventàrio, orientação sobre testamentos,

alvarás para levantamento de valores,

ações de despejo, ações de consignação em

pagamento, ações possessórias, mandado

de segurança, usucapião, regularização de

propriedades imóveis, defesa do

consumidor, registros civis, orientação e

defesa em casos criminais, assistência aos

encarcerados, atendimento juridico geral à

cnança, ao adolescente, ao idoso e à

mulher, postulação e defesa, judicial e

(10)

.'

o exame de investigação de

paternidade e maternidade é uma grande

novidade no âmbito da Defensoria Pública.

São inúmeros os casos de conflitos de

paternidade/maternidade que demandam a

utilização do exame de DNA, altamente

custoso e não acessível à grande maioria

da população. Em relação a isso, a

Defensoria começou a desenvolver um

projeto em agosto de 1 996. Inicialmente,

tentou-se implantar um laboratório na

própria sede da DPGE (Defensoria Pública

Geral do Estado), o que acabou se

tomando inviável. Foi firmado, então, um

convênio com a UERJ (Universidade

Estadual do Rio de Janeiro), para que seu

Instituto de Biologia passasse a realizar o

atendimento aos clientes oriundos da

Defensoria Pública. Para a realização do

exame não é necessário a constituição de

um processo, o que agiliza a solução do

conflito e representa um caso a menos nos

tribunais.

Na Defensoria núcleos e varas -além dos defensores, prestam atendimento à população os estagiários. A eles cabe, praticamente, realizar a maior parte dos atendimentos, supervisionados, em maior ou menor grau, pelo defensor. Os núcleos possuem um ou dois defensores (quando só tem um defensor, este acumula as áreas civil e de família). Para fazer parte do quadro de estagiários da Defensoria Pública é necessário se submeter a uma

prova escrita dissertativa, versando sobre

as matérias de Direito Civil e Penal,

Processo Civil e Penal, estar cursando

Direito, a partir do 4° período (para cursos

de 8 penodos) ou do 6° penodo (para

cursos de 10 penodos). Além dos

atendimento às partes, os estagiários

elaboram as peças processuais referentes

aos processos. O estágio é reconhecido

pela OAB, dura um ano, podendo ser

renovado. A carga horária é de oito horas

semanais. A prestação de contas é feita

trimestralmente, por meio de um relatório

de atividades e da anexação das cópias das

petições elaboradas pelos estagiários. Nos

dizeres dos porta-vozes oficiais, a

Defensoria Pública do Rio de Janeiro é o

"maior escritório de advocacia do mundo".

(homepage da DPGEIRJ)

Parte 11 - Cidadania moderna e ciências

sociais

A fundamentação filosófica moderna

para o conceito de cidadania só aparecerá

no século XVII e expressão desse

movimento foi o contratualismo difundido

por Locke e Rousseau. ''Direitos Naturais"

e ''Direitos do Homem" construíram o

ideário do cidadão moderno ocidental,

presente nas revoluções inglesa, norte­

americana e francesa. Este é o momento de

(11)

-"

específicos do conceito de cidadania, para as Ciências Sociais. Cabe ao Estado-nação ser o avalista dos cidadãos que . se

reconhecem como pertencentes a uma mesma nação, garantindo direitos e prerrogativas. Tocqueville define bem o conceito de cidadania que marca a época: ela é conseqüência de uma vontade incontrolável, em direção à igualdade, que permeia a sociedade.

Elisa Pereira Reis (1998) situa o conceito de cidadania nas Ciências Sociais partindo de duas bases:

- na forma de reivindicação por um status de cidadão - pressupondo o direito a prerrogativas;

- na forma de identidade comum manifestada pelos membros de uma mesma nação.

Continua, afirmando que o constructo Estado-nação tem como

princípios legitimadores a autoridade (do

Estado) e a solidariedade (da nação).

De um lado temos o cidadão

"detentor de virtudes voltadas para a esfera

pública - na melhor tradição aristotélica" e

de outro "o consumidor de direitos" (Reis,

1998, pág. 31). Esses dois postulados que

conformam a idéia de cidadania podem ou

não estar juntos, podendo ora assumir uma

forma convergente, ora uma forma

divergente.

A autora também chama atenção

para o impacto do pensamento de Karl

Marx sobre o tema. No texto, A questão

judaica, de 1843, Marx defende uma visão bem diferente da utilização liberal do conceito de cidadania. A cidadania é

apresentada como um forma de alienação burguesa: o status que dela advém, na verdade, serviria para esconder as reais origens da exclusão.

Weber nos propicia uma outra leitura

do conceito: a cidadania resultaria da

complexidade dos processos históricos de

longo prazo que ocorreram no mundo

medieval durante o florescer das cidades européias.

No século xx, o conceito

paradigmático de cidadania foi

apresentado por T. H. Marshall, em 1949,

numa conferência sobre cidadania e classe

social. Sua questão principal é o impacto

da cidadania sobre a desigualdade social.

Tomando como foco o caso inglês, seu

modelo de cidadania é pensado como uma

seqüência evolutiva. Primeiro, vieram os

direitos civis, no séc. xvm, depois os

políticos, nos séculos XIX e xx,

culminando com o terceiro estágio, o dos

direitos sociais, no séc. XX. Para Marshall,

esses três momentos representam os

elementos constitutivos da cidadania de

natureza interdependente. Os direitos civis

dizem respeito à liberdade individual, da

pessoa, mais fortemente representados pelo

direito à justiça e pelo sistema legal.

(12)

-'

autoridades mantenedoras dos direitos

civis, ou seja, do direito à cidadania na sua forma mais primària. Os direitos políticos

representam as lutas por participação

política, pelo direito ao exercício do poder

político, direito ao voto e à elegibilidade.

Cabe ao sistema educacional e aos serviços

sociais realizar os meios que

disponibilizam os direitos sociais, que são

os direitos comuns de acesso aos bens

culturais da sociedade, representando a

forma mais refinada de cidadania.

Posteriormente, o conceito de Marshall

sofreu críticas, das qUaJS as maJs

significativas foraJD feitas por Jürgen

Habermas (1995) e Anthony Giddens

(1993). O filósofo Habermas critica a idéia

de progresso linear, já que existem

situações de suspensão de direitos, algo

que seria uma "involução" dentro da teoria

de Marshall. TaJDbém destaca que casos

históricos comprovam que autoridades

paternalistas promovem direitos sociais

-taJDbém contradizendo a linearidade do

processo de conquista da cidadania.

Giddens alerta que a cidadania está permeada por lutas de diferentes aspectos,

como o direito do consumidor, da mulher,

do meio ambiente etc. São direitos novos

que não exigem a "inclusão", mas

reivindicam trataJDento especializado

frente à singularidade dos grupos SOClaJS

que os reivindicaJD.

Outra contribuição iimportante nesse

campo vem de Brian S. Tumer (1990). O

autor identifica quatro tipos de cidadania,

baseadas em dois eixos. O primeiro eixo

refere-se ao movimento produtor de

cidadania, se de baixo para cima ou de

címa para baixo. O segundo eixo diz

respeito à relação entre o público e o

privado. Assim, temos: a cidadania

conquistada pelo povo na esfera pública, e como exemplo temos o caso francês. O

segundo tipo é a cidadania conquistada

pelo povo na esfera privada, como é o caso

norte-aJDericano. No terceiro, a cidadania é

construída pela expansão dos direitos

individuais, mas o cidadão é o súdito,

como no caso inglês. No quarto tipo, a

cidadania realizou-se de cima para baixo

no espaço privado. E o exemplo é a

Alemanha.

No Brasil, segundo José Murilo de Carvalho (1996), o movimento de conquista da cidadania se deu "de cima para baixo": os direitos não foraJD conquistados pela sociedade civil, mas

outorgados pelo Estado. E acrescenta: No caso brasileiro, a centralidade do

Estado não indica seu caráter público e

universalista. Isto porque, de um lado, o

Estado coopta seletivaJDente os cidadãos e,

de outro, os cidadãos buscam o Estado

para o atendimento de interesses privados.

(13)

-'

Acesso à justiça

É

na primeira metade do século XX

que podemos localizar o primeiro marco

importante no movimento por acesso à

justiça. Antes tratado no âmbito de direito

civil formal, passa a ser entendido como

direito social, movi mento que será

concomitante à instituição do Estado de

Bem-Estar Social, que se estabelece com o

fim da li Guerra Mundial. Como resultado, temos o surgimento de novas necessidades,

como a criação de formas extrajudiciais de

resolução dos conflitos e mais celeridade

nos processos judiciais, o que significa um

movimento pelo menor controle do Estado

sobre a administração da justiça e a

exigência de que se difundam mecanismos

de simplificação das formalidades

jurídicas.

A França e os Estados Unidos

durante a segunda metade do século XX

serão o palco do segundo movimento.

Segundo Rosangêla Batista Cavalcanti

( 1 999), o Direito passa então, a ser

discutido como "instrumento de

transformação socíal", e introduz-se a questão das formas estatais e não-estatais de resolução de conflitos. Em 1960, o principal tema dos debates é a ampliação dos canais de acesso.

O Florence Project, de autoria de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, iniciado em 1970 e concluído em 78, gera um

relatório sobre o movimento de acesso à

justiça, em que se identificam "três ondas

de reforma": na primeira, o acesso se faz

pela assistência jurídica para os "pobres",

com advogados remunerados; a segunda,

está ligada à representação dos direitos

coletivos; a terceira, diz respeito à

informalização dos procedimentos o

Poder Judiciário é visto como uma

instituição em crise, sem capacidade de

administrar o montante de processos que se

formam pela multiplicação de novos

direitos. Busca-se assim a simplificação

nos processos e formas extrajudiciais para

solucionar conflitos, diminuindo a

presença do Estado.

No Brasil, Rosângela Batista

Cavalcanti ( 1999) utilizando-se de

pesquisa realizada por José Murilo de

Carvalho (1996), ressalta que durante o

império, mesmo com leis garantindo

direitos, os pobres dependiam do senhor

territorial para fazer valer as conquistas

legais. Com a abolição da escravatura

houve o fortalecimento do coronelismo, da

patronagem e do c1ientelismo, significando

um retardo da experiência cidadã.

As constituições republicanas

(14)

..

maioria dos brasileiros só o Código Penal

se faz sentir, enquanto o Código Civil é

privilégio de poucos. O autor argumenta

que no Brasil, o movimento de acesso à

justiça se faz na direção da maioria,

enquanto nos paises centrais da Europa e

nos Estados Unidos, o movimento de

acesso à justiça se faz no sentido de acesso para as minorias.

Segundo Cavalcanti ( 1999), as pesquisas sobre acesso à justiça no Brasil surgiram na década de 80. Durante a primeira metade desse periodo, os estudos destacavam o acesso a direitos coletivos. Na segunda, o tema central foi o estudo das formas não-estatais e estatais de promoção da justiça e o acesso individual.

É

a época da criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas,3 da instituição constitucional da Defensoria Pública e de novas agências extrajudiciais, como os nc (Juizados Informais de Conciliação), que padecem com

deficiências infra·estruturais (deficiências de instalações, pessoal e material). Esse descobrimento tardio do tema acesso à

justiça, pode ser justificado pelo regime militar vivido a partir de 1964, mas não só

por ISSO. Havia um movimento

internacional incentivando o debate, tomando mais claros, entre nós, os problemas referentes à demanda reprimida por justiça.

É

a partir desse momento que

se pode questionar a cultura jurídica liberal-individualista brasileira.

Os debates sobre a prestação e o

sistema da Justiça no Brasil convergem

para os seguintes pontos: os obstáculos

internos para a realização da Justiça (como

a formalidade e a falta de pessoal), o dificil

acesso às populações carentes

(representados por obstàculos econômicos,

culturais e sociais) e uma visão de direitos

que se confunde com concessões. O Fórum

não é vivido como o espaço de realização

da cidadania, mas como o lugar onde se

pede e se espera favores.

Analisando a produção brasileira

sobre acesso à justiça, Eliane Botelho

Junqueira ( 1996) afirma não ser possivel falar de uma "produção sistemática na área

direito e sociedade, ou seja, de uma linha

de investigação sobre temas e instituições jurídicas, antes dos anos 80" (pàg. 389).

Lembra também que o interesse que

movia a produção brasileira era diferente

daquele que mobilizava os estudiosos dos

paises centrais. No caso brasileiro,

Não era a expansão do welfare state e a necessidade de se tomarem efetivos os novos direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas "minorias" étnicas e sexuais, mas sim a própria necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos bàsicos

(15)

aos quais a maioria não tinha acesso tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento juridico brasileiro, como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores subalternizados e da exclusão político-juridica provocada pelo regime

pás-64. (Junqueira, 1996, pág. 390)

Para Junqueira, os anos 90

caracterizam-se por "dois deslocamentos"

(1996, pág. 399). No primeiro, os pesquisadores mostram-se interessados na ordem juridica, na sua importância para a construção da sociedade democrática, e na compreensão da cultura cívica, em oposição á tendência da década anterior que se dedicava ao estudo dos novos movimentos sociais e á emergência dos direitos que poderiam daí advir. O segundo "deslocamento" apontado é quanto á área que desenvolve os estudos sobre o tema

acesso à justiça. Antes investigado quase que exclusivamente, por juristas, o tema, na década de 90, passou a integrar a agenda de historiadores, sociólogos e cientistas políticos, em pesquisas que se voltam para os operadores do direito, juizes, promotores públicos e defensores

públicos.

Parte m -Sobre o dia-a-dia do defensor e do usuário

Esta terceira parte nasce do esforço

de relatar e detalhar o trabalho

desenvolvido na Defensoria Pública do

Estado do Rio de Janeiro.

É,

para mim, a

parte mais importante, porque busca

demonstrar as práticas que ocorrem nesse

espaço público. Foi também a parte da

pesquisa mais prazerosa, embora mais

desgastante.

Foram escolhidas duas cidades para a

observação. A de Niterói e a de São Gonçalo. A escolha se deu porque são duas cidades limítrofes, mas com caracteristicas

muito diferentes. Niterói foi a capital do

antigo estado do Rio de Janeiro, o que lhe

conferiu infra-estrutura e status de cidade desenvolvida, apresentando altos índices

de qualidade de vida. São Gonçalo, ao

contrário, surgida a partir de pequenas

propriedades agricolas, conheceu explosão

demográfica após a construção da ponte

Presidente Costa e Silva, também

denominada como ponte Rio-Niterói. Com

população de baixa renda, carece ainda de

serviços elementares, como saneamento,

calçamento de ruas e saúde pública

(Almeida, 1997).

(16)

· '.

a ser visitado foi o Núcleo de Primeiro

Atendimento Cível e de Família de Niterói,

onde o trabalho se estendeu até a primeira

semana de outubro. Em Niterói, o trabalho

na área criminal se deu durante as duas

primeiras semanas do mês de outubro. Da

terceira semana de outubro até dezembro,

o campo foi São Gonçalo. O Núcleo de

Primeiro Atendimento, o Fórum e o

atendimento às varas cível e criminal

foram cobertos.

No tocante ao atendimento público, a

Defensoria Pública em Niterói e em São

Gonçalo possui três espaços regulares: 4 os

núcleos de primeiro atendimento cível e de

família, o núcleo de atendimento criminal

e os núcleos de atendimentos às varas

cíveis e de família. O Núcleo de Primeiro

Atendimento é, como o nome indica, o

local onde a pessoa se dirige para fazer

uma consulta jurídica, pedir um

esclarecimento, enfim, levar o seu

problema, desde que não figure como parte

em processo já aberto, na condição de

reclamante ou reclamada, isto é, acusada

ou acusadora. Nos casos de processo já

aberto, a pessoa deve verificar na

comunicação judicial qual é a vara a que o

processo está submetido, e se informar no

• Além das Defensorias Públicas "ttadicionais"

existem os núcleos de "Terras e Habitação" e de "Defesa do Consumidor", e defensores públicos que trabalham junto ao Núcleo de Regularização de Loteamentos do Municlpio do Rio de Janeiro (Mascarenhas Filho, 1992).

Fórum o local de atendimento dos

defensores públicos, o que geralmente fica

nas imediações do lugar.

O atendimento criminal é sempre realizado no Fórum. Os familiares dos presos fazem ali o primeiro contato com o defensor. Se o preso não tem familiares para isso, o contato é feito diretamente,

quando é levado à presença do juiz para depor, por ocasião do interrogatório. Os contatos diretos com o preso vão se restringir aos dias em que vai ao Fórum, por conta das sessões a que for convocado.

Em Niterói

O trabalho de campo começou pelo

Núcleo de Primeiro Atendimento Cível e

Família de Niterói. 5

O atendimento à população era

realizado nos seguintes horários: segundas

e quintas-feiras de 1 3:00 às 1 7:00, apenas

para as pessoas que marcaram horário com

antecedência. E terças e quartas-feiras das

08:00 às 12:00, por ordem de chegada.

Segundas e quintas-feiras, das 08:00 às

1 2:00 e terças e quartas-feiras, das 1 3:00 às

1 7:00, e sextas-feiras não havia

expediente.

(17)

·-No Núcleo de Niterói, os defensores

são em número de dois: um para a vara

cível e outro para a vara de família. O

núcleo dispõe de quatro funcionários e 34

estagiários.

Quando perguntei a um funcionário

sobre as funções de cada um dos

funcionários, a resposta foi:

Todos têm as mesmas atribuições.

Mas durante a realização da pesquisa

constatei que no Núcleo existia uma

divisão do trabalho entre os funcionários.

O primeiro ficava sempre na porta de

entrada do Núcleo, com a lista de pessoas

que seriam atendidas. Ele realizava uma

primeira triagem, averiguava se a pessoa

havia trazido todos os documentos

necessários. A relação de documentos

necessários para cada ação ficava fixada na

parede do corredor que ia do elevador até a

porta de entrada do Núcleo. O funcionário

tirava dúvidas sobre o horário de

atendimento e sobre a natureza de cada

caso.

Muitas pessoas, por falta de

informação, buscam o atendimento no

Núcleo, quando seus problemas têm outros

locais específicos para serem resolvidos,

como é o caso do direito do consumidor. Outra constante é a de pessoas que

receberam intimações para comparecer em

juizo. Nesse casos, têm que procurar as

salas de atendimento dos defensores

públicos "que cuidam dos processos".6

Quer dizer, os defensores públicos do Núcleo de Primeiro Atendimento

cuidam de dar entrada nas

peticões.

Petições são pedidos iniciais que podem ou

não vir a formar um processo na Justiça, depois de serem distribuídas para os

cartórios, que as distribui para as varas. E

daí chegam às mãos dos juizes. O juiz

examina a petição, que se estiver correta e

for procedente, pode vir a constituir um processo. A partir dai, a parte passa a ser

representada pelo defensor responsável

pela vara onde seu processo "caiu".

O trabalho de triagem "na porta" é

importante porque evita que as partes, ou

pessoas que já têm processo constituído,

fiquem aguardando por um atendimento no

Primeiro Núcleo, quando seus

representantes já são os defensores que

atuam nas varas.

O segundo funcionário ficava numa

mesa, dentro do Núcleo. As pessoas que

seriam atendidas, e que passaram pela

pnmelra triagem, iam até ele, para lhe

informar alguns dados, como nome

completo, endereço e a natureza da ação

(se cível ou de família). Também era o

momento em que as pessoas tentavam

conseguir algumas informações mais

específicas: se o atendimento ia demorar,

• Essa era a infonnação dada pelo funcionário "da

porta".

(18)

.-se o defensor era bom e compreensivo,

quanto tempo ia demorar até o processo

terminar.

Os dois últimos funcionários

executavam as mesmas atividades.

Ficavam em mesas atrás do segundo

funcionário. Apenas estes dois últimos

eram funcionários da própria Defensoria,

porque os dois pnmerros eram

funcionários da prefeitura "cedidos" à

Defensoria. Assim, existiam no Núcleo de

Primeiro Atendimento de Niterói, dois

tipos de funcionários: os da própria

Defensoria (que prestaram concurso

público para isso) e os "cedidos" pela

Prefeitura mediante acordo. Os dois

funcionários da Defensoria realizavam

pequenas consultas, porque eram

estudantes de direito. Mas, isso não é

condição para ser funcionário da

Defensoria Pública. Explicavam aos que

aguardavam a pnmelra consulta o

andamento dos processos, os tramites

legais, as possíveis soluções legais, os

prazos legais, quais os documentos mais

decisivos em cada caso, o que possibilitava

que as pessoas minimizassem suas dúvidas

quanto às questões legais. Estes dois

funcionários detinham um importante

espaço: a escolha da clientela que não ia se

submeter à fila ou à agenda. Decidiam pelos "atendimentos urgentes", de pessoas

que não podiam aguardar a pauta de

atendimento. Era o caso de pessoas que

não tinham hora marcada, seus nomes não

constavam na lista do dia para

atendimento, mas eram casos "urgentes"

que deveriam cumprir um prazo legal que

estava quase expirando, casos, por

exemplo, da àrea de fàmília, como pensão

alimentícia da qual a mãe depende para

alimentar os filhos menores. Também

existiam casos de pessoas que não podiam

esperar na fila, alegando horário de

trabalho muito rigido e outros motivos,

mulheres gràvidas ou com crianças de

colo, ou mesmo os idosos. A seleção de

quem ia ser atendido, nesses casos

específicos, dependia inteiramente da

sensibilidade do funcionário: de ficar com

pena daquela senhora velhinha, de

compreender a dificuldade da menina em

pedir para faltar ao trabalho, de aceitar que

a mãe não tem com quem deixar as

crianças. Eram pedidos, em geral, muito

sentidos, lacrimosos - as pessoas apelavam

para Deus. E suas pendências judiciais

ficavam subordinadas à boa vontade do

funcionário. Se estes funcionários

decidissem pela relevância do caso, a

pessoa seria atendida, mesmo sem ter hora

marcada (como era necessário às segundas

e quintas·feiras) ou tendo chegado depois

"da subida da lista" (às terças e quartas·

feiras).

Todos os funcionários pareceram

muito preocupados com a qualidade do

(19)

.-olhar, perguntava o que a pessoa desejava,

se já tinha sido atendida. Os outros

procediam da mesma maneira, mas como

ficavam restritos ao ambiente interno do

Núcleo, cuidavam das pessoas que

aguardam atendimento.

Dos 34 estagiários que o Núcleo

possuía, 13 pertenciam à área de família e

21 à área cível. Os estagiários eram

divididos em oficiais e nã(H)ficiais. Os

oficiais são aqueles que prestaram uma

prova para o estágio junto a DPGE

(Defensoria Pública Geral do Estado). Os

não-oficiais são os que procuraram os

defensores para pedir estágio, visando a

experiência que o órgão proporciona,

recebendo no final, uma carta que declara

as atividades realizadas, não mantendo

nenhum vínculo formal com o Estado.

Os estagiários combinavam com o

defensor dias diferentes para atendimento,

até porque, seria impossível ter todos

trabalhando ao mesmo tempo, já que o

tamanho das salas e o número de mesas e

cadeiras eram insuficientes.

Os estagiários atendiam a maior

parte dos reclamantes. No Núcleo de

Família, eram quatro de manhã e nove à

tarde. No Núcleo Cível eram seis de manhã

e quinze à tarde, sempre acompanhados,

em cada área, de um único defensor.

Realizavam as consultas, conferiam os

documentos e elaboravam as petições.

Existiam alguns modelos de petição dados

pelo defensor e alguns formulários já

prontos para agilizar o trabalho e evitar erros. O estagiário recém chegado ficava

sentado junto ao defensor, ou a um outro estagiário mais experiente, até se sentir

seguro para "trabalhar" sozinho. Eles eram

responsáveis pela maior parte do

atendimento, o que acabava gerando uma

certa estranheza no assistido -ser atendido pelo defensor chegava a ser urna grande "sorte". A jovialidade e inexperiência do estagiário assustavam. Ouvi muitas vezes:

"Mas é essa menina quem vai me

atender?" Com a constância do contato a

confiança era adquirida, e o assistido

passava a ter o "seu estagiário".

No Núcleo de Niterói os defensores

não sabiam me informar quem era

estagiário oficial ou não-oficial. Também

havia casos de trabalho voluntário: dois

advogados, um homem e uma mulher. O

homem, um jovem advogado que usava o

tempo livre do seu escritório para "se

aperfeiçoar". A mulher era aposentada,

mas não como advogada. Era bacharel em

direito há mais de vinte anos, mas nunca

exercera a profissão. Com a aposentadoria,

teve a chance de exercê-Ia, o que segundo

ela, era "fascinante".

Segundo um defensor, conseguir

estagiários acabava sendo serviço seu,

porque o número de estagiários oficiais era

(20)

o'

Observei o trabalho dos estagiários e,

com algumas exceções, eram gentis e

sensíveis aos dramas pessoais, embora, às

vezes despreparados. Nunca os vi pedindo

comprovação de renda aos reclamantes e o

mesmo é válido para os defensores.

Pareciam muito dedicados, mas pouco

orientados. Alguns tratavam as pessoas de

forma displicente, num momento em que

elas estão fragilizadas. Pude ver seus olhos

apertando quando não ouviam o que as

velhinhas diziam, abaixando a cabeça até a

mesa, conforme a voz dos seus

interlocutores abaixava. Mas também

interrompiam uma consulta para conversar

com algum colega que não viam há algum

tempo.

Os defensores não exerciam muito

controle sobre os estagiários. Os

estagiários ficavam á vontade, para

conversar, estudar ou lanchar. Não que isso

fosse uma constante, mas vi acontecer algumas vezes. A realização de reuniões

não fazia partia da rotina do Núcleo.

Segundo um defensor,

Eu só faço uma reunião

quando surge uma

necessidade, um assunto novo, ou um curso que eu tenha feito. Ai, eu passo para

eles o que aprendi no final do expediente.

Quanto á atuação do defensor, a ele

cabia estipular o horário de atendimento do

Núcleo, conseguir estagiários, já que o

número enviado pela DPGE é pequeno,

conseguir funcionários e equipamentos.

Como já foi dito, dos quatro funcionários

do Núcleo, dois eram concursados pela Defensoria e os outros dois cedidos pela

prefeitura de Niterói. Essa cessão se deu

através de um convênio que o próprio

defensor fizera entre a prefeitura e o

Núcleo. As cadeiras e mesas do Núcleo de

Niterói foram doadas pelo Judiciário.

Também a faxineira era funcionária do

Judiciário. E tudo isso por intervenção do

defensor. Os estagiários não-oficiais eram

solicitados junto a universidades

particulares - solicitação feita diretamente

pelo defensor. Durante as entrevistas

realizadas com os defensores eles

afirmavam sua autonomia frente á

Corregedoria - autonomia é termo usada

para tratar da falta de controle e, às vezes,

abandono.

Nas entrevistas, os defensores

falavam da importância de ser o titular do núcleo. Cada núcleo possui um defensor

que é nomeado como titular. O titular do

núcleo é responsável por seu

funcionamento.

É

ele quem cria as regras: o horário e os dias de funcionamento, a

quantidade de pessoas a serem atendidas, o

uso dos espaços. Mas nem todo defensor

está lotado no núcleo onde é titular. O

titular, por ser mais antigo, tem direito a

(21)

.'

,

não seja o de sua titulariedade. As titulariedades representam hierarquia entre

os defensores. O titular tudo pode, a

defensoria é sua. Quando o defensor Dão

está atuando no núcleo em que é titular,

um defensor substituto é designado para

preencher a vaga.

Alguns me diziam que é mais fácil

ser defensor em municípios pequenos do

interior, por causa da acessibilidade à

prefeitura e à bondade da comunidade

local, que doam móveis e material. O

Núcleo de Niterói só conta com um computador enviado pela Defensoria,

enquanto que o núcleo de ltaboraí,

segundo informação de um defensor,

conseguiu cinco microcomputadores com a

Prefeitura. Devido ao afastamento do

Executivo Estadual, para manter sua

estrutura, os defensores desenvolviam

estratégias visando ao seu bom

funcionamento. Esse convênios, muitas

vezes não-oficiais, apenas verbais, é que

determinam a qualidade do atendimento

recebido pela população.

O Núcleo de Niterói não possuía

telefone. O defensor utilizava seu telefone

celular para realizar as ligações

necessárias. Uma assistida precisava de

uma declaração médica, mas não

conseguia localizar o médico. O defensor

teve que usar seu próprio telefone, para

solicitar ao médico o laudo que precisava.

Como o médico não estava, o defensor

deixou o número do telefone da sua

residência, pedindo-Ihe que retornasse a

ligação.

Um defensor, durante a entrevista,

disse não receber muito apoio da DPGE:

Não dá para contar com a nossa administração. Não nos oferecem condições de trabalho dignas. Eu nunca busco a administração. Tento resolver meus problemas sozinho.

Além das dificuldades com a

"administração", os defensores também se

queixaram dos cartórios, da polícia e da falta de conhecimento juridico da

população. Acompanhei o caso de uma senhora idosa que estava propondo urna ação de reintegração de posse, e precisava

do registro de invasão que teria que ser feito pela polícia. O defensor lhe entregou

uma "carta" onde solicitava ao delegado

que registrasse o caso. A senhora já tinha

ido duas vezes à delegacia, e nada tinha

conseguido. Segundo o defensor, a polícia

tem muita resistência em registrar

determinadas ocorrências. Perguntei o

porquê.

Eles têm muita má vontade. E só

agem por dinheiro.

A delegacia e o cartório foram

apontados como os piores problemas que

os defensores enfrentam. O defensor da

(22)

com a delegacia era muito difícil, que

muitas vezes mandava seus estagiários e lá

não eram atendidos. Os cartórios representavam problemas principalmente

para a área Cível. Segundo os defensores,

muitos impediam o acesso do estagiário e

não respeitavam o cliente da Defensoria,

porque sabiam que esse, por ser mais

pobre, não ofereceria propina para o

andamento do processo.

O defensor me contou que muitas

ações poderiam ser evitadas, assim como

os prejuízos delas decorrentes, se a

população conhecesse os prazos legais.

Ressaltava, que vivemos, cada vez mais,

no mundo dos contratos e que as

autoridades deveriam desenvolver

campanhas que informassem os principais

prazos que precisamos cumprir. Um rapaz

estava tendo problemas com a locadora do

imóvel que alugara. Ela se recusava a

receber o aluguel, alegando que o valor era

baixo demais. O defensor pediu que ele

retomasse ao Núcleo com a documentação

necessária o mais rápido possível, se não

corria o risco de ser despejado por falta de pagamento. Teria o prazo de menos de

uma semana para retomar e dar entrada na

sua petição. Outro caso foi o de uma jovem que estava dando entrada no inventário de

seu pai, que havia morrido há três meses.

A jovem teria que pagar uma multa de

1 0"10 do valor do imposto de transmissão dos bens, porque o prazo legal para o

inicio do inventário é de 30 dias após a

morte do inventariante.

Às vezes, a população brasileira é

vista, pelo defensor, como "acomodada":

O brasileiro é muito acomodado, não se interessa

em saber se sua

documentação está correta. Se alguém os incomoda, se eles têm uma necessidade juridica, aí procuram se informar. Mesmo sabendo que vivem numa situação ilegal, as pessoas não tentam se legalizar. Tem gente que realmente não sabe da gratuidade da Justiça. Até algumas autoridades desconhecem a existência da Defensoria Pública.

O defensor relatou que só no ano anterior (1998) a Defensoria Pública criara um departamento de materiais que fornecia

pastas, clipes, folhas de papel oficio e

outros pequenos utensílios de escritório.

Na DPGE era possivel tirar xerox, mas o

defensor preferia pagar pelas suas, porque

o combustível que gastaria para se deslocar

do Núcleo de Niterói até o centro da cidade

do Rio de Janeiro, local da DPGE, não

compensaria. Todas as suas petições eram

feitas em casa, no seu computador pessoal, já que o Núcleo só tinha um computador. Os estagiários faziam a mesma coisa:

levavam para casa um resumo das petições, que lá eram digitadas e

(23)

·-•

Muitos problemas levados pela

população à Defensoria Pública, não eram

necessariamente juridicos. Eram problemas

familiares, às vezes SOC1llIS. O defensor

relatou que uma senhora sempre o

procurava para reclamar do filho casado

que ainda morava com ela, da dificil

convivência com a nora. O defensor

"intimou" o casal a comparecer ao Núcleo.

Na verdade, a "intimação" era uma carta feita em papel oficial. O defensor

aconselhou o casal a procurar uma

assistente social.

O defensor tem que ser psicólogo, padre, anugo,

assistente social.

Principalmente para a área de Familia. Os casais se separem por cada besteira. E outros fazem os filhos sofrer desnecessariamente. Eu tento aconselhar o casal, a não

magoar os filhos, a familia, durante a separação. Há

pessoas que vêm aqui para ter com quem conversar. Trazem suas receitas médicas, contam sua vida toda, têm necessidade de desabafar. A DPGE possui uma equipe de psicólogos, mas é dificil fazer as pessoas irem lá. O ideal é que pudéssemos contar com pelo menos um psicólogo aqui.

Esse outro lado da profissão, não

técnico, não jurídico, é motivo de orgulho.

Eu gosto da minha profissão.

Esse outro lado, de

psicólogo, eu gosto. Faz

parte da profissão. Tem que ter muita vocação para ser um defensor público.

Como não havia expediente às

sextas·feiras, os defensores usavam esse

tempo para trabalhar em casa. Na quinta­

feira, os defensores recolhiam as petições

com os estagiários, e as corrigiam na sexta­

feira. Os defensores declararam que além

da horas que passavam no Núcleo,

trabalhavam entre 20 e 30 horas por

semana em suas residências e escritórios,

corrigindo e redigindo petições, criando

formulários para as ações mais USUll1S,

estudando. Apesar da alta carga horária

extra, um defensor se dizia satisfeito, já

que conseguia um indice de 60"10 de

sucesso, nas suas tentativas de conciliação extra-judicial.

No Núcleo de Niterói, quase todas as

pessoas que aguardavam atendimento

dispunham de lugar para sentar. Havia

bancos no corredor que ia do elevador até a

porta, e bancos no interior da Defensoria.

As pessoas que iam se consultando

ficavam nas mesas junto aos estagiários ou

defensor. O ambiente era limpo e arejado.

Mas era quente, não dispunha de cortinas,

só algumas folhas de papel pardo coladas nas paredes externas do prédio que eram de vidro, e que ficavam expostas ao sol da

(24)

."

havia um exclusivo para defensores,

estagiários e funcionários, que ficava

trancado. Havia bebedouro. Não foi

possível calcular com precisão a área total,

mas se não era um local espaçoso, também

não era apertado: cerca de 80 m'.

O Núcleo de Niterói dispunha de

uma máquina de escrever manual, 12

mesas com cadeiras, um ventilador de teto.

Os móveis eram velhos e quebrados, nada

enfeitava as salas.

Como já foi dito, o atendimento no

horário da manhã, entre 08:00 e 12:00,

acontecia ás terças e quartas-feiras. Era o dia de atendimento da ''fila''. Perguntei ao

funcionário quantos "números" eram

dados. E ele me informou que,

A gente atende todas as pessoas que estão na lista, não importa quantas sejam. Eu já cansei de sair daqui às duas horas da tarde, até três já saí. Esse negócio de sair

meio-dia é muito raro.

As pessoas tentavam chegar o mais

cedo possível ao prédio. Ficavam

aguardando próximos à entrada dos

elevadores, em fila, e orgaruzavam uma

lista com seus nomes. O pnmerro

funcionário da Defensoria, o "da porta",

chegava e "subia" ás 07:00 (o Núcleo ficava no 6° andar) com a lista e com as

pessoas, que se ajeitavam no corredor de

espera. Ele chamava uma-a-uma, e as

passava para o segundo funcionário, que

anotava seus nomes e endereços,7 o tipo de

ação e a área (se cível ou de família). A

partir desses dados, fazia mais duas listas:

a da área cível e a da família. Quando os

estagiários e os defensores chegavam, ás 08:00, o atendimento começava. Só eram

atendidas as pessoas que estavam nas

listas. Os atendimentos extras, sem o nome

na lista, dependiam da "avaliação" dos

funcionários, como já foi dito. Quando

perguntei ao defensor em que horário as

pessoas deveriam chegar, respondeu-me

que "entre 08:00 e 12:00 todos os que

chegassem seriam atendidos". As pessoas

que buscavam informações e faziam a

mesma pergunta recebiam do funcionário

resposta diferente. Eram orientados a chegar ás 06:00.

O atendimento "sem fila" era

realizado ás segundas e quintas-feiras, das

13:00 ás 1 7:00. A pessoa podia se dirigir

ao Núcleo, em dia de expediente, e

solicitar a marcação de uma consulta. No

dia 1 7 de julho, as consultas estavam sendo

marcadas para 05 de agosto, o que

significava uma espera de dezenove dias.

Eram marcadas, em média, vinte consultas

para cada dia. Os funcionários não

(25)

-,

marcavam hora, apenas o dia do atendimento, instruindo às pessoas a que chegassem às 13:00. Nesse horàrio, às 13:00, eles faziam uma conferência, para ver se estavam todos lá. As pessoas não eram obrigadas a chegar rigorosamente às 13:00, mas o defensor e os estagiàrios iam embora após o último atendimento. Se por acaso, faltassem muitas pessoas, o atendimento terminaria mais cedo, e a pessoa que chegasse mais tarde, corria o risco de não ser atendida, porque todos já tinham saído. No dia da marcação, os funcionàrios davam a relação dos documentos necessàrios, e orientavam as pessoas a trazerem toda a documentação no dia da consulta, sob pena de não serem atendidas. Essas relações eram feitas pelos próprios defensores, que as fotocopiavam,

às vezes, com o próprio dinheiro. Embora os funcionàrios insistissem muito quanto à necessidade dos documentos para a consulta, não chegavam a exigir a sua apresentação.

No dia 14 de julho, uma quarta-feira,

acompanhei os atendimentos da parte da

manhã. A lista "subiu" com 4 1 nomes.

Duas pessoas foram dispensadas, uma

porque declarou não ter trazido toda a

documentação e outra porque não residia

em Niterói - foi encaminhada para São

Gonçalo. Sobraram 39, sendo 16

atendimentos da área cível e 23 da área de

família. Mas, ao todo, o Núcleo atendeu 58

pessoas. As 1 9 restantes eram "partes" que já haviam realizado a primeira consulta e

tinham alguma dúvida para tirar, queriam

saber do andamento do "seu caso", ou

então, necessitavam de uma segunda ida

para a entrega de algum documento. Eram os que '1á tem estagiàrio", não precisavam

mais passar pelas filas. Informavam ao

funcionàrio o nome do "seu estagiàrio",

aquele que o atenderia no intervalo entre

consultas.

Nesse dia, 14 de julho de 1 999, a

primeira pessoa da fila chegou às 05: 00 da

manhã e foi atendida às 08:20. Sua

consulta terminou às 08:55. A última

pessoa chegou às 08:30 e seu atendimento

ocorreu às 12:50, terminando às 13:05.

Achei necessàrio observar outro

atendimento da manhã, do ponto-de-vista

de quem espera. Retomei em 1 7 de agosto.

Trinta e seis nomes constavam da lista e

destes só 23 foram atendidos. Treze não

tinham levado os documentos necessàrios

para dar início à petição, por isso foram

dispensados já na entrada da Defensoria,

quando da primeira triagem: não tiveram

qualquer contato com o defensor ou com

os estagiàrios. O número de atendimentos

de primeira vez subiu para 28, pois 5

pessoas que chegaram após a subida da

lista foram atendidas por terem casos

"urgentes" a tratar. O primeiro da fila

informou que saiu de casa às 04:00 da

(26)

Quando perguntei sobre o número de

atendimentos as respostas eram

contraditórias: "vinte", "mais ou menos

cinqüenta", "ah, mais de cem pessoas, com certeza". A resposta dada pelo defensor

foi:

Olha, se eu for contar quantos

passam por aqui, vou ter que separar um

estagiário ou um funcionário só para isso,

não é?

A Corregedoria da Defensoria

Pública exigia que o defensor fizesse um

relatório mensal, onde seriam listadas as

petições encaminhadas aos cartórios, além

dos relatórios que os estagiários deviam

apresentar trimestralmente. Nem todo

atendimento resulta numa petição, por isso

a Defensoria possuía um Livro de

Atendimento das Partes, no qual eram

relacionados os atendidos do dia,

constando nome, endereço e a natureza da

ação. Era do conteúdo desses livros que a

DPGE (Defensoria Pública Geral do

Estado) retirava os dados que iria utilizar

para as estatísticas de atendimento do

órgão. No Livro de Atendimentos das

Partes só constavam os atendimentos realizados no periodo da manhã, que se

referiam às terças e quartas-feiras. O

defensor alegava não ter pessoal disponível

para preenchê-lo à tarde, nas segundas e

quintas-feiras. Ou seja, os números oficiais

que a DPGE tinha acesso só davam conta

dos primeiros atendimentos realizados em

apenas dois, dos quatro dias de trabalho, da

instituição. Os atendimentos realizados às

segundas e quintas-feiras eram

estaticamente desconsiderados. Quando

perguntei o porquê dessa prática, o

funcionário respondeu:

O defensor anterior fazia assun, e

nós continuamos fazendo assim.

As pessoas que retomavam para uma segunda consulta, ou para anexar um documento à petição, ou que buscavam informações sobre o atendimento, também não eram contabilizadas para as estatísticas da DPGE.

Tive acesso ao Livro de Atendimento

das Partes de maio de 1 999 do Núcleo de

Niterói. Na Vara de Família foram

atendidas "oficialmente" 147 pessoas e na

Vara Civel, 61, durante todo o mês. Esses

números não englobavam, certamente, o

total de pessoas efetivamente atendidas.

Durante o trabalho de campo foi

constatado que, em apenas um dia, houve

94 atendimentos extras de pessoas já na

segunda consulta e 44 atendimentos oficiais de pessoas na primeira consulta.

Apenas, este último número, de

atendimentos oficiais, constará do Livro de

(27)

dois tipos de atendimentos, constatamos

que o Núcleo, num único dia, atendera 138

pessoas, mas para os cálculos da DPGE, esse número cairia para 44.

Perguntei ao funcionário qual era o

valor máximo de renda que uma pessoa

deveria ter para ser atendido. Ele explicou:

Não há uma legislação específica nesse sentido. O que nós utilizamos é o bom­ senso na hora da avaliação, que fica mesmo por conta do defensor. A Defensoria não pode ser só para os pobres, mas para aquele que não dispõe de condições de pagar um advogado. Urna ação, a mais simples, fica em RS5.000,OO. O que a gente faz é urna relação entre a renda e as despesas da pessoa.

Às

vezes, ela ganha até R$ 2.000,00, mas paga aluguel, telefone, escola para os filhos, isso não é luxo. No final, não sobra nada. Mas se o juiz não concordar, ele pode exigir a anexação de comprovante de renda, e não aceitar a petição daquele que ele considere capaz de pagar um advogado.

O texto constitucional, de fato, não

estipula objetivamente o que venha a ser

baixa renda. O que consta no inciso

LXXXIV do artigo 5° é: o Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos

que comprovarem insuficiência de

recursos. Fica nas mãos dos defensores

estipular a renda máxima que configure

esse quadro de "insuficiência·. Por falta de

urna regra que especificasse valores,

usavam do seu "bom-senso": o defensor

decidia quem era pobre ou não.8

O que ficou bem claro, é que no

Núcleo de Primeiro Atendimento de

Niterói não se falava em atendimento para

"pobres". Tanto funcionários, quanto

defensores usavam o termo "cidadão" ou

então, em linguagem jurídica,

"reclamantes", ao se referirem à clientela.

Foi aplicado um questionário junto

às pessoas que estavam na fila. Por ele se

apurou que a clientela era formada por

urna ampla maioria feminina: 83% de

mulheres e 17% de homens; que negros e

brancos procuravam a instituição com a

mesma freqüência; que 70"10 dos

entrevistados tinham entre 31 e 50 anos,

22% menos de 30 anos e 8% mais de 60

anos. Os católicos representavam 39"10,

mesmo percentual dos que se

denominavam "evangélicos", e 22%

afirmaram não possuir religião, mas

"acreditar em Deus".

A Defensoria, em Niterói, conta com

urna boa imagem pública: 91% dos

entrevistados acreditavam que seriam bem

tratados pelos servidores.

• Esta p-ática não é geral em todo o país. A

(28)

"'

Quando perguntados sobre a

condição de ser brasileiro, 52% afirmaram que é algo positivo e 39"/0 consideram ser uma condição negativa, ruim; 9"/0 diziam não saber. Há de se notar que os 52% que acreditavam que era bom ser brasileiro, unanimemente, justificam suas respostas pela beleza e riquezas naturais do pais e

pela alegria do seu povo. Também foi perguntado às pessoas da fila o que entendiam por cidadania. Para 59"/0 cidadania representava possuir direitos e cumprir obrigações; "ser bom", 'Justo" e

"honesto" foi apontado por 200/0 dos entrevistados como requisito para ser cidadão. "Pagar impostos" foi a resposta de 1 3% e 4% diziam acreditar que cidadania era ter documentos. Apenas 4% diziam não saber.

Esse questionário mostrou também

que 700/0 das pessoas acreditavam que resolveriam seus problemas em até dois meses (tempo de todo o andamento do .

processo) e que 600/0 saiam de casa entre 04:00 e 06:00 da manhã.

o Núcleo de Primeiro Atendimento

de Niterói guardava alguns Livros de Atendimentos das Partes. Embora o número de atendimentos não reflita a

realidade, já que os atendimentos do período da tarde eram desconsiderados, os dados ali constantes permitem detectar a qualidade e o conteúdo da demanda judicial que ali chega. No mês de maio de

1 999, foram contabilizados 208 atendimentos, sendo 147 da área de família e 61 da cível, assim distribuídos:

Vara de Família - 147 atendidos

Pensãnu alimentícia 62

Separaçãnu 30

Guarda dos filhos 20

Divórcinu 17

Recnunhecimentnu de paternidade 07

Cumelalinterdiçãnu 04

Dissoluçãnu de uniãnu estável 03

Registrnu de visitas 02

Oferta de pensãnu 01

Autnurimçãnu para casamentnu OI

Vara Cível -61 atendidos

Usucapiãnu 19

Alvará 12

Inventárinu 07

Retificaçãnu de registro 06

Indenizaçãnu 04

Reintegração de posse 03

Despeinu 03

Adjudicaçãnu compulsória 01

Anulaçãnu de venda OI

Cobrança de condnumíninu 01

n riaçãnu 01

Anulaçãnu de venda 01

2" via da certidãnu de nascimentnu 01

Certidãnu de óbito 01

o maJor número de atendimentos

Referências

Documentos relacionados

O fortalecimento da escola pública requer a criação de uma cultura de participação para todos os seus segmentos, e a melhoria das condições efetivas para

Não obstante a reconhecida necessidade desses serviços, tem-se observado graves falhas na gestão dos contratos de fornecimento de mão de obra terceirizada, bem

Esta dissertação pretende explicar o processo de implementação da Diretoria de Pessoal (DIPE) na Superintendência Regional de Ensino de Ubá (SRE/Ubá) que

[r]

Ressalta-se que mesmo que haja uma padronização (determinada por lei) e unidades com estrutura física ideal (física, material e humana), com base nos resultados da

Segundo cartas convites elaboradas pelo CAEd para os cursistas que participaram das oficinas de divulgação dos resultados do Avalia BH, o propósito desse evento

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento