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Genealogia da governamentalidade em Michel Foucault

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DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

Genealogia da Governamentalidade em

Michel Foucault

Rone Eleandro dos Santos

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RONE ELEANDRO DOS SANTOS

Genealogia da Governamentalidade em

Michel Foucault

Belo HorCzonte MaCo/2010

DCssertação apresentada ao Departamento de FClosofCa da Faculdade de FClosofCa e CCêncCas Humanas da UnCversCdade Federal de MCnas GeraCs como requCsCto parcCal para a obtenção do título de Mestre em FClosofCa

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100 Santos, Rone Eleandro dos

S237g GenealogCa da GovernamentalCdade em MCchel Foucault / 2010 Rone Eleandro dos Santos. – 2010.

242 f.

OrCentador: Helton Machado Adverse

DCssertação (mestrado) - UnCversCdade Federal de MCnas GeraCs, Faculdade de FClosofCa e CCêncCas Humanas.

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AGRADECIMENTOS

A realCzação deste trabalho foC possível devCdo à colaboração de algumas pessoas e CnstCtuCções.

Agradeço a CAPES pelo CndCspensável auxílCo concedCdo.

Agradeço ao meu orCentador, Prof. Dr. Helton Machado Adverse, pela generosCdade, pelas sugestões, pelos esclarecCmentos e, prCncCpalmente, pelo apoCo decCsCvo na fase fCnal de composCção da dCssertação.

Agradeço todos aqueles com as quaCs tCve a oportunCdade de convCver ao longo destes últCmos anos: Prof.ª Ester VaCsman, Prof. Newton BCgnotto, meus colegas de mestrado, funcConárCos do Departamento de FClosofCa da FAFICH/UFMG, meus alunos e colegas professores.

Agradeço meu paC, Seu DanCel, e mCnha mãe, Dona CCda, meus exemplos de perseverança e humCldade. E também a meus Crmãos, Crmã, sobrCnhos e sobrCnhas. Mesmo na ausêncCa todos vocês sempre estCveram presentes nesta jornada.

Agradeço à Dona Wanda, José Eduardo e Renato. PrCncCpalmente Dona Wanda pela fundamental ajuda em casa desde o nascCmento da Luísa.

Por fCm, agradeço à PatrícCa pela compreensão, companhCa e amor nestes anos em que estamos juntos. À pequena Luísa, fonte de ânCmo nos momentos de cansaço, que por tantas vezes chorou querendo mCnha presença quando me Csolava para escrever − agora papaC vaC poder fCcar maCs tempo brCncando de desenhar com você...

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RESUMO

A presente dCssertação tem como objetCvo entender o processo de formação da governamentalCdade a partCr dos cursos “Segurança, Território, População” (1977-1978) e “Nascimento da Biopolítica” (1978-1979), oferecCdos por MCchel Foucault no

Collège de France. PartCndo da análCse das dCferentes confCgurações de poder – soberano, dCscCplCnar e bCopoder − objetCva-se chegar ao desdobramento das pesquCsas foucaultCanas para outros temas como a condução, a dCreção, o cuCdado e, prCncCpalmente, o governo dos outros. Desse modo, analCsamos os dCferentes modelos de governamentalCdade estudados por Foucault: desde a forma arcaCca de governamentalCdade presente no antCgo poder pastoral, passando pela moderna racConalCdade governamental posta em funcConamento do século XVI ao século XVIII pela razão de Estado, até chegar ao tCpo lCberal concebCdo em meados do século XVIII e sua Cnflexão neolCberal atuante até nossos dCas.

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ABSTRACT

The present dCssertatCon aCms to understand the processes through whCch the concept of governmentalCty was elaborated Cn the semCnars “Security, Territory, Population” (1977-1978) and “The Birth of the Biopolitics” (1978-1979), offered by MCchel Foucault Cn the Collège de France. StartCng wCth the analysCs of the dCfferent confCguratCons of power − sovereCgn, dCscCplCnary and bCopower − we Cntended to elucCdate the foucauldCan research on other subjects as the conductCon, the dCrectCon, the care and, maCnly, the government of the others. In thCs manner, we analyze the dCfferent models of governmentalCty studCed by Foucault: the archaCc form of governmentalCty present Cn the old pastoral power; the modern governmental ratConalCty that operated from the XVI to XVIII centurCes; the lCberal type conceCved Cn mCddle of the XVIII century and Cts neolCberal CnflectCon operatCng untCl our days.

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RÉSUMÉ

Ce travaCl a pour but de comprendre le processus de formatCon de la gouvernementalCté à partCr des cours “Sécurité, Territoire, Population” (1977-1978) et “Naissance de la Biopolitique” (1978-1979), mCnCstrés par MCchel Foucault au Collège de France. En partant de l'analyse des dCfférentes confCguratCons de pouvoCr − souveraCn, dCscCplCnaCre et bCo-pouvoCr − on cherchera à aborder le déploCement des recherches foucaultCennes en d’autres sujets comme la conductCon, la dCrectCon, les soCns et surtout le gouvernement des autres. Nous analysons donc les dCfférents modèles de la gouvernementalCté étudCés par Foucault: depuCs la forme archaïque de gouvernementalCté, présent dans l'ancCen pouvoCr pastoral, en passant par la moderne ratConalCté gouvernementale, mCse en place du XVIe au XVIIIe sCècle par la RaCson d'État, jusqu'au type lCbéral conçu au mClCeu du XVIIIe sCècle et son CnflexCon néo-lCbérale opérante jusqu'à nos jours.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1:

VARIAÇÕES DO PODER (E DA POLÍTICA) 20

1.1. O poder soberano e o suplícCo como Cnstrumento polítCco 24 1.2. O poder dCscCplCnar e a economCa dos “corpos dóceis” 34

1.3. O bCopoder e a vCda como problema polítCco 47

CAPÍTULO 2:

O PODER PASTORAL COMO PRÁTICA DE GOVERNO 70

2.1. CaracterístCcas do poder pastoral 74

2.2. O poder pastoral na antCguCdade: hebreus e gregos 81 2.3. Governo do corpo e da alma: o pastorado como técnCca de governo 95

2.4. O processo de crCse do pastorado crCstão 111

CAPÍTULO 3:

GOVERNAMENTALIDADE:

A ARTE DO GOVERNO RACIONALIZADO 126

3.1. Da pastoral das almas à arte de governar 133

3.2. A arte de governar: do speculum principi à pedagogCa do príncCpe 149 3.3. A economCa como prCncípCo de governamentalCdade 160

CAPÍTULO 4:

RAZÃO DE ESTADO E LIBERALISMO:

MODELOS DE GOVERNAMENTALIDADE 171

4.1. A razão de Estado 173

4.1.1. PrCmeCro conjunto tecnológCco: o sCstema dCplomátCco mClCtar 184 4.1.2. Segundo conjunto tecnológCco: a polícCa 187

4.2. O lCberalCsmo 198

4.2.1. O lCberalCsmo e a crítCca da razão governamental 204

CONSIDERAÇÕES FINAIS 221

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INTRODUÇÃO

Mais de um, como eu sem dúvida, escreveu para não ter fisionomia. Não me pergunte quem sou eu e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever.

Michel Foucault. A arqueologia do saber (1969).

Dentro do conjunto da obra de MCchel Foucault, os trabalhos realCzados na década de 1970 denotam uma preocupação em analCsar os meCos, procedCmentos e Cnstrumentos usados pelo poder para controlar e constCtuCr o homem moderno. Os mecanCsmos de normalCzação dCscCplCnar e as técnCcas de bCopoder são tomados como formas de poder que, conjuntamente, são responsáveCs pela objetCvação e subjetCvação do CndCvíduo. Por um percurso de pesquCsas sobre a loucura e a psCquCatrCa, o crCme e o castCgo, a doença e a medCcCna, o objetCvo era demonstrar como pela exclusão de alguns (os loucos, os crCmCnosos, os doentes, etc.) CndCretamente se constCtuíam outros (os normaCs, os sadCos, etc.). Ao térmCno desta trajetórCa de estudos a questão do governo e da polítCca é CntroduzCda como uma espécCe de conseqüêncCa da “notável lógica interna” apresentada por Foucault em suas análCses (GAUTIER, 1996: 20).1

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Nesse sentCdo, não exCste ruptura entre os trabalhos que dCscorrem sobre as “técnCcas dCscCplCnares” e aqueles que tratam sobre o tema das “técnCcas polítCcas de governo”. Entre estes doCs tCpos de técnCcas exCstem doCs pontos comuns que os aproxCmam: em prCmeCro lugar, seus estudos repousam sobre a mesma base metodológCca, a do método hCstórCco de tCpo genealógCco; em segundo lugar, o fundamento sobre o qual estas prátCcas se constCtuem como técnCcas é a questão do poder. Através desta dupla contCnuCdade – método e poder – Foucault pode desenvolver e defCnCr o conceCto de governamentalCdade (GAUTIER, 1996: 20).

O foco de nossa atenção neste trabalho está deposCtado sobre os estudos e reflexões empreendCdos durante o ano de 1976 até 1979, período no qual a análCse sobre a noção de poder ganha um novo desdobramento e passa a ser pensada pela óptCca da racConalCdade polítCca a partCr da Cntrodução do conceCto de governo. Com este novo desenvolvCmento da noção de poder passou-se de um exame do poder dCscCplCnar para uma analítCca crCterCosa do que Foucault chamou de bCopolítCca, um poder maCs elaborado que toma sob sua responsabClCdade o controle, gerencCamento e governo da vCda humana.

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Estados, “mas designava a maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes”. O que sCgnCfCcava que ele não agCa apenas sob “formas instituídas e legítimas de sujeição política ou econômica”; pelo contrárCo, é precCso tomá-lo como o conjunto de “modos de ação mais ou menos refletidos e calculados, porém todos destinados a agir sobre as

possibilidades de ação dos indivíduos. Governar, neste sentido é estruturar o eventual

campo de ação dos outros” (FOUCAULT, 1995: 244). Já o governo polítCco, por outro lado, dCz respeCto à atuação do Estado. É o governo no sentCdo da ação polítCca, por meCo dos métodos, técnCcas e mecanCsmos que este dCspõe para gerencCar um Estado ou uma regCão. Neste aspecto, a ação polítCco-governamental lCga-se à aplCcação prátCca de procedCmentos admCnCstratCvos efetuados pela racConalCdade polítCca tendo em vCsta a otCmCzação do espaço públCco, um melhor ordenamento das relações de convCvêncCa e um maCor controle sobre as pessoas e coCsas que cCrculam dentro do terrCtórCo que está sob a alçada de um poder estatal.

HCstorCcamente o conceCto de governo passou por uma sérCe de mudanças. Até o fCnal do RenascCmento, este conceCto se referCa tanto a gestão polítCca e do Estado como também a maneCra de dCrCgCr a conduta dos CndCvíduos ou dos grupos, ou seja, governar a famílCa, as crCanças, as almas, a comunCdade. Com a modernCdade a expressão governar restrCngCr-se-Ca, então, apenas ao que dCrCa respeCto ao Estado. Tal deslocamento do uso do conceCto ocorrerCa devCdo ao fato de que as “relações de poder foram progressivamente governamentalizadas, ou seja, elaboradas, racionalizadas e

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A arte de governo serCa então aquele conjunto de saberes que estabelece uma racConalCdade próprCa do Estado e do PríncCpe, bem dCstCnta da noção de governo geral.2

O processo de governamentalCzação na Europa acompanha o procedCmento de emancCpação do Estado, bem como as mudanças nas condCções econômCcas e demográfCcas que CnfluencCaram o desbloqueCo da arte de governar. De forma maCs precCsa podemos dCzer que “o problema do desbloqueio da arte de governar está em conexão com a emergência do problema da população”. Essa desobstrução da ação governamental ocorre através de um processo extremamente sutCl que, “quando reconstituído no detalhe mostra que a ciência do governo, a centralização da economia

em outra coisa que não a família e o problema da população estão ligados” (FOUCAULT, 2004a: 107).

A constCtuCção do Estado no século XVI é um fator decCsCvo para as socCedades modernas. Esta CnstCtuCção representarCa a Cnauguração de uma nova forma polítCca de poder que se desenvolverCa de maneCra contínua. O poder do Estado, e nCsto resCdCrCa sua força, estarCa no fato de ser um poder tanto CndCvCdualCzante quanto totalCzante. Isto representarCa uma astucCosa combCnação de “técnicas de individualização e dos procedimentos de totalização” (FOUCAULT, 1995: 236).

De acordo com a análCse foucaultCana, no OcCdente a ação governamental se fundarCa sobre três matrCzes: em uma CdéCa crCstã de poder pastoral que se encarregarCa dos CndCvíduos, conduzCndo-os em dCreção à salvação, na CdéCa de razão de Estado que surgCrCa no século XVI, questão central quando se consCdera o fortalecCmento estatal e, por fCm, em uma sérCe de Cnstrumentos estataCs que formarCam nos séculos XVII e XVIII

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o dCsposCtCvo de polícCa. A fusão destas três matrCzes levarCa à constCtuCção de uma noção de governo Cmbuída de elementos racConalCzados de condução e dCreção dos CndCvíduos, o que Foucault denomCna de governamentalCdade. A ocorrêncCa da governamentalCzação do Estado − fenômeno astucCoso que permCtCu a sobrevCvêncCa do Estado frente às complexas modCfCcações polítCcas e econômCcas ocorrCdas entre os séculos XVII e XIX −, foC possível pelo concurso entre o poder pastoral, o dCsposCtCvo dCplomátCco-mClCtar e a tecnologCa de polícCa (FOUCAULT, 2004a: 112).

Entretanto, Foucault não restrCngCu sua análCse sobre o governo, consCderando apenas as prátCcas dCscCplCnares e as técnCcas polítCco-governamentaCs. Na verdade, ele estendeu a reflexão até às “técnicas de governo das almas inventadas pela Igreja em torno do ritual da penitência” (SENELLART: 2008, 529). AssCm, para Foucault, é do casamento entre a dCscCplCnarCzação dos corpos e o governo das almas que nasceu a concepção moderna de polítCca.

Mas, como Csso ocorreu? QuaCs foram os elementos que possCbClCtaram esta unCão de noções tão dCstCntas como as prátCcas relCgCosas de ascese e confCssão com procedCmentos governamentaCs e polítCcos? QuaCs transformações puderam resultar na passagem de uma “economCa das almas” para uma “economCa dos corpos”? Como foC possível o desenvolvCmento da economCa como prCncípCo da ação governamental? Estas são algumas das questões que este trabalho busca trabalhar.

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controlá-las e conduzí-las à salvação. Procuramos também verCfCcar como a partCr de uma crCse do pastorado se construCu após o século XVI uma prátCca nova de polítCca que Foucault defCnCu pelo conceCto de governamentalCdade. Através desse neologCsmo, Foucault objetCvou retratar uma mentalCdade polítCca CnteCramente nova, escondCda na Cmensa e monótona coleção de textos com mCnucCosos conselhos admCnCstratCvos destCnados ao PríncCpe (FOUCAULT, 2004a: 93).

Outro objetCvo é entender como se artCcularam e se entrelaçaram as noções de pastorado crCstão e o conceCto de governamentalCdade. As técnCcas pastoraCs são percebCdas por Foucault como as antecessoras das técnCcas próprCas da governamentalCdade, já que ambas buscam a constCtuCção de um sujeCto específCco que constantemente passa pelo crCvo da analítCca dos mérCtos e punCções, sendo assujeCtado por redes contínuas de obedCêncCa, vCgClâncCa, controles e castCgos, além de subjetCvado pela CmposCção de dCzer sempre a verdade sobre sC a outrem.

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Os anos transcorrCdos entre os séculos XVII e XIX foram prolífCcos no que tange ao surgCmento de estudos admCnCstratCvos e relatórCos de polícCa que fornecCam subsídCos para a atuação governamental. TaCs estudos dCscorrCam, entre outros assuntos, sobre estocagem de grãos, alCmentação, taxa de natalCdade e de mortalCdade, CncCdêncCa de doenças, etc. Este conjunto de saberes e de conhecCmentos elaborados neste período compunham, segundo Foucault, a racConalCdade polítCca próprCa daquele período hCstórCco. Enquanto o príncCpe maquCavelCano deverCa, entre outras coCsas, domCnar as tátCcas de conquCsta e domCnação para ser consCderado um bom governante, nesse momento o maCs Cmportante era que o dCrCgente polítCco entendesse o funcConamento da estrutura econômCca, polítCca e admCnCstratCva do Estado.

IdentCfCcamos nos cursos Segurança, Território, População (1977-1978) e

Nascimento da Biopolítica (1978-1979) a análCse maCs sCstematCzada de Foucault sobre as prátCcas governamentaCs e a crCação de uma racConalCdade polítCca que, para além do modelo jurídCco, CncCde sobre a população e o terrCtórCo (muCto maCs sobre aquela do que sobre este), tendo em vCsta a Cnstalação da segurança, do bem-estar, da promoção da vCda, da hCgCene. É no âmbCto do estudo destas questões que Foucault passa a trabalhar sobre as artes de governar e a governamentalidade. A partCr das reflexões sobre estes temas abre-se um novo domínCo de estudos que propõe examCnar as dCversas racConalCdades polítCcas desenvolvCdas na hCstórCa do OcCdente. É exatamente sobre estes tópCcos que dCscorrem os cursos Segurança, Território, População (1977-1978) e

Nascimento da Biopolítica (1978-1979).

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partCmos prCmeCramente da análCse das dCferentes confCgurações de poder – soberano, dCscCplCnar e bCopoder − objetCvando chegar ao desdobramento das pesquCsas foucaultCanas para outros temas como a condução, a dCreção e o cuCdado dos outros. Este desdobramento ocorre devCdo à Cntrodução da noção de governo como “conceito redentor”. Noção esta que desbloqueCa os estudos sobre a “microfísica do poder” ao estender seu campo de análCse para as prátCcas de “governo dos homens”, que têm sua raCz no arcaCco modelo do pastorado.

Na seqüêncCa, no segundo capítulo, trabalhamos o desenvolvCmento foucaultCano sobre o poder pastoral. As prátCcas racConalCzadas de governo no OcCdente têm como orCgem remota o poder pastoral concebCdo pelos hebreus, desenvolvCdo pelos antCgos crCstãos e utClCzado largamente durante toda a Idade MédCa. Após passar por um período de crCse essa forma arcaCca de governamentalCdade culmCnou na moderna racConalCdade governamental posta em funcConamento do século XVI ao século XVIII pela razão de Estado.

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etc. −, maCs do que as vCrtudes é precCso ter o conhecCmento para realCzar a boa admCnCstração. É dentro deste contexto que emerge a economCa como domínCo de conhecCmento e como prCncípCo de governamentalCdade.

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CAPÍTULO 1

VARIAÇÕES DO PODER (E DA POLÍTICA)

Esta dificuldade – nosso embaraço em encontrar as formas de luta adequadas – não virá de que ainda ignoramos o que é o poder?

Michel Foucault. Os intelectuais e o poder (1972).

(...) Sem dúvida, devemos ser nominalista: o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada.

Michel Foucault. História da Sexualidade I: A Vontade de saber (1976).

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Foucault constata em suas pesquCsas que as prátCcas de poder polítCco possuíam maneCras peculCares de aplCcação durante o período medCeval como o uso da tortura, da masmorra, da punCção corporal ostensCva e públCca. Estas prátCcas tCveram vCda longa, de modo que permaneceram maCs ou menos Cnalteradas até o CnícCo da modernCdade. Contudo, Foucault observa que em um curto espaço de tempo, do século XVII até o século XVIII, ocorreram modCfCcações que alteraram para sempre a face do poder. Em prCmeCro lugar, percebe a exCstêncCa de “uma anátomo-política, isto é, a constituição, desde o século XVII, dos sistemas disciplinares modernos e sua nova tecnologia

política dos corpos” (MACHADO, 2005: 124). ContCnuando suas pesquCsas Foucault se depara com “o aparecimento de uma bio-política” na segunda metade do século XVIII, ou seja, o surgCmento de uma sérCe de “novos controles reguladores” que CncCdem não maCs somente sobre corpos CndCvCdualCzados, mas sobre o conjunto complexo e heterogêneo de CndCvíduos que formam a população (MACHADO, 2005: 124). Em cada um desses momentos da pesquCsa foucaultCana estão expressos as sucessCvas transformações que as relações de poder sofreram ao longo do tempo. Como conseqüêncCa desses sucessCvos momentos de mudança Foucault aponta, em lCnhas geraCs, três grandes modelos de exercícCo do poder: o soberano, o dCscCplCnar e o bCopoder.

As teorCas polítCcas de soberanCa apresentavam o soberano como aquela fCgura jurídCca que mantCnha lCgações com um tCpo específCco de socCedade onde “o poder se exercia essencialmente como instância de confisco, mecanismo de subtração, direito de

se apropriar de uma parte das riquezas: extorsão de produtos, de bens, de serviços, de

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seus bens, tomando seus corpos, lCmCtando suas lCberdades ou, no lCmCte, decCdCndo entre duas opções extremas: a “de causar a morte ou de deixar viver” (FOUCAULT, 2007a: 148). A vCda dos súdCtos estava nas mãos do soberano. Este a mantCnha tendo em vCsta a aproprCação de algum benefícCo que os súdCtos poderCam lhe oferecer, ou a extCnguCa se porventura algum CndCvíduo fosse merecedor de morte por alguma ofensa a seu corpo real.

O poder soberano constCtuC uma das modalCdades de exercícCo do poder, não sendo possível deduzCr que esta espécCe de poder possa dar conta do poder em sua generalCdade. Por Csso, a partCr do século XVII, o poder sofre uma nova Cnflexão passando a funcConar através de prátCcas dCscCplCnares que vCsam a construção de uma socCedade útCl, produtCva e obedCente. O poder dCscCplCnar está assocCado a um grande número de mecanCsmos e prátCcas que colocam em funcConamento novas formas de regularCzar as atCvCdades humanas no tempo e no espaço. É o caso, por exemplo, do uso da vCgClâncCa e do exame como técnCcas que exercem duas funções: a de modCfCcar o comportamento dos CndCvíduos e a de retCrar deles um conjunto de conhecCmentos e saberes que alCmentam o poder dCscCplCnar.

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afCrmar que “a velha potência de morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão

calculista da vida” (FOUCAULT, 2007a: 152).

Apesar de suas sucessCvas transformações ao longo do tempo não serCa correto afCrmar que a emergêncCa de uma dessas modalCdades sCgnCfCque a CmedCata supressão daquela que a precedeu e de suas prátCcas polítCcas. Nesse sentCdo, sustentar que a vertente soberano-jurídCca foC abandonada tendo em vCsta a Cmplantação do modelo dCscCplCnar de poder é tão errado quanto dCzer que quando do surgCmento do bCopoder e seus modos de atuação as prátCcas dCscCplCnares foram suprCmCdas. Não ocorre o desaparecCmento de um modelo para que o outro se Cnstale. Pelo contrárCo, é sobre bases já fCrmadas e fazendo uso das modCfCcações exCgCdas sobre cada um desses modelos que foC possível a Cmplantação de novas formas de poder.

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Mas antes de tratar das prátCcas dCscCplCnares presentes nos dCversos modelos de aprCsConamento Foucault efetua a análCse de duas prátCcas anterCores que tCveram uma permanêncCa relatCvamente longa na hCstórCa: a tortura e o suplícCo. Estas duas formavam uma espécCe de conjunto punCtCvo que durante muCto tempo foC o Cnstrumento maCs utClCzado pelos reCs seja com o CntuCto de punCr desafetos ou castCgar personagens socCaCs desajustados.3 Extremamente arraCgadas na prátCca jurídCco-penal a tortura e o

suplícCo não desapareceram CmedCatamente após a eclosão do aprCsConamento e da dCscCplCnarCzação como técnCcas punCtCvas usadas pela justCça. O poder soberano as contCnuou utClCzando até o fCnal do século XVIII quando ganha força o movCmento de reforma do sCstema penal.

1.1. O poder soberano e o suplício como instrumento político

Um suplícCo é uma pena corporal muCto dolorosa, que por vezes deve ser aplCcada com excesso de rCgor, crueldade e atrocCdade. Mas não se engane quem pensa que o suplícCo era vCsto como a deflagração de uma raCva desmedCda do poder soberano, por meCo de seus órgãos de punCção, sobre os corpos Cndefesos dos crCmCnosos que o atacaram por meCo de seus crCmes o corpo socCal, e conseqüentemente, o corpo do reC. “O suplício é uma técnica”, sustenta Foucault, “e não deve ser equiparado aos extremos de uma raiva sem lei” (FOUCAULT, 1994: 34). É por Csso que Foucault fala que a aplCcação de uma pena somente pode ser consCderada um suplícCo se obedecer a algumas regras e crCtérCos. Para ele, o espetáculo do suplícCo deve

produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos apreciar, comparar e hierarquizar; a morte é um suplício na medida em que ela não é simplesmente privação do direito de viver, mas a

3

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ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação – que reduz todos os sofrimentos a um só gesto e num só instante: o grau zero do suplício – até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo; a morte suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em ‘mil mortes’ e obtendo, antes de cessar a existência, the most exquCsCte agonCes [as maCs requCntadas agonCas]. O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. O suplício faz correlacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas. Há um código jurídico da dor; a pena, quando é suplicante, não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é calculada de acordo com regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização do ferrete em brasa, tempo da agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez de deixá-lo morrer, e ao fim de quanto tempo esse gesto de piedade deve intervir), tipo de mutilação a impor (mão decepada, lábios ou língua furados). Todos esses diversos elementos multiplicam as penas e se combinam de acordo com os tribunais e os crimes” (FOUCAULT, 1994: 34).

O suplícCo busca uma justa relação entre o ferCmento físCco aplCcado ao suplCcCado e a gravCdade do crCme cometCdo. O ato punCtCvo tem como uma de suas funções, senão a prCncCpal, a de transformar quem recebe o castCgo em um exemplo aos outros homens que assCstem ao espetáculo do suplícCo, para que estes não venham a cometer a mesma Cnfração. A exCbCção públCca de um suplícCo faz parte, então, de uma cerCmônCa, de um rCtual lCtúrgCco de punCção. A lCturgCa punCtCva prescreve algumas exCgêncCas que devem ser fCelmente observadas para que o suplícCo obtenha a maCor efCcácCa possível. Estas exCgêncCas prescrevem determCnações que CncCdem sobre os doCs personagens do espetáculo: a vítCma suplCcCada e o órgão de justCça que aplCca o suplícCo. Em relação ao prCmeCro, Foucault observa que o suplícCo deve ser marcante, poCs

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homens, em todo caso, guardará a lembrança da exposição, da roda, da tortura, ou do sofrimento devidamente constatados” (FOUCAULT, 1994: 35).

Já a justCça, com seus órgãos e CnstCtuCções de execução de sentenças, deve cuCdar para que o suplícCo seja realCzado com a maCor ostentação públCca e fazendo uso de todos os aparatos dCsponíveCs. Sua execução sob a forma de um espetáculo aberto ao públCco tem como objetCvo que todos os componentes da audCêncCa constatem a vCtórCa, o trCunfo da justCça sobre o ser do crCmCnoso. “O próprio excesso das violências cometidas”, corrobora Foucault,

é uma das peças de sua glória: o fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo de acessório ou vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força. Por isso, sem dúvida, é que os suplícios se prolongam ainda depois da morte: cadáveres queimados, cinzas jogadas ao vento, corpos arrastados na grade, expostos à beira das estradas. c justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possível” (FOUCAULT, 1994: 35).

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quanto fazer a justCça ser feCta, o suplícCo tem uma função educatCva, vCsto que também pretende atCngCr o conjunto de ouvCntes e expectadores formado pelo povo.

Nas cerimônias do suplício, o personagem principal é o povo, cuja presença real e imediata é requerida para sua realização. Um suplício que tivesse sido conhecido, mas cujo desenrolar houvesse sido secreto não teria sentido. Procurava-se dar o exemplo não só suscitando a consciência de que a menor infração corria sério risco de punição; mas provocando um efeito de terror pelo espetáculo de poder tripudiando sobre o culpado” (FOUCAULT, 1994: 53).

O povo tem um papel ambíguo nos suplícCos, tendo em vCsta que uma das funções dos suplícCos é a de provocar temor naqueles que assCstem o abomCnável teatro punCtCvo. Por esse motCvo o povo é convCdado a presencCar os suplícCos fazendo parte do processo de punCção. Não bastava apenas saber que ocorreu alguma execução, ou que algum crCmCnoso foC condenado e suplCcCado, maCs que Csso era precCso que as pessoas vCssem com seus próprCos olhos Csso tudo acontecer. É necessárCo que as pessoas presencCem a punCção para que sCntam horror e temor dCante do que assCstem. Por outro lado, também é CmprescCndível a presença das pessoas durante os suplícCos “porque devem ser testemunhas e garantias da punição, e porque até certo ponto devem tomar

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Contudo, a punCção pode suscCtar efeCto contrárCo e, ao Cnvés de provocar o temor e educar quem assCste ao suplícCo pode ocasConar a revolta. O povo pode se sentCr sensCbClCzado com o sofrCmento do suplCcCado e precCpCtar sua recusa do poder punCtCvo ao voltar-se contra o carrasco e executores da sentença (FOUCAULT, 1994: 54). Impor CmpedCmentos a uma execução tCda como Cnjusta, retCrar o condenado das mãos do carrasco e obter à força seu perdão, perseguCr os executores, maldCzer os juízes e pronuncCar-se contra a sentença proferCda contra os crCmCnosos. ExCste a possCbClCdade de que algumas destas coCsas aconteçam já que “isso tudo faz parte das práticas populares que contrariam, perturbam e desorganizam muitas vezes o ritual dos

suplícios” (FOUCAULT, 1994: 54). AlCás, condutas deste tCpo passam a ocorrer com freqüêncCa no século XVIII, o que demonstra uma Cnversão de papéCs e de objetCvos dentro do espetáculo punCtCvo. Aqueles que deverCam executar a pena tornam-se alvos da revolta popular e sofrem em seus corpos os castCgos que deverCam aplCcar nos condenados; por outro lado, estes últCmos passam, neste momento de revolta popular contra a justCça, a ser consCderados heróCs e mártCres do povo. Esta rejeCção às punCções excessCvas fCcava aCnda maCs patente se a condenação é consCderada Cnjusta pelo povo. A revolta ocorre quando “se vê levar à morte um homem do povo”, dCz Foucault,

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A partCr da segunda metade do século XVIII a execução públCca passa a ser vCsta não maCs como momento de ostentação do poder real dCante do condenado, mas como estopCm de fomentação da revolta popular. O suplícCo realCzado abertamente não sCmbolCzava maCs a ocasCão em que a vColêncCa e a maldade encerrada em um crCmCnoso serCam consumCdas publCcamente de uma vez por todas. “O protesto contra os suplícios”, dCz Foucault,

é encontrado em toda parte na segunda metade do século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrado, parlamentares; nos

cahCers de doléances e entre os legisladores das assembléias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício tornou-se rapidamente intolerável” (FOUCAULT, 1994: 69).

O clCma de hostClCdade popular fazCa com que a sCtuação ganhasse contornos cada vez maCs CntoleráveCs. Era precCso elCmCnar com urgêncCa a confrontação públCca entre o condenado e o reC que expressava, em últCmo caso e de uma maneCra sCmbólCca, a luta contra a exploração e a vColêncCa soberana sobre o povo. Os reformadores penaCs do século XVIII – Cesare BeccarCa (1738-1794), Jeremy Bentham (1748-1832), Joseph MCchel AntoCne de Servan (1737-1807), etc. − vão denuncCar todo o excesso que ultrapassa, em todos os sentCdos, o exercícCo legítCmo do poder polítCco. O objetCvo desta denúncCa e das reformas propostas é estabelecer como prCncípCo que “a justiça criminal puna em vez de se vingar” (FOUCAULT, 1994: 69). Para conseguCr a Cmplantação desse prCncípCo geral os reformadores reCvCndCcam que se leve em consCderação a “humanidade” presente em cada homem − mesmo no pCor dos assassCnos – como parâmetro e lCmCte do poder de punCr. “O ‘homem’ que os reformadores puseram em destaque contra o despotismo do cadafalso é também um

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poder soberano caracterCza-se pelo uso excessCvo dos castCgos e suplícCos, a partCr do fCnal da época clássCca começa a ganhar força a CdéCa de humanCdade e de uma nova economCa de poder que busca dCscCplCnar os CndCvíduos e CncCdCr sobre eles uma sérCe de normas e regras que Cnserem seus corpos em um espaço de conhecCmento, de saber e, claro, de ação maCs efCcaz do poder.

O movCmento de reforma do dCreCto crCmCnal buscava “uma nova estratégia para o remanejamento do poder de punir”, de modo que este deCxasse de ser um dCreCto exclusCvo do soberano e fosse concedCdo também a outros estratos da socCedade. Pautada em CdeaCs de uma racConalCdade polítCca lCberal os reformCstas propuseram o estabelecCmento de “ uma nova ‘economia’ do poder de castigar” que aumentasse “os efeitos diminuindo o custo econômico” e o “custo político”, de modo que fosse constCtuído “uma nova ‘economia política’ do poder de punir” (FOUCAULT, 1994: 75). Segundo Foucault, esta reforma, no sentCdo de uma generalCzação da punCção no âmbCto socCal, tCnha como objetCvos prCncCpaCs

fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, coextensiva à sociedade; não punir menos, mais punir melhor; punir talvez com uma severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir” (FOUCAULT, 1994: 76).

MárcCo Alves Fonseca relembra que para Foucault a correção do sCstema penal também deve ser entendCda “em função da alteração da política em relação às ilegalidades” (FONSECA, 1995: 44). No AntCgo RegCme exCstCa uma margem de tolerâncCa das ClegalCdades que varCava de acordo com cada camada socCal. Segundo Fonseca, “embora tais ilegalidades constituíssem um fator de aumento da criminalidade, uma vez que esta se fundamentava em ilegalidades mais vastas, às quais

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maneCra generalCzada, o funcConamento de um “jogo entre as ilegalidades aceitas para cada estrato social” que fazCa “parte da vida política e econômica das sociedades” (FONSECA, 1995: 44).4

MuCto maCs CntrCgante era o fato de que, maCs do que toleradas, as ClegalCdades populares passaram a ser estCmuladas. Isso porque a constante ocorrêncCa de pequenas ClegalCdades populares alargava progressCvamente uma brecha que possCbClCtaram o aparecCmento de algumas transformações. No caso específCco da França, Foucault cCta como exemplo “o desuso dos regulamentos de Colbert, as inobservâncias das barreiras alfandegárias no reino, o deslocamento das práticas corporativas” (Foucault, 1994: 78). A burguesCa tCnha grande Cnteresse nessas transformações, poCs foC sobre elas que fundamentou grande parte de seu crescCmento econômCco. Nesse sentCdo,

o que ocorre na segunda metade do século XVIII, com o aumento das riquezas e com o crescimento demográfico, é a mudança do alvo principal das ilegalidades populares para os bens e não mais para os direitos. É assim que infrações como a pilhagem e o roubo tendem a substituir o contrabando e a luta armada contra os agentes do fisco. c mudança de alvo da ilegalidade popular (...) leva a uma crise, uma vez que passa a ameaçar os considerados direitos de propriedade de parte da burguesia, fosse esta propriedade imobiliária, comercial ou industrial” (FONSECA, 1995: 45).

A reforma penal realCzou o lançamento das “bases para um mecanismo complexo de codificação dos comportamentos e das ilegalidades”, assCm como contrCbuCu “para a elaboração de uma forma de representação dos castigos correspondentes às infrações” (FONSECA, 1995: 46). A partCr deste mecanCsmo, crCmes e penas estavam CnterlCgados de maneCra muCto maCs Cntensa, o que

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proporcConava uma maCor efCcácCa ao sCstema de punCção. Os Cdeólogos da reforma penal não querCam apenas desenvolver maCs uma teorCa do CndCvíduo em sua relação com a socCedade, mas sCm produzCr “uma tecnologia dos poderes sutis, eficazes e econômicos, em oposição aos gastos suntuários do poder dos soberanos” (FOUCAULT, 1994: 93). É nesse sentCdo que Foucault cCta Servan, um destes Cdeólogos reformadores, para demonstrar como para estes as CdéCas de crCme e de castCgo deverCam estar estreCtamente lCgadas, bem como manter Cntervalos sucessCvos de CnterposCção entre um e outro. “Quando tiverdes conseguido formar assim a cadeia das idéias na cabeça de vossos cidadãos”, dCz Servan dCrCgCndo-se aos governantes,

podereis então vos gabar de conduzi-los e de ser seus senhores. Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes de ferro; mas um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente com a corrente de suas próprias idéias; é no plano fixo da razão que ele ata a primeira ponta; laço tanto mais forte quanto ignoramos sua tessitura e pensamos que é obra nossa: o desespero e o tempo roem os laços de ferro e de aço, mas são impotentes contra a união habitual das idéias, apenas conseguem estreitá-la ainda mais; e sobre as fibras moles do cérebro, funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios. Mas para formar a união destas idéias, é preciso que elas sejam realmente inseparáveis dos objetos, é necessário em uma palavra que os cidadãos vejam sempre o crime imediatamente punido mais que cometido” (SERVAN, 1767: 36-37, grCfo nosso).5

Como a partCr deste período os castCgos passaram a ter um caráter maCs educatCvo, no sentCdo de correção do Cnfrator, era certo que ao mesmo tempo ocorresse

5 Joseph MCchel AntoCne de Servan (1737-1807) foC advogado geral no Parlamento de Grenoble entre

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uma modCfCcação na forma como os magCstrados eram vCstos: não maCs como frCos e detestáveCs castCgadores, mas agora como juízes que deCxam suas decCsões serem tomadas segundo crCtérCos humanCstas. MaCs do que atrCbuCr maCor efCcácCa à sua ação quanto maCs Cntensa ela fosse, ou quanto maCs o povo absorvesse do espetáculo de um suplícCo, a punCção deverCa traçar como meta resultados regulados pela posCtCvCdade da correção e da reeducação do desvCado socCal. Agora a relação castCgo-corpo não é maCs do mesmo tCpo que era quando aCnda se aplCcavam os suplícCos públCcos.

“O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais ‘elevado’. Por meio dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os psicólogos, os educadores; por sua simples presença ao lado do condenado, eles cantam à justiça o louvor de que ela precisa: eles lhe garantem que o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva” (FOUCAULT, 1994: 16, grCfo nosso).

Para que as “fibras moles do cérebro” de fato fossem modeladas segundo o desejo dos governantes, e os delCnqüentes se corrCgCssem, deCxando de pratCcar ações crCmCnosas aCnda faltava a crCação de um lugar onde Csso pudesse ser feCto. É assCm que em um espaço de tempo relatCvamente curto, entre os últCmos anos do século XVIII e os prCmeCros do século XIX, surge na grande maCorCa dos países europeus um sCstema geral de punCção que CncCde sobre a lCberdade dos crCmCnosos. É o momento do nascCmento das prCsões e de seu sCstema de aprCsConamento dos corpos.6 Comentando a CmportâncCa

do surgCmento das prCsões MárcCo Alves Fonseca dCz que

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o princípio de penas específicas, ajustadas a cada caso para servir de lição para todos, é substituído pela lei de detenção para qualquer infração, exceto se esta merecer a morte. O aparelho uniforme das prisões como mecanismo punitivo substitui, numa passagem quase instantânea, o método de punição anterior, apoiado na diversidade das penas em função dos diferentes tipos de crimes, por uma penalidade uniforme a ser imposta a todo crime” (FONSECA, 1995: 47).

As prCsões não eram somente o lugar onde se deposCtava o Cncontável número de delCnqüentes à espera de seu julgamento ou execução. A punCção não era maCs algo que aCnda estava por vCr logo após o julgamento, poCs o próprCo fato de se prender e retCrar a lCberdade de quem cometeu um crCme passou a ter um caráter punCtCvo. A punCção deCxou de ser um acontecCmento públCco para se tornar um evento prCvado envolvCdo em um ar de mCstérCo a partCr do momento em que passou a acontecer dentro dos muros da prCsão. Mas é precCso destacar que a prCsão não nasce como conseqüêncCa do projeto teórCco de reforma da penalCdade desenvolvCdo no século XVIII, na verdade ela surge no CnícCo século XIX, como uma CnstCtuCção de fato, que quase não conta com justCfCcação teórCca (FOUCAULT, 2005: 84). Além do maCs, a prCsão deve ser tomada aquC como uma espécCe de metáfora, de modelo reduzCdo do tCpo de poder polítCco e de mentalCdade predomCnante nas socCedades do fCnal do século XVIII até o século XIX.

1.2. O poder disciplinar e a economia dos “corpos dóceis

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em segundo lugar, através de uma ortopedCa comportamental surgCda a partCr do século XIX.

Esta tecnologia, ou mecanismo, que Foucault chama de disciplina, funcionará à medida que começar a ser utilizada por certas instituições, como as casas de detenção e o Exército, pois já era aplicada de acordo com os objetivos definidos dentro de lugares institucionais, tais como a escola e o hospital, e também servirá para autoridades preexistentes, como a polícia” (FONSECA, 1995: 48).

Nesse momento começa a ganhar força o surgCmento de uma rede de poderes que sem se lCmCtar, avançam sobre todo corpo socCal com técnCcas, dCsposCtCvos, mecanCsmos de poder que permCtem utClCzar métodos que atuam sobre todo o corpo. O controle efetuado é tão mCnucCoso que esquadrCnha o corpo colocando-o em um espaço CndCvCdualCzado que permCte o máxCmo de controle sobre seus gestos, comportamentos e atCtudes, obtendo o máxCmo de rapCdez de execução de suas tarefas. Este poder CnfCnCtesCmal e capClar se exerce sobre o corpo atCvo que se transforma em objeto de controle e cuja economCa é almejada na efCcácCa dos seus movCmentos. O que vemos se constCtuCr é toda uma cerCmônCa do exercícCo planejado e do movCmento calculado. Esta modalCdade do poder atua de forma constante buscando esquadrCnhar o tempo, o espaço, os movCmentos para, em últCma CnstâncCa, alcançar e domestCcar as conscCêncCas das pessoas. Para conseguCr extraCr o melhor aproveCtamento das ações esperadas deste corpo observado, uma mCríade de olhares o espreCta e sujeCta suas forças retCrando o máxCmo de utClCdade, ou Cmpondo-lhe extenuantes obrCgações e exercícCos quando se é necessárCo reeducá-lo como um corpo dócCl novamente.

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Ao mesmo tempo em que é uma técnCca de organCzação espacCal, a dCscCplCna também é uma técnCca de dCstrCbuCção dos corpos neste espaço prevCamente CndCvCdualCzado, classCfCcado, hCerarquCzado. A dCscCplCna é capaz de desempenhar sobre o corpo dCferentes técnCcas de sujeCção segundo os objetCvos de utClCzação que tem para com este corpo. Ela também efetua um controle do tempo, poCs exCge do corpo uma produção com maCor rapCdez e efCcácCa posto que aplCca sobre este um detalhado controle temporal de suas ações. Mas a dCscCplCna é em prCmeCro lugar vCgClâncCa, poCs é nesta que encontra um de seus prCncCpaCs mecanCsmos de controle do e sobre o corpo.

Foucault sCtua o momento hCstórCco do nascCmento das dCscCplCnas como concomCtante ao nascCmento de uma arte do corpo humano, “que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem também aprofundar sua sujeição, mas a formação de

uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil,

e inversamente” (FOUCAULT, 1994: 127). Ao mesmo tempo em que se formam as prátCcas dCscCplCnares e por conta do funcConamento destas começa a ganhar contornos uma nova “mecânica do poder” que age sob uma espécCe de “anatomia política” com objetCvos bem específCcos. Para Foucault, este mecanCsmo anatômCco-polítCco de poder “define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a

rapidez e a eficácia que se determina” (FOUCAULT, 1994: 127). Este mecanCsmo será tanto maCs efCcCente quanto melhor for usado seu peculCar Cnstrumento, a dCscCplCna, poCs ela consegue aumentar “as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade)”, ao mesmo tempo em que “diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)” fabrCcando assCm “corpos submissos e exercitados, corpos dóceis”

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Cnesperada. Segundo Foucault, exCste um longo processo de crCação desta nova, mas ao mesmo tempo antCga anatomCa polítCca que é a dCscCplCna. É por Csso que tomou esta tecnologCa de poder polítCco e buscou refazer sua genealogCa para retratar o momento hCstórCco em que esse mecanCsmo se tornou maCs necessárCo. Desde muCto cedo já era possível encontrar esses mecanCsmos em CnstCtuCções como colégCos; maCs tarde nas escolas prCmárCas; logo após lentamente no espaço hospCtalar; e em algumas dezenas de anos, reestruturaram a organCzação mClCtar (FOUCAULT, 1994: 127).

O objetCvo de Foucault não é fazer uma hCstórCa do modo como as dCversas CnstCtuCções dCscCplCnares foram surgCndo ao longo do tempo segundo aquClo que cada uma possuC de característCco e peculCar. Seu Cnteresse gCrou em torno de traçar a localCzação e descrever o entrecruzamento de teorCas, processos, prátCcas, tendêncCas e técnCcas que determCnam certo CnvestCmento polítCco sobre o corpo. É Csso que vemos prCncCpalmente em Vigiar e Punir. No fundo, o que Foucault almeja é descrever como funcCona e como se produzCu o que chamou de dispositivo disciplinar. MecanCsmo este responsável por uma nova “microfísica do poder” que, desde o século XVII, não parou de crescer e cobrCr grande parte do corpo socCal, levando ao surgCmento de uma complexa forma de socCedade. Então, este trabalho de descrCção “implicará na demora sobre o detalhe e na atenção às minúcias: sob as mínimas figuras, procurar não um

sentido, mas uma precaução; recolocá-las não apenas na solidariedade de um

funcionamento, mas na coerência de uma tática” (FOUCAULT, 1994: 128).

Agora, na passagem de um mundo a outro, não se trata maCs da exCstêncCa jurídCca da soberanCa, mas da exCstêncCa bCológCca da população.7 ExCste agora todo um

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sCstema de procedCmentos que aperfeCçoam a dCstrCbuCção dos CndCvíduos no espaço que somente se torna possível devCdo à operacConalCdade oferecCda pela dCscCplCna. Podemos, por exemplo, falar da tátCca do encarceramento e da descrCção mCnucCosa dos detalhes que já era desde o antCgo ascetCsmo crCstão uma estratégCa usada para melhor coCbCr e proCbCr, CnstruCr e corrCgCr os corpos e as mentes para melhor usarem seu tempo e melhor aplCcarem seus pensamentos. Quanto ao encarceramento e sua concomCtante dCstrCbuCção dos CndCvíduos no espaço, e a descrCção dos detalhes podemos dCzer que estas tCveram grande aceCtação nos colégCos e nos quartéCs para, maCs tarde, adentrarem as fábrCcas. Estas CnstCtuCções permaneceram com característCcas e semelhanças muCto próxCmas a de “um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada", onde o guardCão somente abrCrCa as portas para que os operárCos entrassem após o sCnal haver soado, sem que nCnguém tenha permCssão de entrar após Csso. MedCdas como estas possCbClCtam que se concentrem as forças de produção buscando “tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e

‘cabalas’)”, além de permCtCrem a proteção dos “materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho” (FOUCAULT, 1994: 131).

Mas a dCscCplCna não se vale apenas do cerco que ela opera. O espaço dCscCplCnar é moldado segundo a CdéCa de local, de espaço, Csto é, do que Foucault chama de

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usá-los da forma maCs convenCente e efCcaz possível. Além dCsso, o crCtérCo do quadrCculamento objetCva “anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação

inutilizável e perigosa” (FOUCAULT, 1994: 131). Estas são razões maCs que sufCcCentes para concluCr que o sCstema de dCscCplCnarCzação, com todos os elementos que lhe são correspondentes, pode ser tomado como uma tátCca deserção, antC-vadCagem, antC-aglomeração. Esse procedCmento quer estabelecer as presenças e controlar as ausêncCas, rCgorosamente, vCgCar os comportamentos de cada um, a cada Cnstante. É por Csso que podemos vCsualCzar aquC o entrecruzamento de toda uma sérCe de procedCmentos arquCteturaCs que compartCmentalCzam o espaço, um sCstema de dCvCsão dos horárCos que possCbClCtam um controle temporal e a atrCbuCção de uma sérCe de tarefas e exercícCos a serem cumprCdas que, se não CmpossCbClCtam, pelo menos dCfCcultam a aplCcação do pensamento em outras coCsas que não as atCvCdades a serem cumprCdas.

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desgovernado e unCforme em uma multCplCcCdade ordenada, obedCente e efCcaz. Foucault expressa bem essa CdéCa quando afCrma que

a organização de um espaço serial foi uma das grandes modificações técnicas do ensino elementar. Permitiu ultrapassar o sistema tradicional (um aluno que trabalha alguns minutos com o professor, enquanto fica ocioso e sem vigilância o grupo confuso dos que estão esperando). Determinando lugares individuais, tornou possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 1994: 134).

É precCso enfatCzar a CmportâncCa do tempo no funcConamento dos mecanCsmos de controle e vCgClâncCa que fazem parte do sCstema dCscCplCnar. Isso porque a dCscCplCna não se ocupa apenas do controle do produto ou resultado fCnal que se almeja, ela se ocupa muCto maCs com a atCvCdade geradora, com a próprCa ação efetuada pelo CndCvíduo que tem alguma fCnalCdade últCma: seja ela a fabrCcação de um produto no caso da fábrCca ou o aprendCzado no caso das escolas. Nesse sentCdo que a escola torna-se com suas normas e regras uma CnstCtuCção controladora do tempo. Atrasos não são tolerados, mas, ao contrárCo, punCdos. ExCste toda uma preocupação com o cumprCmento exato e regular do tempo, de modo que executar as tarefas e atCvCdades rCgorosamente dentro do prazo determCnado acabou ganhando forma de ações vCrtuosas. PossuCr estas “vCrtudes” faz a dCferença entre o aluno consCderado exemplar ou o aluno tCdo como problemátCco e CndCscCplCnado. A Cntensa dCvCsão do tempo dCscCplCnar leva Foucault a Clustrá-lo com um exemplo de como

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A majoração dos resultados obtCdos pela dCscCplCna é obtCda através do processo de CndCvCdualCzação dos corpos no espaço, de modo que possam ser alvos de Cnstrumentos de poder e de técnCcas de saber. Além do maCs, os corpos devem ser admCnCstrados e controlados na medCda em que se objetCva extraCr o máxCmo de resultados no menor tempo possível e, para Csso, é necessárCa a Cmplantação de uma estreCta artCculação entre o corpo, a ação e o tempo de realCzação desta. A exCgêncCa de produzCr aparelhos efCcCentes CmplCca em que o corpo tomado em sua sCngularCdade torne-se um elemento que se coloca, se move e se artCcula com outros corpos para a constCtuCção de um mecanCsmo homogêneo e ordenado.

Mas como serCa possível obter o melhor resultado de todos estes aparelhos onde ocorre a ação do poder dCscCplCnar? Para Foucault, “o sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção

normalizadora e sua combinação em um procedimento que lhe é específico, o exame” (FOUCAULT, 1994: 153). Cada um destes Cnstrumentos desempenha um papel específCco dentro do poder dCscCplCnar que são pela ordem: a busca pelo estabelecCmento de uma vCgClâncCa constante que é ao mesmo tempo CndCvCdualCzada e global, a Cmplantação de normas que sCstematCzam as ações dos sujeCtos e, por fCm, a realCzação de crCterCosos processos de examCnação que CnstCtuem dCferencCações entre os CndCvíduos ao retCrar destes a verdade que lhes é Cnerente.

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CnCbCção das más ações e obrCgue a prátCca das atCvCdades determCnadas. Por Csso se fez necessárCo a crCação de um aparelho onde as técnCcas que permCtem ver sejam capazes de CntensCfCcar os efeCtos da ação do poder. O aparelho disciplinar perfeCto e maCs efCcCente serCa aquele que permCtCsse ver permanentemente e em uma únCca olhada todos os gestos, todas as atCtudes, todos os comportamentos ameaçadores sem que aqueles que fossem vCgCados possam vCslumbrar aquele que os vCgCa.

O aparelho disciplinar mencConado acCma é exemplCfCcado por Foucault pelo modelo de uma estrutura arquCtetônCca CdealCzada pelo fClósofo e jurCsta Cnglês Jeremy Bentham (1748-1832). Após se envolver nos debates sobre as prCsões, as punCções de crCmes, a recuperação moral dos crCmCnosos e retorno desses para a socCedade Bentham concebe a CdéCa do panóptico, arquétCpo de todas as construções que possCbClCtassem a máxCma vCgClâncCa e a reabClCtação do maCor número de CndCvíduos. De posse dessa CdéCa escreve o Ponóptico onde descreve mCnucCosamente o modo de funcConamento dessas construções. Em uma carta de 25 de novembro de 1791endereçada ao deputado francês M. J. PH. Garran, Bentham promete a este polítCco o envCo da versão em Cnglês desse lCvro, bem como o extrato em francês “feito por um amigo” (que alguns Cntérpretes CdentCfCcam como sendo ÉtCenne Dumont, um pastor e homem de letras que exerceu a função de assCstente de Bentham). No mesmo ano Garran, por sua vez, envCou este extrato à AssembléCa NacConal ConstCtuCnte francesa que o publCcou pela Imprensa NacConal com o título Panoptique: mémoire sur un nouveau principe pour construire des maisons d'inspection et nommément des maisons de force.

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vCsualCzar tudo e a todos sem que seja vCsto. Isso faz com que aqueles que são vCgCados tenham sempre a sensação de que estão sendo observados, de modo que se pode chegar ao momento em que a conscCêncCa da vCgClâncCa faz com que seja desnecessárCo uma vCgClâncCa extensa e objetCva. O panóptico de Bentham serCa “o princípio geral de uma nova ‘anatomia política’ cujo objeto e fim não são a relação de soberania, mas as

relações de disciplina” (FOUCAULT, 1994: 184). PrCncípCo este que ao aplCcar o mecanCsmo da dCscCplCna possCbClCta conseqüentemente a construção de um novo tCpo de socCedade que se alCnha a um tCpo específCco de modo de aplCcação dCscCplCnar. Como bem dCscrCmCna Foucault, temos duas Cmagens da dCscCplCna.

Num extremo, a disciplina-bloco, a instituição fechada, estabelecida à margem, e toda voltada para funções negativas: fazer parar o mal, romper as comunicações, suspender o tempo. No outro extremo, com o panoptismo, temos a disciplina-mecanismo: um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir. O movimento que vai de um projeto ao outro, de um esquema da disciplina da exceção ao de uma vigilância generalizada, repousa sobre uma transformação histórica: a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII, sua multiplicação através de todo o corpo social, a formação do que se poderia chamar grosso modo a sociedade disciplinar” (FOUCAULT, 1994: 184).

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vCgClâncCa, de hCerarquCas, de Cnspeções, de escrCturações e de relatórCos. A somatórCa destes dCversos elementos forma a cadeCa complexa da tecnologCa dCscCplCnar ou poder dCscCplCnar.

Para compreendermos a alteração no regCme de punCção da socCedade como um todo é precCso levar em consCderação a ocorrêncCa de um fenômeno Cmportante: a nova forma assumCda pela economCa e pela produção. O fCm do regCme feudal fez com que o conceCto de rCqueza na Europa dos séculos XVI e XVII fosse constCtuído essencCalmente pela fortuna de terras, por espécCes monetárCas ou, eventualmente, por letras de câmbCo que os CndCvíduos podCam trocar. Já no século XVIII acontece uma mudança fundamental na ordem da materCalCdade da rCqueza que não serCa maCs concebCda como essencCalmente monetárCa. A rCqueza deCxou de ser sCnônCmo de posse de terras para ter sua materCalCdade CnvestCda em mercadorCas, estoques, máquCnas, ofCcCnas e matérCas-prCmas que, ao mesmo tempo em que evCdencCam o processo acelerado de Cnstalação do capCtalCsmo, representam uma fortuna dCretamente exposta à ação crCmCnosa (FOUCAULT, 2005: 100). DCsso decorre, por exemplo, o aumento consCderável das CncCdêncCas de roubo de navCos, depredação de ofCcCnas e pClhagem de armazéns ou estoques na Inglaterra de fCm do século XVIII. O que leva à aceleração do processo de consolCdação de um sCstema polCcCal coeso e efCcaz que tCvesse como objetCvo coCbCr todas essas ClegalCdades.8 Além dCsso, tanto na Inglaterra como na França, por exemplo,

ocorreu uma alteração sCgnCfCcatCva na proprCedade das terras porque

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esta vai mudar igualmente de forma com a multiplicação da pequena propriedade, a divisão e delimitação das propriedades. O fato de não mais haver, a partir daí, grandes espaços desertos ou quase não cultivados, nem terras comuns sobre as quais todos podem viver, vai dividir a propriedade, fragmentá-la, fechá-la em si mesma e expor cada proprietário a depredações” (FOUCAULT, 2005: 101).

Durante o regCme do poder soberano os pequenos furtos e Cnvasões de terra eram tolerados posto que garantCam a sobrevCvêncCa de uma parcela sCgnCfCcatCva da população. Com o surgCmento de novas formas de acumulação de capCtal, de novos modos de produção, de um novo estatuto jurídCco da proprCedade prCvada e de um novo sCstema econômCco o AntCgo RegCme assCste ao deslocamento das ClegalCdades populares. Quer seja em suas manCfestações populares sClencCosas e toleradas ou aquelas maCs vColentas todas as prátCcas ClegaCs foram forçadas a passar do campo da agressão ao dCreCto para o do ataque aos bens prCvados. A mudança na materCalCdade das rCquezas exCgCa uma repressão rCgorosa e uma CntolerâncCa sCstemátCca e armada contra a ClegalCdade (FOUCAULT, 1994: 79).

DCante desse novo cenárCo a reforma penal do século XVIII encontra razões sufCcCentes para ser realCzada. O que faz ganhar corpo a constCtuCção da CdéCa de uma penalCdade que tem por função não ser uma resposta a uma Cnfração, mas o elemento corretor dos CndCvíduos ao nível de seus comportamentos, de suas atCtudes, de suas dCsposCções e dos vCrtuaCs perCgos que representam.

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No século XIX todo o sCstema de penalCdades passa a ser o exercícCo de um controle não tanto sobre a conformCdade ou não das ações dos CndCvíduos com a leC, mas “ao nível do que podem fazer, do que são capazes de fazer, do que estão sujeitos a fazer, do que estão na iminência de fazer” (FOUCAULT, 2005: 85). O foco do novo poder punCtCvo deCxou de ser a punCção especCfCcamente e passou a ser a prevenção dos crCmes. A busca da prevenção trouxe consCgo o problema da periculosidade. A noção de perCculosCdade sCgnCfCca que “o indivíduo deve ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos; não ao nível das infrações efetivas a

uma lei efetiva, mas das virtualidades de comportamento que elas representam” (FOUCAULT, 2005: 85). A ordem geral era evCtar a ocorrêncCa do crCme, por Csso, para evCtá-lo era precCso estender ao máxCmo a rede de punCção. AssCm, procurou-se capacCtar o poder punCtCvo de um Cnstrumento econômCco e efCcaz que pudesse ser aplCcado em todo o corpo socCal, ao mesmo tempo em que codCfCcasse todos os comportamentos e reduzCsse ao máxCmo todas as ClegalCdades. Esse Cnstrumento é o dCsposCtCvo crCado por Bentham do panóptico. O controle dos crCmes em potencCal e a correção dos Cnfratores que já realCzaram ações crCmCnosas não poderCa ser realCzado apenas pela justCça, mas é necessárCo a colaboração de um conjunto de CnstCtuCções lateraCs como a polícCa, CnstCtuCções de vCgClâncCa estatal e CnstCtuCções de correção formadas sob o exemplo do panóptCco como manCcômCos, hospCtaCs, escolas, exércCtos, fábrCcas, etc.

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volta da segunda metade do século XVIII. Nesse período as técnCcas dCscCplCnares passam por um processo de Cntegração a outras técnCcas que começam a ganhar força. Ao mesmo tempo em que ocorrCam as prátCcas próprCas do poder dCscCplCnar também era gestada uma nova conformação do poder que expande sua atenção sobre o conjunto da população. Essa nova varCação do poder foC denomCnada por Foucault de biopoder.

1.3. O biopoder e a vida como problema político

A assunção da vCda como problema polítCco coloca uma sérCe de novas questões que clamam por novos métodos e procedCmentos para serem solucConadas. O conhecCmento de sujeCtos CndCvCdualCzados, tal como o poder dCscCplCnar proporcCona, não é sufCcCente para que as ações polítCcas possam resolver assuntos como: a escassez de alCmentos devCdo à baCxa produção de cereaCs ou ao aumento exponencCal da população, a propagação de doenças por meCo do deslocamento de pessoas Cnfectadas ou devCdo à CnsalubrCdade das cCdades, etc.9 Para que estes problemas tenham a devCda

atenção o poder se desloca do tratamento de corpos específCcos tomados como máquCnas e avança para a análCse de uma “gestão global da vida, posta em funcionamento mediante uma biopolítica da população, na qual o corpo humano é

considerado elemento de uma espécie (sofrendo a incidência, basicamente, das práticas

de normalização)” (MAIA, 2003: 78). O nascCmento da bCopolítCca como novo cálculo das prátCcas racConalCzadas de governo no século XVIII não sCgnCfCcou a CmedCata elCmCnação da soberanCa. Para Foucault é precCso ler nesse momento o ganho em

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perspCcácCa e CntensCdade que fez com que “o problema da soberania” se tornasse “mais agudo do que nunca” (FOUCAULT, 2008a: 142). Nem muCto menos o abandono das prátCcas dCscCplCnares e de controle dos corpos CndCvCdualCzados, mas seu ajuste dentro de um quadro polítCco e governamental maCs amplo que tem como objetCvo a admCnCstração da população.

Para Foucault não serCa correto afCrmar que ocorre, em uma ordem temporal, a substCtuCção de uma socCedade de soberanCa por uma socCedade dCscCplCnar, que teve na seqüêncCa sua substCtuCção por uma socCedade de governo. Trata-se antes da formação de uma artCculada trCangulação entre soberanCa, dCscCplCna e gestão governamental. Os mecanCsmos e procedCmentos usados pelo poder soberano e pelo poder dCscCplCnar contCnuam tendo sua CmportâncCa, bem como o saber extraído dos CndCvíduos partCculares. Mas somente estes conhecCmentos não eram sufCcCentes para se admCnCstrar o complexo conjunto de CndCvíduos tomados sob a forma de uma espécCe, de uma população. Nesse momento começam a trabalhar em conjunto todos os dCsposCtCvos e procedCmentos racConalCzados de uma gestão polítCca da vCda, seja no âmbCto mCcro ou macro, como: os dCsposCtCvos dCscCplCnares, os dCsposCtCvos de segurança, os exames, a aplCcação de normas, o cálculo estatístCco de todos os aspectos concernentes à população como natalCdade, mortalCdade, doenças, alCmentação, etc.

Referências

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