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Prolapso de válvula mitral e exercício.

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Academic year: 2017

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Rev Bras Med Esp orte _ Vol. 4 , Nº 4 – J ul/ Ago, 1 9 9 8

ARTIGO

DE REVISÃO

Prolapso de válvula mitral e exercício

Marcos Aurélio Brazão de Oliveira

1

RESUMO

O prolapso de válvula mitral é um diagnóstico relativamente comum e, por essa razão, com freqüência o especialista em medicina do esporte e/ou o cardiologista são consultados pe-los pais, pelo próprio atleta ou ainda o não-atleta que deseja ingressar num programa de atividade física, a respeito dos possíveis riscos da prática de esportes em indivíduos com essa patologia.

Existem portadores de PVM sem risco de desenvolver com-plicações e aqueles em que esse risco existe. Assim, algumas rotinas devem ser seguidas para determinar quais os tipos de esporte que podem ser praticados de acordo com a classifica-ção em que se encontram esses indivíduos.

INTRODUÇÃO

O prolapso da válvula mitral é uma condição benigna que pode ser acompanhada de alguns sintomas clássicos ou cursar de maneira totalmente assintomática. Esta patologia caracte-riza-se pela presença de fenômenos acústicos anormais que aparecem no meio e no final da sístole e sugerem uma altera-ção da funaltera-ção da válvula mitral. Esses fenômenos acústicos podem ser: um ou vários cliques meso ou telessistólicos, so-pro meso ou telessistólico ou associação de vários desses ru-ídos.

INCIDÊNCIA

Na literatura tem sido citada uma incidência variável desta patologia. Jeresaty1, por exemplo, estima em 4% essa

preva-lência enquanto estudos de outros autores, em 5 a 7% da po-pulação, podendo chegar a 17% em mulheres e meninas2.

Apesar de acometer tanto homens como mulheres, mais de 60% dos adultos portadores dessa anomalia são do sexo femi-nino3. Ghorayeb4, estudando uma população de 1.514 atletas,

encontrou incidência de 26% de PVM, número significativa-mente superior ao da população geral.

1. Especialista em Medicina do Esporte pela SBME e AMB; Pós-graduado em Medicina Desportiva pela UFRJ; Presidente da SMDRJ e Editor do Jornal de Medicina do Exercício.

FISIOPATOLOGIA

O prolapso de válvula mitral é definido como o desloca-mento dos folhetos da válvula mitral superiormente e poste-riormente do ventrículo esquerdo para dentro do átrio esquer-do e seria provocaesquer-do por alterações esquer-do teciesquer-do conectivo dessa válvula que resultam num espessamento ou redundância de seus folhetos. Isso levaria a vários graus de distensibilidade e subseqüente “prolapso”. O prolapso primário ou idiopático da válvula mitral é, quase certamente, uma condição degene-rativa das valvas e cordas, nas quais pode ser detectado histo-logicamente um aumento de tecido mixomatoso. A degenera-ção mucóide parece estar ligada a um distúrbio hereditário do tecido conjuntivo, particularmente, quando há incidência fa-miliar de prolapso5. O PVM primário é o mais comum e se

constitui numa condição autossômica dominante3. O

prolap-so secundário da válvula mitral é encontrado em inúmeras condições, como síndrome de Marfan, síndrome de Ehlos-Dantos, síndrome da válvula redundante, endocardite reumá-tica, miocardiopatias (congestiva, hipertrófica), miocardite, mixoma de átrio esquerdo, doença coronariana, etc.6 O

meca-nismo pode estar relacionado à disfunção do músculo papilar, anormalidades das valvas, cordas ou anel, tamanho e forma da cavidade ventricular esquerda ou outros fatores não expli-cados. Em pacientes com coronariopatia que apresentam ca-racterísticas de PVM pode ser difícil o diagnóstico diferen-cial entre o PVM por uma disfunção do músculo papilar ou devido à doença arterial coronariana. Pesquisas recentes de-monstraram alta atividade adrenérgica em portadores de PVM que tem sido atribuída à presença de níveis elevados de cate-colaminas. Isso explicaria a “hipersensibilidade” ou hiper-rea-tividade desses pacientes a certos estímulos de estresse de-monstrada em muitos pacientes com PVM7.

QUADRO CLÍNICO

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de, depressão, psicose, etc. Trabalhos recentes têm demons-trado a associação entre PVM e enxaqueca, PVM e agorafo-bia8 e síndrome do pânico, sendo que alguns autores

descre-vem uma prevalência significativamente maior de PVM (50%) em portadores da síndrome do pânico do que na população em geral9.

EVOLUÇÃO

Geralmente, o prognóstico e a evolução de pacientes com essa patologia são excelentes. Têm sido descritas complica-ções pouco freqüentes como: embolia sistêmica, insuficiên-cia mitral grave e outras assoinsuficiên-ciações. Savage2 encontrou

in-cidência maior de acidente vascular cerebral em portadores de PVM, particularmente nos que possuíam regularização mi-tral, do que na população geral. Em 553 crianças com idades de 15 a 18 anos acompanhadas durante 6 a 9 anos10,11 foram

encontradas as seguintes intercorrências: endocardite infec-ciosa (1 caso), acidente vascular cerebral (2 casos), cefaléia tipo enxaqueca (4 casos) e dor torácica (12 casos). Num es-tudo de Nishimura12, esse autor encontrou incidência de 3 a

5% de morte súbita (MS) relacionada com o exercício em portadores de PVM. Para Kligfield13, a MS em portadores

de PVM estaria relacionada a insuficiência mitral grave; en-tretanto, para a maioria dos autores, incluindo Barlow14, a

MS, em portadores de PVM é provocada por uma arritmia cardíaca (provavelmente uma fibrilação ventricular). Esse mesmo autor afirma que a grande dificuldade nesses pacien-tes seria a identificação daqueles que se encontrariam no gru-po de risco de desenvolver arritmias e MS. Para Pocock e Barlow15 e Soloman16, o exercício físico, sobretudo intenso,

poderia produzir arritmias que não preexistiam em repouso e, segundo Fishleder17, o aparecimento ou a gravidade das

arritmias que ocorrem em portadores de PVM não pode ser previsto pela presença ou ausência de alterações no ECG ba-sal.

ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO

Em artigo publicado em jun/96, a Dra Elizabeth Joy18

pro-põe uma rotina de avaliação e manuseio dos pacientes porta-dores de PVM (quadro 1).

QUADRO 1

Avaliação e manuseio do prolapso de válvula mitral

Categoria de risco* Avaliação Outros exames Tratamento ecocardiográfica

Baixo Eco a cada 5 anos • ECG inicial • Educação

PVM sem deform idade • Holter • Betabloq. (palpit.)

valvular ou regurgitação • Teste ergom étrico • Exercício regular

Leve Eco a cada 2-3 anos • ECG inicial • Profilaxia de EI

PVM sem deform idade • Holter 24h (antibiótico oral)

valvular e sem • Teste ergom étrico • Trat. hipert. leve

regurgitação • Eco c/ estresse (se for o caso)

• Encorajar a perda de peso, se necessário • Trat. das palpitações

M oderado Eco a cada 2-3 anos • ECG inicial • Profilaxia de EI

PVM com deform idade • Holter 24h (antibiótico oral)

valvular e leve • Teste ergom étrico • Trat. hipert. leve

regurgitação • Eco c/ estresse (se for o caso)

• Encorajar a perda de peso, se necessário • Trat. das palpitações

Alto Ecocardiogram a c/ • ECG inicial • Profilaxia de EI

PVM com m oderada e doppler anualm ente • Holter 24h (antibiótico oral) severa regurgitação • Teste ergom étrico • Trat. hipert. leve

• Eco c/ estresse (se for o caso) • Outros baseados em • Encorajar a perda de sinais e sintom as peso, se necessário

• Trat. das palpitações • M onitorar a função cardíaca e troca valvular m itral, quando necessário

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TRATAMENTO

No grupo de pacientes sintomáticos, em geral o uso de be-tabloqueadores está indicado quando houver palpitações (ar-ritmias), obviamente desde que o paciente não apresente al-guma condição que impeça o uso dessa droga. Os ansiolíticos podem ser úteis nos casos em que as manifestações psiconeu-róticas forem importantes. Raros são os casos que evoluem para regurgitação mitral grave que possa necessitar de uma troca valvular. A profilaxia de endocardite infecciosa deve ser indicada sempre que houver tratamentos dentários ou gengi-vais, endodônticos (“tratamento de canal”) ou cirurgias em pacientes portadores de PVM.

QUEM PODE PRATICAR EXERCÍCIO?

Em virtude de um grupo de pacientes portadores de PVM apresentar tendência a arritmias cardíacas e, em raros casos, a possibilidade de terem morte súbita durante a prática de es-portes, surge sempre a questão: “Quem pode praticar exercí-cio?” Na última Conferência de Bethesda (1994), em docu-mento elaborado pelo American College of Cardiology e Ame-rican College of Sports Medicine, Maron et al.19

considera-ram como contra-indicações para a prática de atividade física em portadores de PVM as seguintes condições:

• História de síncope documentada como sendo de origem arritmogênica;

• História familiar de MS associada a PVM;

• Formas repetidas de taquiarritmias sustentadas ou não sustentadas, particularmente se essas forem desencadeadas pelo exercício;

• Moderada ou marcada regurgitação mitral; • Evento embólico anterior.

Obs.: Atletas que não preencham nenhum dos critérios aci-ma podem participar de qualquer esporte competitivo. Atletas com um ou mais dos critérios citados anteriormente podem participar, apenas, em esportes competitivos de baixa intensi-dade (classe IA da 26a Conferência de Bethesda) como

boli-che e golfe, por exemplo.

Nos indivíduos portadores de PVM com regurgitação mi-tral leve as recomendações para a prática de atividade física poderão variar de um paciente para outro. Em geral, atletas como ritmo sinusal com função e tamanho do ventrículo es-querdo normais poderão participar de todos os esportes com-petitivos. Atletas com ritmos sinusal ou fibrilação atrial com discreto aumento ventricular esquerdo e função ventricular normal em repouso poderão participar em esportes competiti-vos estáticos de baixa ou moderada intensidade e dinâmicos de baixa intensidade.

Em recente documento da American Academy of Pediatrics

(1995)20 os autores fazem as seguintes recomendações em

re-lação à prática da atividade física em crianças e adolescentes portadores de PVM:

1) Todos os pacientes assintomáticos, na ausência de insu-ficiência mitral ou história familiar de morte súbita associada com PVM, podem participar de todas as atividades.

2) Pacientes com sintomas de dor torácica, palpitações, arritmias, síncope ou pré-síncope ou aqueles que apresentem regurgitação mitral deverão ter suas condições avaliadas an-tes de ser liberados para atividades competitivas. Essa avalia-ção deverá incluir um ECG de repouso, um ecocardiograma, um Holter de 24 horas e um teste ergométrico, devendo ser feita uma avaliação por um cardiologista.

Alguns autores afirmam que o exercício aeróbico deva ser encorajado em pacientes com PVM com o objetivo de melho-rar sua sintomatologia. Scordo21 demonstrou que um

progra-ma de exercício aeróbico utilizado durante 12 seprogra-manas me-lhorou os sintomas e a capacidade funcional de mulheres por-tadoras de PVM.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O prolapso da válvula mitral é uma entidade extremamente freqüente e, a princípio, naqueles portadores em que não exis-tem complicações associadas, não há contra-indicação para a prática da atividade física, sendo esta condição patológica encontrada, inclusive, em atletas profissionais em franca ati-vidade.

Em alguns casos particulares deverão ser observados al-guns aspectos para que se possa liberar o portador de PVM para as atividades esportivas de maneira segura e isenta de riscos.

REFERÊNCIAS

1. Jeresaty RM. Mitral valve-click syndrome prolapse. Prog Cardiovasc Dis 1973;15:623.

2. Savage DD, Garrison RJ, Devereux RB, et al. Mitral valve prolapse in the general population. I. Epidemiologic features: The Framingham Study. Am Heart J 1983;106:571-6.

3. Devereux RB. Mitral valve prolapse. J Am Med Wom Assoc 1994;192-6.

4. Ghorayeb N. Coração do Atleta – Modificações fisiológicas X super-treinamento e doenças cardíacas. Arq Bras Cardiol 1995;54:161. 5. Davis RH, Schuster B, Knoelbel SB, et al. Mixomatous degeneration of

the mitral valve. Am J Cardiol 1971;28:444.

6. Barlow JB, Pocock WA. Mitral valve prolapse: primary, secondary, both or neither? Am Heart J 1982;102:140-3.

7. Boudoulas H, Kolibash Jr AJ, Baker P, et al. Mitral valve prolapse and the mitral valve prolapse syndrome: a diagnostic classification and patho-genesis of symptoms. Am Heart J 1989;118:796-818.

8. Grinberg M, Quadros CSO, Zaccarelli LM, Lamosa BWR, Pileggi F. A tríade prolapso de valva mitral, ataque de pânico e agorafobia. Arq Bras Cardiol 1985;44:41-3.

9. Pariser SF, Jones BA, Pinta ER, et al. Panic attacks: diagnostic evalua-tion of 17 patients. Am J Psychiatry 1979;136:106-8.

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11. Kavey RE, Blackman MS, Sondheimer HM, Byrum CJ. Ventricular ar-rythmias and mitral valve prolapse in childhood. J Pediatr 1984;105: 885-90.

12. Nishimura RA, McGoon MD, Shub C, et al. Echocardiographically doc-umented mitral-valve prolapse: long-term follow-up of 237 patients. N Engl J Med 1985;313:1305-9.

13. Kligfield P, Levy D, Devereux RB, Salvage DD. Arrythmias and sudden death in mitral valve prolapse. Am Heart J 1987;53:113-29.

14. Barlow JB, Pocock WA. The mitral valve prolapse enigma – two de-cades later. Mod Concepts Cardiovasc Dis 1984;53:13-7.

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19. Maron BJ, Mitchell JH. 26 Bethesda Conference: recommendations for determining eligibility for competition in athletes with cardiovascular abnormalities. J Am Coll Cardiol 1994;24:845-99.

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