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Alguém com quem contar: emancipação humana e organizações museais

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Academic year: 2017

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DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada por:

Diana Costa de Castro

Alguém com Quem Contar:

Emancipação Humana e Organizações Museais

Orientadora Acadêmica: Dra. Fátima Bayma de Oliveira

Tese Apresentada em:

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Diana Costa de Castro

Tese de Doutorado apresentada por Diana Costa de Castro ao Programa de Doutorado em Administração da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas e aos digníssimos componentes da banca para defesa.

Orientadora: Dra. Fátima Bayma de Oliveira.

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Castro, Diana Costa de

Alguém com quem contar: emancipação humana e organizações museais / Diana Costa de Castro. – 2016.

506 f.

Tese (doutorado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.

Orientadora: Fátima Bayma de Oliveira. Inclui bibliografia.

1. Museus. 2. Educação popular. I. Oliveira, Fátima Bayma de. II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título.

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A nós, sós no mundo

Para que não nos esqueçamos de ser sóis

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Agradeço profunda e amorosamente à todos aqueles que se constituíram em “alguém com quem eu pude contar” em um ou outro momento desses longos anos de pesquisa e trabalho:

Adriana Lima Ágatha Justen Aline Pinto Andréia Varela Cássia Ribeiro Celene Gonçalves Cláudio Gurgel Cláudio Luís Pinto Dulcinéa Castro Edison Castro Fátima Bayma Fernanda Leivas Gabriela Castro Heráclito

Inácia Maria de Castro (in memorian) João Evangelista

Mara Marchiori

Marcelo Vieira (in memorian) Paulo Emílio Martins

Rafael Goldszmdt Roberta Mello Seniltz Rangel

Trabalhadores do MAR Valderez Fraga

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Alguém com Quem Contar:

Emancipação Humana e Organizações Museais

Os novos museus criados para compor processos de desenvolvimento de partes das cidades são objeto dessa pesquisa. Primeiro, a partir de um ensaio teórico, gerei uma fundamentação teórica para análise da emancipação humana em museus a partir de uma perspectiva freireana, propus a tese da Zona de Contorno, bem como a de que essas organizações poderiam contribuir com o desenvolvimento emancipatório da sociedade. A seguir fiz uma pesquisa de campo incluindo questionários, entrevistas em profundidade, participação em eventos afins e observações de campo. A análise dos dados foi feita majoritariamente a partir de uma perspectiva dialética, buscando contradições e sínteses no campo. O resultado dos questionários foi organizado com estatística descritiva e analisado em conjunto com as outras fontes. As entrevistas foram analisadas com análise crítica do discurso. A partir dos dados, considero que esses museus podem ser percebidos como organizações onde predomina a racionalidade substantiva. Sua razão de ser inclui o lazer qualificado e a educação por meio da cultura, bem como oferece possibilidades de sociabilidade, ainda que restrita a pessoas que se conheçam entre si, além das funções clássicas de salvaguarda, pesquisa, manutenção e exposição do patrimônio. A educação aparece pouco relevante no tocante ao seu conteúdo expositivo a partir da percepção dos visitantes, muito embora tenha crescente visibilidade no mercado a partir de uma racionalidade instrumental. A despeito disso, foi possível comprovar que o museu é capaz de desempenhar um papel na emancipação humana, sobretudo nas subcategorias relacionadas a percepção crítica da sociedade e utopia. Foi percebido empiricamente a existência da Zona de Contorno como importante componente dos novos museus, tanto quanto sua parte expositiva. Tanto na Zona de Contorno quanto nas exposições há alguma influência na transformação do visitante no tocante à emancipação humana. Essas organizações mais substantivas passam a agir de forma mais incisiva na sociedade e constituem-se em agentes com as quais as pessoas podem contar no processo emancipatório, mantendo uma forte dependência com o perfil do gestor.

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Someone to Stand With:

Human Emancipation and Museum Organizations

The subject of this research is the new museums created to compose the development processes in the cities. Starting from a theoretical essay I created a substantiation to analyse the human emancipation in museums since a Paulo Freire´s perspective. I propose the Boundary Zone thesis as well that such organizations could contribute to the society´s development emancipation.

After this I have made a research with questionnaires, interviews and local observation. The data analysis, since a dialectical perspective, search for contradictions and synthesis.

The questionnaires were organized with descriptive statistics and analysed together with the data from interviews and observation qualitatively. The other interviews were analysed from a critical discourse analysis perspective. From the result I consider that in such organization prevails a substantive rationality.

This organizations finality includes a qualified leisure and the education through the culture and, as well, sociability possibilities even if restricted to people who knows each other, beyond their usual functions as keeper, research, maintenance and collections exhibitions.

The exhibitions contents seems to be almost irrelevant to education from the visitors perspective, though it has a crescent visibility since an instrumental rationality. Despite this I prove that the museum can have an active role in the human emancipation, especially in the subcategories related to a society critical perception and utopia. An empirical perception shows us a Boundary Zone as an important component in the new museums, as well as their exhibitions area. Both in the Boundary Zone and the exhibitions exists some influence in the visitors transformation and emancipation. Such substantive organizations play an incisive role in the society and work as agents with whom people can trust in the emancipatory process, depending of their administration.

(9)

1. Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação conceitual ... 18

1.1. O desenvolvimento, a cultura e a emancipação ... 18

1.2. Museus ancorando o desenvolvimento de partes das cidades ... 26

1.3. Caminho traçado para o estudo e outras premissas ... 30

1.3.1. Encadeamento de Argumentos ... 32

1.4. Arranjo Argumentativo 1 (A.A.1) ... 38

1.4.1. Por que algumas pessoas não enxergam outras pessoas indo aos museus? Etapa 1 (A.A.1) ... 38

1.4.2. Qual a razão de ser do museu hoje? Etapa 2 (A.A.1) ... 44

1.4.3. Qual racionalidade deve embasar as ações administrativas dos museus para que sejam coerentes com sua razão de ser? Etapa 3 (A.A.1) ... 49

1.5 Arranjo Argumentativo 2 (A.A.2) ... 52

1.5.1. Dentro e fora dos muros. Etapa 1 (A.A.2) ... 52

1.5.2. Marketing de cidades e cidadãos. Etapa 2 (A.A.2) ... 59

1.5.3. Apropriação x Desapropriação das cidades e da cultura. Etapa 3 (A.A.2)... 72

1.6 Algumas colocações de fechamento e modelo teórico proposto para o desenvolvimento humano a partir dos projetos de desenvolvimento de partes das cidades com museus ... 76

2. Os museus do Porto Maravilha como objeto de estudo ... 81

2.1. Metodologia da pesquisa empírica ... 83

2.1.1. Premissas: ... 84

2.1.2. Definição dos termos ... 85

2.1.3. Problema de pesquisa e tese ... 87

2.1.4. Tempo e espaço: escolha e delimitação do objeto e do campo ... 89

2.1.5. Objetivos ... 90

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2.1.8. Triangulação ... 99

2.1.9. Análise dos dados ... 100

2.2. Os museus do estudo ... 107

2.2.1. O MAR ... 107

2.2.2. O Museu do Amanhã ... 109

2.2.3. O Centro Cultural Municipal José Bonifácio ... 111

2.3. Os vizinhos dos museus ... 112

3. Os Visitantes ... 119

3.1. Coleta de dados ... 119

3.2. Imbricamento das subcategorias de emancipação ... 125

3.2.1. Imbricamento das subcategorias no questionário ... 125

3.2.2. Subcategoria “liderança dos oprimidos” ... 126

3.2.3. Subcategoria Humanização ... 144

3.2.3.1. Cultura faz parte do processo da vida ... 149

3.2.4. Subcategoria Respeito à diversidade ... 150

3.2.5. Subcategoria Práxis ... 158

3.2.6. Subcategoria Utopia ... 163

3.2.7. Subcategoria Busca do “ser mais” ... 175

3.2.8. Subcategoria Conscientização ... 182

3.2.8.2. “Pessoas estranhas” ... 187

3.2.9. Subcategorias Solidariedade / amor/ totalidade / ética ... 193

3.2.10. Subcategoria Sociabilização ... 197

3.2.11. Subcategoria Dialogicidade ... 199

3.2.12. Resumo da análise do imbricamento das subcategorias de emancipação ... 206

(11)

3.4.1. A questão das fotos ... 222

3.4.2. A tranquilidade e a ambiência do museu ... 224

3.4.3. A exposição ... 225

3.4.4. O tema exposto e porque faz parte da viagem ... 227

3.4.5. Nosso jeito de conhecer a cidade ... 227

3.4.6. Oferecer sensações e emoções positivas ... 228

3.5. Razão para a existência da organização museu ... 231

3.5.1. Dificuldade de acesso ... 241

3.5.2. A arquitetura – o museu como escultura para entrar ... 242

3.5.3. A informação, o conhecimento e o museu ... 243

3.5.4. O bom atendimento como fator inclusivo e a necessidade de formação de público 245 3.5.5. O que eu mais gostei foi a existência do museu porque estimula a cultura do nosso país. ... 248

3.5.6. A descoberta e a novidade – o espetáculo – era colorido, tinha brilho ... 249

3.5.7. Sair de casa, ver coisas novas, desenvolver conhecimento – espetáculo - divertimento ... 250

3.5.8. A explicação ... 252

3.5.9. O museu bicho-papão –“divulgar como algo normal” ... 253

3.5.10. Uma sobremesa que a gente se dá ... 256

3.5.11. Curiosidade despertada pela propaganda e passeio de férias ... 256

3.5.12. Fazer com que as pessoas pensem de maneira diferente e queiram fazer algo 258 3.5.13. Retratar a realidade ... 258

3.5.14. Vitrine – acesso – realidade bonita ... 260

(12)

3.6. Muros do museu ... 265

3.6.1. Acesso físico e pobreza cultural ... 265

3.6.2. A representação no museu... 269

3.6.3. As pessoas acham que não podem, entendeu? ... 272

3.6.4. Contraste entre o mundo da pessoa e o mundo organizado e institucionalizado do museu ... 276

3.6.5. Barreira econômica – pobreza ... 277

3.6.6. Tá todo mundo junto, não tem isso não ... 281

4. Os Gestores e os Trabalhadores do Museu ... 283

4.1. Coleta e análise desses dados ... 283

4.2. Como se dá a contradição entre a assertiva dos gestores de que as pessoas não vão aos museus e a presença das pessoas nos museus? ... 288

4.2.1. “As pessoas não vão aos museus e por isso a meta de público é um grande desafio” ... 288

4.2.2. “As pessoas vão no museu, mas manter e aumentar esse fluxo continua sendo o maior desafio do MAR por causa da meta contratual” ... 289

4.2.3. A frequência é um desafio porque está atrelada a decisões estratégicas que tanto podem corroborar com a finalidade da organização quanto comprometê-la... 294

4.3. Como se dá a contradição entre a existência de ações extramuros e os muros nos museus? ... 295

4.4. Como se dá a contradição entre o esforço público e privado para construir museus em locais de interesse? ... 295

4.4.1. O MAR é um bem público(?) ... 295

4.4.2. O interesse privado em fomentar a economia ... 302

4.4.3. De âncora a reboque: a legitimação do projeto Porto Maravilha ... 304

4.4.4. Âncora: uma carga simbólica: práxis, censura e utopia ... 312

(13)

4.6. Qual a razão de ser da organização museu na atualidade? ... 336

4.6.1. É difícil definir a razão de ser do museu na atualidade ... 336

4.6.2. A transformação do discurso de equipamento, passando pela educação, até uma organização ativa, engajada, humana com função social ... 339

4.6.3. Sínteses acerca da razão de ser do museu... 359

4.7. Que tipo de racionalidade deve embasar as ações administrativas para que a organização seja coerente com sua razão de ser? ... 364

4.7.1. Cidadania e desenvolvimento social, artístico e cultural ... 364

4.7.2. O funcionamento da OS: “não é um aluguel... sabe, de residência” ... 371

4.7.3. Medidas de desempenho ... 378

4.7.4. Os principais desafios ... 386

4.7.5. Os critérios de compras e contratação (atividades meio) ... 390

4.7.6. A “causa” e a organização de “duas cabeças” ... 392

4.8. Há pertinência na ideia de Zona de Contorno? Ela é um espaço importante para os museus contemporâneos? ... 395

4.8.1. Os “seres de museu” e os “iniciantes” ... 395

4.8.2. “Inúmeras possibilidades de estar aqui” ... 397

4.8.3. Um museu de passagem x um lugar para estar ... 400

4.9. De que maneira a pedagogia de Paulo Freire é adaptada nos museus ou nas zonas de contorno? ... 401

4.9.1. A educação como moeda de troca ... 401

4.9.2. A educação como finalidade do MAR ... 403

4.9.3. Respeito à Diversidade e Inclusão ... 405

4.9.4. Totalidade e Dialogicidade ... 407

4.9.5. “Busca do Ser mais” e Conscientização ... 414

(14)

4.9.9. Emancipação e alienação ... 421

4.10. De que forma razão e racionalidade são coerentes com essa pedagogia? ... 435

4.11. Questões que emergiram no campo ... 438

4.11.1. Ter uma coleção (poder escolher) ... 438

4.11.2. Trabalhar em cima da ideia de núcleos significativos (amplia a noção de museu de arte para ser um museu que coleciona tudo) ... 442

4.11.3. Fazer a sua própria curadoria (não ser um hotel de exposições, mas produzir exposições, ou seja, propor temas para debate) ... 443

4.11.4. A gestão por Organizações Sociais ... 447

5. Alguém com quem contar... 455

5.1. Sugestões para futuras pesquisas e limitações dessa pesquisa ... 469

Referências: ... 472

APÊNDICE 1 ... 482

APÊNDICE 2 ... 486

APÊNDICE 3 ... 489

(15)
(16)

Tabela 1 – Entrevistas realizadas distribuídas pelos dias da semana ... 119

Tabela 2 – Local de moradia dos visitantes do MAR (questão 2) ... 129

Tabela 3 – Renda mensal dos visitantes do MAR aproximada (questão 6) ... 132

Tabela 4 – Sentimento de opressão organizado por gênero ... 136

Tabela 5 - O perfil dos visitantes distribuídos por companhia com que foi ao museu (questão 4). ... 147

Tabela 6 – Relação entre o sentimento de auto-opressão e de que seria melhor se fosse mais livre ... 195

Tabela 7 - Compilação das reclamações e sugestões feitas nas perguntas 14 e 15 do questionário ... 202

Tabela 8 – A mudança de percepção de si mesmo após a visita ao MAR (questão 35) ... 210

Tabela 9 – A mudança de percepção da cidade do Rio de Janeiro após a visita ao MAR (questão 36) ... 213

Tabela 10 – A intenção de mudar alguma coisa no próprio cotidiano após a visita ao MAR (questão 37) ... 215

Tabela 11: Respostas às perguntas 23b à 37b (em números percentuais, arredondados) ... 215

Tabela 12 - Média da soma das respostas às perguntas 23b à 37b (incluindo as respostas negativas) ... 216

Tabela 13 – Menção a artistas expondo no MAR (questão 16)... 235

Tabela 14 - Fatores motivadores da visita ao museu ... 236

Tabela 15: Simulação de tempo dispendido por uma família fictícia residente em Nova Iguaçu para visitar o MAR ... 279

Tabela 16: Simulação de gastos de uma família fictícia residente em Nova Iguaçu para visitar o MAR ... 279

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(18)
(19)

1.

Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação

conceitual

1.1. O desenvolvimento, a cultura e a emancipação

Cultura e desenvolvimento vêm ganhando destaque no plano teórico e prático, tanto no âmbito da gestão pública quanto nas novas formas de parcerias público-privado. A atenção ao tema foi impulsionada por diversas razões, mas especialmente pela ação da Unesco, com o fim de promover o acesso à cultura como necessidade básica a ser garantida à humanidade. Nesse sentido, a exemplo do que vem ocorrendo em diversos países, o governo brasileiro tem investido na elaboração de indicadores para a área da cultura e do Plano Nacional de Cultura, instituído pela Lei12.343, de 2 de dezembro de 2010 (Minc, 2014). Destaca-se, ainda, que a II Conferência Nacional de Cultura, realizada em março de 2010, teve um eixo de discussões dedicado ao tema “cultura e desenvolvimento sustentável”, apresentando como foco “a importância estratégica da cultura no processo de desenvolvimento”.

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entre eles e, consequentemente, às ações dela decorrentes. Trennepohl et al (2007) apontam ainda outra questão: a dificuldade de análise e ação na realidade brasileira, pela extensão do território e pela diversidade presente, que tornam problemática a definição de objetivos e metas nacionais.

Face às dificuldades apresentadas, eu adoto como pressuposto que a cultura é base para o desenvolvimento. Dentro dessa linha de pensamento, destaca-se, entre outros autores, Celso Furtado (1984), de quem tomo emprestado conceitos e ideias que são utilizadas como base teórica para a argumentação neste trabalho. Assim, entendo a cultura como fonte criativa necessária e capaz de inspirar e fomentar um desenvolvimento mais amplo e emancipatório, que suplante a noção largamente difundida de crescimento econômico. A cultura de forma ampla, incluindo aquelas salvaguardadas nos museus e outras organizações culturais e aquele conjunto intangível que permite a comunicação (compreensão e diálogo ativo desse conteúdo com seu contexto e com seu público), servirá para essa análise como subsídio por meio do qual se promovam mudanças em uma sociedade no sentido de sua evolução, tanto individual quanto coletiva.

Esse desenvolvimento mostra-se, então, como um espaço onde as possibilidades humanas possam laborar amplamente, a favor de um futuro comum e melhor, dentro do que os próprios valores e modelos inerentes àquela cultura delimitarão como melhor. A partir da perspectiva mercadológica, a palavra desenvolvimento toma outro significado e, consequentemente as estratégias para alcançá-lo são diferentes. Porter (1999) torna a distinção bastante clara quando fala em desenvolvimento econômico, e explica que no caso do desenvolvimento econômico de partes das cidades, as iniciativas não têm obtido êxito porque estão desligadas das leis de mercado:

Os programas que objetivam mais diretamente o desenvolvimento econômico têm sido fragmentados e ineficazes. Essas abordagens isoladas geralmente assumiram a forma de subsídios, de programas de preferência ou de esforços dispendiosos para estimular a atividade econômica em áreas tangenciais, como habitação, construção civil trataram os centros das cidades como uma ilha isolada da economia circundante e sujeita a leis exclusivas de competição. Eles desenvolveram e sustentaram pequenas empresas pouco lucrativas, destinadas a atender à comunidade local, mas mal equipadas para atrair investimentos [...]. (PORTER, 1999, p 339).

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horizontais e com maior participação do Estado, e que, nesse sentido, atender a comunidade local é mais desejável do que submeter-se à economia global.

Não há, no entanto, contradição se entendermos que o desenvolvimento que um visa é oposto ao do buscado pelo outro. Desenvolvimento econômico teoricamente se contrapõe ao desenvolvimento social à medida em que, a partir de uma premissa de cunho lógico, não pode haver riqueza sem pobreza1. Inserir-se no livre-mercado é estratégia

vantajosa e desejada se o objetivo é o enriquecimento pecuniário e acúmulo de capital. Buscar soluções locais e alternativas pode ser estratégia mais segura para um desenvolvimento de espectro mais amplo (emancipatório) e a mais longo prazo, e, de acordo com a mesma premissa, ele não deve almejar como objetivo principal o acúmulo de riqueza material posto que isso implicaria na exploração e no empobrecimento material de tantos outros.

Há uma tendência contemporânea em desenvolver partes relegadas das cidades, e os museus apresentam-se nesses novos espaços criados nos centros (ou portos) das cidades como componentes recorrentes. Os museus são apontados como organizações capazes de promover a cidadania e a inclusão social, ainda que sob perspectivas e interpretações bastante diversas, umas sob a égide mercantil (QUEIRÓS, 2007), por meio do fomento da economia e geração de emprego e renda, outras por meio do desenvolvimento humano e social que promovem (VERGARA, 2007; CANCLINI, 2009), outras, ainda, que ressaltam suas potencialidades no fomento esalvaguarda da cultura e, também, como promotores de educação (CHAGAS, BEZERRA, BENCHETRIT, 2008), e ainda há alguns que criticam seu desempenho quanto a sua instrumentalidade face aos objetivos defendidos de cunho social (GUIMARAENS e IWATA, 2001; BRUNO, 2002; TOSTES e NASCIMENTO JR., 2008; BRIGOLA, 2008).

A julgar pela pluralidade de suas interpretações, essas organizações vêm sofrendo pressões nas últimas décadas e se modificaram quanto à forma, objetivos e quanto a sua relação com a sociedade. As demandas que impulsionaram essas mudanças são divididas em duas naturezas: de um lado os museus devem atender às pressões econômicas (BRIGOLA, 2008) e de outro às demandas de inclusão e salvaguarda das multiplicidades

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culturais (DECLARAÇÃO... 2008; CHAGAS, BEZERRA, BENCHETRIT, 2008), apoiadas em uma ideia de educação mais ampla.

Neste ponto, considerei interessante fazer mais uns apontamentos de âmbito internacional, posto que para tratar da realidade museal brasileira é relevante relacionar o país com a realidade mundial. Como as referências usadas já mostraram (com destaque para a Unesco) a temática é global e desafiadora.

Greenhill (2007), traz a polêmica na tradicional cultura da Inglaterra, discutindo expectativas diante do papel do museu na sociedade em permanente debate, com aspectos que interessam à realidade brasileira, em especial quanto à qual ou quais seriam os papeis do museu na realidade social. Essa iniciativa leva de imediato, a perceber-se que há dificuldades dos museus em compreenderem o que poderiam fazer pela sociedade e da sociedade sobre o que poderia aproveitar dos museus, desafiando os governos e outras diversas naturezas de organizações a lidar com essas questões.

Estudos norte-americanos, em especial o Report of the Commission of Museums for a New Century, 1990, citado por Greenhill (2007), contribuíram para iluminar o problema do papel educacional dos museus, deixando-o mais visível, porém, revelando dificuldades no tocante à sua administração. Os achados do estudo da “Associação Norte -Americana de Museus-AAM, em 1992, publicado na Inglaterra” afirmam que não haveria clareza sobre como a sociedade poderia aprender melhor no ambiente museal, algo que a conclusão da referida pesquisa considerou “irônico, diante da quantidade e da qualidade da programação dos museus, à época” (GREENHILL, 2007, p.5).

O governo inglês “considera que a educação é central no papel dos Museus”, seguindo, aliás, uma proposição internacional. Essa posição política é atrativa para aqueles que trabalham na área, mas leva os mesmos ao empenho em comprovar esse entendimento. “Wenger discute como a aprendizagem transforma o que nós somos e o que nós fazemos. Aprendizagem, diz ele, não é apenas uma acumulação de habilidades e fatos, mas um processo de tornar-se”, na verdade, afirma o autor, recorrendo à Giddens: construindo essa “auto-identidade” (GREENHILL, 2007, p.2), o que os museus vão buscando em suas ações e ressignificações.

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direcionados a museus que pesquisam pesadamente e, consequentemente, posicionando-se como “pontos-chave de aprendizagem na pós-modernidade” (GREENHILL, 2007, p.3).

Porém, é preciso esclarecer que essa questão não é pacífica. Não é apenas no Brasil (entendido como território e cultura) no qual esse estudo está fundado, que a questão museal é polêmica, pois nos países tradicionais, a lida com essas organizações revela que os debates permanecem fortes e vivos.

Neste ponto, é importante resgatar, por exemplo que, na Inglaterra, uma tradicional nação em termos de museus, não é pacífico o entendimento entre os conceitos de educação e aprendizagem, quando museus estão envolvidos. Ao contrário, o debate é intenso com divergências teóricas que ocorrem internamente, bem como emergem em outros países com tradição em museus. Na Inglaterra de 1998, por exemplo, o Secretário de Cultura, Mídia e Esportes preocupava-se com o que considerava museus: uma necessidade de possibilidades educacionais para os “excluídos”, advogando ações e recursos aos museus para avanços nesse sentido, porém a questão continuava ambígua, levando até o suposto empenho, no que se relacionava a fundos nessa direção, em 2000, a ser considerado “medíocre” segundo Greenhill (2007, p. 6).

Naquele ambiente, as pesquisas trouxeram alguma clareza para o que seria esse esperado aprendizado nos museus, citando: conhecimento e compreensão; habilidade; apreciação, inspiração e criatividade; atitudes e valores; ação, comportamento e progressão. Esses pontos foram interpretados como iniciais, havendo considerável continuidade dessas pesquisas entre 2003 e 2006. Esses estudos que não focaram questões econômicas, porém, ainda apresentaram os museus como frágeis em termos de promoção da educação.

Reações do Secretário da Educação e Emprego britânico, diante das consideradas pouco construtivas relações do uso dos museus para alunos e professores, foi categórico em afirmar que o mais importante não era o negócio dos museus, mas sim a cultura que os museus apresentavam e o esforço de seus funcionários que deveria contribuir para tornar essas organizações acessíveis, provendo serviços a todos os níveis da sociedade.

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e desse esperado retorno do papel dos museus, considerava a presença de “eficiência, efetividade e resultados” (GREENHILL, 2007, p.18). Essas medidas de desempenho, como analisarei no caso brasileiro, parecem ligadas tanto aqui quanto lá à uma compreensão e discurso de resultados e de relevância social, a despeito de serem medidas tradicionalmente mais instrumentais.

A discussão não deu trégua, prosseguindo em 2004, com a expectativa do papel da educação relativa aos museus sendo relacionada até à possível redução da criminalidade (GREENHILL, 2007). E mais uma vez o discurso imprime à essas organizações uma razão de ser e papéis ligados ao desenvolvimento substantivo da sociedade.

Em meio a esses argumentos e boas intenções, um ponto, porém, apresenta risco global, conforme apresentado por Stone e Molyneaux (2002). O risco refere-se a como lidar com o passado. Os autores alertam para os perigos que cercam essa exposição de fatos, artefatos e idéias que não poderão ser resolvidos com “simples mudança nos fatos históricos ou currículo”, mas poderão ser utilizados em detrimento de um presente e de um futuro com melhor administração de problemas e mais liberdade para as pessoas, independentemente de cultura e nacionalidade por “reação de grupo social dominante” (STONE e MOLYNEAUX, 2002, pp. 10-12). Esse risco que envolve o poder de decidir e de escolher, de contar, criar e recriar a história pode ser alienante e está mais aprofundado nas páginas que se seguem. Por isso, a despeito dessas mudanças, os museus mantêm seu caráter e propriedade de criação e manipulação ideológica. Eles ainda são espaços onde se escolhe e se apresenta arbitrariamente objetos que contam a história de uma determinada cultura.

(25)

Por outro lado, apresento a função central da educação e da cultura para o desenvolvimento pleno do indivíduo e da sociedade, criando um novo paradigma no início do século XXI (VIEIRA e VIEIRA, 2004). “O sujeito, individual e social, só romperá os grilhões da pobreza hereditária, da pobreza por exclusão social e da pobreza pela reprodução irracional se tiver diante de si oportunidades de educação” (VIEIRA e VIEIRA, 2004, p. 171).

A cultura é peça-chave da educação emancipatória. Mas de acordo com Coelho (2008), a cultura oferece riscos quando é entendida como serviços dentro da lógica capitalista contemporânea, porque ela foi e continua sendo usada para afirmação ideológica e para a dominação política, tal qual os museus. Um processo de domesticação da cultura, para o autor, seria “fazer da cultura um instrumento privilegiado do desenvolvimento urbano e humano sem transformá-la em serviço” (COELHO, 2008, p. 13). Para Miranda (2008, p. 13) cultura “é uma grande ferramenta de transformação da vida das pessoas. Ela educa para a autonomia, aumenta a capacidade das pessoas em decidir da melhor forma possível”.

O papel educacional dos museus tal qual defendo é o de proporcionar uma educação pela cultura como alicerce da liberdade, gerando assim homens e mulheres em contínuo processo emancipatório, no que toca seus pensamentos e suas ações. Ao fazer isso, os efeitos serão sentidos na construção democrática, já que um Estado democrático não pode sê-lo sem cidadãos de fato, conscientes e atuantes no mundo.

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Sob esse ponto de vista, a educação não deve ser feita como extensão, e sim como comunicação (FREIRE, 2002). No entanto, não descarto a possibilidade dessas mesmas organizações servirem a um processo que Freire chama de “invasão cultural”, que acontece quando a educação é autoritária, alienadora, de mão única, e que impõe ao oprimido a cultura do opressor como mais uma forma de alienação e de negação de seu direito de existir e se expressar no mundo. Para que a educação seja emancipatória, Freire (2002) defende que ela seja um processo dialógico, em que todos possam participar. A comunicação é assim, o método possível para uma educação ética, com respeito, e que contribuirá para a construção criativa em um processo contínuo e libertador, por isso uma práxis libertadora. Práxis entendida como o processo indissociável de compreensão, crítica e ação no mundo.

Freire (2001) fala que há uma peculiaridade que dificulta a tomada de consciência e a crítica do mundo, que compõem o processo emancipatório. Ela está posta na relação hegemônica em que o oprimido hospeda em si seu opressor (FREIRE, 2001). Essa relação causa uma dependência, pelo menos emocional ou mística, dos oprimidos em relação aos seus opressores. Daí Freire (2001, p. 72) dizer que o “subdesenvolvimento, na realidade, não tem sua razão em si mesmo, mas ao contrário, sua razão está no desenvolvimento”.

Esse paradigma é tomado emprestado para analisar o desenvolvimento, ou os desenvolvimentos gerados pelos museus no Porto Maravilha e nesses locais de interesse nas cidades. Superar a menoridade, ou a alienação, é, portanto, mais do que uma tarefa restrita a esfera individual a partir dessa perspectiva, e no ápice suplanta a questão tão cara a um país como o Brasil, em situação de subdesenvolvimento, ou “em desenvolvimento”.

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Romper esse silêncio pode ser uma função emancipatória dos museus vinculados a processos de desenvolvimento de partes das cidades. Mais do que isso, provocar o anúncio de um mundo melhor e promover e sediar o verdadeiro diálogo também são funções que podem ser desenvolvidas dentro dessas organizações. Vistos assim, os museus que estão sendo criados em locais de interesse nas cidades para desenvolvê-los (normalmente imobiliária e instrumentalmente falando) podem subverter essa lógica pragmática e servir ao desenvolvimento substantivo e emancipatório ao assumirem um papel ético e engajado na transformação social.

Caso essa tese se confirme no campo, esses novos museus podem se constituir em organizações que desempenhem um relevante papel de transformação social e emancipação humana, com uma postura atuante na sociedade. Se assim for, essas organizações constituir-se-ão, em um mundo de organizações, em “alguém” com quem a sociedade poderá contar em seu processo de desenvolvimento emancipatório.

1.2. Museus ancorando o desenvolvimento de partes das cidades

O desenvolvimento de centros urbanos considerados em decadência (ou subaproveitados) têm se mostrado um grande desafio contemporâneo inclusive no Brasil. Porter (1995) fala que também para os Estados Unidos o problema dos centros das cidades é corrente. Nessas áreas, a falta de empresas e empregos, segundo o autor, afeta a vida urbana alastrando pobreza e a criminalidade. De forma similar, zonas portuárias semi-desativadas porque estão com tecnologia ultrapassada, ou outros motivos, têm sido problema para muitas cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, essas zonas (centro e porto) coincidem, gerando uma área geograficamente bem localizada, porém, com insuficientes recursos urbanos, empregos e carente de segurança. Formas de revitalização desses centros é assunto cada vez mais presente nas agendas governamentais e também têm despertado interesses do setor privado. No entanto, muitas tentativas têm fracassado em algum dos aspectos do desenvolvimento. Mesmo para as perspectivas mercadológicas de desenvolvimento, a criação sustentável de uma base econômica nesses centros, a despeito do alto investimento de recursos, ainda não é realidade (PORTER, 1999).

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Olímpicos de 2016 chamam a atenção para projetos de revitalização nas cidades. Revitalização, reabilitação, valorização, requalificação ou desenvolvimento de partes das cidades são, portanto, assuntos em voga, tanto quanto a recente proliferação de museus e demais casas de cultura nesses espaços. Os museus contemporâneos são organizações reconhecidas como importantes na reconstrução dos espaços físicos e sociais, e na difusão da cultura (QUEIRÓS, 2007; BRUNO, 2002; GUIMARAENS e IWATA, 2001). Provavelmente porque o senso comum também entende assim essas organizações, é interessante observar que a maioria das iniciativas de revitalização prevê museus ou outros centros de cultura como peças fundamentais e centrais nos seus projetos.

Mais do que servir de âncora para revitalização de cidades, os museus podem proporcionar uma diluição das desigualdades existentes entre as pessoas pela democratização da memória, já que os museus abrigam objetos que são mais do que testemunhos, mas “elementos de identificação e referência da vida presente” (TOSTES e NASCIMENTO JR., 2008, p. 7). Os museus são também vistos como “espaços de cidadania cultural” (informação verbal) 2, ou como o território de poiesis (informação

verbal)3, ou seja, de experiências e processos de construção dialogal de conhecimento e

de autopoiesis, onde o indivíduo exercita a sua aprendizagem existencial. Começa a ficar evidente para mim que há, a partir de uma leitura teórica, uma dissonância aqui entre as expectativas de desenvolvimento econômico que justificam muitos dos projetos de revitalização e as justificativas teóricas de desenvolvimento humano que os museus podem proporcionar enquanto organizações de cultura.

Ainda acerca dos museus como pivôs do desenvolvimento de partes das cidades, Botelho (2005) lembra das tentativas do poder público carioca de implantar um museu da franquia Guggenheim Museum para servir de “âncora” da revitalização do centro e porto da cidade. Revitalização é um termo que será utilizado de forma genérica para esses processos, porém, como lembra Toledo (2012) o porto do Rio de Janeiro, por exemplo, ainda tem a presença do mercado visível, seja nas atividades portuárias de carga, seja as de turismo, e ainda, dentro da área que abrange o projeto Porto Maravilha temos 70% dos

2Luis Guilherme Vergara, citando Milton Santos, no Seminário de Abertura Programa Educativo. Museu

Oi/Telemar em 12/07/07. Informação verbal.

3 Luis Guilherme Vergara no Seminário de Abertura Programa Educativo. Museu Oi/Telemar em 12/07/07.

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bairros da Gamboa e da Saúde e quase 40% do bairro do Santo Cristo com estabelecimentos comerciais. Há grande movimento de pessoas nessas áreas. O Morro da Conceição (contemplado pelo projeto) é usado como cenário de novelas, clipes ou afins, e a rodoviária fica no entorno. Não é pertinente, portanto, dizer que a área estava “morta” (que precisa ser revitalizada) no que diz respeito ao seu uso social, mas de acordo com alguns indicadores, pode-se dizer que a área em geral estava subaproveitada, com muitos prédios abandonados, depredados, ocupações irregulares, decréscimo populacional e com pouca segurança (TOLEDO, 2012).

Para Rolnik e Botler (2004), há três tipos de revitalização nas últimas décadas: na década de 80, as revitalizações estavam restritas aos sítios históricos; em 90, estavam ligadas à competitividade das cidades marcando o setor de serviços face ao declínio do crescimento de indústrias, e na primeira década de 2000 os esforços de revitalização estariam, para o autor, obedecendo a pressupostos de recuperação, cidadania e de sustentabilidade.

Ora, me parece que os argumentos de Porter (1999) são relativos à competitividade, e estão fortemente pautados em relações de mercado. Mas, qual seria o interesse do mercado em investir em projetos que visem o desenvolvimento humano, ou a cidadania? De fato, para Porter (1999) os governos erram em investir massivamente nessas áreas, e investem mal. Segundo o autor, o setor privado é que deve investir, beneficiando-se de recursos e facilidades urbanas oferecidos pelo governo para que o projeto de desenvolvimento econômico seja bem sucedido. No caso contemporâneo do Rio de Janeiro, o mercado está investindo junto com o poder público por meio de um sistema consorciado (CASTRO e LIMA, 2010; TOLEDO, 2012).

As obras de revitalização da vizinha Buenos Aires, em Puerto Madero (iniciadas nos anos 80) tiveram objetivo similar ao de Niterói (COELHO, 2009), que foi de revitalizar uma região marítima que estava ociosa no centro. De acordo com Rego (2010), as críticas que surgiram após esse esforço foram justamente que o processo que visava a democratização transmuta-se em uma operação imobiliária, transformando Puerto Madero em uma zona exclusivista e elitista.

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esforços ainda não foram suficientes sequer para aquecer a economia, posto que a área construída está de alguma forma isolada do centro. Apesar da área inicial onde os principais prédios que iriam constituir o Caminho Niemeyer ser contígua ao centro, ela fica na prática visualmente encoberta por outros prédios como o das barcas e do shopping e também insulada por motivos de dificuldade de se chegar lá a pé, ou falta de segurança no pequeno trajeto (COELHO, 2008).

As diferenças principais entre a iniciativa portenha e a niteroiense foram que no segundo caso, os investimentos foram massivamente públicos e, ainda, que no caso de Puerto Madero pode-se dizer que houve revitalização, já que existia uma zona construída e que já havia tido grande uso. No caso de Niterói, o grande aterro estava vazio por motivos políticos e a iniciativa foi de construção e não de aproveitamento de prédios e espaços ociosos (ou massa falida, como os arquitetos chamam).

Conforme Toledo (2012) são várias as motivações para tais processos. A autora cita os exemplos de revitalização de zonas portuárias em: Baltimore, Barcelona, Cidade do Cabo, Buenos Aires, Roterdã, Hong Kong, Belém, Hamburgo, e por fim, trata do caso do Rio de Janeiro. Há, além dos portos, revitalização de centros das cidades como aconteceu em Colônia, no Uruguai (BARRETTO, 2007) e no Pelourinho da brasileira Salvador (ZANIRATO, 2006).

Em Fortaleza (Ceará), o poder público estadual encarregou-se de mobilizar sozinho os esforços para a revitalização, e “a principal experiência de revitalização da área central da cidade deu-se no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura” (BOTELHO, 2005, p. 63). Ainda segundo Botelho (2005, p. 63), o arquiteto responsável pela obra do centro cultural, Fausto Nilo, diz que o termo de referência “[d]izia apenas de uma edificação que pudesse influir de maneira positiva na vizinhança. (...) A intenção seria recuperar essa região da cidade ao usufruto dos cidadãos”.

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como os museus e outros centros de mesma natureza que têm se pautado por uma certa lógica mercadológica para atrair o grande público. (BOTELHO, 2005, p. 65).

Assim como em Niterói, o centro de Fortaleza no entorno do Centro Dragão do Mar não estava localizado em nenhum local com tombamento histórico nem artístico, no entanto um conjunto arquitetônico foi reconhecido como patrimônio como consequência da implantação do projeto.

Apesar de haver tendência a se planejar pensando globalmente, cada vez tem aparecido mais unânime a urgência em se olhar para as cidades como lócus da realização dos projetos e mesmo de planos estratégicos. É nas cidades que as ideias se concretizam. Essas mesmas cidades4 estão marcadas inclusive em sua organização física por diversas

levas de desenvolvimento e muitas delas abrigam espaços em seu interior (normalmente nobre, central ou portuário) que estão subutilizados, abandonados ou marginalizados. Começa então a proliferar na literatura estratégias de revitalização, reciclagem, valorização e outras para promover o desenvolvimento desses espaços.

Essas transformações acontecem nas cidades, enquanto espaço privilegiado da contemporaneidade (Seminário Internacional a Cultura pela Cidade, 2008). É por isso que em um sentido, o museu vai para esse espaço, o “museu vai para a cidade, ele constrói laços juntamente com as práticas artísticas na cultura contemporânea” (VERGARA, 2011)5. Por outro lado, me parece que o museu é fruto da própria cidade, no sentido que

é ela que justifica um tipo de organização específica para salvaguardar partes do patrimônio cultural da humanidade.

1.3. Caminho traçado para o estudo e outras premissas

A ideia que, como conta a lenda, Gandhi lançou aos dominadores britânicos de que poucos só conseguiriam impor sua vontade à maioria enquanto essa maioria cooperasse, e que embasou as políticas de não cooperação ao colonizador em favor da

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independência da Índia, é bastante pertinente aos estudos críticos. É pertinente porque fala de mudança do status quo, e, ao mesmo tempo, porque evidencia a premissa de que há poder e imposição nas relações entre dominadores e dominados. O mesmo diria Paulo Freire, e o fez por meio de suas ações, sobretudo de alfabetização política.

Entender como se dá a cooperação nas relações a que uma organização qualquer está sujeita me parece, portanto, importante e interessante chave para abrir a porta da compreensão mais aprofundada das suas relações de poder e também das racionalidades que justificam a existência da organização. Parece-me também, em uma esfera bem mais pragmática, um caminho para compreender qual racionalidade deve embasar todas decisões e ações administrativas da organização em questão.

Em palavras mais simples, o fato hipotético de as pessoas em geral acreditarem que determinada organização é prejudicial a elas próprias ou que simplesmente não tem nenhum sentido de existir (e, portanto, que gasta recursos inutilmente) é motivo suficiente para fazer com que, na prática, essa organização deixe de existir através de uma ação política de não cooperação pura e simplesmente ou de uma ação de reação mais ostensiva. É por isso que eu acredito que as organizações devam estar pelo menos igualmente preocupadas com sua razão de ser e com a percepção social dela ao mesmo passo que com estratégias de mercado, projetos de inovação, processos produtivos e similares.

Uma solução lógica e já bastante usada nos estudos críticos para entender essas relações é o estudo de poder. Acredito que possa haver alguma possibilidade de compreensão e algum mérito em se seguir outro caminho, menos óbvio. Minha proposta é entender, a partir de contradições mais ou menos explícitas (aquelas observadas com apenas um pouco de cuidado, mas sem estudo aprofundado) nas relações entre organizações e sociedade, como se dá esse processo ou diálogo. Em um segundo nível, aproveitando a resposta à pergunta de como se dão essas contradições, acredito que se possa aventar conceitualmente qual a razão de ser da organização no contexto histórico e social (se ela tiver razão de ser).

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que ela mantenha-se coerente com sua razão de ser. Dessa forma, a linha argumentativa pode levar, acredito eu, não à compreensão das relações de poder, mas à compreensão da possibilidade ou não dessa organização ser lócus positivamente engajado no processo emancipatório da humanidade, ou seja, justamente em se opor à lógica de dominação que aprisiona e aliena para se sustentar (MOTTA, 1986 e FREIRE, 2007).

O objeto ou o tipo de organização em questão no presente estudo é o museu. Mais precisamente o museu (ou o espaço cultural de forma mais genérica) que se descobre no Brasil contemporâneo como organização central para o processo de desenvolvimento ou de revitalização de partes das cidades. A palavra museu está sendo, portanto, usada em sentido lato, abrangendo demais espaços criados com intenção de gerir de alguma forma a cultura no contexto já citado.

1.3.1. Encadeamento de Argumentos

a) Arranjo Argumentativo 1:

A partir de um estudo aprofundado com foco na contradição entre (1.1) o desafio posto pelos museólogos de que as pessoas não vão aos museus6, (1.2) da

percepção visual/experencial das pessoas indo aos museus e (1.3) do esforço político e econômico de construir ou revitalizar museus em pontos a serem valorizados nas cidades proponho compreender como se dá essa contradição.

Da resposta a essa pergunta pretendo conseguir propor caminhos para o entendimento de qual é o papel dos museus hoje, ou, administrativamente falando, qual a razão de ser dessa organização hoje, visto que pelo menos em uma primeira observação superficial há contradição aparente entre essas razões e funcionalidades.

Entendendo como o museu se ressignificou na sociedade, ou, qual a razão de ser dessa organização, baseada em suas funcionalidades contemporâneas espero poder, a partir da teoria de Estudos Organizacionais elegida indicar qual é

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a racionalidade que deve embasar as ações e decisões administrativas para que essas organizações sejam coerentes com sua razão de ser.

b) Arranjo Argumentativo 2:

A partir da proposta dos museus em (2.1) oferecer a sociedade ações extramuros de cunho social, (2.2) da percepção visual da existência dos muros (cercas e demais equipamentos de segurança ostensivos) e (2.3) da alocação desses espaços como espaços de embelezamento, ícone e alavancagem do processo de revitalização das cidades proponho compreender como se dá essa contradição.

Da resposta a essa segunda pergunta pretendo conseguir propor caminhos para o entendimento de qual é o papel dos museus hoje, ou, administrativamente falando, qual a razão de ser dessa organização hoje, visto que pelo menos em uma primeira observação superficial há contradição aparente entre essas razões e funcionalidades.

Entendendo como o museu se ressignificou na sociedade, ou, qual a razão de ser dessa organização, baseada em suas funcionalidades contemporâneas, espero poder, dentro dos Estudos Organizacionais indicar qual é a racionalidade que deve embasar as ações administrativas para que essas organizações sejam coerentes com sua razão de ser.

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orais gravadas em encontros ou seminários (comunicações “naturais”) e pesquisa bibliográfica.

Ainda acerca da análise pela narrativa, ela pode ser: temática (sobre o que foi dito); estrutural (sobre a natureza de contar a história) ou dialógica (ou performance, que foca em para quem a estória é contada), segundo Creswell (2013), e nesse caso foi usada a temática. As narrativas funcionam bem para capturar estórias detalhadas de experiências de vida de uma única pessoa ou de um pequeno grupo. Na análise, o pesquisador pode ter participação ativa, reescrevendo e re-emoldurando a história7 como eu faço no presente

artigo. Então, é o pesquisador que provê a narrativa com uma ligação causal e por isso meu ponto de vista fica evidente ao leitor. Eu tento no enredo incluir as três dimensões propostas por Creswell (2013): a interação (pessoal e social); a continuidade (passado, presente e futuro); a situação (lugar), com menor ênfase na continuidade nesse momento, já que o objetivo do ensaio é discorrer sobre o fenômeno contemporâneo e o recurso da narrativa é usado apenas para melhor descrever e analisar o objeto (ou participante) e os argumentos que dele emergiram, em justaposição ou contraposição com o meu próprio pensamento e principalmente com a teoria utilizada.

Creswell (2013) afirma que na perspectiva narrativa, tanto participantes quanto pesquisador aprendem e negociam o sentido ou o significado das estórias. Esse processo de negociar, ir e vir, que é um processo riquíssimo da análise eu não faço neste primeiro momento que é o da organização do ensaio teórico. Pretendo dar continuidade retornando essa primeira impressão (em forma de ensaio) ao campo e agregando outros métodos de coleta como entrevistas semi-estruturadas e refazendo as análises. Esse processo de dialogar, de envolver todos os participantes é também muito útil para mim especialmente porque parte relevante do referencial teórico e motivador desse estudo que é bem maior e mais antigo do que este ensaio está embasado em Paulo Freire. E esse processo dialogado, participativo é muito próximo ao que Freire (2002) sugere como comunicação, se a ele agregarmos o engajamento político e o compromisso com a transformação do mundo em um mundo melhor.

Os desafios principais do método apontados por Creswell (2013) são: a necessidade de informações muito extensivas (de diferentes fontes) acerca do

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participante8 e a necessidade de entender bem seu contexto para não distorcer as

interpretações. Tais desafios podem ser suprimidos pela triangulação de fontes, o que foi usado aqui, e pelo contato e convivência com o meio, o que também tem sido feito ao longo dos últimos quatro anos por mim, ainda que como pesquisadora não-participante. Outra forma de enriquecer os dados é retornar com as análises parciais ao campo, como foi explicado no parágrafo anterior e isso será feito em um estudo posterior.

O autor sugere a criação de códigos e temas para a análise dos dados, de acordo com a sequência: descrever, classificar e interpretar os dados. A descrição desempenha papel principal neste ensaio. O processo de codificação9 implica em agregar textos e

imagens em pequenas categorias de informação e eu faço isso organizando os dados expostos nas narrativas principalmente nos níveis 1 do primeiro e do segundo arranjo argumentativo.

A análise dos níveis 2 e 3 é argumentativa utilizando o fruto da análise dos dados dos níveis imediatamente anteriores e comparando com as teorias utilizadas a partir do referencial adotado. Ao longo das análises e dos argumentos procurei grifar em negrito partes do texto que serviriam para a construção das categorias organizadas nos esquemas que encerram parcialmente cada etapa da análise.

Acredito, ainda, ser possível, a partir da racionalidade fundamental que deve embasar essas organizações, confrontar finalmente essa conclusão parcial à proposição teórica defendida anteriormente de que os museus são organizações privilegiadas para sediar o processo emancipatório na contemporaneidade (CASTRO, 2012). O esquema desses arranjos está graficamente representado na figura 1.

8Não se usa a palavra “objeto” de pesquisa, e sim “participante” neste método.

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Nível 1

•Como se dá a contradição entre:

•a assertiva dos gestores de que as pessoas não vão aos museus •a presença das

pessoas nos museus •o esforço

político/econômi co para construir museus em locais de interesse

Nível 2

•Com base nas contradições, qual a razão de ser da organização "museu" hoje? Nível 3 •Qual racionalidade deve embasar as ações

administrativas para que a organização seja coerente com sua razão de ser?

Nível 1

•Como se dá a contradição entre:

•a existência de ações extra-muros

•a existência de muros nos museus •o interesse

privado e coletivo para revitalizar a cidade

Nível 2

•Com base nas contradições, qual a razão de ser da organização "museu" hoje?

Nível 3

•Qual

racionalidade deve embasar as ações

administrativas para que a organização seja coerente com sua razão de ser?

A rr anj o A rgum e nta tiv o 1 A rr anj o A rgum e nta tiv o 2

Tese em prova:

Os museus são

lócus privilegiado

para o processo

emancipatório

contemporâneo?

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De acordo com Whetten (2003), condições referentes a quem, onde e quando impõem limitações aos modelos teóricos como o que busco desenvolver. Assim, a opção por privilegiar autores brasileiros pode se constituir em uma limitação em relação à generalização do modelo. No entanto isso não deve comprometer o esforço teórico se o leitor compreendê-la a partir da perspectiva mais genérica de que o novo papel dos museus está voltado para o desenvolvimento, e que o desenvolvimento que a literatura que uso defende que deve ser intrínseco e emanado de cada cultura. Dessa forma, é possível que essa proposta teórica não seja considerada como uma teoria no sentido amplo já que não é abrangente o suficiente para todos os museus do mundo, mas de acordo com essa visão de desenvolvimento, uma teoria que seja aplicada apenas a algumas realidades é mais relevante porque tem mais poder de transformação daquela realidade específica, e nesse caso, como pesquisadora brasileira, é a realidade brasileira a que me é mais cara.

No tocante a quem, outro fator limitante proposto por Whetten (2003), acredito que diferentes tipos de museus, mesmo dentro da realidade brasileira, estão em diferentes condições de se utilizarem da teoria, e têm diferentes propósitos, sendo possível que para alguns a questão mercadológica se sobreponha de tal forma que a teoria aqui desenhada não fará sentido. Entendo, que, para um museu de arte, por exemplo, a própria aquisição, empréstimos e conservação das obras pressupõem um emaranhado de serviços como seguros, restauradores, transportes especializados, entre tantos outros e, que são tão caros que às vezes a organização deve decidir entre manter ou adquirir essas obras (salvaguardando o patrimônio) ou usar seu orçamento para outros fins.

No entanto, seguindo a tendência mundial, proposta pelos órgãos internacionais, e mais especificamente a tendência Latino-Americana em redesenhar os papéis dos museus dando ênfase especial ao papel de educação para o desenvolvimento desses países, acredito que esta teoria se adéqua perfeitamente e que teríamos que tomar os casos de museus com outro enfoque a partir de outras perspectivas, entendendo que organizações com fins diferentes coexistirão nesse momento de transição, mas que é possível que um modelo se sobreponha ao outro ou que elas tomem rumos cada vez mais diferentes.

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proponho que este esforço teórico sirva aos museus contemporâneos, não havendo nenhuma pretensão de generalização no tempo. Certamente ela não se adéqua ao papel que os museus desempenharam no passado no Brasil, e em tantos outros lugares, que foi o de manipulação da cultura; mas acredito que estudos empíricos futuros como os que devem acontecer na sequencia dessa pesquisa podem oferecer indícios de como ela poderia se aplicar deste momento para os vindouros, acompanhando as mudanças de época e de contexto.

Ainda é importante destacar que a opção pelo ensaio teórico não quer dizer que não houve, em momento algum, visita ao campo, mas sim que não houve pesquisa de campo propriamente dita. Em consonância com a ideia de práxis que se defende não se poderia abrir mão da relação indissociável entre teoria e prática, logo as visitas a campo contaram com observações e entrevistas, mas estas se restringiram apenas a “explorar o campo”, seguindo apenas essa parte da metodologia proposta por Quivy e Campenhoudt (1998) com vistas a refinar aspectos contidos na teoria para a análise. O resultado desse contato com o campo não será utilizado como dado, portanto, e serviu tão somente para oferecer mais subsídios nessa primeira etapa do processo.

1.4. Arranjo Argumentativo 1 (A.A.1)

Conforme já expliquei, utilizo neste momento da análise o método de produção e análise de narrativas. As duas narrativas a seguir estão destacadas em itálico e são criações minhas, com base em acontecimentos reais vivenciados durante as observações de campo em museus.

1.4.1. Por que algumas pessoas não enxergam outras pessoas indo aos museus? Etapa 1 (A.A.1)

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pensando: quantas estarão aqui pelo mesmo motivo que eu? Bem, na ocasião, meu motivo era assistir a mais um seminário internacional. Ia com muita alegria e expectativa porque esses seminários sempre aguçaram muito meus interesses acadêmicos e enriqueceram com novidades minhas curiosidades. Subi, e logo percebi que estava no lugar errado. Tinha que descer, falou a moça na recepção. Desci respondendo minha pergunta... pelo fluxo de pessoas, quase ninguém estava ali por causa do seminário.

Lá dentro foi tudo muito aprazível, como de costume. Bons temas e palestrantes. O que eu estava esperando aconteceu quase no final, com horário muito adiantado noite à dentro, já com pouca luz e sem ar condicionado no auditório (por problemas técnicos) mais da metade da platéia “sobrevivente” parecia não se incomodar com os percalços e cansaço físico face às acaloradas discussões. Foi assim que um moço na platéia e o professor (e gestor) Vergara, coordenando aquelas mesas, começaram a discutir e chegaram a conclusão, com auxílio de mais alguns (provavelmente museólogos e demais palestrantes do dia) na platéia de que atrair as pessoas para os museus era o maior desafio atualmente.

E fiquei me perguntando: - e todas aquelas pessoas pelas quais passei na entrada? E o fluxo de pessoas indo e vindo que eu vejo sempre que passo na frente desse e de outros museus e dentro das casas de cultura? Por que tantas pessoas que trabalham com isso acham que não tem público nos museus?! Por que como administradora vejo tanto investimento e discussões governamentais nesses espaços de cultura? Por que como turismóloga percebo cada vez mais ênfase nessas organizações como capazes de incentivar o desenvolvimento de regiões?! Aí estava minha pergunta!

Nem essas pessoas são cegas, nem eu estava tendo alucinações. Então, qual poderia ser a explicação dessas percepções tão diferentes? Por que os museus estão vazios para uns e cheios para outros?

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espaços de cultura? Haveria justificativa plausível para que o governo gastasse o dinheiro de nossos impostos financiando operações caras de trocas de exposições e obras de arte se fosse só para guardar o patrimônio? Mais valeria nesse caso, alugar um cofre!

No entanto, na introdução deste ensaio citei muitas experiências e projetos de revitalização onde a iniciativa pública e a privada se alteram financiando inclusive organizações deste tipo. E os museus são nesses processos de revitalização, não mero enfeite, mas pelo menos parecem aos olhos dos investidores bons negócios ou organizações com funções sociais tão grandes a ponto de justificarem os investimentos públicos. Então, de novo, por que os gestores de museus e os museólogos reclamam que as pessoas não usam esses espaços?

...

O que eu acredito que aquelas pessoas (museólogos e afins), com muita experiência em museus estavam querendo dizer é que as exposições encontram pouco público. Isso de fato deve ser verdade, afinal, eram pessoas de diversos países do globo falando e concordando com isso. Desde que eu comecei a frequentar seminários e encontros sobre museus lembro de ouvir acerca do descontentamento sobre a falta de compreensão do público para as exposições. Ou as pessoas não entendem arte, não se interessam por história, preferem outros tipos de diversão ou lazer, enfim.. então, na verdade eu preferi pensar que o problema dos museólogos era a falta de público para seus conteúdos. Muito embora esse assunto seja considerado por mim de extrema relevância e utilidade pública, merecedor de inúmeras teses, não creio que eu tenha conhecimento suficiente para discorrer sobre ele.

Acredito, no entanto, que o que eu posso fazer para ajudar é oferecer uma leitura plausível do fenômeno à luz da administração. Então, uma coisa é uma organização ser compreendida como relevante pelo senso comum, o que é muito importante para a sua institucionalização (SILVEIRA et al 2013), outra é o que a própria organização entende por ser sua função principal, e uma terceira é a possível consonância dessas duas. Claro que é desejável para uma organização que ela seja compreendida com importante por desempenhar aquilo que realmente é sua função principal.

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origem racional, e, portanto, legítima do poder, para a Teoria Institucional a legitimidade se constrói a partir da capacidade da organização em internalizar valores compartilhados no meio, ou contexto de referência onde ela atua. Então, em lugar de adotar racionalmente novas tecnologias e estruturas (calculando meios e fins), muitas organizações implementam inovações para proporcionar legitimidade em lugar de desempenho, em um processo isomórfico de institucionalização (DIMAGGIO e POWELL, 2005). Como apontam estudos de DiMaggio e Powell (2005) o modelo burocrático pode ter sido expandido ele mesmo por um processo de institucionalização mais do que por uma necessidade racional ou administrativa. Fachin e Mendonça (2003, p.29) defendem que “a perspectiva institucional pode ser tipificada como uma abordagem simbólico-interpretativa da realidade organizacional, apresentando uma posição epistemológica predominantemente subjetivista, em que é salientada a construção social da realidade organizacional”.

Selznick (1971, p.5), por sua vez, vê institucionalização como um processo. De acordo com o autor, o processo de institucionalização “é algo que acontece com uma instituição com o passar do tempo, refletindo sua história particular, o pessoal que nela trabalhou, os grupos que engloba com os diversos interesses que criaram, e a maneira como se adaptou ao seu ambiente”. Além disso, Selznick acreditava que dificilmente uma organização conseguiria manter-se livre desse processo. A criação e a incorporação de valores, em sua visão, refletem o grau de institucionalização de uma organização, e está no cerne deste processo. Para ele, não se trata de um fenômeno vazio, pois “a transformação de organizações técnicas expiráveis em instituições é marcada por uma profunda preocupação de autopreservação” (SELZNICK, 1971, p.5), que busca diminuir riscos e atingir objetivos de curto e de longo prazo. A identidade e os valores forjados durante sua existência determinam não somente sua longevidade, mas também o ritmo e a forma de sua transformação e desenvolvimento. A criação e a incorporação desses valores, para o autor, refletem seu grau de institucionalização.

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social. A segunda mantém seu foco de análise sobre os aspectos legais e a ordenação administrativa de governo. A terceira, a orientação sociológica, herdeira dos estudos de Émile Durkheim, coloca em evidência a relevância dos sistemas simbólicos, de conhecimento, crenças e autoridade moral, tomados por instituições resultantes dos relacionamentos sociais. O simbolismo teve papel central nas origens sociológicas do institucionalismo. A partir dos estudos de Durkheim sobre os sistemas simbólicos, de conhecimento, crenças e autoridade o pensamento institucionalista obteve grande suporte em sua tentativa de apresentá-los como resultados produzidos pela ordem social, dotados de caráter institucional. Igualmente importante foi a contribuição de Max Weber, que, mesmo sem tomar os resultados socialmente construídos como instituições, colaborou decisivamente para o entendimento do papel da cultura e da história na conformação da sociedade e da economia.

Assim, as perguntas que me fiz refletem essas três orientações propostas por Carvalho et al. (2003): econômica, política e sociológica. Parece-me que nessa primeira etapa de análise posso resumir os argumentos e a narrativa nas seguintes categorias:

- Orientação econômica museus como âncora para os projetos de desenvolvimento valorização econômica do entorno. Para a orientação econômica os museus parecem ter significado central nos processos de revitalização e revalorização de zonas subaproveitadas no mercado, por ancorarem os projetos de desenvolvimento e reurbanização dessas áreas. Na prática, essas organizações realmente têm centralizado zonas que na maioria das vezes tiveram seu entorno mais valorizado no mercado imobiliário a partir de sua criação. Como todo o processo histórico e social implica em uma relação entre escolher o que lembrar e o que esquecer, ou, o que valorizar e o que esconder, marcante é o depoimento coletado em entrevista por Coelho (2008) onde um entrevistado diz que a primeira coisa que construíram antes do MAC foi o muro, batizado por ele de muro da vergonha. Um muro que deveria esconder o morro em processo de favelização que fica na frente do terreno onde hoje tem o museu, para não prejudicar a vista do entorno da construção, que acabou aquecendo muito o mercado imobiliário da região.

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assim o investimento público. Pretendem com isso melhorar os indicadores sociais de determinadas partes das cidades, com indicadores tidos como ruins, como é o caso do centro do Rio de Janeiro, zona contemplada no projeto Porto Maravilha, como informa Toledo (2012). Por outro lado, acredito que poderia se aventar uma intenção de melhorar o capital cultural das cidades, aumentando assim seu potencial turístico, econômico e até de desenvolvimento social.

- Orientação sociológica – museus como espaços onde se deve ir – museus como pontos de encontro – museus como locais de passeio. Espaços onde se deve ir porque há uma pressão social para isso é um ponto de vista a ser considerado, que foi levantado de forma inteligente, como acredito eu, por uma coordenadora de projetos sociais em museus, em entrevista para mim há algum tempo atrás. Há cada vez mais como lembra a literatura (vou citar ALDEROQUI e PERDERSOLI, 2011) uma pressão social para visitas aos museus e casas de cultura. Por outro lado, minha narrativa e inúmeras observações vêem os museus como espaços de encontro. São lugares relativamente seguros e bonitos, onde as pessoas marcam encontros, podem esperar com tranquilidade umas às outras, podem ir a um café, fazer compras nas lojinhas de souvenirs, passear nos jardins, desfrutar vistas dos terraços, e namorar. Disso decorre a última categoria, onde essas organizações acabam se ressignificando como espaços de passeio.

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Quadro 1: resumo da análise do Arranjo Argumentativo 1, etapa 1 - Por que algumas pessoas não enxergam outras pessoas indo aos museus?

Orientação / perspectiva Categorias

Orientação econômica  Museus como âncora para os projetos de desenvolvimento

 Valorização econômica do entorno

Orientação política  Museus como espaços democratizantes da cultura

 Valorização social

 Aumento do capital cultural

Orientação sociológica  Museus como espaços onde se deve ir

 Museus como ponto de encontro

 Museus como locais de passeio Perspectiva dos

curadores e gestores de museus

 Conteúdo dos museus

 Pressões a partir de racionalidades diferentes

Fonte: elaboração própria.

1.4.2. Qual a razão de ser do museu hoje? Etapa 2 (A.A.1)

Referências

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