• Nenhum resultado encontrado

Manoel Moíses, mãe bela e o protestantismo rural na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande – MG (1947-1970)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Manoel Moíses, mãe bela e o protestantismo rural na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande – MG (1947-1970)"

Copied!
220
0
0

Texto

(1)

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Lauana Ananias Flor

Manoel Moises, Mãe Bela e o protestantismo rural na história

da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG (1947-1970).

São Bernardo do Campo

(2)

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Manoel Moises, Mãe Bela e o protestantismo rural na história

da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG (1947-1970).

Lauana Ananias Flor

Dissertação apresentada à banca examinadora, em cumprimento às exigências do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestra.

Orientador: Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth.

São Bernardo do Campo

(3)

FICHA CATALOGRÁFICA

F661m

Flor, Lauana Ananias

Manoel Moises, Mãe Bela e o protestantismo rural na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG (1947-1970) / Lauana Ananias Flor -- São Bernardo do Campo, 2012.

221fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de: Lauri Emílio Wirth

1. Igreja Presbiteriana – Brasil – Cabeceira (Minas Gerais) – História 2. Cultura popular I. Título

(4)

A dissertação de mestrado sob o título “Manoel Moises, Mãe Bela e o protestantismo rural na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG (1947-1970)”, elaborada por Lauana Ananias Flor, foi apresentada e aprovada com louvor, em 19 de março de 2012, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth

(Presidente/UMESP), Profa.Dra. Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP) e Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro (Titular/MACKENZIE).

________________________________ Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth

Orientador - UMESP

_________________________________ Prof. Dr. Leonildo da Silveira Campos

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião - UMESP

Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura

(5)

Simplicidade1

Vai diminuindo a cidade Vai aumentando a simpatia Quanto menor a casinha Mais sincero o bom dia Mais mole a cama em que durmo Mais duro o chão que eu piso Tem água limpa na pia Tem dente a mais no sorriso ... Café tá quente no fogo Barriga não tá vazia Quanto mais simplicidade Melhor o nascer do dia

1

(6)
(7)

Agradecimentos

Esta pesquisa teve espaço primeiramente diante da atenção do Prof. Lauri Emílio Wirth, a quem sou muito grata, por ter me aceitado como sua orientanda e ter me guiado nos caminhos de um aprendizado sólido e crítico, dando-me condições para a elaboração e o desenvolvimento de todo o projeto de pesquisa.

Também sou grata ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPQ) pela bolsa de estudos e o apoio financeiro recebido.

Foi de suma importância a colaboração de Ilda José Viana, Dider da Costa Vale, Oscar Caetano de Faria, Ari Luiz da Silva, Maria Cezária de Souza, Neves da Costa Vale Rubstem, Guiomar Calazans de Oliveira, Geraldo Mariano de Oliveira e Raimundo Mariano Costa. Os depoimentos destas queridas pessoas fizeram a pesquisa acontecer.

Também colaboraram, embora de outras maneiras, Vinícius da Costa Vale, Kesser Romualdo da Silva, Ewerton Calazans de Oliveira, Maria Terezinha de Oliveira e Elda Alves Pinheiro. Pessoas que, de maneira muito simpática, também me ajudaram a construir a pesquisa.

Não posso deixar de agradecer aos meus pais, Sebastião José Flor e Teresinha da Costa Vale, que sempre me apoiaram e me incentivaram a vencer as barreiras e dificuldades existentes no meio do percurso.

Também sou muito grata ao meu marido, Fabiano Rogério Correa, por ter tido paciência e compreensão nos períodos de agitação e ansiedade diante da elaboração de toda a pesquisa.

Agradeço também à Universidade Metodista de São Paulo e aos professores e às professoras do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, pelas aulas e palestras dadas e as proveitosas conversas sobre a pesquisa nos corredores do Edifício Capa.

(8)

FLOR, Lauana Ananias. Manoel Moises, Mãe Bela e o protestantismo rural na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG (1947-1970). Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, 2012.

Resumo

A ideia de um protestantismo rural é caracterizada pela relação dos crentes com o lúdico e a familiaridade com o sagrado. Este tipo protestante tupiniquim, genuinamente brasileiro, se desenvolveu em locais de pouca ou nenhuma resistência por parte do catolicismo, religião hegemônica no contexto brasileiro, fator que possibilitou arranjos e rearranjos que o diferenciam do protestantismo dito oficial. Esta pesquisa procura, pois, identificar algumas características deste protestantismo rural, principalmente sua interação com as culturas populares tradicionais no contexto fundante da Igreja Presbiteriana de Cabeceira Grande-MG. Através da metodologia de pesquisa em história oral e micro-história, o foco do estudo será aproximado à vida de duas importantes figuras que se destacaram neste contexto: o lavrador Manoel Moises e a parteira Mãe Bela. Manoel Moises, pioneiro protestante, chega à região em 1947, trazendo a sua mudança em um carro de bois. A origem da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande deve-se às atividades deste pregador leigo e autônomo. Posteriormente, a comunidade já formada recebe a visita de pastores vinculados às Agências Missionárias estrangeiras atuantes na região. Assim como Manoel Moises é referência constante nas memórias locais, Mãe Bela, uma das primeiras convertidas ao protestantismo naquele lugar, é também lembrada por sua atuação como parteira e pelos seus conhecimentos da medicina tradicional, articulados com o imaginário religioso local. Mãe Bela também foi a doadora do terreno em que foi construído o templo da Igreja Presbiteriana, inaugurado em 1970.

(9)

FLOR, Lauana Ananias. Manoel Moises, Mãe Bela and the rural protestantism in the history of Cabeceira Grande’ Presbiterian Church (1947-1970). Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, 2012.

Abstract

The idea of a rural Protestantism is characterized by the relationship that believers has with ludic and its familiarity with the sacred. This kind of tupiniquim Protestantism, genuinely Brazilian, developed itself in places with low or absent catholic resistance, Brazilian’s hegemonic religion, allowing inner arrangements that make it different from official Protestantism. This research tries to identify some features of that so-called rural Protestantism, mainly its interaction with popular traditional culture, in the context of the foundation of Cabeceira Grande (MG)’s Presbyterian Church. Through oral and micro-history methodology, the focus of study will be next to the life of two important figures in this context: peasant Manoel Moises and midwife Mãe Bela. Protestant pioneer Manoel Moises arrives at the region in 1947, bringing its belongings in an oxcart. The origin of Cabeceira Grande‘s Presbyterian Church is due to the activities of this secular and autonomous preacher. Lately, with the religious community already formed, they receive visits of ministers of foreign missionary agencies acting in the region. As with Manoel Moises being a constant reference in local memory, Mãe Bela, one of the first Presbyterian converted of the community, is also remembered for its activities as midwife and its knowledge of traditional medicine, articulated with local religious imaginary. Also, Mãe Bela was donator of the terrain in which the temple of Presbyterian Church was built, in 1970.

(10)

Listas de abreviaturas

CBM: Missão Brasil Central

CIP: Conferência Inter-Presbiteriana EBM: Missão Leste do Brasil

IBEL: Instituto Bíblico Eduardo Lane

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPB: Igreja Presbiteriana do Brasil

IPCG: Igreja Presbiteriana de Cabeceira Grande JMN: Junta de Missões Nacionais

NBM: Missão Norte do Brasil

PCUS: Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (Norte)

PCUSA: Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (SUL) SBM: Missão Sul do Brasil

TCLE: Termo de consentimento livre e esclarecido WBM: Missão Oeste do Brasil

Listas de Imagens

Imagem 1 – Ruínas de Ebenézer Imagem 2 – Ruínas de Ebenézer Imagem 3 – Cabeceira do Centro Imagem 4 – Bíblia de Manoel Moises Imagem 5 – Manoel Moises

Imagem 6 – Mãe Bela

(11)

Lista de símbolos (transcrição das entrevistas)

... - pausa na fala.

[ ...] - fala indecifrável na gravação. *** - choro, emoção.

(rsrs) - risos.

&&& - Interferências externas (telefone, visitas, etc.).

( ) - texto entre parêntesis foi adicionado por mim, na hora da transcrição, para uma melhor compreensão da gravação.

(12)

Sumário

Introdução... 13

1. Cabeceira Grande nos caminhos da história ... 23

1.1. O povoamento da mesorregião do Noroeste Mineiro ... 25

1.2. A formação do município de Cabeceira Grande ... 36

1.3. Desenvolvimento e culturas populares tradicionais no Noroeste de Minas... 42

1.3.1.Culturas populares tradicionais: algumas considerações... 45

2. O protestantismo rural na região de Cabeceira Grande: origens e particularidades (1947-1970).. 52

2.1. Protestantismo e culturas populares tradicionais ... 54

2.2. O padrão de evangelização nas zonas rurais ... 60

2.3. A inserção protestante e as missões americanas no Noroeste Mineiro ... 71

2.3.1. As missões americanas ... 72

2.3.2. As origens do protestantismo em Cabeceira Grande ... 78

3. Manoel Moises, Mãe Bela e o protestantismo rural na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG ... 98

3.1. O lavrador Manoel Moises ... 101

3.2. A parteira e ‘médica’ Mãe Bela ... 117

Considerações finais ... 129

Referências bibliográficas ... 134

Entrevistas Entrevista 1 – Ilda José Viana ... 140

Entrevista 2 – Dider da Costa Vale ... 148

Entrevista 3 – Oscar Caetano de Faria ... 156

Entrevista 4 – Ari Luiz da Silva ... 162

Entrevista 5 – Neves da Costa Vale Rubstem ... 179

Entrevista 6 – Guiomar Calazans de Oliveira ... 190

Entrevista 7 – Geraldo Mariano de Oliveira ... 198

Entrevista 8 – Raimundo Mariano da Costa ... 209

Anexos e apêndices Anexo A – Mapa de localização do Município de Cabeceira Grande-MG ... 218

Anexo B – Mapa de localização da região do Noroeste de Minas Gerais ... 218

Apêndice A – Roteiro de entrevista semi-estruturada ... 219

Apêndice B – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 220

(13)

Introdução

Diz Alceu Amoroso Lima que “o valor mais delicado do(a) verdadeiro(a) mineiro(a)” é sem dúvida “a permanência do homem(mulher) rural dentro do cidadão(ã) urbanizado(a)” e que todo “mineiro(a) leva consigo o seu arraial, como um amuleto contra as conjurações do progresso”2.

Como prestigioso representante da sociologia regional de Minas Gerais, Lima expressa bem e em poucas palavras as motivações para o andamento desta pesquisa, que surgiram justamente diante dos deslocamentos e transformações expressas através do trânsito rural/urbano. Para um olhar mais crítico e atencioso, o que o sociólogo exprime pode não ser uma máxima, como assim o quer, mas representa algo que particularmente aceito.

Sou natural de Unaí-MG, mas passei boa parte de minha vida na pequena Cabeceira Grande-MG. Mesmo morando em São Paulo há quase dez anos, minhas experiências são conduzidas quase sempre pelas referências que tenho do meu “arraial”, meu lugar social de origem, influências e formação. Esse meu “arraial” é o único município do estado de Minas Gerais a fazer divisa com a capital federal, Brasília, como bem afirmam orgulhosamente os moradores e as moradoras daquela cidade.

A mudança de uma pequena cidade mineira para a maior cidade do país não foi uma experiência fácil. Os modos de vida, as questões econômicas, políticas, sociais e principalmente religiosas entre estas duas localidades estranhamente se apresentaram na minha trajetória existencial na capital paulista. Inicialmente, as origens pessoais da proposta da pesquisa surgem diante desta experiência de mudança, na tentativa de resolver o recíproco estranhamento de quem chega à cidade grande para ali morar e de quem nela habita, como se outro mundo não existisse.

Com a admissão como aluna de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Metodista de São Paulo, a proposta ganhou consistência rija, delimitações e um foco voltado para o tema do protestantismo e sua interação com as culturas populares tradicionais na região de Cabeceira Grande-MG, para

2

(14)

assim, estudar e compreender as especificidades do fenômeno religioso em meu “arraial” e o porquê de tantas diferenciações, aquelas que fazem um/a observador/a desatento/a considerar uma suposta oposição entre o rural e o urbano, entre os grandes centros e o ‘interior’3, de forma hierárquica e preconceituosa.

O objetivo é pesquisar a história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande (IPGC), compreender as origens, o desenvolvimento, as particularidades e analisar as práticas religiosas, as maneiras de ‘viver a fé’ de gente comum e simples como parte de uma religiosidade que representa um protestantismo4 genuinamente brasileiro, um protestantismo rural, como bem exemplifica Lídice Meyer Pinto Ribeiro5. Para tal, o foco da pesquisa será aproximado à vida de importantes figuras neste cenário que, exercendo um papel leigo, muito contribuíram com a implantação do protestantismo na região: o lavrador Manoel Moises (1905- 1972) e a parteira e ‘médica’ Maria Odete da Costa Vale (1907-1983), carinhosamente chamada por todos de Mãe Bela. Este protestantismo rural configura-se como uma vertente pouco contemplada na historiografia do protestantismo brasileiro. Conforme Emille G. Leonard,

A história da expansão de uma doutrina é sempre feita, tendo-se em vista o agente, posição esta em que é mais fácil se obterem dados. Daí o caráter artificial, muitas vezes, rebuscado e falso da visão, que é ordinariamente dada e esses estudos e os falsos problemas relativamente aos quais se contradizem os historiadores. Por que uma tal doutrina, tão estranha ao passado da tal região, deitou raízes duradouras? Como foi ela propagada, em que sentido geográfico, e seguindo que caminho?6

Vale destacar que a escolha destes dois nomes reflete a importância local que tiveram Manoel Moises e Mãe Bela, para a fundação e desenvolvimento do protestantismo em Cabeceira Grande. E mesmo sabendo de antemão que, a opção em pesquisar a vida de um lavrador e a vida de uma parteira divide espaço com a história institucional, quer-se notar e assinalar a história de personagens leigos.

Levando-se em consideração que a análise proposta se limita ao surgimento do protestantismo em um lugar pré-definido, bem como também em um dado contexto social e geográfico, não se quer reproduzir os conhecidos traços históricos da inserção protestante no Brasil, que ressalta, acima de tudo, os emissores, os agentes do discurso religioso. A tentativa

3

Particularmente, acredito que nos grandes centros, o termo interior ganha uma conotação pejorativa, ultrapassando o sentido de espaço e de localização geográfica.

4

O sentido de protestantismo aqui estará sempre relacionado ao presbiterianismo, mesmo entendendo que o termo tenha maior abrangência. Tal escolha se justifica na tentativa de evitar o confronto com os autores a serem utilizados, que assim se referem.

5

RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. Religião/magia/ vida de um protestantismo rural: uma análise do bairro rural de São João da Cristina, MG. Tese (Antropologia Social), Universidade de São Paulo, 2005.

6

(15)

é inserir uma discussão de facetas sociais ocultadas nos processos históricos, bem como, sugerir uma compreensão de como se dá o processo de encobrimento. Neste sentido, o questionamento de Léonard mostrado acima, também será apropriado para o desenvolvimento da dissertação.

1 - O projeto de pesquisa: referenciais teóricos, marcos cronológicos e espaciais.

Esta pesquisa visa analisar algumas características do protestantismo rural, principalmente sua interação com as culturas populares tradicionais locais presentes na história da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG. O município tem origens na região antes formada por um conglomerado de fazendas provenientes de uma antiga sesmaria, criada na primeira metade do séc. XIX. Para o andamento de tal análise, optou-se por evidenciar os feitos de duas importantes personagens no determinado contexto: o lavrador Manoel Moises e a parteira e ‘médica’ Mãe Bela, justamente por serem figuras intimamente vinculadas aos moldes de vida, pertencentes às culturas tradicionais no Brasil. O marco cronológico, 1947-1970, refere-se, inicialmente, à chegada do pregador bíblico e leigo Manoel Moises. Seu trabalho itinerante de evangelização e pregação bíblica dá origem à formação da primeira comunidade protestante da região. Devido à presença significativa de Manoel Moises ali, é marcada a atuação das missões americanas através de seus/as agentes, culminando com a construção do templo presbiteriano inaugurado em 1970, tendo como principal benfeitora, Mãe Bela, uma das primeiras adesões à mensagem protestante.

O modelo do protestantismo rural, conforme Lidice Meyer Pinto Ribeiro7 e a teoria do desenvolvimento rural do protestantismo sugerida por Antonio Gouveia Mendonça8 serão os principais aportes teóricos da pesquisa. A teoria de práticas e representações exposta por Roger Chartier9 e a teoria de recepção e resignificação das ideias apresentadas por Michel de Certeau10 serão usadas como apoio neste contexto. No que diz respeito ao tema das culturas populares tradicionais, será usado o levantamento feito entre 1950 e 1985, das práticas e representações culturais e religiosas em Minas Gerais, pesquisa elaborada por Maria Clara Tomaz Machado11.

7

2005, 2009 e 2009.

8

MENDONÇA, Antonio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

9

CHATIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Editora Bertrand Brasil, 1990.

10

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008.

11

MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura Popular e desenvolvimento em Minas Gerais: caminhos

cruzados de um mesmo tempo (1950-1985). Tese (Doutorado em História Social), Universidade de São Paulo,

(16)

Dentre outros textos, destaca-se também a contribuição de historiadores regionais do Noroeste de Minas. Na tentativa de reconhecer e assinalar os modos tradicionais de vida optou-se por percorrer os caminhos do povoamento da região. Seguindo esta opção metodológica, ressalta-se que a base do desenvolvimento populacional de todo o Noroeste de Minas encontra-se no tripé da formação social brasileira: a interação entre brancos, negros e índios.

Diante das propostas de Bernardo Mata-Machado12 e Marcos Spagnuolo13, pode se dizer que o povoamento do Noroeste se deu com junção das bandeiras paulistas e os vaqueiros vindos da Bahia e Pernambuco. Obras que tratam da história da localidade também foram pesquisadas para mostrar a dinâmica do desenvolvimento populacional, de forma mais específica e direcionada. Dentre estas, se ressalta principalmente Oliveira Mello14. Desta maneira, demonstra-se que localmente, as origens do município estão intimamente ligadas à cidade de Paracatu, desde a criação da sesmaria na região que atualmente compõe os limites do município de Cabeceira Grande.

Cabeceira Grande é hoje uma cidade de 6.453 habitantes15. De forma geral, o desenvolvimento do lugar se deu diante da construção de Brasília, na década de 1950. A partir dos anos 1960, passado o reconhecimento oficial da vila que se originou na década anterior, o povoado ganhou os primeiros traços de urbanização e foi elevada a categoria de cidade em 1995.

No entanto, o protestantismo se apresentou nas fazendas que hoje compõe o município, em 1947, num contexto de incomum assistência institucional por parte do catolicismo na região, algo que destoa, em grande medida, da cena religiosa nacional e de hegemonia católica. Uma capela católica só foi construída no inicio da década de 1950, quando os presbiterianos já estavam bem instalados e com vários pontos de pregação.

Assim, com todas estas informações particulares dadas, a proposta da dissertação se norteia por algumas questões principais. A primeira delas, diz respeito à tentativa de compreensão do protestantismo rural e sua relação com as culturas populares tradicionais no contexto fundacional da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG. Está

12

MATA-MACHADO, Bernardo Novais da. O sertão noroeste de Minas - síntese histórica: 1690-1930. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas), Universidade Federal de Minas Gerais, 1985.

13

SPAGNUOLO, Marcos de Souza. A ocupação do Vale do São Francisco: Sec. XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Goiás, 2002.

14

OLIVEIRA MELLO, Unaí: Rumo às veredas Urucuianas. Unaí: Edição da Prefeitura Municipal de Unaí, 1988.

15

(17)

entrelaçada a esta tarefa central, o entendimento das atividades do trabalho leigo de Manoel Moises e Mãe Bela e o desenvolvimento do protestantismo, culminando com a construção do templo da Igreja Presbiteriana de Cabeceira Grande, inaugurado em 1970, bem como, a identificação de como o protestantismo se inseriu no desenvolvimento da vila, que se tornou município apenas em 1995.

O interesse na questão das culturas populares tradicionais e o protestantismo se explicam pelo fato de haver bases para tal relação no cotidiano dos fieis da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG. Tem-se como pressuposto que as culturas tradicionais estão vinculadas à questão do mundo rural, fator predominante no desenvolvimento do protestantismo na região e em todo o Brasil, de modo geral. Esta constatação dá margem à compreensão da existência de um protestantismo rural, ou seja, um protestantismo genuinamente brasileiro16.

A suspeita é a de que o protestantismo rural e a relação de crentes rurais com as culturas tradicionais são temas pouco contemplados pela historiografia do protestantismo e pelas memórias institucionais. Tal especificidade se revela no âmbito do cotidiano, das relações familiares, da festa e na luta pela sobrevivência.

Embora haja exceção, no caso de, por exemplo, Emille G. Léonard, nota-se que a história do protestantismo no Brasil ainda é fruto de uma visão clássica da sociedade, que por sua vez, revela os preconceitos vigentes de uma pequena minoria que detém o poder da escrita. A via que cheguei a esta conclusão está expressa na pesquisa de Tiago Hideo Barbosa Watanabe em De pastores a feiticeiros: a historiografia do protestantismo brasileiro (1950-1990), dissertação defendida no Programa em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, em 2006. Watanabe, utilizando-se de alguns pressupostos da Nova História Cultural, faz uma leitura comparativa das principais obras que direta ou indiretamente abordam a História do Protestantismo no Brasil, para assim “elucidar problemas específicos, geralmente a construção de conceitos, dos métodos utilizados e o uso das fontes”17.

Por isso, entende-se que o protestantismo é portador de suas próprias representações, usando o sentido dado por Chartier, e por tal razão, se presume que a relação

16

Vale destacar também que a pesquisa se alinha ao grupo de pesquisa Memória religiosa e vida cotidiana: interpretações historiográficas e teológico-literárias do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.

17

WATANABE, Tiago Hideo Barbosa. De pastores a feiticeiros: a historiografia do protestantismo

brasileiro (1950-1990). Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Metodista de São

(18)

do protestantismo com as culturas tradicionais é um tema esquecido. De forma bem simples, pode se dizer que as culturas populares tradicionais estão relacionadas ao mundo rural do Brasil e também estão intimamente ligadas ao tema da pobreza. Fica claro que a pobreza era um tema conflitante na visão de mundo proposta pelo protestantismo missionário. Era necessário evangelizar e civilizar.

Diante de tais impressões, optei pela micro-história18 e pela história oral19 como ferramentas de pesquisa, para assim tratar de um tema incomum e identificar vozes muitas vezes silenciadas pelo processo de institucionalização e de afirmação da memória autorizada.

2 – Desenvolvimento e metodologia.

Em um primeiro momento, a metodologia buscou o apoio em pesquisas bibliográficas para a compreensão dos dados históricos gerais relacionados ao tema. O histórico do Noroeste de Minas e seu desenvolvimento social e cultural, a história do protestantismo no Brasil e seu desenvolvimento em Minas Gerais, e de forma mais específica, a história e o contexto da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG foram tema de pesquisa bibliográfica, embora de forma insuficiente. Também foi feita uma investigação, embora sem muitos resultados, no Arquivo Histórico Presbiteriano de São Paulo, onde se constatou poucas possibilidades para as pesquisas sobre as missões americanas no Brasil. A documentação e registro das ações de missionários estrangeiros no Brasil são escassos, ficando restritos a quem possui condições de visitar os arquivos das igrejas-mães nos Estados Unidos. Foi feita também uma tímida pesquisa nos jornais evangélicos presbiterianos na tentativa de evidenciar questões sobre a região, embora sem sucesso.

Nesta busca se fez necessário e apropriado o uso da micro-história como pressuposto teórico, no sentido de diminuir a escala e enxergar o que em maior escala seria impossível. Segundo Ronaldo Vainfas, as características da micro-história são demonstradas pela escolha de temas “preferencialmente deixados a margem, quer pela história convencional ou historicista – apegada aos grandes personagens ou eventos -, quer pela história social dedicada às estruturas sócio-econômicas das grandes totalidades – países, épocas, regiões”20. Nota-se que a exemplo da História das Mentalidades, a micro-história também valoriza as

18

O tema da micro-história é apresentado principalmente através da perspectiva de VAINFAS, Ronaldo.

Micro-história: os protagonistas anônimos da história. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

19

Tenho por base principalmente MEIHY, José Carlos Sebe. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2005,

20

(19)

narrativas, se preocupa com os registros etnográficos e busca as alteridades no tempo21. Conforme Giovanni Levi, a contribuição da micro-história se apresenta com:

a redução da escala, o debate sobre a racionalidade, a pequena indicação como um paradigma científico, o papel do particular (não, entretanto, em oposição ao social), a atenção à capacidade receptiva e à narrativa, uma definição específica do contexto e a rejeição ao relativismo22.

No segundo momento, a pesquisa também se apoiou na história oral temática como técnica. Seguindo a proposta do Manual de História Oral, de autoria de José Carlos Sebe Bom Meihy, tive as orientações e norteamentos de como prosseguir com a elaboração de uma pesquisa, baseada em história oral. Assim, foi criado um roteiro de entrevista semi-estruturada e para o desenvolvimento e acompanhamento da pesquisa, foi elaborado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e, também, um formulário para informações pessoais sobre as entrevistas realizadas23.

O uso da história oral foi marcante para investigar a dimensão religiosa da vivência de testemunhas do contexto fundante da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande-MG, objetivando trazer à memória os feitos destas duas figuras leigas que muito contribuíram com a implantação da fé protestante na região: o lavrador Manoel Moises e a parteira Mãe Bela.

Esta segunda etapa foi principalmente voltada para as representações mentais, pessoais e coletivas, da construção do imaginário protestante e da memória coletiva, além de suprir a inexistência de fontes sobre o tema em questão. Assim, sabendo da busca específica, diante da proposta da dissertação, a história oral temática foi a opção mais adequada e que mais se adequou às expectativas acima propostas. Segundo Meihy, a história oral temática é “a que mais se aproxima das soluções comuns e tradicionais de apresentação dos trabalhos analíticos em diferentes áreas do conhecimento acadêmico. Quase sempre ela equipara o uso de documentação oral ao uso das fontes escritas”24.

Entrevista em história oral é a manifestação do que se convencionou chamar de documentação oral, ou seja, suporte material derivado de linguagem verbal expressa para esse fim. A documentação oral quando apreendida por gravações eletrônicas

21

VAINFAS, 2002. p. 105.

22

LEVI, Giovani. Sobre a micro-história in BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas perspectivas.

São Paulo: Editora da Unesp, 1992,p. 133-162.

23

Ver Apêndice A, Apêndice B, Apêndice C. Também fiz uso de um caderno de campo para informações pessoais.

24

(20)

feitas com o propósito de registro torna-se fonte oral. A história oral é uma parte do conjunto de fontes orais e sua manifestação mais conhecida é a entrevista25.

A rede de colaboradores e colaboradoras foi formada com base em informações pré-existentes sobre as origens do movimento presbiteriano em Cabeceira Grande. No total, foram realizadas oito entrevistas, gravadas em equipamento digital e, posteriormente transcritas. Em algumas entrevistas se perguntou muito, em outras não foi preciso. A tarefa era somente ouvir e aprender. Diante do gravador, havia visivelmente expressões variadas. Algumas pessoas se sentiam intimidadas, outras se sentiam tão à vontade, ao ponto de nem ser necessário fazer perguntas, como no caso da entrevista com o sr. Geraldo Mariano de Oliveira26, no momento inicial.

Nota-se que na dinâmica das entrevistas em história oral, a noção de tempo não é a convencional. Entre referências ao passado e ao presente, pessoais e coletivas, os eventos foram contatos pela ótica das testemunhas num determinado contexto. Foi assim, por exemplo, que a sra. Ilda José Viana27 expôs primeiramente a experiência da assistência que Mãe Bela lhe deu durante seu segundo parto e somente após este relato, ela expôs o ocorrido no primeiro parto.

Uma importante consideração sobre as entrevistas se refere ao fato da opção em transcrever os relatos conforme o ouvido e registrado através da gravação digital, no intuito de assegurar maior fidelidade às artes de falar de cada entrevistado e entrevistada, assim como também, preservar, através de sinais gráficos, o clima de comoção e as reações adversas28. Portanto, em grande parte, as entrevistas não seguem os padrões cultos da língua portuguesa, que seguramente não conseguem captar o dinamismo da fala e das expressões populares tradicionais. Esta fala carrega em si, camadas do desenvolvimento da língua portuguesa, que, mesmo debaixo do estigma da colonização portuguesa, soube se reinventar e se apropriar de inúmeras outras influências. Por questões complexas como estas, adverte Portelli,

A historiografia baseada em fontes orais é uma forma de escrita, mas não pode esquecer de suas origens orais; é um texto, mas não pode esquecer que nasceu como performance. Por isso, os historiadores orais citam muito mais amplamente as palavras de suas fontes, conservando o máximo possível de sua sintaxe e estilo (...). Incorporam sua subjetividade, sua imaginação, sua arte verbal, no mesmo tecido de um texto dialógico, no qual a voz do historiador é somente uma das vozes, e não necessariamente a mais autorizada. O caráter oral, dialógico, imaginativo destas

25

MEYHI, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2011, p. 14.

26

Entrevista concedida em 22 de setembro de 2011.

27

Entrevista concedida em 26 de setembro de 2011.

28

(21)

narrativas não é uma impureza da qual devemos nos livrar para irmos em busca dos fatos puros; é, em si, um fato histórico, simplesmente de outro tipo29.

A transcrição foi repassada aos seus pares para os devidos e conscientes acertos finais e só assim, delas me utilizei como fontes da pesquisa com as devidas autorizações registradas através do TCLE30. Os arquivos contento estas transcrições e todo o material referente às entrevistas gravadas por equipamento digital serão por mim guardados por um período mínimo de cinco anos. Ao final de todo o processo de composição da dissertação, cada colaborador e colaboradora possuirá o retorno em relação às entrevistas recebendo uma cópia do arquivo digital das gravações e uma cópia corrigida das transcrições das entrevistas, bem como também acesso ao texto final da pesquisa.

Ressalta-se que as entrevistas e as fontes orais delas resultantes foram imprescindíveis para o andamento da pesquisa e foram de enorme contribuição para o tema proposto. Assim, o desenvolvimento do texto foi costurado pelos depoimentos transcritos, levando-se em consideração que tanto o tema da dissertação, como também a localidade investigada não são objetos comuns de pesquisas, o que dificulta a existência de fontes.

O primeiro capítulo intitulado Cabeceira Grande nos caminhos da história procura demonstrar as particularidades do Noroeste de Minas e toda a história originária da pequena Cabeceira Grande, passando pelos primeiros sinais de povoamento e os grandes fatores de desenvolvimento social em constante contraste com a rusticidade da vida em meio à economia de subsistência. Neste sentido, a construção de Brasília, na região do Planalto Central, é um grande marco da modernização nacional, mas incapaz de apagar os antigos traços culturais das localidades vizinhas.

O segundo capítulo O protestantismo rural na região de Cabeceira Grande: origens e particularidades (1947 – 1970) ressalta primeiramente um levantamento crítico das razões que favoreceram o ocultamento da interação entre protestantismo e culturas populares tradicionais para assim, prosseguir evidenciando a inserção do protestantismo na localidade de Cabeceira Grande e o papel das missões americanas que atuaram na região. Neste contexto são destacadas a vida e as ações das duas figuras chaves para a pesquisa: Manoel Moises e Mãe Bela. No entanto, também foi registrada a participação de muitas outras pessoas que, através de doações materiais, de terras e a participação em mutirões contribuíram para o desenvolvimento e consolidação da Igreja Presbiteriana em Cabeceira Grande, além de

29

PORTELLI, Alessandro. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010, p. 216

30

(22)

ressaltar o surgimento de tantos outros/as pregadores/as leigos/as que serviram ao protestantismo na localidade e em tantas outras novas igrejas nas regiões vizinhas.

(23)

Capítulo I – Cabeceira Grande nos caminhos da história

Oi saudade

Saudade de Minas Gerais Faz tempo que vivo ausente Eu quero é voltar pra trás

No cerrado o tapete da terra dos cafés aos canaviais e o gado bafejando os campos pastando constante a ruminar

Nas colinas os minérios da serra são cortejos de nossa riqueza Na cantiga das músicas do vale cada canto tem sua beleza

No sertão da grande vereda tem caboclo poeta e tem prosa cada canto são quatro colinas

são quatro meninas de Guimarães Rosa

Assim é Quatro Colinas31, composição do saudoso Pena Branca (1939-2010), Além da beleza poética, a letra reflete preciosamente o cenário natural que funda os alicerces desta pesquisa: Minas Gerais.

Quatro Colinas coloca em cena elementos importantes da configuração essencial das Minas Gerais: a pecuária de leite e corte, as extrações minerais, a agricultura representada pelos cafés e canaviais e as expressões artísticas, culturais e folclóricas presentes no sertão32 mineiro, com destaque privilegiado para o escritor João Guimarães Rosa.

No entanto, um elemento ausente na composição citada acima, mas presente de forma inerente à formação dos filhos e das filhas do sertão mineiro é a religiosidade, esta por sua vez, carregada de expressões festivas. Segundo Maria Clara Tomaz Machado:

o fio capaz de soldar as Minas e as Gerais se constitui nas práticas culturais experimentadas cotidianamente no viver dos mineiros. Cultura, festa e religiosidade são representações impressas e tramadas no tecido social dos que contracenam enquanto atores de seu tempo, construindo a sua história [...]. As práticas populares religiosas gravitam no cenário social mineiro, compondo os traços de sua utensilagem mental. A fé está presente nos rastros deixados nas estradas [...] e em tantas outras crenças, rezas, preces e benzeções que protegem os mineiros das agruras cotidianas, dos reveses da vida, solidificando solidariedades já existentes,

31

Quatro Colinas (Pena Branca), Pena Branca. Cantar caipira, (CDSonoro), 2008.

32

(24)

permitindo fluir energia e força para um recomeçar tão incerto quanto incerta é a vida, incerta é a história – feita de uma argamassa onde o novo e o velho se defrontam, se desfazem, se refazem33.

Na localidade - cenário da pesquisa, nota-se de forma hegemônica a presença do catolicismo, do tipo mais popular do que o renovado. Tal dualidade, presente em toda a extensão nacional, não é ocorrência somente no nosso país, mas tem caráter universal, pois conforme apregoa Maria Isaura Pereira de Queiroz:

Sempre existiu em todos os países essa oposição entre as necessidades religiosas espontaneamente formuladas pela massa da população, aliadas à conservação de antigas tradições religiosas, e a estrutura de uma hierarquia sacerdotal, sustentada por um dogmatismo mais ou menos rígido34.

No entanto, Queiroz afirma que apesar de ser possível distinguir catolicismos, como por exemplo, o oficial e o popular, o catolicismo no Brasil concebe um conjunto integrado, “pois não há separação nítida entre suas variantes”35. Provavelmente, as distinções estão relacionadas mais exatamente a quem se prontifica a examiná-las, pois tanto o/a fiel adepto/a do catolicismo popular ou o/a fiel do catolicismo oficial tem como centro de suas vidas religiosas o culto aos santos36 e todos/as vão se auto-afirmar católicos/as de forma igual. Assim, é necessário assinalar que a religiosidade se expressa de várias formas e carrega em si elementos específicos do contexto em que se apresenta.

Estas especificidades locais e regionais da religiosidade são uma das justificativas que tornam plausível esta pesquisa circunscrita à pequena Cabeceira Grande. As capelas, os cruzeiros, as benzeções, os terços rezados no ambiente familiar, as folias de Reis ou do Divino e o conhecimento de tradição bíblica37 manifestado em sua forma popular, dão o acento deste catolicismo, principalmente no que diz respeito ao contexto das pequenas cidades, vilas e povoados existentes em grande parte do Noroeste Mineiro.

A presente pesquisa procura dentre outras coisas, resgatar as especificidades religiosas e culturais desta localidade, a partir dos idos da década de 1940. Através da metodologia proposta para a pesquisa, tendo por base a micro-história e a história oral, busca-se uma aproximação mais detalhada sobre a origem da cidade e as particularidades

33

MACHADO, 1998, p. 9s.

34

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O Catolicismo Rústico no Brasil. Revista do Instituto de Estudos

Brasileiros. São Paulo, n. 5, p.103-123, 1968. O catolicismo tradicional é herança dos colonizadores, enquanto

que o catolicismo renovado ou tridentino é inserido no Brasil por volta do século XIX, diante da perda de influência política e eclesiástica na sociedade brasileira.

35

Ibid.,op. cit., p. 104.

36

Ibid, op. cit.

37

(25)

pertencentes ao contexto fundante do povoado. Como se verá adiante, no relato dos colaboradores e colaboradoras, a construção do campo de futebol, da Capela São José e a criação do São José Esporte Clube, são os marcos principais e de maior relevância para a formação do povoado e para a aglutinação dos primeiros habitantes naquela localidade. É de se observar, neste contexto, a recorrência de dois marcantes temas da identidade brasileira: o futebol e a religião.

Contudo, nota-se na fundação desta pequena cidade, um elemento religioso diferenciador, que destoa da grande cena religiosa nacional, de hegemonia católica: o protestantismo ali chegou e se instalou antes mesmo que a região possuísse uma capela38 oficial, ou melhor, antes mesmo que houvesse uma cidade ou povoado constituído na região. Existia um conglomerado de fazendas e estradas vicinais de ligação entre estas, com uma população extremamente rarefeita e dispersa.

Vale ressaltar que o catolicismo, na sua forma institucional na região, era tão esparso quanto a própria distribuição populacional. Neste sentido, como será mostrado no decorrer do texto a partir dos relatos orais, o protestantismo se apresentou como uma opção religiosa, sem grandes resistências e interagiu de tal forma com a cultura e sociedade locais, consolidando a composição social da região em vários aspectos. Este mesmo protestantismo, portador de suas próprias especificidades, está relacionado à ideia do protestantismo rural que destaca, dentre outros desdobramentos da religiosidade rural brasileira, principalmente a familiaridade com o sagrado e a questão do lúdico.

1.1 – O povoamento da mesorregião do Noroeste Mineiro

Para se ter uma maior compreensão dos aspectos sociais, religiosos e culturais na pequena cidade de Cabeceira Grande-MG é necessária, então, uma apresentação do que seriam a meu ver, as bases dessa peculiar região. Portanto, é válido começar pelo povoamento da mesorregião do Noroeste de Minas.

As influências primeiras dizem respeito às mesmas que dão origem ao nosso Brasil. Índios/as, brancos/as e negros/as se misturaram de tal forma, que acho impossível dar a

38

Cf. DOSSIÊ DE REGISTRO DA MEMÓRIA DO LUGAR DO PEQUIZEIRO – CABECEIRA

GRANDE havia uma capela mortuária na Fazenda Bolívia. O Dossiê registra que “No entorno da capela há um

(26)

exata contribuição de cada um, embora também seja necessário registrar que existiam distintas diferenciações e especificidades presentes em cada um destes grupos. No entanto, podem-se intuir algumas situações.

Histórica e geograficamente, a região atual do município de Cabeceira Grande esteve primeiramente ligada à cidade de Paracatu e, quando Unaí se tornou um município autônomo em 1943, a área do povoado que logo viria a existir nos idos da década de 1950, passou a pertencer a este último. Estas localidades pertencem à mesorregião do Noroeste de Minas Gerais. Sobre o povoamento desta mesorregião tem-se, de antemão, alguns detalhes importantes para a compreensão da formação das gentes simples dos sertões mineiros.

É indiscutível a presença dos povos indígenas em toda a região brasileira, mas a história do povoamento, discutida de forma imprecisa, em grande parte os exclui de tal ação. De forma geral, os povos indígenas, habitantes legítimos da terra, eram sempre ‘tocados’ do litoral para o interior, quando não massacrados ou escravizados pelos ‘povoadores’. Tem-se notícia de que mesmo antes da colonização, a região que perpassa todo o Vale do Rio São Francisco39 mineiro era primeiramente habitada pelos índios Kaiapó, especificamente a nação Jê40. Segundo Marcos Spagnuolo, “com a ocupação do litoral pelos colonizadores, algumas tribos Tupis subiram para o vale, quebrando a ordem natural existente”41, e assim também se tem registros dos Tupinaês, Temiminós e Amoipiras. Desta miscigenação clara, porém, complexa, provêm nomes como Unaí, Paracatu, dentre outros.

Neste sentido, é sabido que o Rio São Francisco, rio que corta a mesorregião do Noroeste Mineiro, foi batizado com este nome em decorrência da entrada dos conquistadores europeus na sua foz, por volta do séc. XVI, mas assinala-se que já era conhecido pelos povos indígenas de língua Tupi, como Opará, o que significa Rio Mar42. Spagnuolo, comentando sobre este episódio da colonização no Brasil afirma que “a troca de nome do Rio Opará por Rio São Francisco ressalta a força e a importância da cultura cristã ocidental”, diante do fato de que os conquistadores portugueses desceram a costa brasileira com o calendário romano em mãos43.

39

Como se sabe, o Rio São Francisco é um dos mais importantes rios do Brasil. O Vale do Rio São Francisco perpassa os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

40

SPAGNUOLO, Marcos de Souza. A ocupação do Vale do São Francisco: Sec. XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Goiás, 2002, p. 34

41

Ibid., op. cit.

42

Ibid., op. cit., p. 25. Segundo o mesmo autor, a data aceita remete ao ano de 1501, quando uma frota

comandada por André Gonçalves e Américo Vespúcio chegou à região da foz, no dia 4 de outubro daquele ano, dia do santo que dá o nome ao rio.

43

(27)

Deixando a temática sobre as tribos indígenas de lado, devido a toda a complexidade que a envolve, percebe-se que de forma geral, o assim chamado povoamento se deu com a presença das bandeiras paulistas e, também, dos vaqueiros vindos de Pernambuco e Bahia, estes seguindo as margens do Rio São Francisco44. Culturas diferentes que, com o passar dos tempos, promoveram fortes e complexas interações sociais, deixando cada qual, as sua marcas no decorrer da história. Umas mais proeminentes do que as outras, porém, todas visíveis e observáveis, diante de um olhar atento e crítico.

Não há duvidas de que na mesorregião do Noroeste Mineiro, o desenvolvimento populacional e todos os seus desdobramentos, seguem os dois grandes fatores de povoamento no Brasil: o desenvolvimento e a expansão da pecuária e o advento da mineração, como bem coloca Bernardo Novais da Mata-Machado45. Desde o Brasil Colônia, esses dois movimentos determinaram, embora de forma lenta, a ocupação da região e de outras mais pelo Brasil afora. Fazendo uma busca pelas origens mais antigas do Noroeste Mineiro, diante de um enfoque econômico, político e social, Mata-Machado afirma que:

o sertão noroeste de Minas foi ocupado simultaneamente pelos vaqueiros que seguiram o curso do rio (São Francisco) desde a Bahia e Pernambuco e pelos bandeirantes paulistas que, movendo guerra ao gentio, fundaram povoados e se estabeleceram com grandes criadores. A pecuária, praticada em regime extensivo, foi a atividade econômica predominante. É possível fazer distinção entre uma economia voltada “para fora”, através da exportação de gado para as regiões litorâneas, e uma economia “para dentro”, fundada no aproveitamento dos recursos florestais, na agricultura, na caça e na pesca. (...). A organização econômica gerou uma sociedade constituída essencialmente de proprietários, vaqueiros, camaradas e agregados. O escravo negro não foi empregado, excetuando-se Paracatu, sede de mineração aurífera, e Januária, onde os engenhos de cana empregaram a mão-de-obra africana. No início do século XVIII, quando o ouro foi descoberto no centro de Minas, e na segunda metade do século XIX, ao se desenvolver a lavoura cafeeira, o Rio São Francisco foi utilizado como rota de tráfico de escravos negros da zona açucareira nordestina para as regiões do ouro e do café. O escravo indígena, contudo, foi largamente utilizado nos primeiros anos do povoamento46.

A criação de gado no Brasil começou no governo de Tomé de Souza47. Além de base para a alimentação, o gado era utilizado para tração dos engenhos e transporte em pequenas distâncias. O couro também se destacava e tinha diversas utilidades. Do couro se fazia portas de cabanas, camas, cordas, borracha (espécie de saco para carregar água), alforjes (saco duplo com abertura central, usado nos ombros), macas (espécie de mala amarrada à garupa dos animais), mochilas, peias, bainhas de faca, broacas (espécie de sacola), surrões

44

MATA-MACHADO, Bernardo Novais da. O sertão noroeste de Minas - síntese histórica: 1690-1930. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas), Universidade Federal de Minas Gerais, 1985, p. 44.

45

1985, p. 6.

46

Ibid., op. cit., p. 16.

47

(28)

(espécie de embornal), roupas para vaqueiros adentrarem no mato, banguês usados para curtume ou para apurar sal48. Também era usado na confecção de equipamentos da casa, como assentos de bancos e estrados de cama, além ser usado na forma de sola de sapatos.

Diante da expansão pecuária, inúmeras sesmarias foram criadas no intuito de criar “gado vacum e cavalar”, em toda a extensão do Vale do São Francisco e, especialmente aqui citada, na região de Paracatu, como bem demonstra Waldemar de Almeida Barbosa49. Vale destacar que a expansão pecuária através do Rio São Francisco não foi pacífica. Mata-Machado cita que “os paulistas, especialistas nessa empresa, atuaram em todas as regiões do país. No sertão mineiro, em torno do Vale do Rio São Francisco destacaram-se as bandeiras de Matias Cardoso, Januário Cardoso e Antônio Gonçalves Figueira”50, estes, depois de massacrarem as tribos indígenas, definitivamente se estabeleceram na região com as suas gigantescas fazendas de gado e fundaram vários povoados. Spagnuolo afirma que:

Inúmeras foram as expedições de extermínio dos nativos, no entanto, as que estavam diretamente relacionadas com a matança dos gentios no vale e que posteriormente seus chefes permaneceram na região, introduzindo gado em suas fazendas, foram: Coronel Antônio Guedes de Brito, Matias Cardoso de Almeida, Manoel Nunes Viana, Capitão Antônio Gonçalves Figueira, Domingos Rodrigues de Carvalho e Domingos Afonso Sertão51.

Assim, os primeiros povoados, fruto da ação dos bandeirantes neste contexto, são os arraiais criados por Matias Cardoso, hoje é a atual Mourrinhos-MG; São Romão e Porto Salgado, atual município de Januária-MG, fundação atribuída a Januário Cardoso. As outras localidades tem as origens atribuídas aos familiares de Januário Cardoso que dividiu as terras entre os parentes: Capitão Francisco de Oliveira e Catarina Cardoso do Prado ocuparam as terras do alto-médio São Francisco; Manga e Barra do Rio das Velhas, atual Guaicuí-MG e Formigas, atual cidade de Montes Claros-MG, são cidades cuja fundação é dada a Antônio Cardoso. Domingos do Pardo fundou Pedras do Angico, atual município de São Francisco-MG e Salvador Cardoso fundou Pedras de Baixo, hoje Pedras de Maria da Cruz-Francisco-MG.

O povoado de Matias Cardoso, hoje Mourrinhos-MG, por sua localização estratégica, se tornou ponto de passagem obrigatória dos comboios que rumavam em direção ao centro de Minas, vindos da Bahia. No período colonial, Mourrinhos, São Romão e Guaicuí

48

MATA-MACHADO, op. cit., p. 23.

49

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Itatiaia LTDA, 1995, p.237-238.

50

MATA-MACHADO, op. cit., p. 26.

51

(29)

eram os centros distribuidores de sal e Pedras de Maria da Cruz e Januária, pontos distribuidores de produtos agro-pecuários52.

É necessário ressaltar, porém, que as grandes fazendas de criação de gado se instalaram no noroeste antes mesmo das descobertas auríferas. Evidenciando o peso histórico das boiadas e das profissões que nasceram impulsionadas pela lida com o gado, Carmo Bernardes sugere que: “há uma suposição histórica de que as extensões territoriais deste imenso país foram conquistadas pelo gado andando na frente e os vaqueiros atrás, apossando-se dos campos frequentados por suas criações” 53. Juntamente com as atividades da pecuária, a agricultura de subsistência, representada pelos parceiros, camaradas, meeiros e suas famílias. E de fato, a marcha rumo ao Vale do Rio São Francisco constitui-se o terceiro polo de desenvolvimento populacional no Brasil, visto que, inicialmente, o predomínio da população sob as ordens da coroa portuguesa, era centrado nas regiões litorâneas:

Com o passar do tempo, tendo por base dois pontos no território litorâneo, o ponto localizado na Bahia e Pernambuco, e outro ao Sul, no planalto de Piratininga, iniciaram a marcha em direção ao vale do São Francisco, com a permissão da metrópole, formando no vale o terceiro núcleo de povoamento, que se subdividiu no núcleo minerador e no núcleo dos que viviam nas fazendas de gado ao longo do São Francisco54.

Assim, conforme aponta Spagnuolo, surgiram no Vale do Rio São Francisco dois núcleos de povoamento: “o minerador no Rio das Velhas e no Rio Paracatu e o núcleo dos que viviam nas fazendas de gado ao longo do Rio São Francisco e seus afluentes”55. Para Maria Clara Tomaz Machado, em Minas Gerais,

Se primeiro o povoamento foi marcado pelas fazendas de gado, no final do século XVII, a descoberta do ouro na região central mineira provocou outra onda de povoamento. A mineração permitiu ocupar o interior de Minas de Gerais e a sua decadência trouxe como consequência, o povoamento irregular e esparso, com dificuldades econômicas provocadas pela falta de atividades produtivas permanentes, com carência de estradas e sistemas de comunicações eficientes. O vazio dos cerrados foi preenchido pelas grandes propriedades ocupadas por fazendas de gado, em economia de subsistência56.

O deslocamento rumo ao interior era incentivado pela própria Coroa. Com o passar do tempo, o sertão do Rio São Francisco tornou-se então o principal fornecedor bovino da região de mineração. É nesta segunda fase que se destaca o desenvolvimento recente da ocupação do Noroeste Mineiro. Com a descoberta de ouro em Paracatu, embora a formação

52

MATA-MACHADO, op. cit, p. 28s.

53

BERNARDES, Carmo. O gado e as larguezas das gerais. Estudos Avançados; volume 9, N° 23, páginas 33-58. Abril, 1995.

54

SPAGNUOLO, op. cit., p. 71.

55

Ibid., op. cit., p. 70.

56

(30)

do arraial seja anterior à mineração na região e como regra geral, fundado devido ao estabelecimento das fazendas de gado, a região passou por intensa exploração de ouro, fato que elevou em grande número a população local, devido ao constante deslocamento populacional para a localidade. Com a extração do ouro, a agricultura e a pecuária foram relegadas a segundo plano, embora fossem de importância capital para o abastecimento das zonas auríferas.

Não se sabe ao certo a data de origem do povoado de Paracatu, pois historiadores divergem sobre o assunto. Estas datas dizem respeito aos anos de 1736, ou de 1690 e 1710, conforme Mata-Machado57. Spagnuolo, por exemplo, se refere ao ano de 167558. Mas o certo é que a descoberta de ouro na região coincidiu com o apogeu da mineração em Goiás, e assim, a mesorregião do Noroeste Mineiro passou a interagir diretamente com as zonas auríferas goianas e por tal razão, o aumento populacional foi acentuadamente marcante para o desenvolvimento local. Mata-Machado afirma que logo após a descoberta de ouro nas regiões goianas, o Noroeste tinha a importante função de intercâmbio comercial59. Nesse sentido, Waldemar de Almeida Barbosa60 diz que a partir de 1736, quatro diferentes caminhos passaram a fazer junção entre o Noroeste Mineiro e o Estado de Goiás, todos passando por Paracatu: a Picada de Goiás, construção ordenada por despacho do Governador de Minas, Gomes Freire de Andrade, em 8 de maio de 1736; a picada de Pitangui a Goiás, também com a construção autorizada no mesmo ano; a picada que passava por São Romão, caminho percorrido principalmente por pernambucanos e, por fim, a picada que passava pela foz do Rio Abaeté. Assim, observa-se que a abertura e a existência dessas picadas, passando por Paracatu rumo à Goiás, são reflexos do intenso processo de mineração na região goiana.

Mata-Machado aponta que a descoberta de ouro em Paracatu foi dada por José Rodrigues Fróis, em 174461. O naturalista francês August de Saint-Hilaire em Viagens às nascentes do rio São Francisco, indica que:

O sucesso de José Rodrigues Fróis sobrepujou suas esperanças. Ele retirou do Córrego Rico uma considerável quantidade de ouro, levando depois para Sabará os frutos do seu trabalho. Foi nomeado guarda-mor62, sendo-lhe concedida a data de preferência, que é costume dar-se aos que descobrem as jazidas. Fróis voltou a Paracatu com um grande número de homens que queriam participar dos tesouros oferecidos pelas novas jazidas. Veio também muita gente de Goiás. Enfim, a fama

57

MATA-MACHADO, op. cit., p. 43.

58

SPAGNUOLO, op. cit., p. 98.

59

MATA-MACHADO, op. cit, p. 44.

60

1995, p. 237.

61

1985, p. 44.

62

(31)

das riquezas da região espalhou-se com tal rapidez que vários portugueses se dispuseram a atravessar o sertão e se estabelecer em Paracatu63.

O certo é que havia muito ouro em Paracatu. A localidade, elevada a categoria de Vila de Paracatu do Príncipe, em 178864, rapidamente conheceu a riqueza, mas passou também pela decadência. Por volta de 1819, em sua viagem à região, o próprio Saint-Hilaire registrou:

Todavia, essa opulência toda não poderia ter longa duração. Todo mundo esbanjava suas riquezas, ninguém cuidava de estabelecer uma fortuna sólida. A maior parte dos primitivos colonos, que eram solteiros, não pensava no futuro e os casados, influenciados pelo exemplo dos outros, mostrava-se igualmente imprevidentes. As jazidas dos arredores de Paracatu estão longe de se esgotarem, mas sua exploração torna-se cada dia mais difícil. A amizade e a gratidão causaram a libertação de um grande número de escravos, outros morreram e não puderam ser substituídos. Atualmente (1819) contam-se em Paracatu não mais do que duas ou três pessoas que se dedicam em grande escala à extração do ouro. A população da cidade diminuiu sensivelmente, vendo-se ali apenas um pequeno número de indivíduos da raça branca, geralmente pouco abastados, aos quais o clima e a ociosidade fizeram perder o espírito empreendedor que havia animado seus ancestrais65.

Embora carregue a escrita com juízos de valor, Saint-Hilaire registra a decadência da mineração, não pela inexistência de jazidas, mas diante das dificuldades naturais e a falta de conhecimento técnico para a extração mineral. Contudo, em uma visão mais criteriosa Mata-Machado ressalta que a decadência da mineração não deve ser atribuída somente à falta de recursos técnicos, como por exemplo, a falta de água, nem mesmo à inexistência de espírito associativo entre os mineiros, como aponta Saint-Hilaire, pois “a voracidade fiscal da Coroa, aliada ao desinteresse pelo progresso técnico foram as causas reais desse declínio”66.

Mesmo com todo o alvoroço em torno das riquezas minerais, o final do séc. XVIII e início do séc. XIX marcam a decadência da mineração na antiga Vila de Paracatu do Príncipe. Contudo, este fato colocou em evidência outras atividades na região. Mata-Machado afirma que “a decadência da mineração na cidade foi relativamente sanada pelo retorno às atividades agro-pastoris” 67. E de fato, a pecuária e a agricultura são as bases de toda a região mineira. E delas, direta ou indiretamente, ainda hoje vem o sustento de inúmeras famílias, residentes nas zonas rurais ou nas cidades.

63

SAINT-HILAIRE, August de. Viagem às nascentes do Rio São Francisco. Belo horizonte: Ed. Itatiaia, 2004, p. 148

64

O arraial de Paracatu foi elevado à categoria de Vila de Paracatu do Príncipe, por alvará régio de D. Maria, rainha de Portugal, em 20 de outubro de 1798. A vila é elevada à categoria de cidade pela lei provincial n° 163, de 18 de dezembro de 1840.

65

2004, p. 148.

66

MATA-MACHADO, op. cit., p. 48.

67

(32)

É válido ressaltar que Paracatu é, sem dúvida, o mais antigo dos municípios que compõem o Noroeste de Minas, constituindo-se como polo histórico e cultural da região. Sabe-se que em grande parte, a mesorregião do Noroeste Mineiro se confunde literalmente com a história de Paracatu. O Noroeste ali tinha os seus maiores referenciais políticos, sociais e religiosos. Mesmo com o passar dos tempos e o desenvolvimento de outras localidades, cidades como Unaí, desde as origens políticas e administrativas, recebiam assistência de Paracatu. Este primeiro deixou de ser distrito de Paracatu no ano de 1943.

A história de Unaí também merece destaque aqui. O distrito do Rio Preto chegou a ser suprimido pela Lei n° 472, de 31 de maio de 1850, mas foi restaurado pela lei n° 992, de 27 de junho de 1859 como bem coloca Barbosa68. O problema era a inexistência de uma sede. Em 11 de agosto de 1873 foi instituída a freguesia com a invocação de Nossa Senhora da Conceição do Rio Preto e assim, nomeado o primeiro vigário, o Padre Antônio de Araujo Pereira, que logo se mudou para a região. Barbosa refere-se ao fato de que era algo incomum na época do padroado, o fato de oficialmente a capela ter sido criada três meses depois da freguesia, pela lei provincial n° 1193, de 13 de novembro de 1873, pois:

Só havia em todo o território do distrito uma capela no local chamado Boqueirão. Mas o local era insalubre; não convinha fosse escolhido para sede da freguesia. Foi então, que Domingos Pinto Brochado, em 1874, com receio de perder as regalias de paróquia, tomou a iniciativa de construir outra igreja, em outro local: na margem do Rio Preto, junto ao chamado “Porto do Rio Preto”. Aí havia, então, apenas dois ranchos: o do passador do rio, o preto Gregório, e outro, o da velha Joana Barqueira, que vendia gêneros do país aos viajantes, sobretudo aos muladeiros, que transportavam mulas da feira de Sorocaba para vários pontos, inclusive para a Bahia. Aí, Domingos Pinto Brochado, auxiliado por parentes seus, construiu a igreja, o prédio da escola e outra casa. O local escolhido por Brochado localizava-se dentro da fazenda Capim Branco, de propriedade do Alferes Antonio Pinto Brochado, pai de Domingos Pinto Brochado. O vigário, que vinha celebrando na capela do Boqueirão, transferiu-se para o Capim Branco69.

Assim, a construção da capela, a instalação de comércio, escola e posteriormente também a construção de um cemitério, são os marcos iniciais que deram origens a Unaí, sendo Domingos Pinto Brochado considerado o fundador do povoado. Nota-se que em 1° de março de 1880, uma grande festividade aconteceu, diante da inauguração

68

1995, p. 362.

69

(33)

primeira escola para alunos do sexo masculino, com as bênçãos do vigário da paróquia, Padre Antônio de Araujo Pereira70 além de outros sacerdotes como o Padre Miguel Torres.

Em vários aspectos, Paracatu, Unaí e Cabeceira Grande possuem uma história entrelaçada. Da mesma forma, se entrelaçam as questões religiosas entre estas três localidades. Como dito acima, Paracatu tem grande importância no processo de povoamento da mesorregião do Noroeste de Minas. Há o registro de que a comarca de Paracatu, sendo criada em 1755 era subordinada à Diocese de Olinda-PE até o ano de 1854, quando então é transferida para a Diocese de Mariana-MG, existente desde 1745. Em 1929, Paracatu tornou-se tornou-sede da prelazia71 e somente em 1962 foi elevada à categoria de Diocese. No entanto, é válido destacar que:

No passado, o Noroeste de Minas foi pouco evangelizado. Há várias explicações. Algumas de ordem histórico-cultural e geográfica. Nossa história foi cheia de vicissitudes e dolorosas ocorrências políticas e religiosas, envolvendo eclesiásticos que nem sempre primaram por atitudes dignas e evangélicas. Não era para menos. Durante muito tempo, toda essa região pertenceu à então diocese de Olinda, cujo território, de limites pouco precisos, se estendia à esquerda do rio São Francisco “deserto adentro”, mantendo distanciados bispos e eclesiásticos. Estes viviam e se viravam como podiam, às vezes, sem maior compromisso com os deveres religiosos e com a condição de vida sacerdotal72.

Dentro deste contexto, Unaí tem suas origens registradas pelo direito de padroado e a instalação da freguesia de Domingos Pinto Brochado. Cabeceira Grande surgiu diante de discussões sobre a religião, mas o marco inicial do povoado é registrado com intenção de doação de terras, algo pré-determinado pelos fundadores da localidade, e que não engloba somente a religião, como se verá adiante.

Vale ressaltar que embora o Noroeste de Minas tenha cidades com antigas histórias, como Paracatu e Unaí, todas elas possuem características semelhantes. Mata-Machado sugere que:

Em linhas gerais, são essas as principais características da região do noroeste de Minas. Até 1930, e mesmo depois, a região manteve praticamente os mesmos traços: economia-agropastoril, sociedades estratificada com predomínio do compradio, organização política baseada na ordem privada. Atravessou os séculos isolada das

70

Como mencionado por BARBOSA, 1995, p. 362s, o Padre Antonio de Oliveira Araujo era pároco da capela do Boqueirão. Esta região até hoje é um dos mais importantes centros de peregrinações religiosas do Noroeste Mineiro. A festa é realizada todos os meses de junho e acontece há mais de 260 anos. Em 2005, a Romaria de Santo Antonio do Boqueirão foi declarada festa tradicional, cultural e popular, passando a fazer parte do calendário oficial de eventos do município de Unaí-MG.

71

A referência é da Prelazia Nilluis de Paracatu, criada pelo Papa Pio XI no dia 1 de março de 1929 e administrada pelos padres da Ordem Carmelita da Antiga Observância. Prelazia é uma divisão territorial, de ordem religiosa, constituída pelo povo, clero e paróquia, mas sem desenvolvimento suficiente no aspecto eclesiástico é entregue a uma ordem religiosa e diretamente subordinada à Santa Sé.

72

Memória e história. Disponível em: http://dioceseparacatu.org.br/a-diocese/memorial. Acesso em 10 de

(34)

regiões mais desenvolvidas do país e manteve um ritmo de crescimento lento e retardatário73.

Oliveira Mello não destoa da visão de Mata-Machado, ao afirmar que o Noroeste Mineiro “era pobre, despovoado, com uma agricultura de subsistência e uma pecuária tradicional”74. Quando a proposta para mudar a capital federal do litoral para a região do Planalto Central foi concretizada pelo então presidente do Brasil, Juscelino Kubistchek, o Noroeste Mineiro ganhou um novo fôlego para o seu desenvolvimento.

A discussão sobre a construção da nova capital no Planalto Central é antiga, vem desde a época colonial. No entanto, historicamente, o alferes José Joaquim da Silva Xavier (o Tiradentes), o jornalista Hipólito José da Costa e o patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva são os três personagens de maior influência sobre a discussão do tema75. Na segunda metade do séc. XIX, liderada por Luiz Cruls, a Comissão Exploradora do Planalto Central, realizada entre 1892 e 1894, foi a responsável pela demarcação da região que viria a ser o Distrito Federal e a nova capital do Brasil. Há quem diga que Afonso Arinos em seu conto Buriti Perdido, escrito na década de 1890, fez menção à nova capital do Brasil, ao sugerir que:

Se algum dia ganhar essa paragem longínqua, talvez uma grande cidade se levante na campina extensa que te serve de soco, velho Buriti. Então, como os hoplitas atenienses cativos em Siracusa, que conquistaram a liberdade enternecendo os duros senhores à narração das próprias desgraças nos versos sublimes de Eurípedes, tu impedirás, poeta dos desertos, a própria destruição, comparando teu direito à vida com a poesia selvagem e dolorida que tu sabes tão bem comunicar. Então, talvez, uma alma amante das lendas primevas, uma alma que tenhas movido ao amor e à poesia, não permitindo a tua destruição, fará com que figures em larga praça, como um monumento às gerações extintas, uma página sempre aberta de um poema que não foi escrito, mas que referve na mente de cada um dos filhos desta terra76.

Por volta de 1922, um século depois da independência do Brasil, ali, na região do chamado ‘quadrilátero Cruls’ foi celebrada uma missa com lançamento da pedra fundamental da nova capital. Trata-se de um marco simbólico, evocado por um dos colaboradores.

Oscar Caetano de Faria relata que sabia da construção de Brasília através da pedra fundamental e segundo ele, “tinha gente que nem acreditava. Inclusive, eu conheço a

73

MATA-MACHADO, op. cit., p. 18s.

74

Ibid, op. cit.

75

Sobre este tema ver: Distrito Federal – Brasília: aspectos históricos. Disponível em:

<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/brasilia/brasilia.pdf>. Acesso em 25 de setembro de 2011.

76

Referências

Documentos relacionados

O uso de sistemas de informação gerenciais é fundamental para reunir as informações necessárias para a administração de qualquer empresa, independentemente de seu tamanho

É ASSIM QUE TE AMO 3704 Chitãozinho e Xororó Sem me pedir você chegou assim.... É DEMAIS MEU REI 3657 Cheiro de Amor Vou dar a volta pelo

Assim como nos espelhos planos para cada ponto do objeto deve-se tomar dois raios de luz que incidem no espelho em pontos específicos, como o vértice ou que incidam paralelos ao

Porque são vocês que decidem quem é a vossa família deste diário das emoções, deixamos um espaço para que coloquem o nome que melhor.. se adequa aos adultos

o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI). o do MELO, Helena Pereira de / BELEZA, Teresa Pizarro - Uma vida digna até à

Em pouco tempo, junto a dois outros sócios e munido de diversas referências do exterior para produzir uma cerveja artesanal com qualidade, lançaram a Bamberg – premiada como

Tudo isso feito por moçambicanos, quando pegaram a história nas suas mãos e disseram “nós vamos conduzir a história para lá onde nós queremos que vá!” E lá onde

“Existe uma diferença signifi- cativa no conteúdo do que é ensinado no High School em relação ao Ensino Médio no Brasil; cada escola pre- para seu aluno para o ingresso