Tarsis Gesteira Ferreira
Biossíntese de glicosaminoglicanos sulfatados:
novos enfoques para o estudo de atividades e
interações das enzimas do Golgi
Tese apresentada à Universidade Federal
de São Paulo para obtenção do Título de
Doutor em Ciências.
Gesteira, Tarsis Ferreira
Biossíntese de glicosaminoglicanos sulfatados: novos enfoques para o estudo de atividades e interações das enzimas do Golgi. São Paulo, 2011. 105p.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina.
Tese preparada no Departamento de Bioquímica durante o Curso de Pós-Graduação em Biologia Molecular e apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção do título de Doutor em Ciências.
‘
Resumo
Heparam sulfato (HS) é um glicosaminoglicano altamente modificados
(GAGs) ligados a um core proteíco, formando os proteoglicanos de heparam
sulfato (HSPGs). A estrutura do HS é caracterizada por padrões de
modificações específicas, dependendo do tipo celular, da idade e do
organismo. A estrutura das cadeias de açúcar do HS são importantes na
modulação da atividade dos HSPGs. A biossíntese do HS é conservada a partir
de nematóides até o homem, iniciando no sistema retículo endoplasmático /
cis-Golgi, onde uma ligação de tetrassacarídeo é adicionado a um resíduo de
serina do core proteíco do proteoglicano. Após a adição covalente de um
resíduo de xilose pela xilosil transferase, três diferentes enzimas adicionam os
resíduos de galactose-galactose-ácido glucurônico, constituindo assim a região
de ligação, sendo este último passo essencial para o complexo de polimerases
EXT1 e EXT2 acrescentarem unidades alternadas de ácido glucurônico (GlcA)
e glucosamina N-acetilada (GlcNAc) na região não-reduzida da cadeia. Após
esta etapa de polimerização, um conjunto de modificações ocorrem:
N-desacetilação / N-sulfatação da GlcNAc pela enzima bifuncional, glucosaminil
N-desacetilase / N-sulfotransferase, epimerização do ácido glucurônico
adjacente ao recente domínio N-sulfatado pela glucuronosil C5 epimerase, e
por fim, 2, 3 e 6-O sulfatação por diferentes sulfotransferases com distribuição
tecido e isoformas específicas. A regulação dessas reações, bem como o
mecanismo de sulfatação, são mal compreendidos. Além da evidência
fragmentada, existe uma interrogação sobre a sistemática das interações
bioquímicas da maquinaria biossintética do HS.
N-Desacetilase-N-sulfotransferase 1 (Ndst1) promove a catálise inicial das modificações do HS e
Heparina (Hep), removendo os grupos acetil das unidades de
N-acetiglucosamina com subseqüente sulfatação dos amino grupos livres.
Utilizando uma biblioteca de Phage Display, selecionamos com sucesso dois
peptídeos que interagem especificamente com a Ndst1, inibindo sua atividade
de sulfatação. Inibidores da maquinaria biossintética dos GAGs são
importantes ferramentas para o estudo deste evento, bem como, na alteração
da composição das cadeias de açúcar do HS em modelos in vitro. Ainda,
capazes de estudar com detalhe o sítio catalítico da NDST de origem humana
e decifrar a relevância da precisão catalítica dos resíduos limitantes através da
fenda hidrofóbica, bem como, a sua significância para o reconhecimento e
sulfatação do glicano. Além disso, nós determinamos o resíduo de aminoácido
essencial para a ligação ao hNDST, Finalmente, utilizando ambas tecnologias
de identificação multidimensional da proteína e imunohistoquímica, fomos
capazes de demonstrar inicialmente a presença e a localização tecidual dos
diferentes proteoglicanos em diferentes órgãos do gastrópode Achatina fulica.
A. Fulica é um modelo vital para a caracterização da especificidade e o modo
de ação das enzimas envolvidas na biossíntese dos GAGs, pois a estrutura do
GAG acaram sulfato, encontrado somente neste organismo, contradiz a atual
teoria biossintética. Além disso, pela análise proteômica das proteínas isoladas
do Golgi da A. fulica, bem como, a imunohistoquímica das secções dos tecidos,
detectamos a presença da maquinaria de biossíntese dos glicosaminoglicanos.
Portanto, este estudo busca elucidar a atividade da NDST, além de, fornecer
Abstract
Heparan sulfates (HS) are highly modified glycosaminoglycans (GAGs)
bound to a core protein to form Heparan sulfate proteoglycans (HSPGs). The
fine structure of HS is characterized by specific modification patterns that are
cell-specific, age-specific and dependent on the organism. The fine structure of
the sugar chains modulates the activity of HSPGs. The biosynthesis of HS is
conserved from nematodes to man and starts in the Endoplasmatic
Reticulum/cis-Golgi network, where a linkage tetrasaccharide is attached to a
serine residue of a proteoglycan core protein. After the covalent addition of a
xylose residue by xylosyl transferase, three different enzymes add the
remaining – galactose–galactose–glucuronic acid residues that constitute the
linker region. This last step commits the proteins downstream through the
polymerase complex composed of EXT1 and EXT2, adding alternating units of
glucuronic acid (GlcA) and GlcNAc to the nonreducing end of the chain. After
this polymerization step, a set of modifications occurs: deacetylation/
N-sulfation of N-acetyl-glucosamine by a bifunctional enzyme, glucosaminyl
Ndeacetylase/N-sulfotransferase, epimerization of the glucuronic acid adjacent
to the recently N-sulfated domain by C5-glucuronosyl epimerase and 2, 3 a 6-O
sulfation by different sulfotransferases with specific tissue distribution and
isoforms. The regulation of these reactions as well as the sulfation mechanism
are poorly understood. Beyond the fragmentary evidence a systematic
interrogation of the biochemical interactions of the HS biosynthetic machinery is
missing. Therefore, this project aims to further elucidate key features of the
glycosaminoglycan biosynthesis. N-Deacetylase-N-sulfotransferase 1 (Ndst1)
catalyzes the initial modification of heparan sulfate and heparin removing acetyl
groups from subsets of N-acetylglucosamine units and the subsequent sulfation
of the resulting free amino groups. Using a Phage display library we
successfully selected two peptides which interact and specifically inhibit the
sulfation activity of Ndst1. Inhibitors of the GAG biosynthetic machinery are
valuable tools for studying the downstream events, as well as, a means of
altering the HS sugar chain composition in in vitro models. Moreover, using a
molecular docking and molecular dynamics approach we were able to study in
relevance of the boundaries residues through the hydrophobic cleft, as well as
the significance of this to the glycan recognition and sulfation. In addition we
were able to determine critical amino acid residues for ligand binding to hNDST.
Finally, using both multidimensional protein identification technology and
immunohistochemistry, we were able to demonstrate for the first time the
presence and tissue localization of different proteoglycans in the organs of the
gastropoda Achatina fulica. A. fulica is a vital model for further characterizing
the specificity and means of action of the enzymes involved in GAG
biosynthesis since the structure of acharan sulfate, a GAG only found in the
tissues of this organism, contradicts the current biosynthetic theory. Moreover,
through a proteomic analysis of Golgi proteins isolated from A. fulica, as well as,
immunohistochemistry of tissue sections, we detected the machinery involved in
glycosaminoglycan biosynthesis. Therefore, this study further elucidates the
activity of NDST, as well as, provides new techniques and original approaches
Índice
1. Introdução ... 1
1.1. Glicosaminoglicanos (GAGs) ... 2
1.2. Proteoglicanos ... 5
1.3. Biossíntese dos glicosaminoglicanos (GAGs) ... 6
1.3.1. Localização da síntese de GAGs ... 6
1.3.2. Determinação do destino da cadeia nascente de GAG ... 10
1.3.3. Características das sequências de aminoácidos que flanqueiam o resíduo de serina ... 11
1.3.4. Polimerização das cadeias de GAGs ... 12
1.3.5. Modificações nas cadeias dos HS ... 15
1.3.6. Sulfotransferases ... 20
1.4. Considerações sobre a corrente hipótese sobre a biossíntese de HS/Heparina ... 25
1.5. Caracterização conformacional da ligação ao dissacarídeo e transferência de sulfato através de dinâmica molecular (DM) ... 27
2. Objetivos ... 30
3. Artigos Publicados/Submetidos ... Error! Bookmark not defined. 4. Discussão ... 92
5. Concluão ... 95
Índice de Figuras
Figura 1. Estrutura geral da cadeia de glicosaminoglicanas. 2
Figura 2. Diagrama representando a disposição das cadeias de GAG em uma cadeia de proteoglicano (chama de core protéico). 4
Figura 3. Modificações da região de ligação. 9
Figura 4. Representação esquemática da biossíntese do HS. 13
Figura 5. Epimerização de resíduos de ácido urônico. 19
Figura 6. Biossíntese de Glicosaminoglicanos: modificações poliméricas. 23
Figura 7. Alinhamento múltiplo das sulfotransferases. 24
Figura 8. O mecanismo proposto de reação para a transferência do sulforil
catalizada pelas STs. 25
Figura 9. Estrutura do dissacarídeo repetitivo de acaram sulfato. 26
Figura 10. Funções de energia que compõe campos de força. 28
Índice de Tabelas
Tabela 1. Principais tipos de dissacarídeos presentes em glicosaminoglicanos. 3
1.
Introdução
Os glicosaminoglicanos sulfatados (GAGs) são polímeros lineares
covalentemente ligados a um esqueleto protéico. Dentre os GAGs, heparam
sulfato (HS), heparina (Hep), condroitim sulfato (CS) e dermatam sulfato (DS)
são polimerizados a partir de unidades monossacarídicas e a estrutura
polimérica modificada por enzimas codificadas por mais de 40 genes nas
células animais. Assim, em função do repertório de expressão das enzimas
responsáveis pelas modificações poliméricas, cada glicosaminoglicano possui
um padrão de sulfatação, tamanho de cadeia e estrutura específicos para cada
célula animal. Essas modificações distinguem sua interação com diferentes
moléculas, como fatores de crescimento, quimiocinas, citocinas, proteases (ex.
trombina), seus inibidores (ex. serpinas) e regulam vias de sinalização
envolvendo fatores de crescimento e seus receptores (FGF/FGFR, fator de
crescimento de hepatócito (HGF)/c-Met, fator neurotrófico derivado de
linhagem de célula glial (GDNF/c-Ret/GFRa1), fator vascular endotelial
(VEGF/VEGRF), fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF/PDGFR,
BAFF/TACI) e vias de sinalização por Indian hedgehog, Wnt e BMP. Ainda, a
agregação anormal de complexos proteína/GAG está associada com uma
variedade de doenças humanas, incluindo Alzheimer, diabetes, encefalopatia
espongiforme, Lúpus, trombocitopenia/trombose induzida por heparina e alguns
tipos de câncer.
Assim, o estudo dos carboidratos complexos tem sido descritos como
uma fronteira em biologia celular e molecular (Stone, 2002). Devido ao
repertório de expressão das enzimas que modificam as cadeias de GAGs, cada
cadeia de HS ou CS possui um padrão de sulfatação, tamanho de cadeia e
estrutura fina que é único para cada tipo celular (Nader et al., 1987; Pinhal et
al., 2001b). O turnover de GAGs de superfície celular é de 1/8 a 1/3 do ciclo
celular (Yanagishita and Hascall, 1992), o que determina uma resposta rápida
em relação a fatores externos. Ainda, diferentemente de RNA e proteínas, os
GAGs não são codificados a partir de um molde, mas por uma variedade de
fatores reguladores da biossíntese e enzimas modificadoras expressas de
modo diferente nas células. De fato, algumas interações proteína-GAG
onde as cadeias de GAG estão ligadas covalentemente (Tersariol et al., 1992;
Sanderson et al., 1994; Franco et al., 2009), tornando o entendimento da
regulação molecular dessas interações a chave para a cura de certas doenças.
1.1. Glicosaminoglicanos (GAGs)
Glicosaminoglicanos (GAGs) são polissacarídeos lineares compostos
por dissacarídeos repetitivos contendo glucosamina ou galactosamina (Dietrich,
1968; Nader et al., 1974; Dietrich et al., 1975; Dietrich et al., 1977a; Dietrich et
al., 1977b; Esko and Zhang, 1996). Devido ao seu grau de sulfatação, estes
polissacarídeos lineares são os biopolímeros com maior densidade de
informações encontrados na natureza. Os glicosaminoglicanos diferem entre si
quanto ao tipo de hexosamina e açúcar não nitrogenado, quanto ao grau de
sulfatação e à posição em que são sulfatados, bem como quanto ao tipo de
ligação glicosídica inter- e intradissacarídica (Figura 1, Tabela 1). Esses
polissacarídeos, com exceção do ácido hialurônico, são sintetizados na forma
de proteoglicanos (Figura 2), nos quais cadeias sacarídicas estão ligadas
covalentementes ao core protéico (Kjellen and Lindahl, 1991). Os
proteoglicanos são, portanto, compostos de alta massa molecular formados por
um esqueleto protéico ao qual ligam-se, covalentemente, cadeias de
glicosaminoglicanos e oligossacarídeos N- e/ou O-ligados (Sweet et al., 1977).
Figura 1: Estrutura geral da cadeia de glicosaminoglicanos. UA, ácido urônico; HexN, hexosamina; GlcA, ácido D-glucurônico; IdoA, ácido L-idurônico; GlcN, D-glucosamina; GalN, D-galactosamina.
Tabela 1. Principais tipos de dissacarídeos presentes em glicosaminoglicanos
*(Sampaio and Nader, 2006) (GlcN, glucosamina; GalN, galactosamina; S, sulfato; Ac, acetil;
GlcA, ácido glucurônico; IdoA, ácido idurônico).
Glicosaminoglicanos Dissacarídeos
Condrosam D-GlcA [β13] D-GalN Ac
β [1 4] lig a ç ã o in te r-di s s a c a rí di c a ga la c tos a m inogl ic a nos Condroitim sulfato
D-GlcA [β13] D-GalN Ac
D-GlcA [β13] D-GalN Ac(4S)
D-GlcA [β13] D-GalN Ac(6S)
Dermatam sulfato
D-GlcA [β13] D-GalN Ac(4S)
D-GlcA [β13] D-GalN Ac(6S)
L-IdoA [α13] D-GalN Ac(4S)
L-IdoA (2S) [α13] D-GalN Ac(4S)
L-IdoA (2S) [α13] D-GalN Ac(6S)
Ácido Hialurônico D-GlcA [β13] D-GlcN Ac
gl uc os a m inogl ic a nos
Heparanosam D-GlcA [α14] D-GlcN Ac
α
[1
4]
Acaram sulfato L-IdoA (2S) [α14] D-GlcN Ac
Heparam sulfato
D-GlcA [β14] D-GlcN Ac
D-GlcA [β14] D-GlcN Ac (6S)
D-GlcA [β14] D-GlcN (S)
D-GlcA [β14] D-GlcN (S,6S)
L-IdoA [α14] D-GlcN (S)
L-IdoA (2S) [α14] D-GlcN (S)
Heparina
D-GlcA [α14] D-GlcN (S)
D-GlcA [α14] D-GlcN (S,6S)
L-IdoA (2S) [β14] D-GlcN (S)
Figura 2. Diagrama representando a disposição das cadeias de GAG em uma cadeia de proteoglicano (chama de core protéico). Ambos HS e CS são adicionados a resíduos
específicos de serina da proteína em um tetrassacarídeo de ligação em comum (GlcA (preto)-Gal (amarelo)-(preto)-Gal (amarelo)-Xil (rosa). A biossíntese inicia-se com a transferência de um resíduo de xilose de um UDP-xilose livre por duas xilosiltransferases a um resíduo de serina do proteoglicano. A região de ligação é então sintetizada pela adição sequencial de dois resíduos de galactose (pelas enzimas galactosiltransferases I e II), e de um resíduo de ácido glucurônico (por uma glucuronosiltransferase I), a partir de seus UDP-açúcares correspondentes. A adição do primeiro resíduo de N-acetil hexosamina - podendo ser um resíduo de GlcNAc (N-acetil-glucosamina, vermelho) adicionado pela enzima N-acetilglucosaminiltransferase I ou GalNAc (N-acetil-galactosamina, verde) adicionado pela enzima N-acetilgalactosaminil transferase I no terminal não redutor do resíduo de ácido glucurônico (GlcA) das cadeias de heparam sulfato/heparina e condroitim sulfato/dermatam sulfato, respectivamente, iniciam a síntese desses GAGs. Para o heparam sulfato e heparina, a adição alternada de resíduos de GlcA e GlcNAc é realizada por polimerases (EXT-1 e EXT-2), a partir dos UDP-açúcares correspondentes.
Cadeias de heparam sulfato e condroitim sulfato são produzidas em
abundância (~105-106 cópias na superfície celular, concentrações em torno de
mg/ml na matriz extracelular) por células animais (Marynen et al., 1989). Essa
síntese ocorre no aparelho de Golgi sob a forma de proteoglicanos de HS, CS
ou híbridos de HS/CS. Nos proteoglicanos podem existir de uma (ex., decorim)
a centenas de cadeias de GAGs (ex., agrecam), sendo o número de unidades
dissacarídicas repetitivas de HS e CS variável dependendo do tipo de tecido ou
células onde é expresso. Os GAGs adotam uma estrutura helicoidal estendida
1.2. Proteoglicanos
Todas as células animais produzem proteoglicanos, podendo secretá-los
na matriz extracelular, inseri-los na membrana plasmática ou armazená-los em
grânulos de secreção (Dietrich, 1984; Nader et al., 1989; Nader, 1991). As
funções biológicas do proteoglicanos são em grande parte determinadas pelas
cadeias de GAGs: o rápido turnover e diversidade estrutural gerados pela
biossíntese e modificações pós-traducionais (PTMs) permitem aos GAGs
regularem uma miríade de vias de sinalização (Dietrich et al., 1983; Esko and
Selleck, 2002). Mais de 50 cDNAs correspondentes a proteoglicanos foram
clonados, sendo comum a expressão de mais de um tipo de proteoglicano para
um tipo celular. Por exemplo, pelo menos 11 proteoglicanos diferentes são
expressos em fibroblastos do pulmão humano (David et al., 1990; David et al.,
1992; Lories et al., 1992), sendo 23 o número dessas cadeias expressas no
sistema nervoso humano (Hartmann and Maurer, 2001). O core protéico dos
proteoglicanos possuem domínios funcionais próprios, além de carregar a
cadeia de GAGs. O core protéico usualmente determina o número de cadeias
de GAGs a serem adicionados, o tipo e o destino final (apical, luminal, intra- ou
extracelular) do proteoglicano final. As cadeias de GAG dos proteoglicanos
podem ainda ser clivadas antes de exercerem suas funções biológicas.
Heparanases extracelulares - beta endoglucuronidases (Vlodavsky and
Friedmann, 2001), sulfatases (Dhoot et al., 2001; Morimoto-Tomita et al., 2002)
e cadeias de GAG livres foram descritas extensivamente (Piepkorn et al., 1988,
1989; Kosir et al., 2000; Mack et al., 2002).
A variação estrutural dos proteoglicanos em diferentes tecidos e tipos
celulares são devidos a inúmeros fatores, sendo a estequiometria das
substituições das cadeias de GAGs a principal delas. Por exemplo, o
proteoglicano sindecam-1 possui cinco domínios de ligação a GAG, sendo os
domínios adicionados em proporções diferentes, gerando populações.
Outro proteoglicanos, como a trombomodulina, pode ser um
“proteoglicano parcial”, existindo somente com uma cadeia truncada de açúcar.
Essas características criam a diversidade de formação de domínios de ligação
de densidade variável e afinidade por diferentes ligantes de modo célula- e
1.3. Biossíntese dos glicosaminoglicanos (GAGs)
1.3.1. Localização da síntese de GAGs
A biossíntese dos GAGs ocorre predominantemente no retículo
endoplasmático (RE) e no Aparelho de Golgi. Os açúcares e o sulfato são
primeiramente ativados no citosol na forma de UDP‐açúcares e 3´‐
fosfoadenosina 5´‐fosfosulfato (PAPS), respectivamente, sendo transportados
para o sítio de síntese por transportadores de nucleotídeo‐açúcar específicos.
Os nucleotídeo‐açúcares são doadores de açúcares para enzimas chamadas
glicosiltransferases, que transferem esses resíduos para um carboidrato
nascente ou uma proteína (cadeias de oligossacarídeos N‐ e O‐ligados de
proteoglicanos, glicoproteínas, polissacarídeos de membrana,
lipopolissacarídeos) (Hirschberg and Snider, 1987; Mandon et al., 1994;
Hirschberg et al., 1998).
Os GAGs como condroitim sulfato, dermatam sulfato, heparam sulfato e
heparina estão ligados ao core protéico a um resíduo de serina por um
tetrassacarídeo comum composto por ácido glucurônico–galactose–galactose–
xilose– (D‐GlcAβ1, 3‐Galβ1, 3Galβ1, 4 Xyl‐D‐Glca‐β1, 3‐galactose‐β1, 3‐
galactose‐1, 4xilose‐) (Dietrich et al., 1988). A síntese dessa região é iniciada
pela adição de um resíduo de xilose a um resíduo de serina seguida da adição
de dois resíduos de galactose, sendo completada pela adição de um resíduo
de ácido glucurônico. As vias de síntese de HS/Hep e CS/DS divergem após a
formação da região de ligação. Apesar do lúmen do Aparelho de Golgi ser o
local principal para a síntese de GAGs, a formação do tetrassacarídeo de
ligação se inicia no lúmen do RE. A transferência inicial da D-xilose (Xyl) do
nucleotídeo açúcar UDP‐D‐xilose para resíduos específicos de serina da
proteína é catalisada por uma ou mais xilosiltransferases, sendo a
xilosiltransferase I (UDP‐D-xylose:proteoglycan core protein β‐D‐
xylosyltransferase I, EC 2.4.2.26, XT‐I) a enzima limitante na biossíntese das
cadeias de heparam sulfato (Seo et al., 2005). As XT‐I e II são proteínas
transmenbrânicas tipo II com uma pequena cauda N‐terminal citoplasmática,
um único domínio transmembrânico, uma região variável e um grande domínio catalítico C‐terminal (Quentin et al., 1990; Rio et al., 1991). Todos os
sendo sua importância evidenciada pela observação de que mutações em seu
gene são fatores de risco para doenças caracterizadas pelo metabolismo
alterado de proteoglicanos, como Pseudoxantona elasticum, osteoartrite
(Schon et al., 2006) e nefropatia diabética. Entretanto, a mosca Drosophila
melanogaster e o nematoda Caenorhabditis elegans possuem somente a
primeira isoforma (Wilson, 2002; Hwang et al., 2003; Gotting et al., 2004). Foi
comprovado inicialmente que, em condrócitos de galinha, a transferência da
xilose ocorria em um compartimento pré‐Golgi (Kearns et al., 1993; Vertel et al.,
1993). A transferência da xilose foi catalisada com maior eficiência pelas
frações do aparelho de Golgi tratadas com detergente do que em frações do
RE de fígado de rato (Nuwayhid et al., 1986). Células de ovário de hamsters
(CHO) que não possuem isoformas da enzima xilosiltransferases (Esko et al.,
1985), galactosiltransferase I - GT I; (Esko and Zhang, 1996) ou
glucuronosiltransferase I - GlcAT I; (Bai et al., 1999) são incapazes de
sintetizar HS e CS, o que indica que ambas as vias de síntese do
tetrassacarídeo de ligação desses GAGs possuem as mesmas enzimas.
Posteriormente, um resíduo de D‐galactose é adicionado à cadeia em
formação pela ação da enzima galactosil‐transferase I, utilizando como
transportadores UDP‐β‐D‐galactose ainda no RE rugoso (Okajima et al., 1999; Pinhal et al., 2001a). A seguir, no Aparelho de Golgi, ocorre a adição de mais
uma galactose (Gal) e de um resíduo de ácido glucurônico (GlcA),
respectivamente pelas enzimas galactosil transferase II e glucuronosil
transferase I, formando assim a região de ligação, composta pelo
tetrassacarídeo GlcAβ1→3Galβ1→3Galβ1→4Xilβ1→3Ser, comum à maioria dos glicosaminoglicanos, com exceção do queratam sulfato. Entretanto, células
que não possuem galactosiltransferase‐I ainda são capazes de sintetizar GAGs
sobre xilosídeos (Esko et al., 1987), o que indica uma atividade alternativa de
GT na síntese de GAGs. Ainda, ambas as XTs utilizam aceptores similares
para a transferência da xilose, com diferentes afinidades pelo aceptor. A
presença de dois genes codificando para as xilosiltransferases em todos os
organismos superiores aponta para a importância dessas enzimas para as
funções celulares essenciais. Como já mencionado, devido às similaridades
estruturais, CS/DS e HS/Hep compartilham as mesmas enzimas que sintetizam
varredura genética para mutantes em C. elegans que possuíam como fenótipo
uma vulva de forma anormal, foram identificados mutantes nos quatro genes
codificantes para as enzimas responsáveis pela síntese do tetrassacarídeo de
ligação (Herman and Horvitz, 1999). Mutações nesses genes possuem efeito
letal; animais homozigotos derivados de uma mãe homozigota se tornam
adultos e possuem malformações na vulva, originando embriões não
desenvolvidos, provavelmente por defeitos na sinalização por citocinas.
Fenótipos de certas mutações no embrião, como sqv‐3 e sqv‐8, são diferentes,
provavelmente devido à variabilidade alélica ou redundância (Herman and
Horvitz, 1999). Em humanos, defeitos enzimáticos da galactosiltransferase I,
que cataliza a formação da ligação glicosídica β1,4 entre o primeiro resíduo de galactose e o resíduo de xilose ligado diretamente à serina, foram associados à
síndrome de Ehlers‐Danlos (Quentin et al., 1990), uma condição severa
caracterizada por retardo mental e defeitos relacionados ao tecido conjuntivo.
Por possuírem a mesma região de ligação, mutações nas enzimas que
sintetizam essa região não distinguem entre a síntese de CD/DS ou a síntese
de HS, ou ambas. Entretanto, é consenso que a ausência de
glicosaminoglicanos de CS/DS e HS não é compatível com a vida metazoária.
A influência na atividade das GalT‐I e GlcAT‐II da fosforilação dos
resíduos de Xyl e da sulfatação dos resíduos de Gal‐I/Gal‐II, as duas
modificações mais frequentes na sequência do tetrassacarídeo, foi
evidenciada pela verificação de que a GalT‐I não possui atividade sobre o
xilosídeo fosforilado em C‐2, sugerindo que a presença dessa modificação no
aceptor substrato impossibilita o reconhecimento e/ou transferência da Gal aos
xilosídeos. O xilosídeo fosforilado não serve como substrato para a GalT‐I,
sugerindo que a fosforilação pode inibir a biossíntese de algumas cadeias de
GAGs podendo representar um mecanismo regulatório na biossíntese de PGs.
De forma similar, a formação do “cap” de α‐N-acetilgalactosamina (α‐GalNac) do tetrassacarídeo (Salimath et al., 1995) e a 4,6‐O‐dissulfatação dos resíduos
de GalNAc das cadeias de CS têm sido postulados como mecanismos de
finalização de extensão da cadeia (Fransson et al., 2000). Além da fosforilação,
a sulfatação pode ocorrer nos resíduos de Gal da região do tetrassacarídeo de
1995; Cheng et al., 1996; Lauder et al., 2000; Lauder et al., 2001; Ueno et al.,
2001) (Figura 3). A eficiência da GlcAT‐I é notavelmente aumentada quando o
aceptor substrato Gal1 é sulfatado na posição C‐6, e a atividade da enzima
desaparece com sulfatação na posição C‐4 ou quando a Gal2 é sulfatado na
posição C‐4 ou C‐6 ou quando Gal1 e Gal2 estão sulfatados em C‐6.
Figura 3: Modificações da região de ligação. Durante a síntese de proteoglicanos, a região de ligação pode ser modificada em algumas posições: o resíduo de xilose pode ser fosforilado
na posição 2, enquanto cada resíduo de galactosamina pode ser sulfatado nas posições 4 e 6.
A elucidação da estrutura e função das glicosiltransferases envolvidas
na via biossintética dos GAGs é de suma importância por sua implicação em
inúmeras patologias e seu potencial como alvos farmacológicos. Os
precursores dos GAGs são frequentemente referidos como agentes anti‐
amilóides e antitrombóticos (Martin et al., 1996; Kisilevsky et al., 2004) e anti‐
tumorais (Belting et al., 2002). O cDNA codificante de uma GT nova foi
transfectado em células CHO deficientes em GT‐I, restaurando a síntese de
PGs (Okajima et al., 1999). Pacientes com a síndrome de Ehlers‐Danlos
exibem atividade reduzida de GT‐I (Quentin et al., 1990), sendo encontradas
duas substituições no gene GT‐I desses pacientes (Almeida et al., 1999). Uma
linhagem mutante de células tubulares distais caninas (MDCK) que exibe
transporte reduzido de UDP‐Gal para o lúmen do Aparelho de Golgi possui
redução dramática na síntese de queratam sulfato (KS), mas produção normal
a polimerização da cadeia de KS, enquanto em CD/DS e HS/Hep o resíduo de
Gal é encontrado somente no tetrassacarídeo de ligação. As GTs envolvidas
na polimerização da cadeia de KS (GT‐III e IV) e na síntese do tetrassacarídeo
de ligação (GT‐I e II) podem possuir Km diferentes para a UDP‐Gal, ou a
síntese do tetrassacarídeo de ligação é localizada em um compartimento
diferente nas frações do Aparelho de Golgi das células MDCK. Uma atividade
pré‐Golgi de transportador de UDP‐Gal ainda não foi demonstrada (Kawakita et
al., 1998). Estudos enzimáticos e estudos utilizando xilosídeos para iniciar a
síntese de GAG indicam que as GT‐I e II se localizam em diferentes
sub-regiões do Aparelho de Golgi de fígado de ratos (Sugumaran et al., 1992;
Etchison et al., 1995). A localização dupla das enzimas envolvidas na síntese
de GAGs pode ser interpretada no contexto do modelo de maturação das
cisternas do Golgi, onde uma fração das transferases está sendo
constantemente transportada retrogradamente nas vesículas em maturação
(Bonfanti et al., 1998; Glick and Malhotra, 1998; Mironov et al., 1998).
1.3.2. Determinação do destino da cadeia nascente de GAG
Após o término de adição do tetrassacarídeo de ligação, a adição de um
quinto sacarídeo determina se a cadeia de GAG se torna CS/DS ou HS/Hep.
Esse açúcar é o GlcNAc no caso de HS/Hep e GalNAc no caso de CS/DS. As
enzimas GlcNAcT‐I (Fritz et al., 1997) e GalNAcT‐I mediam a adição desses
açúcares (Sugumaran et al., 1998), sendo diferentes daquelas utilizadas no
elongamento das cadeias de GAGs em CS (Rohrmann et al., 1985) e HS (Fritz
et al., 1994). Foi demonstrado que uma α‐GalNAcT adiciona uma GalNAc ao tetrassacarídeo de ligação produzindo estruturas com pentassacarídeos
“improdutivos”, porque a ligação β é necessária para o elongamnto da cadeia de CS. O mesmo grupo demonstrou recentemente que essa enzima também
catalisa a adição de α‐GlcNAc (Kitagawa et al., 1998; Kitagawa et al., 1999a), o
açúcar correto na síntese das cadeias de HS, o que indica que essa enzima é a
GlcNAcT‐I ativa na síntese de HS e Hep. Essa enzima pode ser importante
para a regulação, realizando o capping de alguns tetrassacarídeos de ligação
1.3.3. Características das sequências de aminoácidos que flanqueiam o resíduo de serina
Existem diferenças nas sequências de aminoácido consenso para a
formação de cadeias de CS e HS. A maioria dos HSPGs contém segmentos
repetitivos de (Ser‐Gly)n>1, ladeados por resíduos acídicos (Zhang et al.,
1995), com composição e posição variáveis. A adição do resíduo de GlcNAc à
região de ligação determina o destino do proteoglicano para HS ou Hep.
Similarmente, a adição de GalNAc determina a síntese de CS ou DS. A adição
de cadeias de CS à região de ligação representa a via padrão (Zhang and
Esko, 1994, 1995; Zhang et al., 2005), sendo a adição de HS dependente de
aminoácidos determinantes na região proximal ao tetrassacarídeo de ligação. A
substituição desses resíduos acídicos no betaglicano (proteoglicano de
superfície híbrido de CS e HS, também conhecido como receptor III de TGF-I)
produz mais CS e menos HS (Zhang and Esko, 1994). Esses domínios Ser‐
Gly‐Asp aceitam principalmente HS se os resíduos acídicos estiverem
presentes no N‐terminal. A troca de resíduos acídicos por aminas aumenta a
proporção de CS em relação ao HS no proteoglicano, ou a deleção de uma ou
mais cadeias de GAGs (Dolan et al., 1997). Esses resíduos são necessários,
mas não suficientes, para a geraçao de HS, sendo encontrados também em
alguns CSPGs (Bourdon et al., 1987; Brinkmann et al., 1997). Resíduos de
triptofano também influenciam a escolha da adição de um GAG num domínio
particular. Para o betaglicano, a mutação Trp-Ala próximo a um para Ser‐Gly
causa uma mudança da produção de HS para CS, e a introdução de um
resíduo de triptofano próximo ao local de extensão dessa cadeia causa a
reversão da produção de HS (Zhang and Esko, 1994). Por exemplo, o único
proteoglicano de HS “absoluto”, contendo predominantemente cadeias de HS,
glipicam-1, possui 90% de HS e 10% de CS quando expresso em células COS;
e 80% de HS e 20% de CS quando expresso em células CHO. A remoção de
110 resíduos do HSPG perlecam de membrana basal reduz o conteúdo de HS
(Dolan et al., 1997). Muitas isoformas de CD44 são modificadas pela adição de
GAGs. A maioria dos domínios aceita somente CS, mas um domínio Ser‐Gly‐
Ser‐Gly no exon V3 também aceita HS. A incubação de diferentes tipos
padrão: xilosídeos em HS‐GAGs são raros (Moreira et al., 2004). Entretanto,
ainda não está claro se os “cores” protéicos possuem determinantes mais
estritos para a formação de CS‐GAGs do que outros.
A formação de CD/DS e HS/Hep requer UDP‐Xyl, UDP‐Gal, UDP‐GlcA,
UDP‐GlcNAc e UDP‐GalNAc nos compartimentos no Aparelho de Golgi e/ou
lúmen do RE. O “uptake” dos UPD‐açúcares, ATP e PAPS para as vesículas
do Aparelho de Golgi in vitro é cerca de 50 a 100 vezes maior em comparação
com células utilizando o mesmo meio contendo essas moléculas radioativas
(Hirschberg and Snider, 1987). Níveis reduzidos de UDP‐Gal no lúmen do
Aparelho de Golgi em células MDCK intactas produzem níveis reduzidos de KS
(Toma et al., 1996). Em um sistema in vitro, o comprimento da cadeia dos
GAGs de heparina produzido é determinado pela razão de UDP‐GlcNAc a
UDP‐GlcA (Lidholt et al., 1988). De forma similar, a razão de UDP‐GalNAc e
UDP‐GlcNAc podem influenciar a extensão da síntese de CS/DS versus
HS/Hep. Normalmente, o UDP‐GalNAc é formado pela epimerização do UDP‐
GlcNAc, catalisado no citosol pela UDP‐GlcNAc‐4-epimerase, uma enzima que
também catalisa a epimerização da UDP‐glucose a UDP‐Gal (Piller et al.,
1983). Uma linhagem celular renal deficiente nessa enzima possui defeitos na
síntese de glicolipídeos e nas cadeias de carboidratos N‐ e O‐ligados de
glicoproteínas. Esses defeitos podem ser correlacionados pela Gal exógena e
pela GalNAc (Kingsley et al., 1986). Interessantemente, uma UDP‐GlcNAc
pirofosforilase isolada de rim pode utilizar GalNAc‐1‐P e UTP para catalisar a
formação de UDP‐GalNAc (Szumilo et al., 1996). Os sistemas enzimáticos que
produzem diferentes UDP‐açúcares, e seus translocadores, podem influenciar
a concentração de UDP‐açúcares no lúmen do aparelho de Golgi, controlando
assim a síntese das cadeias de GAGs.
1.3.4. Polimerização das cadeias de GAGs
A adição do sexto açúcar e dos açúcares subsequentes aos precursores
de HS/Hep foi primeiramente descrita como sendo realizada por uma enzima
de 70 kDa bifuncional, que catalisa a adição de unidades alternadas de GlcA e
GlcNAc (Lidholt and Lindahl, 1992). Recentemente, tornou‐se evidente que
et al., 1998; McCormick et al., 1998). Ambas as enzimas são produtos de
genes supressores de tumor (EXT1 e EXT2) da família gênica da exostose
hereditária múltipla – assim como a GlcNAc transferase I (EXTL2). As EXT1 e 2
formam complexos hetero‐oligoméricos na superfície interna no Aparelho de
Golgi (Figura 4). A superexpressão de somente uma das EXTs resulta em sua
localização no RE (McCormick et al., 2000). Recentemente, foram analisadas
mutações nos genes das EXTs no desenvolvimento do sistema nervoso. Após
a remoção da EXT1 no cérebro de ratos, foi comprovada a letalidade no início
do desenvolvimento e ausência de HS (Inatani et al., 2003). Similarmente,
mutações nos genes das EXTs em “zebrafish” (Dakel e Boxer) resultaram em
defeitos específicos na formação do trato axônico (Lee et al., 2004).
Figura 4: Representação esquemática da biossíntese do HS (Duncan et al., 2001).
Ser: serina; Xyl: xilose; Gal: galactose; GlcA: ácido D-glucurônico; GlcNAc:
N-acetilglucosamina: Xyl-T: xilosiltransferase; Gal-TI: galactosiltransferase I: Gal-TII:
galactosiltransferase II; GlcA-TI: glicosiltransferase; EXTL2: α
1,4-N-acetilhexasaminiltransferase; EXT1: exostosina-1; EXT2: exostosina-2.
As vias de síntese de HS e CS divergem após a formação da região de
ligação. A adição do resíduo de α4GlcNAc inicia o intermediário da cadeia de HS, enquanto a adição de β4GalNAc inicia o intermediário da cadeia de CS
(Esko and Zhang, 1996). Essas reações são catalisadas por HexNAc
transferases, que diferem das enzimas envolvidas na polimerização da cadeia
(Rohrmann et al., 1985; Fritz et al., 1994). A GlcNAc transferase age em
substratos contendo dois ou mais resíduos de açúcar ‐GlcAβ‐3Gal‐X, onde X = um aglicano hidrofóbico (Fritz et al., 1994; Fritz et al., 1997) ou um
tetrassacarídeo de ligação conjugado a uma serina (Kitagawa et al., 1999a). A
adição do primeiro resíduo de αGlcNAc, a formação do polímero se dá passo a passo, com a adição alternada de unidades GlcAβ4 and GlcNAcα4, o que
resulta em polímeros com comprimento variável. Derivados de xilosídeos
deslocam a síntese de HS e CS de células endoteliais em cultura, sendo os
aumentos na síntese de CS e HS de dez e três vezes para orto‐
nitrofenilxilosídeos (OX) em comparação com para‐nitrofenilxilosídeos (PX),
provavelmente pela maior afinidade do OX para micelas lipídicas do que o PX
(Moreira et al., 2004). Mutantes de células em cultura (EXT1) (Lidholt and
Lindahl, 1992; McCormick et al., 1998; Wei et al., 2000), moscas (ttv) (Bellaiche
et al., 1998; Toyoda et al., 2000), e em camundongos (EXT1) (Lin et al., 2000)
não possuem HS, sendo que os mutantes vertebrados parecem possuir
menores concentrações das enzimas associadas. Camundongos com uma
mutação no gene EXT2 foram isolados e possuem as mesmas anormalidades
no desenvolvimento do que o camundongo deficiente na EXT1, mas um defeito
na síntese de HS ainda não foi demonstrado. A co-expressão da EXT1 e EXT2
possui efeito sinérgico na atividade da enzima (McCormick et al., 2000; Senay
et al., 2000), o que sugere que ambas as EXT1 e EXT2 participam na formação
do HS.
EXTL1, EXTL2 and EXTL3 também são outra classe de GlcNAc
transferases envolvidas na biossíntese de HS (Kitagawa et al., 1999b). A
habilidade da EXTL1, e mais significativamente a EXTL3 em adicionar GlcNAc
aos oligossacarídeos de HS sugere que essas enzimas também podem
participar na formação do polímero (Kim et al., 2001). A comparação da
sequência dos vários EXTs sugere que elas podem ser consideradas uma
família de proteínas contendo dois domínios catalíticos, responsáveis
independentemente pelas atividades de transferência de GlcNAc ou GlcA. O
alinhamento dos aminoácidos de todos os membros da família das EXT mostra
que a identidade geral varia de 25% a 30%, sendo a maior diferença
encontrada na porção C‐terminal das proteínas em ~260 aminoácidos (30 a
50% de identidade). A EXTL2 é o menor membro da família (330 aminoácidos),
e a região envolvida na transferência de GlcNAc contém um domínio altamente
conservado, DXD, também encontrado nas EXT1, EXT2, EXTL2 e EXTL3,
de ligação divalentes de nucleotídeo‐açúcar encontrados em outras
glicosiltransferases (Breton and Imberty, 1999).
Uma suposição implícita desses estudos é que a polimerização das
cadeias continua na ausência de modificações das cadeias. Isso pode ser uma
artefato do modo como a via biossintética é frequentemente apresentada (Esko
and Lindahl, 2001) e com o fato de que o N‐acetilheparosan (GlcA‐GlcNAc)n é
um substrato disponível para essas enzimas (Lidholt and Lindahl, 1992). Em
microssomos, a inclusão de 3’‐fosfoadenosina‐5’¬fosfosulfato (PAPS) estimula
a polimerização de HS a partir de nucleotídeo‐açúcares, o que sugere que a
ação das EXTs é acoplada a N‐deacetilação e N‐sulfatação GlcNAc (Lidholt et
al., 1989). Após a polimerização, a cadeia nascente de GAG sofre inúmeras
modificações por enzimas localizadas no Aparelho de Golgi, criando domínios
que possuem um padrão comum, como os domínios HS contendo glucosamina
N‐sulfato, uma mistura de glucosamina N‐acetilada ou N‐sulfatada, ou
domínios meramente N‐acetilados. Ainda, foi demonstrada a inibição da
sulfatação e o bloqueio da adição de resíduos glucosamina e ácido urônico por
selenato, na cadeia polimérica nascente, sugerindo que a sulfatação dos
dissacarídeos é concomitante com a polimerização das cadeias de HS em
células de aorta de coelho e no hemíptero Rhodnius prolixus (Dietrich et al.,
1987; Dietrich et al., 1988).
1.3.5. Modificações nas cadeias dos HS
Ao contrário do que acontece com o CS, que possui cadeias
completamente modificadas de dissacarídeos, as modificações que ocorrem
nas cadeias de HS se dão em clusters, construindo regiões de sulfatação
separadas por regiões não modificadas. Essas modificações levam a
segmentos conhecidos como domínios N-acetilados (NA), N-sulfatados (NS) e
híbridos NA/NS. A expressão combinatória desses genes significa que a
estrutura do HS pode ser alterada, modulando sua ampla variedade de funções
tecido-específicas. De acordo com a atual teoria biosintética, a primeira
modificação na cadeia do HS envolve deacetilação e sulfatação do átomo de
nitrogênio da N‐acetil‐glucosamina, reação catalisada pela classe de enzimas
N‐deacetilase‐N‐sulfotransferase (NDST). Essa modificação parece ser pré‐
Selleck, 2002). A N-sulfatação ocorre de modo não uniforme na cadeia, criando
domínios contendo resíduos de N‐acetil‐glucosamina não modificados,
domínios onde coexistem resíduos de N‐acetil-glucosamina e N‐
sulfoglucosaminas e domínios onde o resíduo de N‐sulfoglucosaminas ocorrem
quase que exclusivamente (Dietrich et al., 1983; Dietrich et al., 1988; Nader et
al., 1989). Uma varredura para mutações letais em D. melanogaster levaram ao
isolamento do homólogo da HS polimerase – tout‐velu, e do gene sulfateless,
que codifica para o homólogo da mosca para a NDST (Lin and Perrimon,
1999), representando a primeira análise in vivo de uma enzima que atua em
HS, determinando que as correlações entre os genes sulfateless e wingless na
sulfatação do HS são imprescindíveis para a correta sinalização de fatores de
crescimento (Lin and Perrimon, 1999).
Enquanto o polímero se forma, um ou mais membros da família das N‐
deacetilase/ N‐sulfotransferases (NDST) de GlcNAc agem nesses resíduos ao
longo da cadeia. Essa é a primeira reação envolvida na modificação dos
polímeros e pré‐requisito para todas as reações de modificação subsequentes,
de acordo com a teoria biosintética corrente. A família de NDSTs em
vertebrados consiste de quatro enzimas, mas somente uma isoforma é
encontrada em C. elegans e D. melanogaster. Todas as proteínas possuem
alto grau de identidade nas sequências (65‐80%) e a mesma estrutura geral
(Aikawa et al., 2001): proteínas transmembrana tipo II com uma cauda
citoplasmática curta de 12‐13 aminoácidos, uma região transmembrana de ~20
aminoácidos, uma pequena região que varia significativamente entre todas as
quatro NDSTs e um grande domínio globular contendo os sítios catalíticos. O
domínio sulfotransferase da NDST1 está na porção C‐terminal da proteína
(Berninsone and Hirschberg, 1998; Wei et al., 2000). Os vertebrados contêm
quatro genes que codificam as NDSTs, sendo a perda de dois deles causadora
de fenótipos específicos (Forsberg et al., 1999; Humphries et al., 1999; Fan et
al., 2000; Ringvall et al., 2000). Lesões no gene NDST2 causam anormalidades
severas nos mastócitos, devido à ausência de heparina corretamente
modificada (existindo uma versão intracelular, hipersulfatada, do HS
extracelular) (Forsberg et al., 1999; Humphries et al., 1999). Ao contrário, os
provavelmente devido à malformação pulmonar (Fan et al., 2000; Ringvall et
al., 2000), anormalidades faciais e defeitos na migração de axônios. Essas
análises demonstraram que o desenvolvimento dos vertebrados, assim como o
desenvolvimento de D. melanogaster e de C. elegans, requerem a sulfatação
das cadeias dos GAGs (Dietrich et al., 1987). A estrutura da NDST mostra dois
grandes domínios altamente conservados que interagem com o PAPS (Kakuta
et al., 1999; Negishi et al., 2001), com o domínio sulfotransferase contendo
uma fenda catalítica que pode acomodar até seis resíduos de açúcar, definida
por uma α‐hélice e uma superfície hidrofílica. Inúmeros resíduos nesses
elementos estruturais diferem em carga e hidrofobicidade nas quatro NDSTs, o
que pode explicar algumas diferenças na atividade catalítica observadas entre
as isoformas (Aikawa et al., 2001). A NDST2 possui maior atividade N‐
deacetilase em relação à atividade de N‐sulfotransferase quando comparada
com a NDST1, o que pode explicar a maior extensão de N‐sulfatação observa
na heparina do que em mastócitos (onde a enzima foi originalmente clonada).
Confirmando essa ideia, a inativação da NDST2 em camundongos leva a uma
diminuição seletiva na sulfatação da heparina dos mastócitos, sem nenhum
efeito notável em outros tecidos (Forsberg et al., 1999; Humphries et al., 1999).
Entretanto, existem evidências sugerindo que ambas NDST1 e NDST2
participam na formação de HS: mRNAs dessas enzimas são expressos
abundantemente em tecidos e células que sintetizam HS (Toma et al., 1998;
Aikawa et al., 2001; Kusche-Gullberg and Kjellen, 2003), e um mutante da
NDST1 em CHO produz HS contendo ~25% de GlcNS (Bame and Esko, 1989;
Aikawa et al., 2001). Esses dados indicam que ambos os níveis de expressão
da enzima e propriedades específicas da isoforma de NDST determinam a
extensão da N‐sulfatação de HS.
As NDST3 e NDST4 possuem propriedades diferentes em comparação
com a NDST1 e NDST2. A NDST3 possui atividade deacetilase muito maior do
que a atividade N‐sulfotransferase, enquanto para NDST4 ocorre o oposto
(Aikawa et al., 2001). Os mRNAs das NDST1 e NDST2 são expressos
abundantemente em tecidos, enquanto os das NDSTs 3 e 4 são restritos ao
cérebro adulto e tecidos fetais (Toma et al., 1998; Humphries et al., 1999;
terminal 5’‐UTR dos mRNAs das NDSTs indicam que o controle da tradução
pode ser importante na regulação da expressão (Aikawa et al., 2001). Todas as
sequências 5’‐UTR são usualmente longas, possuem estruturas secundárias
retidas, e contém códons (u)AUG múltiplos, resultando em pequenos frames de
leitura (uORF). Essas características impõem uma barreira ao escaneamento
ribossomal convencional dependente de cap. Os 5’‐UTRs da NDST4 são
capazes de regular a tradução de diferentes modos in vivo, dependendo do
tipos celular e das condições de cultura. A tradução in vitro e análises de
mutantes sugerem a presença de sítios de entrada internos no ribossomo
(IRES), nos 5’‐UTRs das NDSTs 2, 3 e 4, proporcionando uma passo adicional,
dependente de cap, no controle fino de sua expressão.
O screening de bancos de dados indica que todos os genes das
enzimas necessárias para a síntese de GAGs podem possuir sequências de 5’‐
UTR longas e estruturadas, o que sugere que a síntese de GAGs é um
processo altamente regulado, assim como a tradução dos fatores de
crescimento que se ligam a ele (FGF‐2) (Kevil et al., 1995). Normalmente, a N‐
sulfatação é acoplada a N‐deacetilação, possivelmente pela proximidade dos
sítios ativos das enzimas ativas. As duas reações podem ser dissociadas pelo
tratamento com N‐etilmaleimida ou DTT, que bloqueia seletivamente o domínio
deacetilase (Pettersson et al., 1991), ou pela mutação de um resíduo de lisina
crítico no sítio ativo de sulfotransferase (Sueyoshi et al., 1998).
Interessantemente, os resíduos modificados pelo domínio deacetilase de uma
enzima podem ser modificados pelo domínio N‐sulfotransferase de uma enzima
diferente, o que indica que as duas reações podem ocorrer de forma
dissociada. O fato de que as sequências modificadas tendem a estar
agrupadas pela cadeia em domínios NS ou NA/NS sugerem que a enzima se
distância do resíduo GlcNAc inicial de forma pré‐determinada. A NDST2 parece
preferir substratos N‐sulfatados, proporcionando um mecanismo de
retroalimentação que pode explicar a formação dos domínios NS (Riesenfeld et
al., 1982).
Todos os domínios de ligação a glicosaminoglicanos caracterizados
Diferentemente do GlcA, o IdoA pode adotar várias conformações no anel
piranose (1C4, 4C1 e barco inclinado 2S0‐figura 5), enquanto os anéis de
piranose dos resíduos de GlcNAc e GLcA estão na conformação 4C1 (Mulloy
and Forster, 2000). Essa flexibilidade adicional permite o reposicionamento dos
átomos de hidrogênio viscinal e os constituintes sulfatados em posições não‐
equivalentes dependendo da conformação adotada.
Figura 5. Epimerização de resíduos de ácido urônico. Conformação do ácido glucurônico, ácido idurônico e dos anéis de piranose da glucosamina encontrados em HS/Hep.
A abundância relativa das conformações de barco inclinado e cadeira
dependem da substituição do sulfato na posição 2 nos resíduos adjacentes de
glucosamina, e na estrutura do ligante protéico que se liga ao oligossacarídeo
contendo IdoA. Estudos recentes demonstraram que a C5‐epimerase age tanto
em D‐GlcA quanto em L‐IdoA (reação reversa), de acordo com o mecanismo
proposto no qual a reação deve ocorrer pela abstração reversível e readição do
próton em C‐5 (Hagner-Mcwhirter et al., 2000). Resíduos de lisina conservados
na porção C‐terminal da proteína podem agir como doadores de prótons/
aceptores da reação, explicando a inibição da atividade pelas modificações
nessa região (Crawford et al., 2001). A especificidade da enzima sugere que a
epimerização se inicia após a N‐deacetilação/ N‐sulfatação dos resíduos de
GlcNAC, mas antes da 6‐O‐sulfatação de 3‐O‐sulfatação dos resíduos de
1.3.6. Sulfotransferases
A 2‐O‐sulfotransferase atua sobre ambos resíduos de ácido urônico,
IdoA e GlcA, preferindo o primeiro sob a maioria das condições quando
incubada com substrato contendo ambas as unidades, refletindo a variação na
afinidade para substratos contendo ácido idurônico (Rong et al., 2000). Outros
fatores aparentemente regulam a extensão da 2‐O‐sulfatação, que varia de 50
a 90% para resíduos de IdoA, e aumenta consistentemente em frequência
conforme o tamanho do domínio NS aumenta (Safaiyan et al., 2000). As
unidades de IdoA ocorrem tanto nos domínios NS quanto nos domínios NA/NS,
sendo que os localizados no último tendem a ser não sulfatados (Maccarana et
al., 1996). Interessantemente, a 2‐O‐sulfatação também pode afetar o grau de
N‐deacetilação/N-sulfatação e 6‐O‐sulfatação dos resíduos de GlcNAc sob
algumas circunstâncias (Bai and Esko, 1996; Merry et al., 2001), sugerindo que
as modificações a nível polimérico provavelmente ocorrem simultaneamente.
Vertebrados e invertebrados possuem somente um gene óbvio para a
heparam sulfato 2-O-sulfotransferase (HS2st) (Kusche-Gullberg and Kjellen,
2003), e mutações envolvendo perda de função foram estudadas em
camundongos provocando agênese renal e desenvolvimento cortical (Bullock et
al., 1998). A perda do gene HS2st em C. elegans causa problemas no
crescimento axonal e defeitos na migração celular (Bulow and Hobert, 2004;
Kinnunen et al., 2005). O gene pipe de D. melanogaster, que apresenta
similaridades com as HS2sts, está envolvido no desenvolvimento do padrão
dorso/ventral (Sen et al.), mas não está envolvido na biossíntese de HS (Zhu et
Tabela 2: Sítios putativos de ligação a PAPS das sulfotransferases. 5’-PBS e 3’-PB representam os sítios de ligação ao fosfosulfato 5’ e 3’ respectivamente. Os resíduos de Os resíduos de aminoácidos conservados estão mostrados em negrito (Habuchi et al., 2000).
Existem ainda duas atividades que catalisam reações envolvendo a
transferência de sulfato em grupos hidroxil dos respectivos resíduos de
glucosamina: HS 3O‐sulfotransferase (HS3STs) e HS 6O‐sulfotransferases
(HS6STs). Ao contrário dos invertebrados, ambas as famílias estão expandidas
nos vertebrados, havendo seis genes codificando para a HS3ST e três
codificando para a HS6ST em camundongo. Três isoformas foram inativadas
em camundongo, resultando em efeitos leves, como retardamento do
crescimento intrauterino (Shworak et al., 2002; HajMohammadi et al., 2003). A
isoforma de HS3ST específica na modificação que introduz o domínio de
ligação à antitrombina foi silenciada em camundongos, não afetando entretanto
a coagulação sanguínea desses animais, provavelmente por causa da
redundância destas modificações (Shworak et al., 2002; HajMohammadi et al.,
2003). Enquanto vertebrados possuem pelo menos três genes codificando para
a HS6st, só foi encontrado um gene em D. melanogaster e em C. elegans.
Experimentos de knockdown em zebrafish demonstraram que a 6O‐sulfatação
está envolvida no desenvolvimento muscular e vascular (Bink et al., 2003;
Chen et al., 2005), e knockdown mediado por RNAi em D. melanogaster
levaram a problemas no desenvolvimento da traquéia similares aos
leva a defeitos no crescimento neuronal similares aos da perda das enzimas
epimerase e HS2st (Bulow and Hobert, 2004). Existem pelo menos cinco
isoformas da 3‐O‐sulfotransferase (Shworak et al., 2002). A 3‐O‐sulfatação dos
resíduos de glucosamina é uma modificação importante durante a biossíntese
de pelo menos dois domínios de ligação caracterizados (antitrombina e
glicoproteína gD do vírus da Herpes simplex). A 3OST1 é a única isoforma
capaz de produzir sequências com alta afinidade de ligação para a antitrombina
por causa de sua afinidade por resíduos contendo GlcA‐GlcNS ou GlcA‐
GlcNS6S (Shworak et al., 2002). Entretanto, essa isoenzima também reage
com resíduos de IdoA‐GlcNS e IdoA‐GlcN6S, se esses resíduos não possuírem
2‐O‐sulfatação (Zhang et al., 2001), sugerindo que essa modificação no
terminal não redutor do resíduo‐alvo normalmente bloqueia a ação da 3OST1.
A 3OST2 transfere o sulfato para unidades de GlcA2S‐GlcNS e IdoA2S‐GlcNS,
enquanto 3OST3A e B transferem o sulfato para unidades de IdoA2S‐GlcNS e
IdoA2S-GlcNH2 (Liu et al., 1999), gerando um seqüência com alta afinidade
para a glicoproteína gD do vírus da Herpes simplex (Shukla et al., 1999).
As 3OSTs são similares as NDSTs, especialmente, nos domínios
sulfotransferases C‐terminais (~50%). A especificidade das enzimas reside
nessa região, mas os resíduos de aminoácidos responsáveis pelas
preferências ao substrato ainda são desconhecidas (Yabe et al., 2001).
Interessantemente, as 3OSTs não demonstram homologia significativa com as
6OSTs, exceto pelos domínios de ligação ao PAPS conservados (Shworak et
al., 1999; Habuchi et al., 2000). Uma visão geral da biossíntese de
Figura 6: Biossíntese de Glicosaminoglicanos: modificações poliméricas
1.3.7. Sítio de ligação ao PAPS e mecanismo de ação da STS
Um domínio strand‐loop‐helix e strand‐turn‐helix constituem o sítio de
ligação ao PAPS, promovendo a maioria das interações da enzima em todas as
estruturas das STs. Um loop (PSB loop) interage com o fosfato 5’ da molécula
de PAP, enquanto a hélice 6 do domínio strand‐turn‐helix, paralelo ao loop PSB
promove a interação com o fosfato 3’ (Figura 7). Não somente as estruturas,
fosfato estão conservados em todas as STS, citosólicas e de membrana. As
seqüências consenso PKT/SGTTW/AL e IT/YV/I/LLRNPA/KDR/VL/AVSYY/Q
para os domínios de ligação ao fosfato 5’ e 3’, respectivamente, sendo
denominados 5’PSB e 3’PB (Kakuta et al., 1998).
Figura 7. Alinhamento mútiplo das sulfotransferases. 5´PSB e 3´PB representam os
domínios de ligação ao fosfato 5´‐e 3´‐, respectivamente, deduzidos da estrutura cristalográfica
da sulfotransferase de estrógeno (EST). O loop PSB é mostrado em magenta e a região em
coil é representada em azul, logo após a α-hélice 11 em amarelo.
Um resíduo de lisina no 5’PSB está conservado em virtualmente todas
as STs. O nitrogênio coordenado da cadeia lateral desse resíduo de serina
forma uma ponte de hidrogênio com um átomo de oxigênio do fosfato 5’ nas
STs ligadas ao PAP. No domínio de ligação 3’PB, um resíduo de serina fornece
o hidroxil da cadeia lateral, que interage com um átomo de oxigênio do fosfato
3’. Ainda, o resíduo de lisina pode doar seu próton para o oxigênio nascente,
auxiliando a dissociação do grupamento sulfato do PAPS e, após a ligação ao
substrato, o resíduo de histidina remove o próton do grupo aceptor, tornando‐o
um nucleófilo que ataca o átomo de enxofre da molécula de PAPS. Finalmente,
o desenvolvimento de cargas negativas força a troca do nitrogênio para a
Figura 8. O mecanismo proposto de reação para a transferência do sulfuril catalizada pelas STs. Os números dos resíduos são tomados com base na sulfotransferase de estrógeno (hEST).
1.4. Considerações sobre a corrente hipótese sobre a biossíntese de HS/Heparina
Embora as enzimas envolvidas no processo de modificação das cadeias
de GAGs tenham sido extensivamente estudadas em termos de estrutura,
atividade e especificidade com relação aos glicosaminoglicanos, a seqüência e
a forma com que essas modificações ocorrem ainda é obscura. Um GAG
peculiar na espécie Achatina fulica, denominado acaram sulfato (Kim et al.,
2001) possui estrutura relacionada, porém totalmente distinta do heparam
Figura 9: Estrutura do dissacarídeo repetitivo de acaram sulfato.
Esse glicosaminoglicano possui uma estrutura atípica, pois contém
resíduos de ácido idurônico sulfatados adjacentes a um resíduo de
N-acetilglucosamina não modificada. O que torna atraente o estudo deste
composto é o fato de que sua estrutura é totalmente incompatível com as
etapas de modificações do processo biosintético descrito para o heparam
sulfato e heparina. Assim, segundo as teorias correntes, a enzima 2‐O‐
iduronosil‐sulfotransferase agiria após a N‐deacetilase/N-sulfotransferase e
uronosil C5‐epimerase, não sendo portanto compatível com a presença de uma
N‐acetilglucosamina vicinal a um resíduo de ácido idurônico‐2‐O‐sulfatado,
como ocorre na Achatina fulica.
Por outro lado, heparina com estruturas semelhantes a de mamíferos
tem sido descritas em invertebrados (Dietrich et al., 1987; Pejler et al., 1987;
Dietrich et al., 1988). Ainda, para o molusco bivalve Anomalocarida brasiliana,
foi demonstrado que a heparina apresenta‐se exclusivamente em grânulos
intracelulares de células tipo mastócito, com distribuição tecidual semelhante à
de mamíferos e outros tipos de vertebrados (intestino, pele/manto,
pulmão/brânquias) (Santos et al., 2002; Nader et al., 2004). Assim, as vias de
biossíntese dessas heparinas contidas em invertebrados devem ser
semelhantes àquela presente em mamíferos, insetos e nematódeos. Algumas
evidências da presença de Gagossomos que regulam a síntese das diversas
estruturas dos GAGs sintetizados em uma células é dada pela investigação da
influência da utilização durante a biossíntese de diferentes xilosídeos.
dissacarídica e tipo de cadeias de GAG de maneira relativamente específica,
influenciando mudanças na estrutura fina e quantidade de cadeias de GAGs
produzidas na célula.
1.5. Caracterização conformacional da ligação ao dissacarídeo e
transferência de sulfato através de dinâmica molecular (DM)
O uso de simulações de dinâmica molecular (DM), um procedimento de
simulação que consiste na computação do movimento dos átomos em uma
molécula, iniciou-se há mais de 30 anos para sistemas biológicos, com o
estudo de um sistema protéico envolvendo um inibidor de tripsina pancreática
bovina (McCammon et al., 1977). Atualmente, consiste em uma ferramenta
amplamente difundida, que é empregada na investigação da estrutura e
dinâmica de biomoléculas em geral, abrangendo estudos que envolvem desde
a interação de compostos às suas proteínas-alvo, desnaturação e
enovelamento protéicos (Ponder and Case, 2003), até o estudo de
exopolissacarídeos bacterianos (Nogueira et al., 2005).
A integração da equação de movimento de Newton d2ri(t)/dt2=Fi /mi,
sendo d2ri(t)/dt2 a aceleração, mi a massa e Fi a força sobre um determinado
átomo i, é a característica fundamental dos cálculos de DM que, quando
realizada sucessivamente e sobre todos os átomos do sistema, gera uma
trajetória de movimento das moléculas em estudo, ou seja, uma seqüência de
diferentes posições dos átomos em função do tempo (Leach, 2001).
Esta integração é realizada de forma que uma força Fi acarreta uma
aceleração sobre um determinado átomo i e, em conseqüência, causa uma
mudança de sua posição num intervalo de tempo Δt relativo à aceleração. No
entanto, considerando somente tal equação, não é possível determinar o
módulo e a direção da força Fi sobre os átomos do sistema, nem sua relação
com as características químicas de cada molécula em estudo (Leach, 2001).
Dessa forma, tais parâmetros são calculados em função de mudanças na
energia potencial entre a posição atual e a posição seguinte (a que
representará o próximo passo da simulação) sobre cada átomo
separadamente. Esta superfície de energia potencial representa a energia de