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OS LIMITES DA PROTEÇÃO: a
Defensoria Pública do Rio de Janeiro
Sandra Regina Soares da Costa
Texto
Cpdoc
n° 38(2000)
Centro de Pesquisa e Documenta� de História Contemporânea do BrasIl Fundaçàp Getulio Vargas
Praia de Botafogo 190 - 14" andar - Rio de Janeiro - Cep 22253-900 -Telefone (55-21) 559-5677 -Fax ( 5-21) 559-5679 E-mail cpdoc@fgv.br
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OS LIMITES DA PROTEÇÃO: a
Defensoria Pública do Rio de Janeiro
Sandra Regina Soares da Costa
Texto Cpdoc na 38
(2000)
Conselho Editorial dos Textos CPDOC
Maria Celina D 'Araujo; Helena Maria B.Bomeny e Carlos Eduardo Sarmento
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Introduçio
Parte I - Sobre a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
A organização da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro
Parte n -Sobre cidadania e acesso à Justiça
A cidadania moderna e as ciências sociais Acesso à justiça
Parte m - Sobre o dia-a-dia do defensor e do usuário
Em Niterói Em São Gonçalo
Conclusão
o trabalho de Sandra Regina Soares
da Costa aqui apresentado é produto de pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto Brasil em Transição aprovada pelo Pronex, coordenado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da
Fundação Getulio Vargas (FGV) e que tem o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política (pPGACP)
da Universidade Federal Fluminense (UFF) como instituição associada.
Como responsável pelo módulo desse projeto intitulado Reforma do Estado, Justiça e Consolidação da Democracia, contei com a colaboração de Sandra na qualidade de bolsista de Iniciação Científica pelo PffiICIUFF no decorrer de meados de 1998 até fevereiro de 2000.
O relatório produzido, embora seja ainda uma etapa preliminar de um projeto que merece maIor investimento e dedicação, é convincente o bastante para que seja divulgado. Através de um sério trabalho de campo, Sandra analisa o funcionamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, um dos mais importantes órgãos criados pela Constituição de 1988 no sentido de ampliar o acesso à Justiça, especialmente, para os mais pobres. Por ISSO mesmo, a Defensoria tem sido
O que este relatório mostra é que apesar de vir cumprindo várias das funções que motivaram sua criação, a Defensoria
apresenta problemas sérios quanto a seu processo de institucionalização. Conforme se vê no decorrer do trabalho, e a seguir a tendência nele observada, cada unidade da Defensoria pode se constituir em um "feudo" isolado dos demais órgãos que deveriam compor a instituição. A pesquisa
mostra que cada defensor, talvez mesmo devido à precariedade institucional, tende a desenvolver estratégias próprias para sua ação no sentido de enfrentar não só as questões de atendimento da população como também as aquelas voltadas para a infra-estrutura de seu trabalho.
Fica evidente também que se estabelece, na prática, uma relação, ás vezes subjetiva, entre Defensoria e pobreza maIS forte do que a relação Defensoria/cidadão. Ou seja, de acordo com o que se apresenta neste relatório, legitima-se a concepção de que pobre e cidadão ainda são coisas distintas.
•
Introdução'
Com a queda das ditaduras militares latino-americanas surgem novos arranjos legais que IDcorporam mecanismos alternativos para a resolução de conflitos. Os que mais têm-se destacado são a arbitragem, a conciliação e a negociação. Temos a criação, também, de instituições como os Juízados Especiais I e a Defensoria Pública, no Brasil, e o Defensor dei Pueblo ou Ombudsman, em alguns países da América do Sul. Todos representam novas instâncias de resolução de conflitos ou de acesso à justiça.
A Constituição brasileira de 1988
tomou obrigatória a Defensoria Pública, que já existia no Rio de Janeiro, desde
1950, sob a forma de Assistência Judiciária, ligada à Procuradoria Geral da Justiça. Sua função é atuar junto à população pobre e carente, como órgão responsável pela assistência jurídica, integral e gratuita, na esfera judicial ou extrajudicial. A 'Justiça gratuita" também é promovida pela OAB e pelos escrítórios modelo de algumas faculdades de Direito.
Este relatório tem como objetivos a
análise da percepção dos defensores e
• Uma versão modificada deste trabalho foi apresentada como monogrnfia de conclusão do curso de Ciências Sociais em fevereiro de 2000, junto à UFF, orientada por Maria Celina D'Araujo. A autora é mestranda em Antropologia Social no
Museu Nacional, Rio de Jaoeiro.
funcionários das defensorias públicas de Niterói e São Gonçalo, frente ao atendimento prestado à população, e a identificação das demandas que ali chegam. A comparação entre os núcleos de Niterói e São Gonçalo foi feita para que se pudesse observar como o acesso à justiça se realizava em duas cidades com índices de qualidade de vida tão diferentes.
Para a realização da pesqUisa foi
utilizada a observação participante,
mediante um tempo de vivência nos
núcleos de primeiro atendimento da
Defensoria Pública e em varas cíveis e de
família dos dois municípios. Foram
realizadas entrevistas abertas e pontuais, buscando detectar a visão dos funcionários,
defensores e do público sobre os serviços
prestados. Ou seja, como a defensoria é
pensada e vivida pelos seus atores.
1 Destinados ao julgamento de pequenas causas,
•
•
.'
Parte I - Sobre a Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1 988, criou um importante mecanismo de acesso à justiça, a Defensoria Pública, nascida a partir de intensos debates, onde se constatava que:
Não há acesso igual de todos ao aparelho judicial do Estado; os que o conseguem não o têm em igualdade de condições; os necessitados nem sempre recebem a assistência judiciária de que precisam, quando a recebem . (Rosa, 1983, p.20)
Como resultado desse debate, o art. 134 da Constituição Federal instituiu que:
"A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação juridica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados
( ... )"
o texto constitucional é inovador
porque garante não só a assistência judiciária, como também, a consultoria juridica para os "necessitados".2
A função essencial da Defensoria Pública é garantir que o princípio
2 Artigo 5° da Constituição Federal de 1988, item LXXIV.
constitucional de igualdade no acesso à
justiça seja garantido àqueles que não
podem arcar com os honorários
advocatícios. Garante que os brasileiros
"hipossuficientes" possam exercer seus
direitos e garantias individuais, em todos
os graus e instâncias, obtendo assistência
juridica, judicial e extrajudicial, integral e
gratuita. A Defensoria Pública também poderá ser utilizada pelo servidor público
quando for acionado, civil ou
criminalmente, por motivo de ato praticado
durante o exercício de suas funções.
A regulamentação da Defensoria Pública foi feita por lei complementar,
aprovada em 1 2 de janeiro de 1 994.
É
aLei Complementar n° 80/94, que versa
sobre a organização da Defensoria Pública
da União, do Distrito Federal e dos
Territórios, e dispõe sobre a sua
organização nos Estados. Note-se que a
Defensoria Pública não é um órgão do
Poder Judiciário e sim do Executivo. As defensorias públicas estaduais estão
ligadas aos executivos Estaduais e a
Defensoria Pública da União ao Executivo
Federal.
Pela lei que regulamenta a
Defensoria Pública dos estados, ela fica assim estruturada (art. 98):
1 -Órgão de administração superior a) Defensoria Pública-Geral do
Estado;
•
• r
•
b) Subdefensoria Pública-Geral do Estado;
c) Conselho Superior da Defensoria
Pública do Estado;
d) Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado
Il -6rgão de atuação:
a) As Defensorias Públicas do Estado; b) Os Núcleos da Defensoria Pública do Estado;
III -
6rgãos
de execução:a) Os Defensores Públicos do Estado.
A Lei Complementar 80/94
estabelecia prazo de 1 80 dias para que os estados se organizassem e elaborassem a
lei complementar estadual que efetivamente instituiria a Defensoria em cada unidade da federação. Quer dizer, formalmente, a Defensoria já estava criada desde a Constituição de 1 988, mas seria de responsabilidade dos Estados implementá la de fato.
Organizaçio da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro
A Defensoria Pública garante não apenas o acesso de todos à justiça, mas também o principio da igualdade e garantia da cidadania. Desta forma, além de ser uma instituição
essencial à função jurisdicional do estado, caracteriza-se como um dos
mais importantes
instrumentos de realização do estado de justiça. (Extraído da Homepoge da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em 02/0112000)
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro conta com uma página na internet, local em que se pode obter informações e fazer pesquisas. Parte do material utilizado acerca de sua história, foi dali extraído.
O antigo Estado do Rio de Janeiro, a
partir de 1 950, passou a oferecer
oficialmente assistência judiciária, aos
necessitados através da Procuradoria Geral
da Justiça Esse tipo de assistência foi
instituído pela lei federal de 05 de
fevereiro de 1 950. A Assistência
Judiciária, de então, contava com seis
defensores, cargo criado pela lei estadual
n° 2. 1 88 de 2 1 de julho de 1954. A
assistência judiciária só se tomará órgão
do governo do Estado do Rio de Janeiro
em 22 de maio de 1970, pelo Decreto-Lei
n 286, mas ainda submetida à Procuradoria
Geral da Justiça.
.'
Federal e nos Territórios. O serviço era
realizado pelos ocupantes dos cargos
iniciais da carreira do Ministério Público
Federal.
Com a Constituição estadual de 23 de julho de 1975, que consagra a fusão do antigo estado do Rio de Janeiro com a Guanabara, a assistência judiciária gratuita foi reafirmada através do artigo 82 do texto constitucional. A chefia da assistência judiciária continuou a cargo do Procurador Geral da Justiça. Em 1981, a Chefia
Institucional da Defensoria foi transferida do Procurador Geral da Justiça, para o secretário de Estado de Justiça, pela Emenda Constitucional n° 1 6, de 24 de junho. A Lei Complementar nO 1 8 (de 26
de junho de 198 1 ) criou a Coordenadoria da Assistência Judiciária, dando mais autonomia ao órgão.
Em 1996, o ISER (Instituto Superior
de Estudos Religiosos) e o CPDOC
(Centro de Pesquisas e Documentação de
História Contemporânea do Brasil) da
Fundação Getulio Vargas, realizaram
pesquisa com 1 .2 1 6 moradores da cidade do Rio de Janeiro, na qual a Defensoria
Pública foi apontada como a instituição
mais eficiente do estado.
Os números divulgados atualmente
pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro
dão conta de cerca de um milhão de
atendimentos realizados anualmente no
Estado. Informam também que 70"/0 das
ações nas varas e tribunais do Estado são de sua responsabilidade. Os defensores públicos do Estado - 440 à época da
pesquisa - ingressam na carreira por meio de concurso público, e sua função principal é orientar o assistido, promovendo acordos e defendendo-os em processos judiciais. A Defensoria atua junto ao Judiciário, nas
àreas criminal, cível, de família e de órfãos e sucessões. O atendimento inicial é feito nos Núcleos de Primeiro Atendimento, que se encontram divididos por regiões.
Também possui núcleos especializados na defesa do consumidor, da criança e do adolescente, do idoso, da mulher e em assuntos fundiários.
Os serviçoS prestados pela
Defensoria Pública são: orientação juridica
em geral, divórcio, separação judicial, ação
de alimentos, guarda de menores, adoção,
tutela, curatela, investigação de
paternidade por exame de DNA,
inventàrio, orientação sobre testamentos,
alvarás para levantamento de valores,
ações de despejo, ações de consignação em
pagamento, ações possessórias, mandado
de segurança, usucapião, regularização de
propriedades imóveis, defesa do
consumidor, registros civis, orientação e
defesa em casos criminais, assistência aos
encarcerados, atendimento juridico geral à
cnança, ao adolescente, ao idoso e à
mulher, postulação e defesa, judicial e
.'
o exame de investigação de
paternidade e maternidade é uma grande
novidade no âmbito da Defensoria Pública.
São inúmeros os casos de conflitos de
paternidade/maternidade que demandam a
utilização do exame de DNA, altamente
custoso e não acessível à grande maioria
da população. Em relação a isso, a
Defensoria começou a desenvolver um
projeto em agosto de 1 996. Inicialmente,
tentou-se implantar um laboratório na
própria sede da DPGE (Defensoria Pública
Geral do Estado), o que acabou se
tomando inviável. Foi firmado, então, um
convênio com a UERJ (Universidade
Estadual do Rio de Janeiro), para que seu
Instituto de Biologia passasse a realizar o
atendimento aos clientes oriundos da
Defensoria Pública. Para a realização do
exame não é necessário a constituição de
um processo, o que agiliza a solução do
conflito e representa um caso a menos nos
tribunais.
Na Defensoria núcleos e varas -além dos defensores, prestam atendimento à população os estagiários. A eles cabe, praticamente, realizar a maior parte dos atendimentos, supervisionados, em maior ou menor grau, pelo defensor. Os núcleos possuem um ou dois defensores (quando só tem um defensor, este acumula as áreas civil e de família). Para fazer parte do quadro de estagiários da Defensoria Pública é necessário se submeter a uma
prova escrita dissertativa, versando sobre
as matérias de Direito Civil e Penal,
Processo Civil e Penal, estar cursando
Direito, a partir do 4° período (para cursos
de 8 penodos) ou do 6° penodo (para
cursos de 10 penodos). Além dos
atendimento às partes, os estagiários
elaboram as peças processuais referentes
aos processos. O estágio é reconhecido
pela OAB, dura um ano, podendo ser
renovado. A carga horária é de oito horas
semanais. A prestação de contas é feita
trimestralmente, por meio de um relatório
de atividades e da anexação das cópias das
petições elaboradas pelos estagiários. Nos
dizeres dos porta-vozes oficiais, a
Defensoria Pública do Rio de Janeiro é o
"maior escritório de advocacia do mundo".
(homepage da DPGEIRJ)
Parte 11 - Cidadania moderna e ciências
sociais
A fundamentação filosófica moderna
para o conceito de cidadania só aparecerá
no século XVII e expressão desse
movimento foi o contratualismo difundido
por Locke e Rousseau. ''Direitos Naturais"
e ''Direitos do Homem" construíram o
ideário do cidadão moderno ocidental,
presente nas revoluções inglesa, norte
americana e francesa. Este é o momento de
-"
específicos do conceito de cidadania, para as Ciências Sociais. Cabe ao Estado-nação ser o avalista dos cidadãos que . se
reconhecem como pertencentes a uma mesma nação, garantindo direitos e prerrogativas. Tocqueville define bem o conceito de cidadania que marca a época: ela é conseqüência de uma vontade incontrolável, em direção à igualdade, que permeia a sociedade.
Elisa Pereira Reis (1998) situa o conceito de cidadania nas Ciências Sociais partindo de duas bases:
- na forma de reivindicação por um status de cidadão - pressupondo o direito a prerrogativas;
- na forma de identidade comum manifestada pelos membros de uma mesma nação.
Continua, afirmando que o constructo Estado-nação tem como
princípios legitimadores a autoridade (do
Estado) e a solidariedade (da nação).
De um lado temos o cidadão
"detentor de virtudes voltadas para a esfera
pública - na melhor tradição aristotélica" e
de outro "o consumidor de direitos" (Reis,
1998, pág. 31). Esses dois postulados que
conformam a idéia de cidadania podem ou
não estar juntos, podendo ora assumir uma
forma convergente, ora uma forma
divergente.
A autora também chama atenção
para o impacto do pensamento de Karl
Marx sobre o tema. No texto, A questão
judaica, de 1843, Marx defende uma visão bem diferente da utilização liberal do conceito de cidadania. A cidadania é
apresentada como um forma de alienação burguesa: o status que dela advém, na verdade, serviria para esconder as reais origens da exclusão.
Weber nos propicia uma outra leitura
do conceito: a cidadania resultaria da
complexidade dos processos históricos de
longo prazo que ocorreram no mundo
medieval durante o florescer das cidades européias.
No século xx, o conceito
paradigmático de cidadania foi
apresentado por T. H. Marshall, em 1949,
numa conferência sobre cidadania e classe
social. Sua questão principal é o impacto
da cidadania sobre a desigualdade social.
Tomando como foco o caso inglês, seu
modelo de cidadania é pensado como uma
seqüência evolutiva. Primeiro, vieram os
direitos civis, no séc. xvm, depois os
políticos, nos séculos XIX e xx,
culminando com o terceiro estágio, o dos
direitos sociais, no séc. XX. Para Marshall,
esses três momentos representam os
elementos constitutivos da cidadania de
natureza interdependente. Os direitos civis
dizem respeito à liberdade individual, da
pessoa, mais fortemente representados pelo
direito à justiça e pelo sistema legal.
-'
autoridades mantenedoras dos direitos
civis, ou seja, do direito à cidadania na sua forma mais primària. Os direitos políticos
representam as lutas por participação
política, pelo direito ao exercício do poder
político, direito ao voto e à elegibilidade.
Cabe ao sistema educacional e aos serviços
sociais realizar os meios que
disponibilizam os direitos sociais, que são
os direitos comuns de acesso aos bens
culturais da sociedade, representando a
forma mais refinada de cidadania.
Posteriormente, o conceito de Marshall
sofreu críticas, das qUaJS as maJs
significativas foraJD feitas por Jürgen
Habermas (1995) e Anthony Giddens
(1993). O filósofo Habermas critica a idéia
de progresso linear, já que existem
situações de suspensão de direitos, algo
que seria uma "involução" dentro da teoria
de Marshall. TaJDbém destaca que casos
históricos comprovam que autoridades
paternalistas promovem direitos sociais
-taJDbém contradizendo a linearidade do
processo de conquista da cidadania.
Giddens alerta que a cidadania está permeada por lutas de diferentes aspectos,
como o direito do consumidor, da mulher,
do meio ambiente etc. São direitos novos
que não exigem a "inclusão", mas
reivindicam trataJDento especializado
frente à singularidade dos grupos SOClaJS
que os reivindicaJD.
Outra contribuição iimportante nesse
campo vem de Brian S. Tumer (1990). O
autor identifica quatro tipos de cidadania,
baseadas em dois eixos. O primeiro eixo
refere-se ao movimento produtor de
cidadania, se de baixo para cima ou de
címa para baixo. O segundo eixo diz
respeito à relação entre o público e o
privado. Assim, temos: a cidadania
conquistada pelo povo na esfera pública, e como exemplo temos o caso francês. O
segundo tipo é a cidadania conquistada
pelo povo na esfera privada, como é o caso
norte-aJDericano. No terceiro, a cidadania é
construída pela expansão dos direitos
individuais, mas o cidadão é o súdito,
como no caso inglês. No quarto tipo, a
cidadania realizou-se de cima para baixo
no espaço privado. E o exemplo é a
Alemanha.
No Brasil, segundo José Murilo de Carvalho (1996), o movimento de conquista da cidadania se deu "de cima para baixo": os direitos não foraJD conquistados pela sociedade civil, mas
outorgados pelo Estado. E acrescenta: No caso brasileiro, a centralidade do
Estado não indica seu caráter público e
universalista. Isto porque, de um lado, o
Estado coopta seletivaJDente os cidadãos e,
de outro, os cidadãos buscam o Estado
para o atendimento de interesses privados.
-'
Acesso à justiça
É
na primeira metade do século XXque podemos localizar o primeiro marco
importante no movimento por acesso à
justiça. Antes tratado no âmbito de direito
civil formal, passa a ser entendido como
direito social, movi mento que será
concomitante à instituição do Estado de
Bem-Estar Social, que se estabelece com o
fim da li Guerra Mundial. Como resultado, temos o surgimento de novas necessidades,
como a criação de formas extrajudiciais de
resolução dos conflitos e mais celeridade
nos processos judiciais, o que significa um
movimento pelo menor controle do Estado
sobre a administração da justiça e a
exigência de que se difundam mecanismos
de simplificação das formalidades
jurídicas.
A França e os Estados Unidos
durante a segunda metade do século XX
serão o palco do segundo movimento.
Segundo Rosangêla Batista Cavalcanti
( 1 999), o Direito passa então, a ser
discutido como "instrumento de
transformação socíal", e introduz-se a questão das formas estatais e não-estatais de resolução de conflitos. Em 1960, o principal tema dos debates é a ampliação dos canais de acesso.
O Florence Project, de autoria de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, iniciado em 1970 e concluído em 78, gera um
relatório sobre o movimento de acesso à
justiça, em que se identificam "três ondas
de reforma": na primeira, o acesso se faz
pela assistência jurídica para os "pobres",
com advogados remunerados; a segunda,
está ligada à representação dos direitos
coletivos; a terceira, diz respeito à
informalização dos procedimentos o
Poder Judiciário é visto como uma
instituição em crise, sem capacidade de
administrar o montante de processos que se
formam pela multiplicação de novos
direitos. Busca-se assim a simplificação
nos processos e formas extrajudiciais para
solucionar conflitos, diminuindo a
presença do Estado.
No Brasil, Rosângela Batista
Cavalcanti ( 1999) utilizando-se de
pesquisa realizada por José Murilo de
Carvalho (1996), ressalta que durante o
império, mesmo com leis garantindo
direitos, os pobres dependiam do senhor
territorial para fazer valer as conquistas
legais. Com a abolição da escravatura
houve o fortalecimento do coronelismo, da
patronagem e do c1ientelismo, significando
um retardo da experiência cidadã.
As constituições republicanas
..
maioria dos brasileiros só o Código Penal
se faz sentir, enquanto o Código Civil é
privilégio de poucos. O autor argumenta
que no Brasil, o movimento de acesso à
justiça se faz na direção da maioria,
enquanto nos paises centrais da Europa e
nos Estados Unidos, o movimento de
acesso à justiça se faz no sentido de acesso para as minorias.
Segundo Cavalcanti ( 1999), as pesquisas sobre acesso à justiça no Brasil surgiram na década de 80. Durante a primeira metade desse periodo, os estudos destacavam o acesso a direitos coletivos. Na segunda, o tema central foi o estudo das formas não-estatais e estatais de promoção da justiça e o acesso individual.
É
a época da criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas,3 da instituição constitucional da Defensoria Pública e de novas agências extrajudiciais, como os nc (Juizados Informais de Conciliação), que padecem comdeficiências infra·estruturais (deficiências de instalações, pessoal e material). Esse descobrimento tardio do tema acesso à
justiça, pode ser justificado pelo regime militar vivido a partir de 1964, mas não só
por ISSO. Havia um movimento
internacional incentivando o debate, tomando mais claros, entre nós, os problemas referentes à demanda reprimida por justiça.
É
a partir desse momento quese pode questionar a cultura jurídica liberal-individualista brasileira.
Os debates sobre a prestação e o
sistema da Justiça no Brasil convergem
para os seguintes pontos: os obstáculos
internos para a realização da Justiça (como
a formalidade e a falta de pessoal), o dificil
acesso às populações carentes
(representados por obstàculos econômicos,
culturais e sociais) e uma visão de direitos
que se confunde com concessões. O Fórum
não é vivido como o espaço de realização
da cidadania, mas como o lugar onde se
pede e se espera favores.
Analisando a produção brasileira
sobre acesso à justiça, Eliane Botelho
Junqueira ( 1996) afirma não ser possivel falar de uma "produção sistemática na área
direito e sociedade, ou seja, de uma linha
de investigação sobre temas e instituições jurídicas, antes dos anos 80" (pàg. 389).
Lembra também que o interesse que
movia a produção brasileira era diferente
daquele que mobilizava os estudiosos dos
paises centrais. No caso brasileiro,
Não era a expansão do welfare state e a necessidade de se tomarem efetivos os novos direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas "minorias" étnicas e sexuais, mas sim a própria necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos bàsicos
•
aos quais a maioria não tinha acesso tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento juridico brasileiro, como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores subalternizados e da exclusão político-juridica provocada pelo regime
pás-64. (Junqueira, 1996, pág. 390)
Para Junqueira, os anos 90
caracterizam-se por "dois deslocamentos"
(1996, pág. 399). No primeiro, os pesquisadores mostram-se interessados na ordem juridica, na sua importância para a construção da sociedade democrática, e na compreensão da cultura cívica, em oposição á tendência da década anterior que se dedicava ao estudo dos novos movimentos sociais e á emergência dos direitos que poderiam daí advir. O segundo "deslocamento" apontado é quanto á área que desenvolve os estudos sobre o tema
acesso à justiça. Antes investigado quase que exclusivamente, por juristas, o tema, na década de 90, passou a integrar a agenda de historiadores, sociólogos e cientistas políticos, em pesquisas que se voltam para os operadores do direito, juizes, promotores públicos e defensores
públicos.
Parte m -Sobre o dia-a-dia do defensor e do usuário
Esta terceira parte nasce do esforço
de relatar e detalhar o trabalho
desenvolvido na Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro.
É,
para mim, aparte mais importante, porque busca
demonstrar as práticas que ocorrem nesse
espaço público. Foi também a parte da
pesquisa mais prazerosa, embora mais
desgastante.
Foram escolhidas duas cidades para a
observação. A de Niterói e a de São Gonçalo. A escolha se deu porque são duas cidades limítrofes, mas com caracteristicas
muito diferentes. Niterói foi a capital do
antigo estado do Rio de Janeiro, o que lhe
conferiu infra-estrutura e status de cidade desenvolvida, apresentando altos índices
de qualidade de vida. São Gonçalo, ao
contrário, surgida a partir de pequenas
propriedades agricolas, conheceu explosão
demográfica após a construção da ponte
Presidente Costa e Silva, também
denominada como ponte Rio-Niterói. Com
população de baixa renda, carece ainda de
serviços elementares, como saneamento,
calçamento de ruas e saúde pública
(Almeida, 1997).
· '.
a ser visitado foi o Núcleo de Primeiro
Atendimento Cível e de Família de Niterói,
onde o trabalho se estendeu até a primeira
semana de outubro. Em Niterói, o trabalho
na área criminal se deu durante as duas
primeiras semanas do mês de outubro. Da
terceira semana de outubro até dezembro,
o campo foi São Gonçalo. O Núcleo de
Primeiro Atendimento, o Fórum e o
atendimento às varas cível e criminal
foram cobertos.
No tocante ao atendimento público, a
Defensoria Pública em Niterói e em São
Gonçalo possui três espaços regulares: 4 os
núcleos de primeiro atendimento cível e de
família, o núcleo de atendimento criminal
e os núcleos de atendimentos às varas
cíveis e de família. O Núcleo de Primeiro
Atendimento é, como o nome indica, o
local onde a pessoa se dirige para fazer
uma consulta jurídica, pedir um
esclarecimento, enfim, levar o seu
problema, desde que não figure como parte
em processo já aberto, na condição de
reclamante ou reclamada, isto é, acusada
ou acusadora. Nos casos de processo já
aberto, a pessoa deve verificar na
comunicação judicial qual é a vara a que o
processo está submetido, e se informar no
• Além das Defensorias Públicas "ttadicionais"
existem os núcleos de "Terras e Habitação" e de "Defesa do Consumidor", e defensores públicos que trabalham junto ao Núcleo de Regularização de Loteamentos do Municlpio do Rio de Janeiro (Mascarenhas Filho, 1992).
Fórum o local de atendimento dos
defensores públicos, o que geralmente fica
nas imediações do lugar.
O atendimento criminal é sempre realizado no Fórum. Os familiares dos presos fazem ali o primeiro contato com o defensor. Se o preso não tem familiares para isso, o contato é feito diretamente,
quando é levado à presença do juiz para depor, por ocasião do interrogatório. Os contatos diretos com o preso vão se restringir aos dias em que vai ao Fórum, por conta das sessões a que for convocado.
Em Niterói
O trabalho de campo começou pelo
Núcleo de Primeiro Atendimento Cível e
Família de Niterói. 5
O atendimento à população era
realizado nos seguintes horários: segundas
e quintas-feiras de 1 3:00 às 1 7:00, apenas
para as pessoas que marcaram horário com
antecedência. E terças e quartas-feiras das
08:00 às 12:00, por ordem de chegada.
Segundas e quintas-feiras, das 08:00 às
1 2:00 e terças e quartas-feiras, das 1 3:00 às
1 7:00, e sextas-feiras não havia
expediente.
·-No Núcleo de Niterói, os defensores
são em número de dois: um para a vara
cível e outro para a vara de família. O
núcleo dispõe de quatro funcionários e 34
estagiários.
Quando perguntei a um funcionário
sobre as funções de cada um dos
funcionários, a resposta foi:
Todos têm as mesmas atribuições.
Mas durante a realização da pesquisa
constatei que no Núcleo existia uma
divisão do trabalho entre os funcionários.
O primeiro ficava sempre na porta de
entrada do Núcleo, com a lista de pessoas
que seriam atendidas. Ele realizava uma
primeira triagem, averiguava se a pessoa
havia trazido todos os documentos
necessários. A relação de documentos
necessários para cada ação ficava fixada na
parede do corredor que ia do elevador até a
porta de entrada do Núcleo. O funcionário
tirava dúvidas sobre o horário de
atendimento e sobre a natureza de cada
caso.
Muitas pessoas, por falta de
informação, buscam o atendimento no
Núcleo, quando seus problemas têm outros
locais específicos para serem resolvidos,
como é o caso do direito do consumidor. Outra constante é a de pessoas que
receberam intimações para comparecer em
juizo. Nesse casos, têm que procurar as
salas de atendimento dos defensores
públicos "que cuidam dos processos".6
Quer dizer, os defensores públicos do Núcleo de Primeiro Atendimento
cuidam de dar entrada nas
peticões.
Petições são pedidos iniciais que podem ounão vir a formar um processo na Justiça, depois de serem distribuídas para os
cartórios, que as distribui para as varas. E
daí chegam às mãos dos juizes. O juiz
examina a petição, que se estiver correta e
for procedente, pode vir a constituir um processo. A partir dai, a parte passa a ser
representada pelo defensor responsável
pela vara onde seu processo "caiu".
O trabalho de triagem "na porta" é
importante porque evita que as partes, ou
pessoas que já têm processo constituído,
fiquem aguardando por um atendimento no
Primeiro Núcleo, quando seus
representantes já são os defensores que
atuam nas varas.
O segundo funcionário ficava numa
mesa, dentro do Núcleo. As pessoas que
seriam atendidas, e que passaram pela
pnmelra triagem, iam até ele, para lhe
informar alguns dados, como nome
completo, endereço e a natureza da ação
(se cível ou de família). Também era o
momento em que as pessoas tentavam
conseguir algumas informações mais
específicas: se o atendimento ia demorar,
• Essa era a infonnação dada pelo funcionário "da
porta".
•
.-se o defensor era bom e compreensivo,
quanto tempo ia demorar até o processo
terminar.
Os dois últimos funcionários
executavam as mesmas atividades.
Ficavam em mesas atrás do segundo
funcionário. Apenas estes dois últimos
eram funcionários da própria Defensoria,
porque os dois pnmerros eram
funcionários da prefeitura "cedidos" à
Defensoria. Assim, existiam no Núcleo de
Primeiro Atendimento de Niterói, dois
tipos de funcionários: os da própria
Defensoria (que prestaram concurso
público para isso) e os "cedidos" pela
Prefeitura mediante acordo. Os dois
funcionários da Defensoria realizavam
pequenas consultas, porque eram
estudantes de direito. Mas, isso não é
condição para ser funcionário da
Defensoria Pública. Explicavam aos que
aguardavam a pnmelra consulta o
andamento dos processos, os tramites
legais, as possíveis soluções legais, os
prazos legais, quais os documentos mais
decisivos em cada caso, o que possibilitava
que as pessoas minimizassem suas dúvidas
quanto às questões legais. Estes dois
funcionários detinham um importante
espaço: a escolha da clientela que não ia se
submeter à fila ou à agenda. Decidiam pelos "atendimentos urgentes", de pessoas
que não podiam aguardar a pauta de
atendimento. Era o caso de pessoas que
não tinham hora marcada, seus nomes não
constavam na lista do dia para
atendimento, mas eram casos "urgentes"
que deveriam cumprir um prazo legal que
estava quase expirando, casos, por
exemplo, da àrea de fàmília, como pensão
alimentícia da qual a mãe depende para
alimentar os filhos menores. Também
existiam casos de pessoas que não podiam
esperar na fila, alegando horário de
trabalho muito rigido e outros motivos,
mulheres gràvidas ou com crianças de
colo, ou mesmo os idosos. A seleção de
quem ia ser atendido, nesses casos
específicos, dependia inteiramente da
sensibilidade do funcionário: de ficar com
pena daquela senhora velhinha, de
compreender a dificuldade da menina em
pedir para faltar ao trabalho, de aceitar que
a mãe não tem com quem deixar as
crianças. Eram pedidos, em geral, muito
sentidos, lacrimosos - as pessoas apelavam
para Deus. E suas pendências judiciais
ficavam subordinadas à boa vontade do
funcionário. Se estes funcionários
decidissem pela relevância do caso, a
pessoa seria atendida, mesmo sem ter hora
marcada (como era necessário às segundas
e quintas·feiras) ou tendo chegado depois
"da subida da lista" (às terças e quartas·
feiras).
Todos os funcionários pareceram
muito preocupados com a qualidade do
.-olhar, perguntava o que a pessoa desejava,
se já tinha sido atendida. Os outros
procediam da mesma maneira, mas como
ficavam restritos ao ambiente interno do
Núcleo, cuidavam das pessoas que
aguardam atendimento.
Dos 34 estagiários que o Núcleo
possuía, 13 pertenciam à área de família e
21 à área cível. Os estagiários eram
divididos em oficiais e nã(H)ficiais. Os
oficiais são aqueles que prestaram uma
prova para o estágio junto a DPGE
(Defensoria Pública Geral do Estado). Os
não-oficiais são os que procuraram os
defensores para pedir estágio, visando a
experiência que o órgão proporciona,
recebendo no final, uma carta que declara
as atividades realizadas, não mantendo
nenhum vínculo formal com o Estado.
Os estagiários combinavam com o
defensor dias diferentes para atendimento,
até porque, seria impossível ter todos
trabalhando ao mesmo tempo, já que o
tamanho das salas e o número de mesas e
cadeiras eram insuficientes.
Os estagiários atendiam a maior
parte dos reclamantes. No Núcleo de
Família, eram quatro de manhã e nove à
tarde. No Núcleo Cível eram seis de manhã
e quinze à tarde, sempre acompanhados,
em cada área, de um único defensor.
Realizavam as consultas, conferiam os
documentos e elaboravam as petições.
Existiam alguns modelos de petição dados
pelo defensor e alguns formulários já
prontos para agilizar o trabalho e evitar erros. O estagiário recém chegado ficava
sentado junto ao defensor, ou a um outro estagiário mais experiente, até se sentir
seguro para "trabalhar" sozinho. Eles eram
responsáveis pela maior parte do
atendimento, o que acabava gerando uma
certa estranheza no assistido -ser atendido pelo defensor chegava a ser urna grande "sorte". A jovialidade e inexperiência do estagiário assustavam. Ouvi muitas vezes:
"Mas é essa menina quem vai me
atender?" Com a constância do contato a
confiança era adquirida, e o assistido
passava a ter o "seu estagiário".
No Núcleo de Niterói os defensores
não sabiam me informar quem era
estagiário oficial ou não-oficial. Também
havia casos de trabalho voluntário: dois
advogados, um homem e uma mulher. O
homem, um jovem advogado que usava o
tempo livre do seu escritório para "se
aperfeiçoar". A mulher era aposentada,
mas não como advogada. Era bacharel em
direito há mais de vinte anos, mas nunca
exercera a profissão. Com a aposentadoria,
teve a chance de exercê-Ia, o que segundo
ela, era "fascinante".
Segundo um defensor, conseguir
estagiários acabava sendo serviço seu,
porque o número de estagiários oficiais era
o'
Observei o trabalho dos estagiários e,
com algumas exceções, eram gentis e
sensíveis aos dramas pessoais, embora, às
vezes despreparados. Nunca os vi pedindo
comprovação de renda aos reclamantes e o
mesmo é válido para os defensores.
Pareciam muito dedicados, mas pouco
orientados. Alguns tratavam as pessoas de
forma displicente, num momento em que
elas estão fragilizadas. Pude ver seus olhos
apertando quando não ouviam o que as
velhinhas diziam, abaixando a cabeça até a
mesa, conforme a voz dos seus
interlocutores abaixava. Mas também
interrompiam uma consulta para conversar
com algum colega que não viam há algum
tempo.
Os defensores não exerciam muito
controle sobre os estagiários. Os
estagiários ficavam á vontade, para
conversar, estudar ou lanchar. Não que isso
fosse uma constante, mas vi acontecer algumas vezes. A realização de reuniões
não fazia partia da rotina do Núcleo.
Segundo um defensor,
Eu só faço uma reunião
quando surge uma
necessidade, um assunto novo, ou um curso que eu tenha feito. Ai, eu passo para
eles o que aprendi no final do expediente.
Quanto á atuação do defensor, a ele
cabia estipular o horário de atendimento do
Núcleo, conseguir estagiários, já que o
número enviado pela DPGE é pequeno,
conseguir funcionários e equipamentos.
Como já foi dito, dos quatro funcionários
do Núcleo, dois eram concursados pela Defensoria e os outros dois cedidos pela
prefeitura de Niterói. Essa cessão se deu
através de um convênio que o próprio
defensor fizera entre a prefeitura e o
Núcleo. As cadeiras e mesas do Núcleo de
Niterói foram doadas pelo Judiciário.
Também a faxineira era funcionária do
Judiciário. E tudo isso por intervenção do
defensor. Os estagiários não-oficiais eram
solicitados junto a universidades
particulares - solicitação feita diretamente
pelo defensor. Durante as entrevistas
realizadas com os defensores eles
afirmavam sua autonomia frente á
Corregedoria - autonomia é termo usada
para tratar da falta de controle e, às vezes,
abandono.
Nas entrevistas, os defensores
falavam da importância de ser o titular do núcleo. Cada núcleo possui um defensor
que é nomeado como titular. O titular do
núcleo é responsável por seu
funcionamento.
É
ele quem cria as regras: o horário e os dias de funcionamento, aquantidade de pessoas a serem atendidas, o
uso dos espaços. Mas nem todo defensor
está lotado no núcleo onde é titular. O
titular, por ser mais antigo, tem direito a
.'
,
não seja o de sua titulariedade. As titulariedades representam hierarquia entre
os defensores. O titular tudo pode, a
defensoria é sua. Quando o defensor Dão
está atuando no núcleo em que é titular,
um defensor substituto é designado para
preencher a vaga.
Alguns me diziam que é mais fácil
ser defensor em municípios pequenos do
interior, por causa da acessibilidade à
prefeitura e à bondade da comunidade
local, que doam móveis e material. O
Núcleo de Niterói só conta com um computador enviado pela Defensoria,
enquanto que o núcleo de ltaboraí,
segundo informação de um defensor,
conseguiu cinco microcomputadores com a
Prefeitura. Devido ao afastamento do
Executivo Estadual, para manter sua
estrutura, os defensores desenvolviam
estratégias visando ao seu bom
funcionamento. Esse convênios, muitas
vezes não-oficiais, apenas verbais, é que
determinam a qualidade do atendimento
recebido pela população.
O Núcleo de Niterói não possuía
telefone. O defensor utilizava seu telefone
celular para realizar as ligações
necessárias. Uma assistida precisava de
uma declaração médica, mas não
conseguia localizar o médico. O defensor
teve que usar seu próprio telefone, para
solicitar ao médico o laudo que precisava.
Como o médico não estava, o defensor
deixou o número do telefone da sua
residência, pedindo-Ihe que retornasse a
ligação.
Um defensor, durante a entrevista,
disse não receber muito apoio da DPGE:
Não dá para contar com a nossa administração. Não nos oferecem condições de trabalho dignas. Eu nunca busco a administração. Tento resolver meus problemas sozinho.
Além das dificuldades com a
"administração", os defensores também se
queixaram dos cartórios, da polícia e da falta de conhecimento juridico da
população. Acompanhei o caso de uma senhora idosa que estava propondo urna ação de reintegração de posse, e precisava
do registro de invasão que teria que ser feito pela polícia. O defensor lhe entregou
uma "carta" onde solicitava ao delegado
que registrasse o caso. A senhora já tinha
ido duas vezes à delegacia, e nada tinha
conseguido. Segundo o defensor, a polícia
tem muita resistência em registrar
determinadas ocorrências. Perguntei o
porquê.
Eles têm muita má vontade. E só
agem por dinheiro.
A delegacia e o cartório foram
apontados como os piores problemas que
os defensores enfrentam. O defensor da
•
com a delegacia era muito difícil, que
muitas vezes mandava seus estagiários e lá
não eram atendidos. Os cartórios representavam problemas principalmente
para a área Cível. Segundo os defensores,
muitos impediam o acesso do estagiário e
não respeitavam o cliente da Defensoria,
porque sabiam que esse, por ser mais
pobre, não ofereceria propina para o
andamento do processo.
O defensor me contou que muitas
ações poderiam ser evitadas, assim como
os prejuízos delas decorrentes, se a
população conhecesse os prazos legais.
Ressaltava, que vivemos, cada vez mais,
no mundo dos contratos e que as
autoridades deveriam desenvolver
campanhas que informassem os principais
prazos que precisamos cumprir. Um rapaz
estava tendo problemas com a locadora do
imóvel que alugara. Ela se recusava a
receber o aluguel, alegando que o valor era
baixo demais. O defensor pediu que ele
retomasse ao Núcleo com a documentação
necessária o mais rápido possível, se não
corria o risco de ser despejado por falta de pagamento. Teria o prazo de menos de
uma semana para retomar e dar entrada na
sua petição. Outro caso foi o de uma jovem que estava dando entrada no inventário de
seu pai, que havia morrido há três meses.
A jovem teria que pagar uma multa de
1 0"10 do valor do imposto de transmissão dos bens, porque o prazo legal para o
inicio do inventário é de 30 dias após a
morte do inventariante.
Às vezes, a população brasileira é
vista, pelo defensor, como "acomodada":
O brasileiro é muito acomodado, não se interessa
em saber se sua
documentação está correta. Se alguém os incomoda, se eles têm uma necessidade juridica, aí procuram se informar. Mesmo sabendo que vivem numa situação ilegal, as pessoas não tentam se legalizar. Tem gente que realmente não sabe da gratuidade da Justiça. Até algumas autoridades desconhecem a existência da Defensoria Pública.
O defensor relatou que só no ano anterior (1998) a Defensoria Pública criara um departamento de materiais que fornecia
pastas, clipes, folhas de papel oficio e
outros pequenos utensílios de escritório.
Na DPGE era possivel tirar xerox, mas o
defensor preferia pagar pelas suas, porque
o combustível que gastaria para se deslocar
do Núcleo de Niterói até o centro da cidade
do Rio de Janeiro, local da DPGE, não
compensaria. Todas as suas petições eram
feitas em casa, no seu computador pessoal, já que o Núcleo só tinha um computador. Os estagiários faziam a mesma coisa:
levavam para casa um resumo das petições, que lá eram digitadas e
·-•
Muitos problemas levados pela
população à Defensoria Pública, não eram
necessariamente juridicos. Eram problemas
familiares, às vezes SOC1llIS. O defensor
relatou que uma senhora sempre o
procurava para reclamar do filho casado
que ainda morava com ela, da dificil
convivência com a nora. O defensor
"intimou" o casal a comparecer ao Núcleo.
Na verdade, a "intimação" era uma carta feita em papel oficial. O defensor
aconselhou o casal a procurar uma
assistente social.
O defensor tem que ser psicólogo, padre, anugo,
assistente social.
Principalmente para a área de Familia. Os casais se separem por cada besteira. E outros fazem os filhos sofrer desnecessariamente. Eu tento aconselhar o casal, a não
magoar os filhos, a familia, durante a separação. Há
pessoas que vêm aqui para ter com quem conversar. Trazem suas receitas médicas, contam sua vida toda, têm necessidade de desabafar. A DPGE possui uma equipe de psicólogos, mas é dificil fazer as pessoas irem lá. O ideal é que pudéssemos contar com pelo menos um psicólogo aqui.
Esse outro lado da profissão, não
técnico, não jurídico, é motivo de orgulho.
Eu gosto da minha profissão.
Esse outro lado, de
psicólogo, eu gosto. Faz
parte da profissão. Tem que ter muita vocação para ser um defensor público.
Como não havia expediente às
sextas·feiras, os defensores usavam esse
tempo para trabalhar em casa. Na quinta
feira, os defensores recolhiam as petições
com os estagiários, e as corrigiam na sexta
feira. Os defensores declararam que além
da horas que passavam no Núcleo,
trabalhavam entre 20 e 30 horas por
semana em suas residências e escritórios,
corrigindo e redigindo petições, criando
formulários para as ações mais USUll1S,
estudando. Apesar da alta carga horária
extra, um defensor se dizia satisfeito, já
que conseguia um indice de 60"10 de
sucesso, nas suas tentativas de conciliação extra-judicial.
No Núcleo de Niterói, quase todas as
pessoas que aguardavam atendimento
dispunham de lugar para sentar. Havia
bancos no corredor que ia do elevador até a
porta, e bancos no interior da Defensoria.
As pessoas que iam se consultando
ficavam nas mesas junto aos estagiários ou
defensor. O ambiente era limpo e arejado.
Mas era quente, não dispunha de cortinas,
só algumas folhas de papel pardo coladas nas paredes externas do prédio que eram de vidro, e que ficavam expostas ao sol da
."
havia um exclusivo para defensores,
estagiários e funcionários, que ficava
trancado. Havia bebedouro. Não foi
possível calcular com precisão a área total,
mas se não era um local espaçoso, também
não era apertado: cerca de 80 m'.
O Núcleo de Niterói dispunha de
uma máquina de escrever manual, 12
mesas com cadeiras, um ventilador de teto.
Os móveis eram velhos e quebrados, nada
enfeitava as salas.
Como já foi dito, o atendimento no
horário da manhã, entre 08:00 e 12:00,
acontecia ás terças e quartas-feiras. Era o dia de atendimento da ''fila''. Perguntei ao
funcionário quantos "números" eram
dados. E ele me informou que,
A gente atende todas as pessoas que estão na lista, não importa quantas sejam. Eu já cansei de sair daqui às duas horas da tarde, até três já saí. Esse negócio de sair
meio-dia é muito raro.
As pessoas tentavam chegar o mais
cedo possível ao prédio. Ficavam
aguardando próximos à entrada dos
elevadores, em fila, e orgaruzavam uma
lista com seus nomes. O pnmerro
funcionário da Defensoria, o "da porta",
chegava e "subia" ás 07:00 (o Núcleo ficava no 6° andar) com a lista e com as
pessoas, que se ajeitavam no corredor de
espera. Ele chamava uma-a-uma, e as
passava para o segundo funcionário, que
anotava seus nomes e endereços,7 o tipo de
ação e a área (se cível ou de família). A
partir desses dados, fazia mais duas listas:
a da área cível e a da família. Quando os
estagiários e os defensores chegavam, ás 08:00, o atendimento começava. Só eram
atendidas as pessoas que estavam nas
listas. Os atendimentos extras, sem o nome
na lista, dependiam da "avaliação" dos
funcionários, como já foi dito. Quando
perguntei ao defensor em que horário as
pessoas deveriam chegar, respondeu-me
que "entre 08:00 e 12:00 todos os que
chegassem seriam atendidos". As pessoas
que buscavam informações e faziam a
mesma pergunta recebiam do funcionário
resposta diferente. Eram orientados a chegar ás 06:00.
O atendimento "sem fila" era
realizado ás segundas e quintas-feiras, das
13:00 ás 1 7:00. A pessoa podia se dirigir
ao Núcleo, em dia de expediente, e
solicitar a marcação de uma consulta. No
dia 1 7 de julho, as consultas estavam sendo
marcadas para 05 de agosto, o que
significava uma espera de dezenove dias.
Eram marcadas, em média, vinte consultas
para cada dia. Os funcionários não
-,
marcavam hora, apenas o dia do atendimento, instruindo às pessoas a que chegassem às 13:00. Nesse horàrio, às 13:00, eles faziam uma conferência, para ver se estavam todos lá. As pessoas não eram obrigadas a chegar rigorosamente às 13:00, mas o defensor e os estagiàrios iam embora após o último atendimento. Se por acaso, faltassem muitas pessoas, o atendimento terminaria mais cedo, e a pessoa que chegasse mais tarde, corria o risco de não ser atendida, porque todos já tinham saído. No dia da marcação, os funcionàrios davam a relação dos documentos necessàrios, e orientavam as pessoas a trazerem toda a documentação no dia da consulta, sob pena de não serem atendidas. Essas relações eram feitas pelos próprios defensores, que as fotocopiavam,
às vezes, com o próprio dinheiro. Embora os funcionàrios insistissem muito quanto à necessidade dos documentos para a consulta, não chegavam a exigir a sua apresentação.
No dia 14 de julho, uma quarta-feira,
acompanhei os atendimentos da parte da
manhã. A lista "subiu" com 4 1 nomes.
Duas pessoas foram dispensadas, uma
porque declarou não ter trazido toda a
documentação e outra porque não residia
em Niterói - foi encaminhada para São
Gonçalo. Sobraram 39, sendo 16
atendimentos da área cível e 23 da área de
família. Mas, ao todo, o Núcleo atendeu 58
pessoas. As 1 9 restantes eram "partes" que já haviam realizado a primeira consulta e
tinham alguma dúvida para tirar, queriam
saber do andamento do "seu caso", ou
então, necessitavam de uma segunda ida
para a entrega de algum documento. Eram os que '1á tem estagiàrio", não precisavam
mais passar pelas filas. Informavam ao
funcionàrio o nome do "seu estagiàrio",
aquele que o atenderia no intervalo entre
consultas.
Nesse dia, 14 de julho de 1 999, a
primeira pessoa da fila chegou às 05: 00 da
manhã e foi atendida às 08:20. Sua
consulta terminou às 08:55. A última
pessoa chegou às 08:30 e seu atendimento
ocorreu às 12:50, terminando às 13:05.
Achei necessàrio observar outro
atendimento da manhã, do ponto-de-vista
de quem espera. Retomei em 1 7 de agosto.
Trinta e seis nomes constavam da lista e
destes só 23 foram atendidos. Treze não
tinham levado os documentos necessàrios
para dar início à petição, por isso foram
dispensados já na entrada da Defensoria,
quando da primeira triagem: não tiveram
qualquer contato com o defensor ou com
os estagiàrios. O número de atendimentos
de primeira vez subiu para 28, pois 5
pessoas que chegaram após a subida da
lista foram atendidas por terem casos
"urgentes" a tratar. O primeiro da fila
informou que saiu de casa às 04:00 da
•
Quando perguntei sobre o número de
atendimentos as respostas eram
contraditórias: "vinte", "mais ou menos
cinqüenta", "ah, mais de cem pessoas, com certeza". A resposta dada pelo defensor
foi:
Olha, se eu for contar quantos
passam por aqui, vou ter que separar um
estagiário ou um funcionário só para isso,
não é?
A Corregedoria da Defensoria
Pública exigia que o defensor fizesse um
relatório mensal, onde seriam listadas as
petições encaminhadas aos cartórios, além
dos relatórios que os estagiários deviam
apresentar trimestralmente. Nem todo
atendimento resulta numa petição, por isso
a Defensoria possuía um Livro de
Atendimento das Partes, no qual eram
relacionados os atendidos do dia,
constando nome, endereço e a natureza da
ação. Era do conteúdo desses livros que a
DPGE (Defensoria Pública Geral do
Estado) retirava os dados que iria utilizar
para as estatísticas de atendimento do
órgão. No Livro de Atendimentos das
Partes só constavam os atendimentos realizados no periodo da manhã, que se
referiam às terças e quartas-feiras. O
defensor alegava não ter pessoal disponível
para preenchê-lo à tarde, nas segundas e
quintas-feiras. Ou seja, os números oficiais
que a DPGE tinha acesso só davam conta
dos primeiros atendimentos realizados em
apenas dois, dos quatro dias de trabalho, da
instituição. Os atendimentos realizados às
segundas e quintas-feiras eram
estaticamente desconsiderados. Quando
perguntei o porquê dessa prática, o
funcionário respondeu:
O defensor anterior fazia assun, e
nós continuamos fazendo assim.
As pessoas que retomavam para uma segunda consulta, ou para anexar um documento à petição, ou que buscavam informações sobre o atendimento, também não eram contabilizadas para as estatísticas da DPGE.
Tive acesso ao Livro de Atendimento
das Partes de maio de 1 999 do Núcleo de
Niterói. Na Vara de Família foram
atendidas "oficialmente" 147 pessoas e na
Vara Civel, 61, durante todo o mês. Esses
números não englobavam, certamente, o
total de pessoas efetivamente atendidas.
Durante o trabalho de campo foi
constatado que, em apenas um dia, houve
94 atendimentos extras de pessoas já na
segunda consulta e 44 atendimentos oficiais de pessoas na primeira consulta.
Apenas, este último número, de
atendimentos oficiais, constará do Livro de
dois tipos de atendimentos, constatamos
que o Núcleo, num único dia, atendera 138
pessoas, mas para os cálculos da DPGE, esse número cairia para 44.
Perguntei ao funcionário qual era o
valor máximo de renda que uma pessoa
deveria ter para ser atendido. Ele explicou:
Não há uma legislação específica nesse sentido. O que nós utilizamos é o bom senso na hora da avaliação, que fica mesmo por conta do defensor. A Defensoria não pode ser só para os pobres, mas para aquele que não dispõe de condições de pagar um advogado. Urna ação, a mais simples, fica em RS5.000,OO. O que a gente faz é urna relação entre a renda e as despesas da pessoa.
Às
vezes, ela ganha até R$ 2.000,00, mas paga aluguel, telefone, escola para os filhos, isso não é luxo. No final, não sobra nada. Mas se o juiz não concordar, ele pode exigir a anexação de comprovante de renda, e não aceitar a petição daquele que ele considere capaz de pagar um advogado.O texto constitucional, de fato, não
estipula objetivamente o que venha a ser
baixa renda. O que consta no inciso
LXXXIV do artigo 5° é: o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos
que comprovarem insuficiência de
recursos. Fica nas mãos dos defensores
estipular a renda máxima que configure
esse quadro de "insuficiência·. Por falta de
urna regra que especificasse valores,
usavam do seu "bom-senso": o defensor
decidia quem era pobre ou não.8
O que ficou bem claro, é que no
Núcleo de Primeiro Atendimento de
Niterói não se falava em atendimento para
"pobres". Tanto funcionários, quanto
defensores usavam o termo "cidadão" ou
então, em linguagem jurídica,
"reclamantes", ao se referirem à clientela.
Foi aplicado um questionário junto
às pessoas que estavam na fila. Por ele se
apurou que a clientela era formada por
urna ampla maioria feminina: 83% de
mulheres e 17% de homens; que negros e
brancos procuravam a instituição com a
mesma freqüência; que 70"10 dos
entrevistados tinham entre 31 e 50 anos,
22% menos de 30 anos e 8% mais de 60
anos. Os católicos representavam 39"10,
mesmo percentual dos que se
denominavam "evangélicos", e 22%
afirmaram não possuir religião, mas
"acreditar em Deus".
A Defensoria, em Niterói, conta com
urna boa imagem pública: 91% dos
entrevistados acreditavam que seriam bem
tratados pelos servidores.
• Esta p-ática não é geral em todo o país. A
"'
Quando perguntados sobre a
condição de ser brasileiro, 52% afirmaram que é algo positivo e 39"/0 consideram ser uma condição negativa, ruim; 9"/0 diziam não saber. Há de se notar que os 52% que acreditavam que era bom ser brasileiro, unanimemente, justificam suas respostas pela beleza e riquezas naturais do pais e
pela alegria do seu povo. Também foi perguntado às pessoas da fila o que entendiam por cidadania. Para 59"/0 cidadania representava possuir direitos e cumprir obrigações; "ser bom", 'Justo" e
"honesto" foi apontado por 200/0 dos entrevistados como requisito para ser cidadão. "Pagar impostos" foi a resposta de 1 3% e 4% diziam acreditar que cidadania era ter documentos. Apenas 4% diziam não saber.
Esse questionário mostrou também
que 700/0 das pessoas acreditavam que resolveriam seus problemas em até dois meses (tempo de todo o andamento do .
processo) e que 600/0 saiam de casa entre 04:00 e 06:00 da manhã.
o Núcleo de Primeiro Atendimento
de Niterói guardava alguns Livros de Atendimentos das Partes. Embora o número de atendimentos não reflita a
realidade, já que os atendimentos do período da tarde eram desconsiderados, os dados ali constantes permitem detectar a qualidade e o conteúdo da demanda judicial que ali chega. No mês de maio de
1 999, foram contabilizados 208 atendimentos, sendo 147 da área de família e 61 da cível, assim distribuídos:
Vara de Família - 147 atendidos
Pensãnu alimentícia 62
Separaçãnu 30
Guarda dos filhos 20
Divórcinu 17
Recnunhecimentnu de paternidade 07
Cumelalinterdiçãnu 04
Dissoluçãnu de uniãnu estável 03
Registrnu de visitas 02
Oferta de pensãnu 01
Autnurimçãnu para casamentnu OI
Vara Cível -61 atendidos
Usucapiãnu 19
Alvará 12
Inventárinu 07
Retificaçãnu de registro 06
Indenizaçãnu 04
Reintegração de posse 03
Despeinu 03
Adjudicaçãnu compulsória 01
Anulaçãnu de venda OI
Cobrança de condnumíninu 01
n riaçãnu 01
Anulaçãnu de venda 01
2" via da certidãnu de nascimentnu 01
Certidãnu de óbito 01
o maJor número de atendimentos