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Fim e recomeço
Correio Braziliense
Marcos Cintra – 25/01/2008
Doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) é professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.
mcintra@marcoscintra.org
Com o corte súbito de R$ 40 bilhões da CPMF o governo federal tratou de implementar medidas para ajustar suas contas. Afinal, é impossível o poder público permanecer omisso à violenta redução de receita orçamentária como a praticada pelo Congresso. Como se previa, outros impostos foram aumentados (vide IOF e CSLL) e corre-se o risco de elevação do déficit público.
Apesar de a CPMF ser um bom imposto, como tenho insistentemente afirmado, ela é rejeitada por 75% da
população. A oposição poderia ter capitalizado politicamente aceitando a prorrogação (o que seria bom para o país) e, sob protestos, culpar o governo pela “odiosa” manutenção do tributo. Mas preferiu se entrincheirar heroicamente em praça pública.
A teoria de que a única maneira de reduzir a carga tributária tem que ser através de corte de imposto é ingênua e revela desconhecimento da máquina governamental. Os economistas sabem que alguns fenômenos são
assimétricos quando vão em direções opostas. Chamam isso de ratchet effect, ou efeito anzol. Por exemplo, a velocidade no aumento de gastos é sempre mais suave do que sua redução, sempre marcada por atritos e resistências.
Nesse sentido, a luta contra a carga tributária e contra o aumento de gastos exige mais do que atos heróicos de suspensão de receitas, pois os gastos continuarão a serem feitos; exige trabalho persistente para fazer a população entender que o governo não é a solução de todos os seus problemas. É correto lutar contra o aumento de impostos e de gastos, como a sociedade brasileira fez contra a MP 232. Mas isso é diferente de decepar do orçamento público pedaços inteiros já comprometidos, como aconteceu com a CPMF.
A oposição conseguiu o pior dos mundos. Não vai reduzir a carga tributária com o fim da CPMF, deu de bandeja boa desculpa ao governo para justificar sua incompetência na administração dos serviços públicos e perdeu de vez a legitimidade para negociar desonerações tributárias (como a desoneração da folha de salários), a reforma tributária e mais recursos para áreas essenciais (como a saúde).
Os algozes da CPMF conseguiram derrubá-la momentaneamente. Porém as qualidades do imposto eletrônico se impõem de tal modo que o tema deve voltar à baila com a retomada do debate sobre a reforma tributária. Já se cogita no Congresso a recriação de uma nova “CPMF” permanente com alíquota de 0,20%.
A movimentação financeira se revelou um tributo justo, simples, barato, eficiente, e que vem suscitando enorme interesse e curiosidade por parte de tributaristas em todo o mundo. Será a base tributária do futuro. Não causou distorções nos preços, não destruiu exportações e nem gerou desintermediação financeira. Ampliou o universo de contribuintes, incorporando às receitas públicas a arrecadação dos informais, dos ilegais e dos sonegadores contumazes.
0,38%, que poucos correntistas bancários se davam ao trabalho de conferir em seus extratos bancários, a CPMF arrecadou R$ 32 bilhões no ano passado, mais que todo o IPI (R$ 28 bilhões) e o equivalente a 60% do IRPJ (R$ 54 bilhões), sem um único tostão de custo burocrático para as empresas ou para o governo, sem achaques, sem corrupção, sem quadrilhas organizadas para burlar o fisco.
É hora, portanto, de pensar se a movimentação financeira não deveria ressurgir. Mas não como a CPMF, que foi a desmoralização de um bom imposto, e sim como a base de um novo sistema tributário, como inicialmente projetado na proposta do Imposto Único. Poderia-se começar substituindo impostos federais de elevado custo, ineficientes e com grande potencial de sonegação por um imposto eletrônico único.