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Incentivando o Patrimônio: a contribuição das leis de incentivo para a preservação do patrimônio histórico - alguns casos na cidade de São Paulo

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Maria Fernanda Freire Luis

INCENTIVANDO O PATRIMÔNIO:

a contribuição das leis de incentivo

para a preservação do

patrimônio histórico brasileiro.

Alguns casos na cidade de São Paulo

(2)

Maria Fernanda Freire Luis

INCENTIVANDO O PATRIMÔNIO:

a contribuição das leis de incentivo

para a preservação do

patrimônio histórico brasileiro.

Alguns casos na cidade de São Paulo

Dissertação apresentada à

Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ruth Verde Zein

(3)

L953i Luis, Maria Fernanda Freire.

Incentivando o Patrimônio: a contribuição das leis de incentivo para a preservação do patrimônio histórico - alguns casos na cidade de São Paulo. / Maria Fernanda Freire Luis– 2011.

330 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.

Bibliografia: f. 276-285.

1. Lei de incentivo à cultura. 2. Patrimônio cultural.

3. Patrimônio histórico. 4. Preservação. 5. Restauração. I. Título.

(4)

INCENTIVANDO O PATRIMÔNIO:

a contribuição das leis de incentivo

para a preservação do

patrimônio histórico brasileiro.

Alguns casos na cidade de São Paulo

Dissertação apresentada à

Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Ruth Verde Zein - Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. José Carlos Garcia Durand Universidade Estadual de Campinas

Prof. Dr. Marcos José Carrilho

(5)
(6)

Agradeço à minha orientadora Professora Doutora Ruth Verde Zein a quem devo ter chegado até aqui, mais do que por sua preciosa orientação, correções e dicas, devo o convite para que eu fizesse o Mestrado em Arquitetura no Mackenzie. O curso me foi particularmente útil, ajudou a incrementar minhas reflexões sobre a arquitetura e a área de patrimônio histórico, meu foco de interesse. As disciplinas cursadas, os professores e os colegas ajudaram a desenvolver minha capacidade de análise e incrementaram meu repertório, muito obrigada a todos.

Agradeço, em especial, aos Professores Doutores José Carlos Durand e Marcos Carrilho que aceitaram integrar a minha banca e foram fundamentais na revisão deste trabalho a partir do exame de qualificação, por seus comentários e orientação. Meu reconhecimento ao Nelson, companheiro de vida, por sua constante e carinhosa atenção, pela paciência, troca de experiências, amizade e apoio incondicional, acreditando e vibrando por minhas conquistas e realizações.

Pela colaboração na pesquisa agradeço à equipe da Fundação Energia e Saneamento que não pouparam esforços para informar e disponibilizar documentos que me ajudaram a analisar os projetos do Museu da Energia e do Palácio dos Campos Elíseos. Em particular destaco a colaboração do pesquisador Alcides Caetano da Silva Junior, da Arqta. Priscila Libonati e em especial à Arqta. Mariana Rolim, Superintendente da Fundação Energia que se dispôs a conversar detalhadamente sobre os trabalhos de restauro realizados no Casarão da Família de Santos Dumont e no Palácio dos Campos Elíseos.

Agradeço à Arqta. Maria Luiza Dutra que disponibilizou farto material sobre o Palácio dos Campos Elíseos que fundamentaram a análise aqui apresentada.

Recebi atenção e colaboração preciosas do Arqto. Victor Hugo Mori do IPHAN, cuja disponibilidade e acesso aos documentos da Estação da Luz foram fundamentais para a concretização deste trabalho. Devo destacar também a gentileza da Arqta. Meire Selli da CPTM, de Jarbas Mantovanini da Fundação Roberto Marinho e do Arqto. José Guilherme Savoy de Castro do CONDEPHAAT que elucidaram vários pontos importantes do projeto de intervenção na Estação da Luz.

(7)
(8)

“A estabilidade das leis culturais é fundamental, como ensina a experiência internacional. A legislação de incentivo fiscal à cultura existente nos Estados Unidos, que canaliza a participação de empresas e de doadores individuais no financiamento da cultura, alcançou, no fim dos anos 90, cerca de US$ 10 bilhões anuais, soma superior ao que o Estado investe diretamente em cultura. Lá, a primeira tentativa de introduzir legislação semelhante é de 1914, mas a lei em vigor se consolidou a partir de 1917, garantindo a participação das corporações e dos indivíduos no financiamento à cultura por meio da aplicação de patamares bastante generosos de impostos não pagos. A lei se manteve estável durante dois terços do século passado,

permitindo que ela apoiasse o desenvolvimento da cultura” (José Álvaro Moisés∗).

Cientista político e economista, ex-Secretario da Cultura do Ministério da Cultura na gestão de

Fernando Henrique Cardoso, atualmente leciona no Departamento de Ciência Política da

Universidade de São Paulo. Entrevista dada ao Boletim da Democratização Cultural. Fundação

(9)

SUMÁRIO

RESUMO 10

ABSTRACT 11

APRESENTAÇÃO 12

INTRODUÇÃO 14

CONSIDERAÇÕES INICIAIS, OBJETO DA PESQUISA, OBJETIVOS,

METODOLOGIA 14

PARTE I: CONCEITOS, DEFINIÇÕES, PRÁTICAS E CONSIDERAÇÕES

TEÓRICAS DO PATRIMÔNIO 19

1. PATRIMÔNIO CULTURAL, PATRIMÔNIO HISTÓRICO, PRESERVAÇÃO E

RESTAURAÇÃO 19

2. O SURGIMENTO DO CONCEITO DE PRESERVAÇÃO 24

3. IDENTIDADE NACIONAL E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NO BRASIL 27

4. OS ÓRGÃOS BRASILEIROS DE PRESERVAÇÃO 30

5. AS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 34 6. INTERVENÇÕES SOBRE LUGARES: REFLEXÕES, DEBATES E EXEMPLOS 39

PARTE II: ESTÍMULOS LEGAIS E DE MERCADO ÀS AÇÕES DE

PRESERVAÇÃO 45

7. BREVE HISTÓRICO: DOS INCENTIVOS FISCAIS ÀS POLÊMICAS ATUAIS 46

8. AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA EM 2010 50

9. PROCEDIMENTOS PARA OBTENÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS EM

PROJETOS DE RESTAURO 56

10. AS LEIS DE INCENTIVO E O CRESCIMENTO DO MERCADO CULTURAL 60 11. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO CULTURAL E AS LEI DE

INCENTIVO 71

12. CULTURA: O NOVO MOTE DE CONSUMO DA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA 74

PARTE III: ESTUDOS DE CASOS 83

13. CRITÉRIOS DE LEVANTAMENTO E SELEÇÃO DE CASOS DE ESTUDO 84 13.1. QUADRO DOS BENS TOMBADOS NO CENTRO DE SÃO PAULO 87 13.2. LOCALIZAÇÃO DOS EDIFÍCIOS SELECIONADOS 98 13.3. CONEXÕES ENTRE A REQUALIFICAÇÃO URBANA E RESTAURAÇÃO

(10)

14. A ESTAÇÃO DA LUZ – MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA 104 14.1. HISTÓRICO - O CAFÉ, A LINHA FÉRREA E A INDUSTRIALIZAÇÃO 104 14.2. O PROJETO DE RESTAURO E DE REVITALIZAÇÃO 113 14.3. ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO EDIFÍCIO ANTES DO RESTAURO E

ALGUMAS SOLUÇÕES ADOTADAS 117

14.4. AS INTERVENÇÕES DA CPTM 120

14.5 A DESTINAÇÃO MUSEU DETERMINANDO A INTERVENÇÃO NO

EDIFÍCIO ADMINISTRATIVO 131

14.6. QUADRO COMPARATIVO DOS MOMENTOS DA ESTAÇÃO DA LUZ

1867 A 2010 163

14.7. A AVALIAÇÃO DE AGENTES EXTERNOS AO PROCESSO 168 15. CASARÃO DA FAMÍLIA SANTOS DUMONT – MUSEU DA ENERGIA 175 15.1. HISTÓRICO – A OCUPAÇÃO DOS CAMPOS ELÍSEOS 175 15.2. O PROJETO DE INCENTIVO PARA A RESTAURAÇÃO E

REVITALIZAÇÃO DO EDIFÍCIO 186

15.3. ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO EDIFÍCIO 188

15.4. AS INTERVENÇÕES DA FUNDAÇÃO ENERGIA NO CASARÃO - O

PROJETO DE RESTAURO 190

15.5. O PROJETO DO MUSEU DA ENERGIA 196

15.6. QUADRO COMPARATIVO DOS DIVERSOS MOMENTOS DO

EDIFÍCIO 206

15.7. A AVALIAÇÃO DE AGENTES EXTERNOS 208

16. O PALÁCIO DOS CAMPOS ELÍSEOS 212

16.1. HISTÓRICO – O PALACETE 212

16.2. O PROJETO DE RESTAURO E DE REVITALIZAÇÃO 232

16.3. O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO EDIFÍCIO 236

16.4. AS INTERVENÇÕES E A PROPOSTA DE USO 251

16.5. A DESTINAÇÃO GABINETE DE DESPACHOS DO GOVERNADOR

DETERMINANDO A INTERVENÇÃO NO EDIFÍCIO 252

16.6. QUADRO COMPARATIVO DOS DIVERSOS MOMENTOS DO

EDIFÍCIO 257

16.7. A AVALIAÇÃO DE AGENTES EXTERNOS 259

PARTE IV: CONCLUSÕES 264

BIBLIOGRAFIA 276

ANEXOS

ANEXO 1: RESUMO DAS CARTAS PATRIMONIAIS 286

ANEXO 2: PROJETO DE LEI Nº 6722/2010 294

(11)

RESUMO

Esta pesquisa parte da experiência profissional da autora e buscou analisar de maneira ampla e referenciada como são analisados e aprovados os projetos de restauração de obras arquitetônicas de interesse especial com base nas leis de incentivo à cultura, notadamente pela Lei Federal de Incentivo, conhecida como Lei Rouanet. Para entender e explicar como esse processo se desenvolve, são identificados os aspectos formais do papel das leis de incentivo, apresentada uma revisão bibliográfica sobre alguns conceitos relevantes (como patrimônio cultural, renúncia fiscal, restauração) consolidando as informações sobre as leis de incentivo e sobre os passos necessários para sua ativação. Elaborou-se um quadro abrangente verificando, para o caso de São Paulo, dentre os bens tombados em pelo menos dois níveis de proteção, em que casos vêm ocorrendo o aproveitamento de incentivos fiscais para a revitalização desse patrimônio. Para exemplificar o processo, foram estudadas três obras de recuperação de edifícios históricos realizadas com recursos provenientes da renúncia fiscal do Estado Brasileiro, aplicados por empresas privadas, na cidade de São Paulo. O estudo buscou avaliar a contribuição efetiva dessas intervenções para a preservação do patrimônio cultural do país.

(12)

ABSTRACT

The author’s professional experience was the groundwork for this research. Its aim was to systematically investigate how rehabilitation projects are being made eligible for taxes incentives and exemptions by Brazilian Federal “Cultural Laws” (like the Rouanet law). In order to understand and explain how this process is developed, besides identifying the formal aspects of the role played by these incentive laws, this study presents a bibliographical review of some major concepts (such as historic heritage, tax exemption, restoration); consolidates the information upon the incentive laws and the necessary steps for its activation; and builds up a wide picture checking in which cases, among all the classified buildings in São Paulo with at least two different levels of protection, these fiscal incentives have been used for the revitalization of the cultural heritage. To illustrate this process it further examines three restoration works carried out in city of São Paulo, made available by the use of with funds originated from Brazilian State tax exemption incentives, with the support of private companies. The study also analyzed the quality of these rehabilitation projects and how they have contributed to the effective preservation of Brazil’s cultural heritage.

(13)

APRESENTAÇÃO

Desde 1977, logo depois de ter me formado na Escola de Comunicação e Artes da USP, atuo profissionalmente junto a órgãos, instituições e com a minha empresa em projetos de documentação, revitalização e restauração do Patrimônio Histórico Brasileiro. Em 1982, após concluir os créditos da pós-graduação em Administração fui para a Itália, onde fiz um curso de Planejamento do Turismo e participei de alguns seminários junto ao ICCROM – International Centre for the Study of the Preservation and the Restoration of Cultural Property1 - em Roma. Na minha volta tive a oportunidade de trabalhar na Fundação Roberto Marinho, como gerente de Projetos Culturais.

Foi uma experiência muito dinâmica e reveladora, cheguei a coordenar mais de 50 projetos pelo Brasil afora voltados à Preservação da Memória Nacional. A área onde mais atuávamos era a de restauração de edifícios históricos. Nesse período ainda não havia leis de incentivo no Brasil: seu surgimento veio facilitar a captação de recursos junto às empresas privadas, aumentando significativamente os recursos para investimentos em atividades culturais, incluindo as intervenções voltadas à preservação e recuperação do patrimônio histórico brasileiro.

A atuação inicial da Fundação Roberto Marinho foi muito significativa e pioneira; a partir de 1986, com a Lei Sarney e posteriormente em 1991, com a Lei Rouanet os investimentos em cultura e especificamente em projetos de restauração do Patrimônio Histórico, aumentaram significativamente, surgindo novos produtores culturais, novas organizações que buscam e gerenciam recursos voltados à cultura.

O projeto de pesquisa que me propus desenvolver partiu da minha experiência profissional e buscou analisar de maneira mais ampla e referenciada, esse quadro; ademais, para melhor elucidar a temática, realizou a análise mais pormenorizada de algumas obras de restauração realizadas com recursos da Lei Rouanet, de maneira a sistematicamente entender como se processam as formas de investimento e que resultados vem sendo obtidos para a preservação efetiva do patrimônio histórico brasileiro.

Nascido de preocupações e experiências pessoais, o tema me pareceu ser, entretanto, de relevância mais ampla.

Para a sociedade, todas as novas condutas e posturas públicas devem ter seus resultados estudados no sentido de confirmar procedimentos, mas fundamental-mente para fiscalizar as condutas públicas. Neste caso, mesclam-se interesses públicos e privados, pois os incentivos fiscais são recursos provenientes de renúncia fiscal de um dado imposto, que deixa de ser captado e investido em ações do governo para serem liberados, pelo governo, para aplicação em projetos escolhidos

1 O ICCROM foi criado em 1959 com os objetivos de divulgar os problemas de conservação

(14)

pela iniciativa privada. Iniciativa essa que, no nosso estudo, reveste-se novamente de interesse público, pois o patrimônio histórico, que objetiva-se ver preservado, é um bem cultural, testemunho da história e referência da comunidade, e nesse sentido, é também um bem público mesmo que conte com recursos privados.

(15)

INTRODUÇÃO

O homem depositou os seus vestígios na Terra como o tempo nela estratificou as geologias, acumulou os detritos da atmosfera, das poeiras, dos vegetais, dos animais e, sempre infatigável, os acumula num movimento não destrutivo, mas construtivo, numa grandiosidade vertiginosa de operações. Mas a vicissitude do tempo é brutal,

tanto quanto ressumam de vida os vestígios do homem.2

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As leis de incentivo fiscal são atualmente uma mola propulsora para a viabilização de obras de preservação do patrimônio cultural brasileiro.

A partir da década de 1930, com a criação das instituições voltadas para a preservação do patrimônio brasileiro, definiu-se a responsabilidade do Estado nas ações de identificação, proteção, fiscalização, restauração e revitalização dos monumentos, sítios e bens históricos do país. Mais recentemente, seja por falta de condições financeiras, seja por mudanças nas políticas e prioridades do Estado, passou a ocorrer uma sensível diminuição da sua intervenção direta na preservação e no restauro de bens históricos. Simultaneamente, e de maneira talvez paradoxal, vem aumentando o interesse da coletividade nos temas da preservação, em especial de edifícios de interesse histórico, referências da população de cada lugar.

“De fato, há atualmente no Brasil uma grande preocupação com a preservação do patrimônio cultural, entretanto, pouca atenção tem sido dispensada aos métodos de intervenção aplicados sobre esses bens escolhidos como memória a ser preservada. Percebe-se um grande descompasso entre as discussões a respeito da necessidade de se preservar a memória em suas diferentes formas e manifestações e os meios operacionais que deveriam ser postos para o cumprimento de tal tarefa. Contudo, tanto quanto “o quê se preserva”, ou o “como se preserva” é fator de extrema importância, pois o produto final da intervenção será quase sempre a imagem cristalizada na memória da comunidade que deve se (re)apropriar do bem restaurado.”3

Embora os órgãos estatais tenham diminuído suas ações como investidores diretos na preservação do patrimônio, seu papel nas ações normatizadoras e fiscalizadoras das ações voltadas para a preservação do patrimônio continua sendo da maior importância, cabendo-lhes zelar pelos interesses de toda a coletividade. Cabe ao Estado pelo menos três funções prioritárias na salvaguarda do patrimônio histórico brasileiros: função tributária; função normativa; e de investimento. Esta última, com cada vez maior freqüência é repassada à iniciativa privada que também tem seus interesses específicos nesse processo, sem, contudo, ter seu foco na preservação.

2 MANTEGNA E POUSSIN. Ruína e Restauro in Enciclopedia Einaudi, vol.1 (Memória-História).

Lisboa: Casa da Moeda, 1984. p. 110.

3 CUNHA, Claudia R.. Restauração: método e projeto. In: Resenhasonline. 069.03, ano 06, set 2007.

(16)

E com freqüência cada vez maior essas ações privadas ocorrem com o apoio em leis de incentivo fiscal.

Os incentivos fiscais da chamada Lei Rouanet ampliaram, desde sua criação, os investimentos voltados para a preservação do Patrimônio Histórico, mesmo considerando que os recursos assim obtidos não sejam, na maioria das vezes, suficientes para cobrir os custos reais das intervenções nas edificações. De qualquer maneira, dessa forma é concretizada uma parceria público-privada que tem como finalidade a recuperação de edifícios históricos de grande valor para o patrimônio cultural e arquitetônico brasileiro. Entretanto, cada um dos agentes envolvidos - tanto os órgãos institucionais responsáveis pela aprovação e fiscalização dos projetos como os investidores que pretendem atuar no setor - têm uma visão parcial e particular do tema. Estes últimos não têm de fato como objetivo a preservação real do patrimônio, como os primeiros, e sim as vantagens fiscais, de comunicação e de relacionamento que ele auferirá com esses investimentos.4 Os resultados dessas parcerias público-privadas ainda são pouco conhecidos ou estudados de maneira sistemática. Entretanto, são objeto, algumas vezes, de acirrados debates entre os profissionais, na imprensa não especializada e entre o público em geral, pelo caráter potencialmente polêmico de qualquer intervenção nos bens considerados como patrimônio histórico.

OBJETO DA PESQUISA

A partir dessas constatações se impõe a necessidade de algumas reflexões, que podem ser explicitadas por meio de algumas questões, que passaram a nortear a escolha do tema. São elas:

a) o que são e como surgiram as leis de incentivo à cultura?

b) como elas beneficiam ou podem beneficiar o patrimônio cultural histórico arquitetônico brasileiro?

c) quem ou que instituições definem sobre quais bens, ligados ao patrimônio cultural, histórico e arquitetônico, podem ser aplicadas as leis de incentivo?

d) como elas podem ser ativadas? Quem ou que instituições podem requerer seus benefícios, para quais finalidades, e de que maneira?

4 Os interesses dos patrocinadores estão direcionados às vantagens fiscais, de comunicação e de

relacionamento colocando em segundo plano o interesse pelo resultado efetivo sobre o patrimônio histórico; essa situação foi muito bem identificada no estudo da Fundação João Pinheiro, conforme

relatório apresentado ao Ministério da Cultura e que ora destacamos: “os principais aspectos

motivadores para o investimento em cultura, apresentados pelas empresas pesquisadas, foram: ganho de imagem institucional (65,04%), agregação de valor à marca da empresa (27,64%), reforço do papel social da empresa (23,58%) e benefícios fiscais (21,14%) (os percentuais expressam

respostas múltiplas e não excludentes)”. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Pesquisa Economia e

Cultura in: ENCONTRO DO CONSELHO DE CULTURA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE

(17)

e) considerando a legislação existente e sua aplicação prática até o momento, em que medida as leis de incentivo à cultura vem se mostrando importantes para a preservação desse patrimônio cultural histórico arquitetônico?

A partir dessas questões, a pesquisa buscou entender e explicar, de maneira sistemática, como esse processo se desenvolve, identificando os aspectos formais do papel das leis de incentivo à cultura, utilizadas para a restauração do patrimônio cultural histórico arquitetônico.

Para exemplificar e tornar mais concreto o estudo, a pesquisa buscou estudar algumas obras relevantes, relacionadas com a preservação e restauro do patrimônio histórico arquitetônico paulistano, realizadas com recursos provenientes da renúncia fiscal do Estado Brasileiro, situadas em São Paulo.

OBJETIVOS

Assim sendo, foram objetivos desta pesquisa:

a) compreender e sistematizar, através de revisão bibliográfica, as principais definições e conceitos envolvidos no tema da preservação do patrimônio cultural e histórico e os critérios preconizados pelos órgãos de patrimônio brasileiro;

b) estudar e sistematizar as informações sobre a legislação pertinente, inclusive as cartas internacionais sobre patrimônio5;

c) identificar em que medida e de que maneira as leis de incentivo à cultura têm colaborado para estimular ações voltadas à restauração do patrimônio histórico edificado;

d) traçar o percurso que os projetos de restauração devem cumprir junto às instituições públicas que gerenciam as permissões para obtenção dos incentivos fiscais, na área de Patrimônio Histórico, através da descrição e análise do processo legal de solicitação;

e) verificar como foram aplicadas as vantagens concedidas pelas leis de incentivo em alguns casos específicos situados em São Paulo, buscando compreender em que medida e de que maneira, os recursos viabilizados pela obtenção dos incentivos fiscais dos projetos, foram fundamentais para garantir a salvaguarda desses bens históricos.

5 Uma vez que estamos sujeitos a esses critérios em decorrência de acordos internacionais regidos

(18)

Metodologia

Para alcançar os objetivos propostos foram realizadas as seguintes ações/tarefas:

a) revisão bibliográfica sobre os conceitos, definições e legislação relacio-nados ao tema da preservação do patrimônio cultural, com problematização crítica desses temas;

b) pesquisa primária junto ao Ministério da Cultura e aos órgãos e patrimônio, em especial o IPHAN, o CONDEPHAAT e o CONPRESP, de maneira a obter informações sobre as ações de preservação com aplicação de recursos advindos de leis de incentivo fiscal;

c) estudo e análise aprofundada de três casos recentes de aplicação de recursos de leis de incentivo fiscal na preservação de edifícios de alto valor histórico e arquitetônico, com identificação dos agentes participantes desses projetos, seus papéis e responsabilidades.

Para definir quais obras seriam estudadas em mais profundidade foi realizado um amplo levantamento inicial a partir do qual foram estabelecidos alguns critérios de seleção:

a) serem projetos viabilizados prioritariamente com recursos da Lei Rouanet;

b) serem edificações significativas para o patrimônio histórico da cidade de São Paulo;

c) escolher duas edificações com pelo menos dois níveis de tombamento6 e pelo menos uma edificação com três níveis de tombamento;

d) serem projetos realizados depois do ano 2000, cujas obras foram ou vem sendo conduzidas com a aplicação de técnicas construtivas contemporâneas, de maneira a verificar também, através desses exemplos, o estado da arte do debate sobre o tema do restauro e preservação arquitetônico.

e) que os gestores de cada uma dessas intervenções tivessem diferentes estruturas administrativas e organizacionais, de maneira a ampliar o entendimento das variáveis de gestão e manutenção nesses processos.

A análise dessa última questão poderá demonstrar que uma boa gestão conduz a uma boa manutenção da edificação e, portanto, ao prolongamento da qualidade da intervenção, aspecto sobremaneira importante para a salvaguarda dos edifícios históricos.

A partir do levantamento amplo e dos critérios escolhidos foram definidos como objeto de estudo pormenorizado:

6 Ou seja, foram tombadas por mais de um órgão de preservação: do país/IPHAN, do

(19)

a) a restauração da Estação da Luz e a implantação do Museu da Língua Portuguesa, processo realizado entre os anos de 2002 e 2006;

b) o Museu da Energia instalado em um casarão do final do século XIX situado na Barra Funda/Campos Elíseos, antigo bairro nobre da cidade, realizado entre os anos de 2001 e 2005;

c) a restauração do Palácio dos Campos Elíseos, antiga sede do Governo do Estado, até a transferência do Governo para o Palácio Bandeirantes no Morumbi; posteriormente abrigou sedes de Secretarias de Estado7.

Esses estudos deram ênfase na compreensão dos instrumentos dos incentivos fiscais utilizados para viabilizar esses empreendimentos, verificando como a sua aplicação ocorreu e quais as interações resultantes para a preservação do edifício em si, para a cidade e para a sociedade.

O trabalho foi desenvolvido em quatro partes. Na primeira parte constam os conceitos, definições práticas e considerações teóricas do patrimônio.

Na segunda parte, abordou-se os estímulos legais e de mercado às ações de preservação. É nessa parte que se desenvolveu a análise sobre as leis de incentivo e como elas têm incrementado os investimentos em obras de recuperação do patrimônio histórico.

Na terceira parte, foram apresentados os três casos analisados, introduzindo a importância histórica do edifício e seu contexto, os trabalhos de restauração realizados, o projeto de revitalização proposto, os recursos incentivados investidos e sua captação e a avaliação dos agentes externos ao projeto sobre cada um dos casos.

Na quarta parte, apresentou-se as conclusões, buscando fechar a interpretação de todo o estudo, unindo as várias considerações apresentadas.

7O edifício teve suas fachadas restauradas através de projeto incentivado, conduzido pela Fundação

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PARTE I

CONCEITOS, DEFINIÇÕES, PRÁTICAS E CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS DO PATRIMÔNIO

1. PATRIMÔNIO CULTURAL, PATRIMÔNIO HISTÓRICO, PRESERVAÇÃO, RESTAURAÇÃO.

Cultura não é apenas acúmulo de informações e domínio de conceitos; é um processo longo, conflituoso e não linear, em que lutamos para retirar as cascas com que o senso comum nos embota desde que nascemos, em osmose contínua (...).

Não há conhecimento sem conflito e isso lhe dá vida.8

Patrimônio Cultural é um conceito abrangente tratando não apenas do patrimônio histórico, pois incorpora igualmente questões artísticas e de representação social, conforme definição do ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios.

Patrimônio cultural considera tudo o que se relaciona com a cultura, com a história, a memória, a identidade das pessoas ou grupos de pessoas – coletividades de natureza diversa como grupos familiares, associações profissionais, grupos étnicos, nações –: são os lugares, as obras de arte, as edificações, as paisagens, as festas, as tradições, os modos de fazer, os sítios arqueológicos. É tudo o que, para determinado conjunto social, interessa proteger por ser considerado como cultura própria, o que é base de sua identidade, o que o faz distinto de outros grupos, incluindo não somente monumentos e outros bens de caráter físico, mas a experiência vivida, que se condensa na linguagem, nos conhecimentos, nas

tradições, nos modos de usar bens e espaços.9

Na própria Carta de Veneza encontra-se “a noção de monumento compreendendo não só a criação arquitetônica isolada, mas também a moldura em que ela é inserida. O monumento é inseparável do meio onde se encontra situado e, bem assim, da história da qual é testemunho."10 Essa interpretação de que valor histórico agrega elementos culturais indissolúveis ao bem material em si mesmo, confere uma representatividade ao monumento que transcende seu valor histórico, conferindo-lhe um significado social e cultural. Daí a expansão do conceito neste trabalho.

O texto da Constituição Brasileira de 1988 em seu art. 216 (corresponde ao art.180 da Constituição de 1967) registra:

8 PIZA, Daniel. Rembrandt, Picasso e você. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 mar 2010. p. D16.

9 http://www.icomos.org.br/001_001.html. Acesso em: 4/5/2010.

10 Carta de Veneza. II Congresso Internacional de Arquitetura e de Técnicas de Monumentos

Históricos, realizado em Veneza de 25 a 31 de maio de 1964. In: IPHAN; USP /FAU. Patrimônio

Cultural: recomendações, acordos e convenções UNESCO, UIA e Patrimônio Cultural: tratados e

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Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Parágrafo 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e

preservação.11

Já no primeiro texto elaborado para a criação do IPHAN em 1936, Mario de Andrade, seu autor, preconizava um conceito de patrimônio estendido ao sentido mais cultural do que apenas histórico; assim definia Andrade: “Entende-se por patrimônio artístico nacional todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos e a organismos sociais e particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil.”12

Desde o começo do século XX, os estudiosos do assunto, vêm desenvolvendo em seus trabalhos esse conceito ampliado, lendo o papel do monumento na sua importância social e como marco das comunidades onde estão inseridos. Choay começa sua definição de patrimônio colocando um conceito econômico anterior onde patrimônio estava na origem ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo, mas essa visão econômica não prescinde da participação social, ao contrário está alicerçada nela. A palavra foi apropriada e adjetivada para diversos usos, mas para o foco de interesse deste trabalho, a preocupação foi com a evolução dessa apropriação para o patrimônio cultural. “A expressão designa um fundo destinado ao usufruto de uma comunidade alargada a dimensões planetárias e constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que congregam a sua pertença comum ao passado.”13

Para Jokilehto, a ideia de patrimônio cultural importa conceitos das referências sobre monumento histórico e dos trabalhos ligados à arte que incluem coleções etnográficas, jardins históricos, vilarejos e paisagens. O crescimento exponencial sobre o reconhecimento da diversidade cultural no mundo criou uma nova situação para os profissionais que lidam com a preservação desses documentos, pois com a ampliação do significado do patrimônio cultural, as políticas para a sua salvaguarda

11 RABELLO, Sonia. O Estado na Preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro:

IPHAN, 2009. p.23.

12 LEMOS,Carlos Alberto Cerqueira. O que é Patrimônio Histórico. 2.ed. São Paulo: Brasiliense,

1982. p.38.

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readquiriram uma nova amplitude.14 Uma amplitude sociológica, antropológica e psicológica.

A noção de patrimônio cultural adotada pela UNESCO envolve a ideia de valor universal para a humanidade que foi expressa na Convenção relativa à proteção do patrimônio mundial, cultural e natural15 aprovada em 16 de novembro de 1972, na sua 17ª sessão da conferência geral. Nesta ocasião, definiu-se que patrimônio histórico pode significar a herança de gerações e constituir-se em estímulos inspiradores para o futuro. A postura da UNESCO neste encontro teve por objetivo estabelecer um acordo mundial para medidas de salvaguarda do patrimônio cultural e natural, constatando-se a ameaça constante e a degradação dos bens patrimoniais tanto pela ação do tempo, mas, mais especificamente, pela evolução das transformações sociais e econômicas dos povos.

De acordo com essa Convenção, é considerado patrimônio cultural da humanidade:

a) os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monu-mentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

b) os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

c) os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas que incluam sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

Os bens culturais materiais e imateriais são testemunhos da história de determinada comunidade e como tal fazem parte do imaginário e do repertório de cada cidadão, compondo o sentido de pertencimento e de coletividade. Assim, é papel do Estado empreender ações para preservá-los impedindo sua destruição e a perda da memória cívica de seu povo. Ora, o sentido de preservação não se baseia em uma visão nostálgica do passado, e sim em uma qualificação do mesmo, trazendo referências para a coletividade, conhecimento para o presente e possibilidades para o futuro.

Os ambientes construídos pelos homens guardam, através de sua materialidade, a memória das ideias, das práticas sociais e dos sistemas de representação dos indivíduos que ali convivem. O processo de ativação da memória, implícito na ação de preservação do patrimônio cultural corresponde a controlar seletivamente aquilo

que se considera de fato relevante16;

14 JOKILEHTO. Jukka. A History of Architectural Conservation. 1.ed. Reprinted. Oxford, UK: Elsevier,

Butterworth-Heinemann, 2008. p.19. Tradução livre da autora.

15 http://whc.unesco.org/en/conventiontext/. Acesso: em 11/5/2009.

16ALMEIDA, Eneida e BOGÉA, Marta. Esquecer para preservar. Revista Arquitextos, São Paulo.

091.02 ano 08, dez 2007. Disponível em

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mas ao intervir na requalificação de um edifício histórico, ao decidir quais os elementos que serão mantidos e, portanto, passarão para a posteridade, essa decisão deve ser feita sob a luz de uma análise criteriosa deixando claramente definida a intenção do que ficou como sinal do tempo e o que acabou sendo deixado no esquecimento, a remoção, que segundo Brandi, será considerada uma decisão excepcional, pois eliminará o testemunho de uma dada história. Todo elemento eliminado numa obra de requalificação deve ser criteriosamente documentado, passando a compor a memória da intervenção.

Essa é também a constatação expressa pelos arquitetos reunidos, em 1933, no Congresso de Atenas:

A vida de uma cidade é um acontecimento contínuo, que se manifesta ao longo dos séculos por obras materiais, traçados ou construções que lhe conferem personalidade própria, dos quais emana a sua alma. São testemunhos preciosos do passado que serão respeitados, a princípio por seu valor histórico ou sentimental, depois, porque alguns trazem uma virtude plástica na qual se incorporou o mais alto grau de

intensidade do gênio humano.17

Essa diretriz tornou-se um ponto de reflexão para todas as futuras gerações de arquitetos que passaram a se preocupar com a preservação dos núcleos históricos e de seus edifícios. Afinal como incorporar as marcas dos novos tempos que a evolução da vida nos contingência, deixando-as fazer parte dos contextos urbanos e como preservar, ou melhor, o quê de fato deve ser mantido dos documentos da vida das cidades ao longo de sua existência, expressos em seus elementos materiais? Ao se intervir em um edifício histórico está se incorporando novos elementos, novas tecnologias, fazendo uma leitura da sociedade na qual se vive e deixando as interpretações da geração no ato de conservação que se passa a praticar. Além dessa interferência física, ao modernizar-se a edificação, mesmo que seja para a manutenção do mesmo uso, acaba-se por modificar o edifício que se quer preservar. Pode-se até procurar ser contidos, respeitosos e tecnicamente competentes, mas a atual intervenção será, sem dúvida alguma, uma interferência na leitura do passado e de seus registros.

A necessidade de proteger e conservar o patrimônio nacional enraizou-se, a partir do século XIX, com a formação das nações europeias, que buscavam se consolidar tomando por base as identidades dos grupos, formando um sentido de nacionalidade que acabou atribuindo importância para os monumentos, símbolos de cada etnia e de suas conquistas, que “precisavam” ser preservados; essa noção de proteger seus bens despertou o sentimento de pertencimento a um lugar que abalou a noção da vida em comunidade.18

Esses mesmos bens culturais que representam a identidade para uma dada comunidade também assumem valores econômicos para essa mesma comunidade e podem ser explorados pelo turismo, como muito bem colocou Meneses19, mas

17 http://www.icomos.org.br. Acesso em: 7/5/2010.

18 CHUVA,Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de

preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. p.30.

19 MENESES, Ulpiano B. de. A importância Econômica de um Bem Cultural e a Importância Cultural

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essa opção que oferta essencialmente a fruição visual, apresenta um uso reducionista da magnitude cultural do bem objeto desses investimentos. Ao lidar com o patrimônio cultural, ainda, segundo Menezes, deve-se considerar todos os valores inerentes ao bem cultural, ou seja, os valores cognitivos, formais, afetivos e pragmáticos considerando todos os domínios de uso da cidade e dos bens culturais dos cidadãos, “ao invés de musealizar a cidade, uma política cultural adequada deveria introduzir valores em todos os poros da vida urbana “culturalizando” a cidade.”20 Não convém que apenas o prazer da fruição impregne as intervenções, mas incentivar que o valor cognitivo e afetivo da sociedade sobre os seu patrimônio se revele, de forma clara e constante.

As medidas de conservação dos bens culturais podem abranger desde recomendações de salvaguarda, entendida como a adoção de qualquer medida de conservação que não implique na intervenção direta sobre o bem; ou medidas de restauração, essas sim ações destinadas a manter em funcionamento, a facilitar a leitura e a transmitir integralmente ao futuro os bens de valor histórico.21 “As intervenções de restauração nos centros históricos têm a finalidade de garantir a permanência no tempo dos valores que caracterizam o conjunto, além de estender à conservação das características conjunturais do organismo urbanístico.”22 Destaca-se como fundamental não relegar as questões de infraestrutura e de qualidade ambiental, sob pena de transformar toda a intervenção em um grande fracasso. Essa preocupação permeia as políticas ligadas à preservação em todo mundo há décadas, sendo tratado na Carta de Restauro de 1972, onde já se previa a possibilidade de adequação do conjunto histórico às condições de modernidade que a vida contemporânea possibilitou. As novas exigências da sociedade não permitem o congelamento puro e simples dos documentos históricos edificados do passado, mas por outro lado impõem transformações e adaptações, sem as quais é impossível viver. No futuro essas mudanças serão ainda mais transformadoras, como as novas gerações poderão verificar.

Com o progresso e as novas facilidades a sua “casinha” do quintal, que abrigava a latrina sobre a fossa negra, foi substituída pelo banheiro completo feito num puxado anexo à cozinha velha que, por sua vez, teve seu fogão a lenha substituído pelo a gás e cada família sucessiva que nela habita vai deixando sua marca nos

agenciamentos internos.23

A preservação de bens culturais consiste na ação sistemática, preventiva que pressupõe manutenção ou corretiva que reporta ao trabalho de restauração, sendo a preservação preventiva a melhor maneira de se conservar qualquer patrimônio, tombado ou não. Para situar o conceito de restauração em nosso estudo, algumas abordagens devem ser trazidas: o conceito apresentado por Cesare Brandi coloca que “a restauração constitui o momento metodológico de reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro”24. Ou, como colocou Viollet-le-Duc, “restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado

20 MENESES, Ulpiano B. de. A importância Econômica de um Bem Cultural e a Importância Cultural

de um Bem Econômico. p.13.

21 http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_do_Restauro_1972.pdf. Acesso em: 8/5/2010.

22 MENESES, Ulpiano B. de. Op. Cit. p.18.

23 LEMOS, Carlos. O que é Patrimônio Histórico. p.14.

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completo que pode não ter existido nunca em um dado momento”.25 Cabe também pontuar as considerações de G. Carbonara que cita que a recuperação de um bem impõe a reutilização como premissa e a conservação como eventual consequência, incidindo sobre ela pressões econômicas e políticas. Para Carbonara

“o restauro é um ato histórico-crítico e conservativo (pois tem por objetivo transmitir o bem a gerações futuras da melhor maneira possível, valendo-se para isso da reutilização) e ao mesmo tempo criativo, pois qualquer intervenção, mesmo a manutenção implica modificações, que não são figurativamente neutras e devem ser prefiguradas e controladas através de projeto”.26

A definição encontrada na Carta de Veneza: “restaurar é respeitar plenamente qualquer obra reconhecida como bem a tutelar, em suas várias estratificações e em seu transcurso ao longo do tempo, independente da maior ou menor apreciação pelo seu valor artístico”, reforça a noção de bem de valor social. E ainda será importante incluir, a definição de Beatriz Kuhl encontrada em seu livro Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização, “o restauro não é mera operação técnica sobre a obra – deve ser necessariamente um ato crítico antes de se tornar operacional; projeto e criatividade fazem parte do restauro.”27

Uma obra de restauro, nos dias de hoje, não pode prescindir do pensar a arquitetura de forma racional, privilegiando o uso de materiais contemporâneos e de tecnologias inovadoras. Os projetos de restauração devem inserir nas obras todas as condições para requalificar o espaço, mesmo que o partido arquitetônico definido não devolva ao edifício sua configuração primária, mas sim lhe possibilite abrigar uma nova função que respeite a leitura histórica do edifício, permitindo-lhe o usufruto adequado das novas gerações e sua forma contemporânea de ocupação.

2. O SURGIMENTO DO CONCEITO DE PRESERVAÇÃO

Nos países ocidentais, desde o século XVIII, já se registrava movimentos preocupados com os monumentos e acervos históricos das cidades e populações. A França e a Inglaterra foram os países onde mais aparecem essas realizações.28

A criação das sociedades de colecionadores de antiguidades e a formação de museus de arte, história e arqueologia foram medidas importantes na tomada de consciência da importância de preservar adotadas desde o século XVII e que deram origem na Grã-Bretanha, ao British Museum em 1753; na França, ao Museu do Louvre, que inicialmente se chamou “Museum Central des Arts”, em 1793.29

Nas décadas após 1820, com o advento da era industrial como processo de transformação das nações, começa-se a valorizar os centro urbanos, deslocando as populações do campo para as cidades, os historiadores da arte tomam o lugar dos

25 VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000. p.17.

26 CARBONARA, G. Beni Culturali.1992 p.40-41 apud KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do

Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: Problemas Teóricos de Restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009.

27 KÜHL, Beatriz. op. cit., p.32.

28 SANTOS, Cecília Helena Godoy Rodrigues dos. Mapeando Lugares do esquecimento: ideias e

práticas na origem da preservação do patrimônio no Brasil. 2007. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – FAU-USP, São Paulo, 2007.

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antiquários, no que se refere à salvaguarda dos documentos e bens históricos. Nesse período, Viollet-le-Duc assume, na França, um papel fundamental, tanto pela suas intervenções em grandes monumentos, como a Catedral de Notre Dame, como por sua atuação como dirigente e teórico, com sua postura de reconversão do patrimônio ao seu aspecto “mais” original, mesmo que isso implicasse na utilização de falsas reconstituições, “restabelecendo o monumento a um estado completo”. A orientação de Viollet-le-Duc propunha métodos intervencionistas, que contrastava com a doutrina de Ruskin, teórico inglês, anti-intervencionista. Já Camillo Boito (1835-1914), presença pontual na Itália, age como o fiel da balança entre os dois grandes teóricos de seu tempo e faz uma síntese dessas duas doutrinas antagô-nicas: a autenticidade de Ruskin versus a prioridade do presente em relação ao passado e a legitimação do restauro de Viollet-le-Duc, estabelecendo os conceitos de autenticidade, hierarquização de intervenções e estilo de restauração como fundamentos críticos da restauração. 30

Todavia, as primeiras posturas públicas efetivamente voltadas à proteção do patrimônio histórico que se tem notícia, segundo Choay, ocorreram na França em 1837 com a criação da primeira Comissão dos Monumentos Históricos, que passaram a considerar como categorias que mereciam atenção aqueles documentos que fossem: vestígios da Antiguidade, edifícios religiosos da Idade Média e castelos.

Durante todo o século XIX, outras medidas de preservação foram tomadas pelos diversos estados principalmente europeus. Já países como os Estados Unidos, México e o Brasil – por sua origem mais recente – tiveram, apenas no século XX, marcas significativas de sua preocupação com o patrimônio. Mas, registra-se também nos Estados Unidos, no início do século XIX, alguns movimentos voltados a olhar para a memória: em 1804 é fundada a Sociedade de História de Nova Iorque. Também no início do século, em 1806, o México cria seu órgão para proteção do patrimônio da cultura Maia, numa clara tomada de consciência da importância de seus ancestrais nativos.31

Muito embora o ano de 1913 tenha sido muito importante para a consolidação das leis de preservação, com a França promulgando uma nova lei para os monumentos históricos, ampliando seu escopo incluído também as propriedades privadas, e a Inglaterra, através de Lord Crawford of Balcars, lançando a base da legislação de proteção com a “Consolidação dos Monumentos Antigos”, 1914 chegou e trouxe a destruição provocada pela I Grande Guerra Mundial, paralisando as intervenções e mudando o eixo de reflexão.

Para os Estados Unidos, 1928 foi um ano importante, quando surgiu uma primeira forma de atuação dos americanos junto ao seu patrimônio. Foi dado início ao primeiro grande projeto de restauração, o “Colonial Williamsburg”, onde a capital do Estado da Virginia foi recuperada com as feições de época com base em pesquisa e documentação. Esse trabalho serviu de base para outras intervenções nos Estados Unidos.32

30 CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Lisboa / Portugal: Edições 70, 2006. Cap.4.

31 SANTOS, Cecília. Mapeando Lugares do esquecimento: ideias e práticas na origem da

preservação do patrimônio no Brasil.

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O ano de 1931 tornou-se referencial para o patrimônio, pois foi nessa época que os arquitetos fizeram seu I Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, primeiro evento que adota uma carta de princípios para as práticas internacionais da conservação e da restauração, a “Carta de Atenas”.

A primeira Conferência Internacional para a conservação dos monumentos históricos, realizada em Atenas em 1931, reuniu apenas europeus. Na segunda, realizada em Veneza em 1964, participaram três países não europeus: Tunísia, México e Peru. Quinze anos mais tarde, oitenta países pertencendo aos cinco continentes tinham

assinado a Convenção do Patrimônio Mundial.33

Os anos entre 1939 e 1945, período em que ocorreu a Segunda Grande Guerra, foram críticos para o patrimônio edificado, cidades inteiras destruídas e ruínas deixadas por todos os lados; mas com o final da guerra e com a criação da ONU e da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, surge uma perspectiva de organização e de justiça universal, com o objetivo de difundir a lei e os direitos do homem entre todas as nações, promover a educação, ciência e a cultura passa a ser uma diretriz fundamental na união dos povos. Decisões cruciais para o patrimônio são tomadas, como a reconstrução de Varsóvia, para a retomada da identidade de toda uma nação que havia perdido seus referenciais. A reconstrução mimetizada, que já há muito havia sido considerada uma prática condenável nos procedimentos de restauro, é assumida como uma solução para a recomposição parcial do moral e da força de toda uma população, essa decisão foi decisiva para a reconstrução social do povo polonês.

“Com a maciça destruição das cidades europeias durante a Segunda Guerra e, consequentemente, a necessidade de reconstrução também em larga escala, as teoria do restauro científico ou filológico defendidas por Giovannoni (Itália, 1873 -1948) foram postas em cheque. Não se podia pensar nos monumentos destruídos apenas como documentos, ignorando sua existência como obra figurativa com significação social e simbólica”34

Nas décadas seguintes, há uma clara revisão de conceitos, pois se passa a admitir preservar bens de interesse social e ambiental e também bens representativos de uma escola ou estilo, mesmo que mais recentes. “Desde os anos sessenta do século XX os monumentos históricos constituem apenas parte de uma herança que não para de aumentar por via da anexação de novos tipos de bens e através do alargamento do quadro cronológico e das áreas geográficas no interior dos quais se inscrevem estes bens.”35

Os encontros de profissionais, como o II Congresso de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos foram retomados a partir de 1964, e passaram a ser os momentos de tomadas de posição e de decisões com amplitude global. No encontro de 1964 foi escrita a Carta de Veneza, que se tornou a “bíblia” dos arquitetos e profissionais que atuam no campo da preservação. A Carta Internacional redigida no encontro ocorrido em Veneza tratou de normatizar a conservação e restauração de

33 SANTOS, Cecília. Mapeando Lugares do esquecimento: ideias e práticas na origem da

preservação do patrimônio no Brasil. p. 14.

34 BORTOLOTO, Tais Branco. A forma urbana e a coisa pública na preservação do patrimônio:

espaço, política e sociedade na analise de dois sítios tombados: o caso do Marais, em Paris, e do

Bexiga, em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). FAU-USP, 2009.p.8.

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monumentos e sítios, ampliando o conceito de monumento, valorizando não só os monumentos históricos isolados, mas também os conjuntos urbanos e rurais, obras modestas com valor cultural; áreas envoltória; introduziu a preocupação com o respeito aos materiais e as diferentes fases de transformação do edifício, que não devem ser adulteradas ou destruídas; reversibilidade das intervenções estruturais e construtivas de restauração, necessidade de manutenção periódica dos edifícios e uma destinação funcional socialmente útil.36 Os encontros de profissionais vêm se sucedendo periodicamente, desde então, as diretrizes traçadas nesses encontros fundamentam e orientam as ações de restauração em todo o mundo.

Decisões projetuais polêmicas levam em conta fatores muito mais complexos do que a pura decisão estética de erguer ou destruir um dado elemento, ao lidar-se com valores subjetivos existe a possibilidade de ferir uma sociedade e esses valores também devem ser considerados no processo decisório em uma grande intervenção.

Mais do que um ato de conservação passiva, a preservação nasce atrelada a uma atitude de projeto, de vontade de construir um futuro que se deseja. E como em qualquer projeto, sua concretização não envolverá apenas decisões objetivas ou técnicas, mas estará sempre e

inevitavelmente permeada por decisões subjetivas.37

3. IDENTIDADE NACIONAL E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NO BRASIL

O sentimento nacionalista que reuniu os intelectuais brasileiros na primeira metade do século XX pode ser considerado como um fator da maior relevância para a formação de uma postura, que irá permear as instituições governamentais a partir já de meados dos anos 1920, de preocupação com o reconhecimento e a conservação do patrimônio “brasileiro”. As cidades e monumentos da arquitetura colonial foram os primeiros interesses desses intelectuais, preocupação logo estendida para a questão da preservação dos monumentos que simbolizassem fatos de importância nacional38.

Entretanto, há traços dessa preocupação em momentos históricos anteriores; sem pretender realizar um reconhecimento completo desses fatos, cabe mencionar alguns dos episódios mais significativos.

Quando no século XVIII, em 1742, o Conde de Galveias escreveu acarta dirigida ao então Governador de Pernambuco Luís Pereira Freire de Andrade, reclamando sobre a interferência no Palácio das Duas Torres, construído pelo holandês Conde de Nassau e transformado em quartel de tropas locais. Para o Conde seria “imprescindível manter íntegro tal edifício – verdadeiro troféu de guerra – em sua carta o Conde ressaltava a capacidade da arquitetura traduzir informações “são

36 Os resumos das demais cartas internacionais estão no Anexo I deste trabalho.

37 ZEIN, Ruth Verde e DI MARCO, Anita Regina. Paradoxos do valor artístico e a definição de critérios

de preservação na arquitetura, inclusive moderna. Revista Arquitextos, São Paulo. 098.00 ano 09, jul

2008. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.098/123. Acesso em: 10/5/2010.

38Os locais de significância regional ganharam maior atenção com a criação dos órgãos de atuação

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livros que falam, sem que seja necessário lê-los”.39 Declaração que repercute questões que então despontavam na Europa, onde ainda estava em fase de consolidação a maioria de seus estados-nações. De certa forma essa carta é um ato político de reivindicação do sentido de pertencimento de um cidadão a uma nação, foi um ato de busca pela preservação das marcas do tempo e da consolidação de sua simbologia.

Ao longo de século XIX, com a constituição formal do país independente – Brasil – os fatos mais marcantes que podem ser correlacionados a algum sentimento de preservação ou de identidade nacional foram aqueles ligados à formação de associações históricas e a criação de organizações voltadas à pesquisa e ao ensino que viriam a abrir as portas da cultura para a jovem nação brasileira.

Os primeiros fatos realmente ligados a preocupação com a preservação do patrimônio brasileiro podem ser identificados com a viagem de Rodrigo de M. F. de Andrade, em 1916, que viajara a Ouro Preto para conhecer a cidade colonial e se depara com o estado de abandono pelo qual passava essa que havia sido a capital do ouro.40

Em 1922, é realizada uma grande exposição comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, o que remonta a fatos históricos e em função dessa comemoração, além da exposição no Rio de Janeiro, outros monumentos são erguidos no país em comemoração; a remodelação do Largo da Memória, onde havia sido erguido o primeiro monumento de São Paulo, que manteve sua função memorialista, agora remodelado ao gosto da sua época, por Vitor Dubugras.

Neste mesmo ano, deve-se destacar a empolgação do grupo modernista que desde o início da década vinha criando as bases do Movimento Modernista Brasileiro, envolvendo intelectuais como Mario de Andrade, Oswald de Andrade e outros. Em 1922 acontece o mais representativo dos eventos do Movimento, a Semana de Arte Moderna, um evento que reuniu no Teatro Municipal de São Paulo, pintores, escritores, poetas, jornalistas, enfim a nata da intelectualidade brasileira que comungava dos mesmos ideais reformuladores, que buscavam novas formas de expressão enaltecendo a brasilidade de nossa gente.

Em 1924 ocorreu a formação dos primeiros passos do que viria a ser o Instituto dos Arquitetos do Brasil, o IAB.

Dentro do sentimento de brasilidade que despontava entre os intelectuais, começava-se a valorizar o patrimônio colonial brasileiro, como uma das expressões mais autênticas da arquitetura do país, assim Lucio Costa foi chamado para integrar um grupo de especialistas que partiram para as Minas Gerais com o intuito de inventariar e documentar a arquitetura e as manifestações artísticas coloniais, destacando-se neste cenário as cidades de Diamantina e Ouro Preto.

Na esteira desse inventário, Jair Lins elabora em 1925 o anteprojeto para a proteção legal do patrimônio de interesse histórico, o primeiro esboço que dá origem ao

39 LEMOS, Carlos. O que é Patrimônio Histórico. p.35.

40 SANTOS, Cecília. Mapeando Lugares do esquecimento: ideias e práticas na origem da

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Decreto que cria o SPHAN e regulamenta a preservação do patrimônio histórico brasileiro.

Estava criado o ambiente propício para deflagrar e intensificar o senso de preservação dos governantes, devidamente balizados pelos intelectuais, assim surge em Minas Gerais, em 1926, a Inspetoria Estadual de Monumentos Históricos e, na Bahia, no ano seguinte, é criada a Inspetoria com os mesmos objetivos. A realização do Estado da Bahia foi considerada pioneira, pois tinha também uma preocupação urbanística – propunha a preservação da cidade ou de um setor urbano integral. Foi tida como uma proposta inconcebível na época, mas a partir da década de 50, começaram a ser tombados os primeiros conjuntos arquitetônicos de Salvador - embora não se tivesse nenhuma ideia de como preservá-los além do congelamento.

Em 1933, através do decreto nº 22.928, Ouro Preto é elevada a categoria de Monumento Nacional, primeira lei federal voltada efetivamente para a preservação.

O ambiente para a criação do serviço de proteção nacional ao patrimônio estava efervescente nos meios culturais, faltava apenas o contexto político referendar esses propósitos, assim, com a subida ao Governo de Getúlio Vargas e a nomeação para Ministro da Educação e Saúde de Gustavo Capanema foi criado o momento político para a criação do serviço federal de preservação.

O ano era 1937 e o cenário ainda refletia os novos valores que o movimento modernista brasileiro teimava em fortalecer. O envolvimento de grandes pensadores do Brasil que buscavam caracterizar uma identidade própria, essencialmente nacional, entre eles continuava a se destacar Mario de Andrade, pessoa chave para a articulação e formação do Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico Nacional. Desta conquista, partiu-se para a pesquisa, tombamento e conhecimento das raízes materiais e dos documentos e monumentos que refletiam a realidade cultural brasileira.

O quadro histórico em que se forma o Brasil (articulação precoce do Estado com a classe mercantil e total domínio da sociedade colonial pelo Estado e pela Igreja) congelava o processo cultural em estágio correspondente à Europa pré-humanismo.

Nos três séculos do período colonial gestou-se no Brasil um estilo cultural que, embora português em seus temas dominantes, incorpora não apenas motivos locais, mas toda uma gama de valores das culturas originais dos povos dominados (negros e índios).

A persistência dos traços dominantes da matriz cultural original explica-se pela estabilidade dos sistemas de dominação social latifundiário-burocrático. Na ausência de uma classe mercantil poderosa tudo dependia da Coroa e da Igreja.

(31)

A diferenciação regional do Brasil deve-se à autonomia criativa da cultura de raízes populares.

Durante o período das Grandes Guerras Mundiais, o semi-isolamento e a crise da economia primária exportadora, que conduziram a uma industrialização tardia, apoiada no mercado interno, constituíram o cenário do processo histórico que começava a se delinear: urbanização crescente; influência americana; classe média crescente e modernização dependente gerando a necessidade de substituição de importações, por uma indústria ainda incipiente.

A ascensão da cultura de classe média marcou o fim do isolamento cultural do povo, mas também assinalou o começo da descaracterização de sua força criativa.

A emergência de uma consciência crítica em segmentos das elites criou áreas de resistência ao processo de descaracterização.41

Bem no período entre as duas grandes guerras, e buscando firmar a identidade nacional, os intelectuais Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa, Carlos Drummond de Andrade e Rodrigo de Melo Franco de Andrade ajudaram a estruturar o serviço de proteção ao patrimônio nacional.

O grupo de intelectuais modernistas articulados em torno de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde de 1934 a 1945, era fortemente marcado por um racionalismo universalista, e tinha na civilização seu projeto de modernidade, o que significava participar do concerto internacional das nações modernas, mesmo considerando as especificidades que distinguiram o 'ser brasileiro'. Seria, portanto, o 'patrimônio nacional' um elo de integração do Brasil ao mundo civilizado, o que se processou por meio da identificação de valores universais na produção artística

colonial herdada pela nação brasileira.42

O Estado Novo do Governo Getúlio Vargas propunha uma releitura da história do país, partindo do período colonial e chegando-se àquele momento como se os interstícios dos séculos XIX e início dos anos XX não tivessem nenhuma representatividade, era como se houvesse um elo direto do período colonial para o Estado Novo, das missões jesuíticas e das cidades mineiras do período do ouro diretamente para o governo de Getúlio Vargas. Assim, consagrou-se imediatamente como “patrimônio nacional” os resquícios da era colonial, como elementos bons que guardavam a nacionalidade brasileira. Dentro desse processo de preservação do patrimônio histórico nacional, ficou definida a ligação entre a tradição e a modernidade: o nacionalismo, o sentido de pertencimento e a integração com o mundo moderno, onde a memória era o legado da sociedade do momento para o futuro da nação.

4. OS ÓRGÃOS BRASILEIROS DE PRESERVAÇÃO

No Brasil, os órgãos que legislam sobre o patrimônio são: em nível federal, o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; em nível estadual, em São Paulo, o CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e

41 FURTADO, Celso. O Longo Amanhecer. 1.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

42 CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de

Imagem

Tabela 2 – Captação de recursos por ano e área cultural 94
Gráfico 1 – Neste gráfico vemos o aumento significativo do crescimento dos investimentos  nos anos de 2005, 06 e 07
Gráfico 2 – os mesmos dados do gráfico anterior visto em barras. 96
Tabela 3 - Comparativo Captação ano/área/segmento - Mecenato
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