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DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS

PROGRAMA DE LÍNGUA E LITERATURA ITALIANA

As

Ultime lettere di Jacopo Ortis

, de Ugo Foscolo

Tradução comentada e anotada de seleção da obra

Maria Tereza Buonafina

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS

PROGRAMA DE LÍNGUA E LITERATURA ITALIANA

As

Ultime lettere di Jacopo Ortis

, de Ugo Foscolo

Tradução comentada e anotada de seleção da obra

Maria Tereza Buonafina

Orientador: Profª Drª Roberta Barni

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Italiana, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Letras.

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AGRADECIMENTOS

À Profª. Drª. Lucia Wataghin, minha primeira orientadora;

Ao Prof. Dr. Pedro Garcez Ghirardi, quem primeiro me apresentou Foscolo;

À Profª. Drª. Roberta Barni, pela orientação e pelas revisões;

À Profª. Drª. Marzia Terenzi Vicentini, pelo apoio bibliográfico;

A Afonso Teixeira Filho, tradutor e companheiro, pelo estímulo e ajuda na tradução dos versos;

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RESUMO

Ugo Foscolo (1778-1827), poeta neoclássico italiano, é considerado uma figura de relevo na Literatura Italiana e universal. Apesar disso, é muito pouco conhecido dos leitores de língua portuguesa. Foi precursor da prosa moderna italiana com um romance epistolar de caráter pré-romântico, Ultime lettere di Jacopo Ortis, nunca traduzido para o português. O intuito desta dissertação é apresentar o autor ao público brasileiro, por meio desse romance. O trabalho conta com uma análise da obra, acompanhada de uma seleção de cartas traduzidas, comentadas e anotadas, levando em conta os aspectos históricos, literários, estilísticos e temáticos. No capítulo 1, tratamos da vida e obra do autor; em seguida, das Ultime lettere: seu conteúdo e crítica; no capítulo 2, das características do romance epistolar, do seu aspecto formal, dos temas que aparecem no romance, das obras e autores que o influenciaram, e que nele são mencionados; no capítulo 3, do trabalho e das idéias de Foscolo a respeito de tradução; dos critérios adotados nesta dissertação para a escolha e tradução das cartas que se encontram no final do volume. O critério para a tradução das cartas levou em conta idéias sugeridas pelo próprio Foscolo e discutidas no capítulo 3; recorreu-se também a várias edições da obra em italiano, a traduções para o inglês e espanhol, a dicionários especializados e à leitura de autores brasileiros e portugueses contemporâneos de Foscolo, com o objetivo de se produzir um texto que refletisse a linguagem da época. A tradução vem acompanhada de notas que visam esclarecer ao leitor alusões históricas e literárias e problemas textuais do romance.

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ABSTRACT

Ugo Foscolo (1778-1827), Italian classical poet, is considered to be an important name in both Italian and universal literature. Nevertheless he is almost unknown to the readers in Portuguese language. He was the precursor of modern Italian prose due to his epistolary novel Ultime lettere di Jacopo Ortis (Last Letters of Jacopo Ortis), a Pre-Romantic work never translated into Portuguese. The aim of this dissertation is to present, through this novel, the author to the Brazilian reader. It includes an analysis of the novel, followed by a selection of commented and annotated translated letters, considering their historical, literary, stylistics and thematic aspects. In the first chapter we discuss first the author‘s life and work, and then Last Letters: its contents and the critics about it. In the second chapter we discuss the characteristic of the epistolary novel, its formal aspects, the themes inside the novel, the works and the authors that influenced it – and are mentioned in it. In the third chapter, we discuss Foscolo‘s works and ideas on translation, the criterion adopted here to chose and translate the letters in the end of the volume. Our translation criterion is based on Foscolo‘s ideas discussed in the third chapter. We also consulted several editions of the work in Italian, its English and Spanish translations and specialized dictionaries. We have read several Brazilian and Portuguese writers who lived in the same time as Foscolo with the aim of producing a text reflecting the language of Foscolo‘s time. Following the translation there are notes explaining historical and literary allusions or textual difficulties of the novel.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

No final (depois da p. 202)

1. Estampa da edição das Ultime lettere di Jacopo Ortis, de 1816, com a data falsa de 1814, disponível em <www.studioapuleio.it>.

2. Manuscritos das Ultime lettere di Jacopo Ortis, disponível em <www.studioapuleio.it>.

3. Colinas Eugâneas, disponível em <www.italianstyle.it>.

4. Retrato de Ugo Foscolo, 1813, por François- Xavier-Pascal Fabre. Biblioteca Nazionale di Firenze, disponível em < www.racine.ra.it>.

5. Túmulo de Foscolo em Londres. Cemitério de Chiswick, disponível em <www.findagrave.com>.

6. Monumento fúnebre a Foscolo na igreja de Santa Croce, em Florença, disponível em <www.insecula.com>.

7. ―A morte de Chatterton‖ por Henry Wallis, 1856, disponível em <www -cvr.ai.uiuc.edu>.

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SUMÁRIO

1 1.1 1.2 1.3 1.4 2 2.1 2.1.1 2.2 2.3 3 3.1 3.2 3.3 INTRODUÇÃO

UGO FOSCOLO E AS ULTIME LETTERE DI JACOPO ORTIS... Foscolo: de Zante a Florença... A história das Ultime lettere di Jacopo Ortis...

Ultime lettere: tensão entre o amor à vida e atração pela morte... A crítica às Ultime lettere... AS CARTAS: INFLUÊNCIAS E TEMAS... O Romance epistolar... Rousseau e Goethe... Alfieri, Ossian e outras influências... Do neoclassicismo ao romantismo... TRADUÇÃO COMENTADA E ANOTADA... Foscolo e a tradução... Considerações sobre a tradução... Cartas selecionadas... 1. Al lettore... 2. Da' Colli Euganei, 11 ottobre 1797... 3. 13 ottobre... 4. 26 ottobre... 5. 1 novembre... 6. 2 novembre... 7. 17 marzo... 8. 6 aprile... 9. 11 aprile... 10. Frammento della Storia di Lauretta... 11. 14 maggio, a sera... 12. 2 giugno... 13. Lorenzo: A chi legge... 14. Rovigo, 20 luglio... 15. Bologna, 12 agosto... 16. Firenze, 25 settembre...

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17. Milano, 4 dicembre 1798... 18. Ventimiglia, 19 e 20 febbraio... 19. Rimino, 5 marzo... 20. 19 marzo (frammenti)... 21. 20 marzo (frammenti)... 22. 25 marzo ... CONCLUSÃO... BIBLIOGRAFIA...

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Libertà va cercando ch‘è sì cara Come sa chi per lei vita rifiuta.

Dante

Di se stesso

Non son chi fui; perì di noi gran parte: questo che avvanza è sol languore e pianto. E secco è il mirto, e son le foglie sparte del lauro, speme al giovenil mio canto.

Perché dal dì ch'empia licenza e Marte vestivan me del lor sanguineo manto,

cieca e la mente e guasto il core, ed arte la fame d'oro, arte e in me fatta, e vanto.

Che se pur sorge di morir consiglio, a mia fiera ragion chiudon le porte

furor di gloria, e carità di figlio.

Tal di me schiavo, e d'altri, e della sorte, conosco il meglio ed al peggior mi appiglio, e so invocare e non darmi la morte.

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INTRODUÇÃO

O período que vai de 1789 a 1848 na Europa é uma época revolucionária na qual ocorreram transformações nos diversos ramos da vida social, provocando um grande florescimento e expansão das artes, principalmente na literatura, com a difusão do romance. Os pensadores dessa época, movidos por um sentimento nacionalista, inspiravam-se em assuntos públicos, militavam na política e chegavam a tomar parte nas guerras de independência. A consciência patriótica e os movimentos de libertação ou de unificação nacional estavam se desenvolvendo. Seu reflexo nas artes foi o Romantismo.

Tempos de transição e de crise, agitados pela Revolução Francesa e por Napoleão, ocasionaram na Europa uma vaga revolucionária que se traduziu não apenas em guerras e insurreições populares, mas também em revoltas íntimas. Muitos artistas e intelectuais que viam Napoleão como libertador logo se decepcionaram. Foi o que aconteceu com Ugo Foscolo (Zante, 1778 – Londres, 1827), em uma Itália que esperaria mais alguns anos pela unificação.

Foscolo destacou-se por sua participação ativa em muitas áreas. Além de poeta, foi pensador, professor, crítico, jornalista, tradutor e soldado. De espírito aberto, desde muito jovem interessou-se pelas novidades da cultura européia: Rousseau, Goethe, os poetas e prosadores ingleses, e também os autores clássicos gregos e latinos e os italianos. Viveu o período de irradiação das idéias iluministas, a época da Revolução Francesa, das guerras napoleônicas e da Restauração; e, com elas, a decadência da aristocracia e a ascensão da burguesia.

A esperança de uma Europa livre, republicana, produto de uma revolução, mostrou-se decepcionante, a ponto de fraquejar diante dos acordos de bastidores. O sonho de liberdade para a Itália desvaneceu-se com o Tratado de Campofórmio, uma jogada diplomática na qual Napoleão cedia Veneza aos austríacos. Para os venezianos, foi uma capitulação.

A assinatura do Tratado abre o romance epistolar Ultime lettere di Jacopo Ortis. Esse romance, publicado inicialmente em 1798, passou por várias edições, até a definitiva de 1817, e é considerado um precursor da prosa moderna italiana.

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libertação da Itália, no século XIX; a obra de Foscolo exerceu influência também fora da Itália e continua a ser lida e traduzida até os dias de hoje. No entanto, até onde sabemos, não há tradução em português das Ultime lettere.

O intuito deste trabalho é, portanto, o de tornar Foscolo mais conhecido para o leitor de língua portuguesa por intermédio das Ultime lettere. O trabalho contará com uma análise da obra, acompanhada de uma seleção de cartas traduzidas, comentadas e anotadas, levando em conta os aspectos históricos, literários, estilísticos e temáticos.

A tradução amparou-se na leitura atenta da obra e de sua crítica, na análise textual e nas edições anotadas. Foi dada atenção às características do romance epistolar, ao vocabulário da época e à linguagem foscoliana, que nesse romance é um misto de prosa e poesia.

* * *

A importância das Ultime lettere di Jacopo Ortis pode ser percebida por meio das várias traduções modernas: Além da tradução inglesa de J. G. Nichols (The Last Letters of Jacopo Ortis), e da espanhola de Angelica Valentinetti (Las últimas cartas de Jacopo Ortis)1, usadas neste trabalho, há também a alemã de Hans-Timotheus Kröber (Die letzten Briefe Von Jacopo Ortis), a norueguesa de Tommy Watz (Zacopo Ortis’ siste brev) e a polonesa de Bárbara Sieroszewska (Ostatnie listy Jacopa Orta). Na Rússia o romance recebeu o título de Posliédnie pismá Jácopo Órtissa; na Finlândia, de

Jacopo Ortisin viimeiset kirjeet; e na Hungria, de Jacopo Ortis utolsó levelei (tradução de Berczeli Anzelm Károly). Há também uma tradução para o catalão por Xavier Bonillo (Lês darreres cartes de Jacopo Ortis) e uma outra para o francês, por Auguste Trognon (Dernières lettres de Jacopo Ortis).

A primeira tradução de uma obra de Foscolo, no Brasil, de que tivemos notícia, data de 1842 2, feita por um intelectual italiano que viveu no Rio de Janeiro. Nela consta a tradução do poema Dei Sepolcri, de Foscolo, junto com a de outros poemas sobre o mesmo tema: de Ippolito Pindemonte (1733-1828) e de Giovanni Torti (1774-1852), e

1 Existem, pelo menos, mais duas traduções para o espanhol: a de A. González-Blanco (1919) e a de C. Rivas Cherif (1920).

2 Luiz Vicente de Simoni, Gemidos Poéticos sobre os túmulos, ou Carme epistolare de Hugo Foscolo. Rio de Janeiro: s.c.p., 1842. Antonio Candido menciona esse livro na Formação da literatura Brasileira

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um poema da própria autoria do tradutor, também sobre os túmulos. A época em que se publicou esse livro coincide com a segunda geração romântica, na qual despontavam temas fúnebres e melancólicos. Talvez venha daí a escolha do tradutor. O mesmo poema foi traduzido em Portugal com o título Dos túmulos3.

No Brasil, em 1944 foi elaborada uma pequena antologia de poemas de Foscolo em tradução4. Mais recentemente, 1992, foi defendida uma tese5 sobre o autor. Este último trabalho vê em Foscolo um protagonista ativo dos acontecimentos de sua época, um escritor que valorizava a função dos intelectuais e das letras e um defensor da língua italiana. A autora procura, entre outras coisas, mostrar a intensa vitalidade teórica dos escritos de Foscolo, o que, segundo ela, aponta para a modernidade do escritor.

Em relação às Ultime lettere a autora escreveu: ―Campoformio diventerà il simbolo della servitù d‘Italia nel romanzo giovanile del Foscolo, Ultime lettere di Jacopo Ortis, che sarà l‘opera più letta tra i giovani patrioti italiani.‖ 6

Essas poucas linhas resumem o tema maior do romance, a posição de servidão em que a Itália se encontrava diante dos acontecimentos políticos do final do século XVIII. Um desses acontecimentos, o Tratado de Campofórmio, de 17 de outubro de 1797, marcou a vida e a obra de Foscolo. O romance trata desse tema já na primeira carta:

Il sacrificio della patria nostra è consumato: tutto è perduto; e la vita, seppure ne verrà concessa, non ci resterà che per piangere le nostre sciagure, e la nostra infamia. Il mio

nome è nella lista di proscrizione, lo so: ma vuoi tu ch‘io per salvarmi da chi m‘opprime

mi commetta a chi mi ha tradito? 7

3 Ugo Foscolo, Dos túmulos. Tradução de Humberto de Souza Reis, Lisboa, s.c.p., 1954.

4Idem,A lírica. Tradução e comentário estético de Giulio Davide Leoni. São Paulo, Sonora, 1944. 5 Marzia Terenzi Vicentini, Foscolo e le discussioni linguistiche del settecento. Curitiba: Universidade

Federal do Paraná, 1992. Tese para o Concurso de Professor Titular na área de Literatura Italiana.

6―Campofórmio se tornará o símbolo da servidão da Itália no romance juvenil de Foscolo, Ultime lettere

di Jacopo Ortis, que será a obra mais lida entre os jovens patriotas italianos.‖ Idem, ibidem, p. 64. (As traduções de citações são minhas, exceto quando expresso o contrário.)

7 ―O sacrifício de nossa pátria está consumado: tudo está perdido; e se, por acaso, a vida nos for concedida, será apenas para chorarmos nossas desgraças e nossa desonra. Eu sei que o meu nome está na lista dos proscritos, mas queres tu que eu, para libertar-me de quem me oprime, una-me a quem me

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Mas, não foi apenas esse romance que repercutiu entre os jovens; foi também toda a obra de Foscolo e as atitudes dele perante a situação política da Itália, somadas à luta pela formação da consciência nacional. Uma dessas atitudes foi a que ele tomou após a queda de Napoleão, em 1815, preferindo o exílio a submeter-se ao governo austríaco; algo semelhante ao trecho da carta acima. 8

* * *

A obra de Foscolo passou a ser estudada e valorizada por Silvio Pellico (1789-1854) e Giuseppe Mazzini (1805-1872), escritores participantes do Risorgimento. Após a consolidação da unificação italiana, em 1871, os restos mortais de Foscolo foram levados de Londres – onde o autor morrera e estava sepultado [FIGURA 4] – a Florença, para serem depositados na igreja de Santa Croce [FIGURA 5], a mesma igreja celebrada no poema Dei Sepolcri. Era o reconhecimento dos nacionalistas italianos a um grande poeta, finalmente sepultado ao lado de Michelangelo, Maquiavel, Alfieri e outros grandes nomes da Itália.

* * *

O crítico contemporâneo Mario Fubini, ao pesquisar sobre Foscolo, escreveu:

Anche mi è parso, rivedendo e correggendo questi studi [...], che il libro [de Fubini] si presentasse più omogeneo di quanto credevo, non tanto per merito mio, ma per merito di Foscolo, spirito così coerente nonostante l‘apparente dispersione, e che le ricerche venissero perciò a integrarsi l‘una con l‘altra [...]. Posso sperare che simile diletto

provino i lettori nel seguire i miei ragionamenti attraverso la selva delle questioni foscoliane? 9

8Jacopo Ortis (Foscolo) diz na primeira carta (11 de outubro de 1797): ―Para libertar-me de quem me oprime (os austríacos), una-me a quem me traiu (os franceses)?‖

9―Também me pareceu, revendo e corrigindo estes estudos [...], que o livro [de Fubini] se apresentava mais homogêneo do que eu acreditava, não tanto graças a mim, mas graças a Foscolo, espírito tão coerente, apesar da aparente dispersão, e que as pesquisas, por isso, foram integrando-se uma a outra [...]. Posso esperar que os leitores experimentem semelhante prazer ao seguirem meus raciocínios pela

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A complexidade da obra de Foscolo, sua aparente dispersão de assuntos e os múltiplos aspectos neles envolvidos deram origem a muita polêmica, ocasionando, muitas vezes, dificuldades para os críticos. Nas Ultime lettere encontramos tudo isso. Mas esse problema se resolveu pela escolha de um gênero apropriado à diversidade: o gênero epistolar, um gênero novo e, portanto, moderno.

O crítico italiano Benedetto Croce nos fala dessa grande complexidade: ―Il Foscolo pensò vivi e fecondi pensieri sull‘uomo, sull‘arte, sulla politica, sulla morale, sulla storia, sulla religione‖. 10

Uma característica importante das Ultime lettere, portanto, é o fato de apresentar diversidade temática e de estilo. O histórico do romance também é conturbado: passou por várias edições ao longo de quase vinte anos, e foi sofrendo modificações e acréscimos de acordo com os acontecimentos vividos pelo autor. Foi considerado pelos críticos um romance autobiográfico, o que o próprio Foscolo confirma na Notizia bibliografica que acompanhava a edição de 1817.

De acordo com o crítico Walter Binni: ―L‘Ortis è un libro che si presenta come composto a strati, abbozzato, scritto e riscritto in epoche diverse: da ciò derivano in parte anche certi suoi sbalzi di tono‖. 11

O fato de Foscolo ter escrito e reescrito o romance em épocas diferentes, sobrepondo uma versão à outra, como se estivesse escrevendo em camadas, poderia explicar a variedade de estilos e temas. Mas essa variedade é também própria do gênero epistolar, como veremos no capítulo 2.1. Esse tipo de romance proporcionava a Foscolo, poeta, manifestar de imediato sentimentos e lirismo, e com uma liberdade que a métrica da poesia não lhe permitia. Como não havia tradição narrativa na Itália, recorreu à técnica narrativa européia para criar o romance italiano.

O romance foi a prosa do século XVIII na Inglaterra. A literatura narrativa, antes dele, restringia-se às epopéias escritas em versos e aos contos, fábulas e outros gêneros curtos. Apesar de já existir o romance de cavalaria na Inglaterra, na Espanha, em Portugal e na Alemanha, por exemplo, o gênero pouco se difundiu na Itália. Quando o romance propriamente dito começa a ser publicado e se torna uma literatura comercial,

10―Foscolo refletiu de maneira viva e fecunda sobre o homem, a arte, a política, a moral, a história e a

religião.‖ B. Croce, Poesia e non poesia. Bari: Laterza, 1946, p. 73.

11―O Ortis é um livro que se apresenta como se fosse composto em extratos, esboçado, escrito e reescrito

em épocas diferentes: disso derivam em parte também certos saltos de tom.‖ W. Binni, ―Introduzione‖.

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ele tem a forma de um epistolário. O iniciador deste gênero na literatura italiana foi Ugo Foscolo.

* * *

Para este trabalho adotamos a edição definitiva de 1817. Faremos referência às outras edições quando necessário.

O romance está estruturado do seguinte modo: é uma coleção de cartas, todas elas do punho de Jacopo Ortis, um estudante de Veneza, que depois do Tratado de Campofórmio se refugia nas Colinas Eugâneas [FIGURA 2], na região do Vêneto. Lá, conhece Teresa, uma moça pela qual se apaixona. Ela, apesar de corresponder ao amor de Jacopo, tinha sido prometida em casamento, por conveniência, a outro homem. Duas grandes desilusões tomam conta de Jacopo: o problema político relacionado à liberdade da pátria e o amor impossível por Teresa. As cartas são endereçadas a um amigo, Lorenzo Alderani, que depois da morte de Ortis, as reunirá e publicará.

O romance divide-se em duas partes: a primeira, desenvolve-se em torno do amor de Ortis por Teresa; a segunda, trata da peregrinação de Ortis pela Itália. No decorrer da viagem, o pessimismo que sentia em relação aos problemas políticos e em relação a Teresa vai tomando conta dele.

Apesar da semelhança com Os sofrimentos do jovem Werther, de J. W. Goethe (1749-1832), quer no conteúdo, quer no gênero (romance epistolar), os sofrimentos de Jacopo Ortis assemelham-se mais aos de Foscolo. O Ortis está mais relacionado à vida de Foscolo do que o Werther à de Goethe. E as questões apresentadas nas Últimas cartas são mais políticas do que pessoais, estando elas atreladas aos problemas da Itália. Nisso reside boa parte da originalidade do autor. Mas o Werther não é a única fonte de inspiração do romance. Foscolo inspirou-se também em Vittorio Alfieri (1749-1803), na vida de Catão de Útica (95-46 a. C.), nos poemas em prosa de James Macpherson (1736-1796), atribuídos a Ossian, e em outros autores aos quais se refere de maneira direta (explicitamente) ou indireta (por meio de paráfrases).

* * *

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principais das Ultime lettere. As questões acima apresentadas serão mais detalhadas nos seus respectivos capítulos.

No capítulo 1, discutiremos a trajetória do poeta e de sua obra, a história das

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1. FOSCOLO E AS

ULTIME LETTERE DI JACOPO ORTIS

1.1. Foscolo: de Zante a Florença

―Né più mai toccherò le sacre sponde

Ove il mio corpo fanciulletto giacque,

Zacinto mia, che te specchi nell‘onde

Del greco mar da cui vergine nacque‖ 12 (Foscolo, A Zacinto, 1802-3)

Niccolò Ugo Foscolo nasceu no dia 6 de fevereiro de 1778, em Zante (Zacinto), uma ilha grega que à época pertencia a Veneza. O pai, Andrea Foscolo, era um médico veneziano e a mãe, Diamantina Spathis, era grega. Foscolo foi o primeiro dos quatro filhos: tinha uma irmã e dois irmãos. Após a morte precoce do pai, em 1788, a mãe mudou-se para Veneza, para onde Foscolo seguiu com seus irmãos em 1792, ali permanecendo até 1797.

O ambiente cultural de Veneza foi propício para a formação de Foscolo, pois naquela cidade havia uma intensa vida cultural e literária, e grande circulação de livros italianos e traduções. Lá, podiam-se encontrar os romances epistolares de Samuel Richardson (1689-1761) e o Werther de Goethe.

Mais tarde, ainda em Veneza, Foscolo conheceu Isabella Teotocchi Albrizzi, o primeiro de uma longa série de amores, e, ao freqüentar o salão dela, conheceu importantes literatos, dentre eles Aurelio De‘ Giorgi Bertola13 (1753-1798), Ippolito Pindemonte e Melchiorre Cesarotti (1730-1808)14.

Na Universidade de Pádua, freqüentou algumas aulas de Cesarotti, mas, como autodidata, havia elaborado um Piano di studi, e de acordo com o plano começou a escrever um romance, Laura, lettere, que viria a ser o esboço das Ultime lettere; em 1796, então com 18 anos, escreveu o soneto A Venezia, e as odes A Bonaparte

12―Nunca mais tocarei as sagradas margens / Onde o meu corpo jovenzinho se deitou, / Minha Zacinto,

que te espelhas nas ondas / do grego mar do qual a virgem nasceu.‖

13 É lembrado nas Ultime lettere, na carta de Rimini de 5 de março de 1799.

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liberatore e Ai novelli repubblicani. Em 1797, com a chegada das tropas napoleônicas, escreveu a tragédia Tieste, com forte influência de Alfieri e com idéias revolucionárias. Essa tragédia tornou o autor conhecido, e ―confermòla sua aspirazione a diventar poeta sociale e civile‖. 15

A atividade política de Foscolo já existia: era chamado ―il giacobino italiano‖. Mas, seu jacobinismo passou por uma grande desilusão em 17 de outubro desse mesmo ano, quando se firmou o Tratado de Campofórmio: uma desilusão para Foscolo e para outros revolucionários que acreditavam nos ideais da Revolução Francesa, e em Napoleão como libertador.

Após o Tratado, deixou Veneza (diferentemente de Jacopo, que foi para as Colinas Eugâneas e não continuou a lutar como Foscolo) e seguiu para Milão, capital da República Cisalpina, onde conheceu os escritores Giuseppe Parini (1729-1799)16 e Vincenzo Monti (1754-1828)17.

Foscolo orientou sua atividade política para os jornais: passou a escrever para o

Monitore Italiano, até que a censura de Napoleão fechou o jornal. Mudou-se para Bolonha e, lá, abriu o jornal Genio Democratico juntamente com o irmão; colaborou em o Monitore Bolognese, do editor Jacopo Marsigli, a quem confiou seu romance incompleto Ultime lettere di Jacopo Ortis (que já reunia as experiências amorosas e políticas do autor). No entanto, Foscolo abandonou a obra para combater na Guarda Nacional de Bolonha, diante da chegada das tropas austro-russas.

Enquanto Foscolo lutava em Gênova, o editor Marsigli publicava, em 1799, uma edição adulterada das Ultime lettere. Foscolo, nessa mesma época, escreveu o Discorso

sull’ Italia, a ode A Luigia Pallavicini caduta da cavallo e reeditou a ode A Bonaparte

com uma carta, na qual desaprovava o Tratado de Campofórmio e advertia Bonaparte para que não se tornasse um tirano. Após a batalha de Marengo (14 de junho de 1800), Foscolo, como capitão adjunto do Estado-Maior, realizou várias missões na Lombardia, na Emília e na Toscana, e foi ferido duas vezes. Em Florença (então capital do Reino da Etrúria), no final de 1800, conheceu e se apaixonou por Isabella Roncioni. Foi nessa

15 ―Confirmou sua aspiração a poeta social e civil.‖ G. Marzot, Ugo Foscolo. Letteratura Italiana. I maggiori. Milano: Marzorati, 1975, p. 758.

16 Que será lembrado nas Ultime lettere (carta de 4 de dezembro de 1798), nos Sepolcri e nas aulas de eloqüência em Pavia.

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época que ficou sabendo da edição adulterada de suas Ultime lettere, o que o fez retomar o romance e modificá-lo.

De volta a Milão, viveu um período de intensa atividade política e intelectual. Apaixonou-se pela condessa Antonietta Fagnani Arese, a quem dedicou a ode All’amica

risanata, e quem traduziu para ele o Werther. Em outubro de 1802, o Ortis reescrito por Foscolo foi publicado em Milão. Nessa época, andou escrevendo ainda o Sesto Tomo

dell’io, uma autobiografia que permaneceu incompleta.

Em 1803, publicou uma obra poética contendo duas odes e doze sonetos, dedicados a Gian Battista Niccolini (1782-1861), um amigo18, a quem dedicará também a tradução da Chioma di Berenice, de Calímaco – a qual Foscolo traduziu da versão latina de Catulo – acompanhada por uma introdução e uma crítica aos acadêmicos pedantes e bajuladores de Napoleão.

Um ano depois, devido à difícil situação em que se encontrava, solicitou reincorporação ao exército, e foi enviado para o norte da França, onde tomaria parte da divisão italiana do exército com o qual Napoleão pensava invadir a Inglaterra, mas que depois foi suspensa. Durante os dois anos que permaneceu na França, Foscolo envolveu-se com uma jovem inglesa, e com ela teve uma filha, Floriana, a quem encontrará depois, no exílio, em Londres.

Traduziu A Sentimental Journey (Viaggio sentimentale) de Laurence Sterne (1713-1768) e escreveu a Notizia intorno a Didimo Chierico. Didimo Chierico seria o suposto tradutor do romance de Sterne: um novo personagem autobiográfico de Foscolo, lúcido e irônico, bem diferente de Jacopo, pessimista e trágico. Foscolo inova ao escolher um romance moderno para traduzir e ao criar uma personagem, por meio da qual discutirá o trabalho do tradutor.

Em princípios de 1806, de volta à Itália, encontrou Pindemonte, o qual havia começado a compor o poema Cimiteri; e Monti, que lhe mostrou Il Bardo della Selva Nera. Esses encontros reacenderam em Foscolo a inspiração poética: escreveu Inno alla nave delle Muse, o poema Alceo, Sermone, Epistola sui sepolcri, que mais tarde se transformaria no poema Dei Sepolcri,publicado em 1807. Neste poema, Foscolo refere-se à situação política do refere-seu tempo, lembrando os monumentos dos grandes italianos sepultados em Santa Croce: uma exaltação à Itália livre e independente. Publicou o

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Esperimento di traduzione dell’Illiada (que começara a traduzir na França) e passou a ilustrar a obra de um capitão italiano, Raimondo Montecuccoli, com o objetivo de despertar nos italianos o espírito militar.

Quando Foscolo obteve, em março de 1808, a cátedra de eloqüência na Universidade de Pávia, viu uma oportunidade para fixar residência, mas, poucos meses depois todas as cátedras das universidades do Reino Itálico foram suprimidas por Napoleão. Mesmo assim, chegou a dar algumas aulas, entre elas, a aula inaugural Dell’origine e dell’ufficio della letteratura. Durante as aulas, às quais confluía um grande número de interessados, Foscolo recusava fazer elogios a Napoleão, um hábito da época, pois para ele o imperador era um empecilho à liberdade das letras. Ainda nesse período, em Milão, colaborou para os Annali discienze e lettere, em que publicou um artigo sobre a tradução da Odisséia, e lançou uma crítica sutil a Monti, o que provocaria a ruptura da amizade entre eles – Foscolo criticava-o por colaborar com o governo de Napoleão.

Em 9 de dezembro de 1811, no teatro Alla Scala foi encenada a segunda tragédia de Foscolo, Ajace, em que a figura de Agamênon é identificada a Napoleão, e a de outras personagens a membros do governo; por causa disso, as apresentações acabaram sendo suspensas.

Foscolo partiu então para Florença, e lá, graças à amizade com a condessa Luisa d‘Albany, conheceu vários literatos florentinos. Reencontrou Isabella Roncioni e conheceu Quirina Mocenni, a quem chamaria de Donna Gentile, que tanta ajuda lhe prestaria no futuro.

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personale-storico-esistenziale delle passioni irruenti e ferine che in quel periodo si configuravano‖19.

Enquanto tudo isso acontecia, anunciava-se a queda definitiva de Napoleão, e, na Itália, o desmoronamento do Reino Itálico. O marechal austríaco Bellegarde ofereceu a Foscolo um cargo de capitão e lhe confiou a direção de um periódico com fins aparentemente literários: a revista Bibliotecaitaliana. Foscolo aceitou inicialmente, mas para não ter de prestar o juramento de fidelidade à Áustria, em 30 de março de 1815 fugiu de Milão e refugiou-se na Suíça. A escolha pelo caminho do exílio será imitada depois por muitos patriotas do Risorgimento.

Em 1816, já em Zurique, publicou uma nova edição das Ultime lettere, na qual aparece pela primeira vez a carta contra Napoleão20, e escreveu alguns discursos, entre os quais estão os Discorsi sulla servitù d’Italia, publicados após a morte do autor. Publicou também o Ipercalisse, uma sátira em latim contra seus adversários políticos e contra os literatos da Itália napoleônica.

Apesar de a Áustria persistir na extradição, Foscolo conseguiu, junto ao embaixador inglês em Berna, um passaporte como cidadão das ilhas jônicas, que haviam passado a ser, em 1815, um protetorado do Império Britânico. Assim, em 11 de setembro de 1816 chega a Londres. Em 1817 edita a última edição das Ultime lettere.

Na capital inglesa, ele intensificará sua atividade de crítico literário, escrevendo para importantes revistas inglesas como a Edinburgh Review. Escreveu Lettere scritte

dall’Inghilterra, que seriam publicadas postumamente com o título de Gazzettino del Bel Mondo, e que fizeram dele ―Il maggior critico italiano fino al De Sanctis‖ 21; escreveu também outros artigos e ensaios considerados obras-primas: Saggi sul Petrarca, Discorso sul testo della Divina Commedia,Della nuova scuola drammatica in Italia, sendo este último uma análise do Romantismo italiano. Segundo Binni:

[...] dal grande poeta era nato un grande critico e che con questa sua ultima estrinsecazione la personalità foscoliana si completa e si presenta come quella che

19―Ápice daquela aspiração a uma harmonia, que não era apenas estética, com a qual Foscolo pretendia vencer o drama pessoal-histórico-existencial das paixões impetuosas e ferinas que naquele período

tomavam forma.‖ W. Binni, ―Introduzione‖. In: U. Foscolo, 1992, p. 14. 20 Carta de 17 de outubro de 1799.

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domina l‘epoca fra neoclassicismo e romanticismo e ne media originalmente le

tendenze più profonde [...] 22

Foscolo não abandonou o debate político, e escreveu em defesa das ilhas jônicas e da fortaleza de Parga23. Continuou a desenvolver suas idéias políticas nas Lettere apologetiche, publicadas postumamente por Mazzini, durante o Risorgimento.

John Cam Hobhouse, amigo do poeta inglês Lord Byron (1788-1824), encomendou a Foscolo um ensaio sobre a literatura italiana da época, a qual, graças ao próprio Foscolo, começava a entrar em voga. Mas, Hobhouse acabou perdendo dinheiro e não pagou as 50 libras que haviam sido prometidas. Nesses anos Foscolo havia reencontrado a filha, Floriana, a quem a avó materna deixara certa quantia em dinheiro. Foscolo construiu uma casa, mas se endividou, e, para se manter, passou a anunciar nos jornais suas aulas de língua e de literatura italianas.

Os últimos anos foram de extrema dificuldade para ele: teve de mudar de nome para fugir aos credores. Em dezembro de 1826, estabeleceu-se em Turnham Green, subúrbio de Londres, e em 10 de setembro de 1827 faleceu. Foi sepultado no cemitério de Chiswick, em Londres; em 1871, seus restos mortais foram levados para Florença, e depositados com muita solenidade na igreja de Santa Croce.

1.2. A história das Ultime lettere di Jacopo Ortis

Do primeiro esboço das Ultime lettere di Jacopo Ortis, de 1796, até a última edição, de 1817, passaram-se 21 anos, e Foscolo, nesse meio tempo, modificou o romance de acordo com os acontecimentos pessoais e políticos pelos quais passou. Por isso, percebemos no romance diferentes camadas, como observaram Binni e De Sanctis:

22 ―[...] do grande poeta, tinha nascido um grande crítico, e com esta sua última manifestação, a personalidade foscoliana se completa e se apresenta como aquela que domina a época entre o neoclassicismo e o romantismo e interpõe-se de forma original às tendências mais profundas [...].‖ W. Binni, ―Introduzione‖. In: U.Foscolo, 1992, p. 17.

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Sotto a quel nome Foscolo scriveva se stesso, a frammenti, secondo le impressioni e gli accidenti: poi a mente tranqüilla fissò un disegno, stabilì le proporzioni e venne fuori un romanzo, dove si sentono come diversi strati di formazione, mal dissimulati dal lavoro posteriore? 24

No esboço inicial, prevalecia um romance epistolar mais sentimental, tendo como temas centrais o amor infeliz por uma jovem e o suicídio – uma referência à morte de um estudante da Universidade de Pádua.25 Porém, já em 1798, os acontecimentos de Campofórmio e a primeira desilusão amorosa do autor se fazem notar no romance, modificando-o em relação ao esboço, ainda que o livro contasse apenas com a primeira parte.

Com a partida de Foscolo de Bolonha, o editor Jacopo Marsigli encomendou a continuação da história ao escritor Angelo Sassoli, que escreveu mais vinte cartas para completar o livro. O resultado saiu com o título Vera storia di due amanti infelici ossia Ultime lettere di Jacopo Ortis, e com autoria de Foscolo; vinha ainda acompanhado de algumas notas que reforçavam o lado sentimental do romance, o que tinha o intuito de acomodar-se à censura austríaca.

Quando Foscolo tomou conhecimento dessa edição, denunciou-a em um artigo na Gazzetta universale de Florença, e retomou a escritura do romance, publicando-o depois em Milão, em 1801, junto ao editor Mainardi. Nessa ocasião, Foscolo enviou um exemplar a Goethe.

No ano seguinte, saiu a primeira edição completa (editor Genio Tipografico), com várias modificações: Lorenzo F. passou a ser Lorenzo A. (em 1817, passará a Lorenzo Alderani); o número de cartas passou de 45 a quase 70; o período de tempo coberto pela narrativa aumentou: antes era de 3 de setembro de 1797 a maio de 1798, e passou a ser de 11 de outubro de 1797 (às vésperas do Tratado de Campofórmio) a 25 de março de 1799 (invasão austro-russa), período, portanto, bem marcado por uma fase de desilusões políticas.

24―Debaixo daquele nome, Foscolo escrevia sobre si mesmo, em fragmentos, segundo as impressões e os incidentes: depois, com a mente tranqüila, fixava um desenho, estabelecia as proporções e o romance surgia, onde se pode sentir como que diferentes extratos de formação, mal dissimulados pelo trabalho

posterior.‖ F. de Sanctis, Scelta di Scritti critici. Torino: Unione tipografico, 1949, p. 287.

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Com as mudanças, a narrativa tornou-se mais dramática, reforçando, logo no início, o tom de protesto e de desespero, e o tema principal do romance passou a ser a política. Essa edição mostra a influência de Alfieri, com a idéia da morte como liberdade, e do ódio à tirania, temáticas muito recorrentes nesse autor.

Houve mudanças significativas nas personagens: antes, Teresa era viúva, e tinha uma filha pequena (retratava a paixão de Foscolo por Teresa Pikler, esposa de Monti); sentia-se atraída por Jacopo, mas estava ligada a Odoardo, um pintor; nessa primeira edição, era bem maior a influência do Werther. Com as modificações, Teresa passou a ser uma jovem (lembrando a paixão por Isabella Roncioni) que tinha uma irmã pequena. O noivo de Teresa, Odoardo, passou a ser um marquês, homem frio, calculista, mesquinho, bem ao contrário de Jacopo, portanto.

No exílio, em Zurique, lançou uma nova edição (editor Orell Füssli) em 1816, mas, por motivos de segurança, constava ter sido publicada em Londres, em 1814 [FIGURA 1]. Nela, Foscolo acrescentou a carta de 17 de março de 1798, na qual aparecem trechos do discurso Della servitù dell’Italia, que teve publicação póstuma. Nessa carta, expõe os danos que Napoleão causou à Itália. Acrescentou também a carta de 4 de dezembro de 1798, um diálogo com Parini, que ressalta a importância da literatura como testemunho.

Acompanhava ainda essa edição uma longa análise, a Notizia bibliografica, escrita em terceira pessoa, em que Foscolo trata das críticas que o romance vinha recebendo, questões referentes às semelhanças com o Werther, às traduções das Ultime lettere, etc.

A edição definitiva de 1817, de Londres (editor John Murray), foi dividida em dois volumes, e incluía alguns capítulos da tradução que levou o título de Viaggio sentimentale de Yorick e uma versão reduzida da Notizia bibliografica. Foscolo fez uma revisão da linguagem e do estilo, mas manteve o tom explosivo, ardente, exatamente como na edição de 1802.

Fubini, ao comentar o crítico Vittorio Rossi, escreveu:

Perciò se Vittorio Rossi ha riconosciuto nelle lettere due diversi protagonisti,

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dell‘Ortis del 1802, converrà nel romanzo rilevare anche la presenza di questo Ortis più maturo, più virile, più profondo. 26

O romance também é chamado de opera aperta pelos críticos, justamente pela flexibilidade que tinha de ser alterado ao longo do tempo, mostrando momentos diferentes do pensamento do autor.

Nota-se, portanto, duas características da obra e do autor: a primeira, o fato de a própria história das edições ser conturbada, devido ao período de crise política e censura em que se deu; e, a segunda, como vimos no capítulo anterior, a biografia de Foscolo, que reflete também esse período com tantos deslocamentos pela Itália, e fora dela, para fugir à repressão política.

1.3. Ultime lettere: tensão entre o amor à vida e a atração pela morte

Foscolo escreve na Notizia Bibliografica:

Il suo stile piglia improvvisamente vari colori dalla molteplicità degli oggetti, i suoi pensieri sono disordinati; e nondimeno lo stile ha sempre uno stesso tenore, mantenuto

dal carattere dell‘individuo, e il disordine forma un tutto che si direbbe composto armonicamente di dissonanze. 27

Uma marca do estilo desordenado das Ultime lettere é o desespero. Jacopo escreve a primeira carta ao amigo Lorenzo porque teve de se refugiar nas Colinas Eugâneas, para fugir de Veneza. Ele inicia o romance com um protesto contra a traição de Napoleão, que vendera Veneza aos austríacos; inicia desiludido das esperanças de patriota e revolucionário.

Na primeira parte do romance, ao mesmo tempo em que se sente infeliz, medita em meio à natureza e à paisagem das Colinas, ao lado de homens simples, ainda

26 ―Por isso, se Vittorio Rossi reconheceu nas cartas dois diferentes protagonistas, o adolescente melancólico e sentimental da Laura e o amante desesperado sem pátria do Ortis de 1802, convém no

romance ressaltar também a presença deste Ortis, mais maduro, mais viril e mais profundo.‖ M. Fubini,

1963, p. 252.

27―O seu estilo apreende, de súbito, várias cores da multiplicidade dos objetos; os seus pensamentos são desordenados; não obstante, o estilo tem sempre o mesmo teor, mantido pelo caráter do indivíduo; e a

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―incontaminados‖ 28 pela civilização. Ele passa os dias entre as cartas que escreve ao amigo e à leitura de Plutarco29, das vidas de Licurgo e Timoleão30, e lê aos camponeses:

Domenica mi s‘erano affollati intorno tutti i contadini, che quantunque non

comprendessero affatto, stavano ascoltandomi a bocca aperta. Credo che il desiderio di sapere e ridire la storia31de‘ tempi andati sia figlio del nostro amor proprio che vorrebbe

illudersi e prolungare la vita unendoci agli uomini ed alle cose che non sono più. 32

Depois que conhece Teresa, sente de novo a vida dentro de si, e a idéia do suicídio, que está presente desde o começo do romance, é adiada:

Io tornava a casa col cuore in festa. Che? lo spettacolo della bellezza basta forse ad addormentare in noi tristi mortali tutti i dolori? vedi per me una sorgente di vita: unica

certo, e chi sa! fatale. Ma se io sono predestinato ad avere l‘anima perpetuamente in tempesta, non è tutt‘uno? 33

O que percebemos também pela carta de 17 de março de 1798:

28 Adjetivo muito usado por Jacopo, ou seja, fiel até o fim, que não traiu os seus ideais, uma crítica evidente a Napoleão, e a alguns literatos.

29 Assim como Alfieri e os poetas do Stürm und Drang, que se inspiraram nas Vidas paralelas de Plutarco (45-120?).

30 Licurgo, legislador de Esparta; Timoleão, libertador de Siracusa. Ambos são exemplos de conduta moral.

31 Alusão ao pensamento de Giambattista Vico (1668-1744) sobre a revalorização da história, idéia que Foscolo usará em outras obras.

32―Domingo, os camponeses se juntaram todos à minha volta, e, apesar de nada compreenderem, ficavam me escutando boquiabertos. Creio que o desejo de saber e de repetir a história dos tempos idos seja filho do nosso amor-próprio, o qual gostaria de iludir-se e prolongar a vida unindo-nos a homens e

coisas que não mais existem.‖ Carta de 18 de outubro de 1797.

33 ―Eu voltei para casa com o coração em festa. Como? será que o espetáculo da beleza basta para entorpecer em nós, tristes mortais, todas as dores? E seria para mim uma fonte de vida: certamente única e, quem sabe, fatal. Mas se fui predestinado a ter a alma em eterna tempestade, não dá no

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L‘amore in un‘anima esulcerata, e dove le altre passioni sono disperate, riesce

onnipotente –e io lo provo; ma che riesca funesto, t‘inganni: senza Teresa, io sarei forse

oggi sotterra. 34

A situação na qual Teresa está envolvida, isto é, prometida em casamento a um homem que ela não ama, mas obrigada a se casar por imposição do pai (o que fez com que a mãe de Teresa se afastasse da família), aumenta o desespero de Jacopo, porque não vê saída às intransigências e ao poder, em todos os aspectos: o político, o amoroso e o existencial.

Quando, na segunda parte do romance, ele inicia uma peregrinação pela Itália, percorre lugares pelos quais o próprio Foscolo havia passado: Bolonha, Florença e Milão; a região da Ligúria até Ventimiglia; depois, a região da Romanha, incluindo a cidade de Ravena, onde está enterrado Dante. O objetivo desse percurso é mostrar regiões significativas da Itália do ponto de vista político, histórico, artístico e natural, com o propósito de acentuar a identidade de um Estado ainda não formado. À medida que a viagem prossegue, aumentam o pessimismo e o ritmo dramático do romance.

A natureza e a paisagem modificam-se de acordo com o estado de alma de Jacopo. Paisagens idílicas, em meio às Colinas Eugâneas, dão lugar a precipícios e tempestades.

E ao voltar às Colinas Eugâneas, desiludido por ter visto a Itália dividida e prostituída, como escreveu na segunda carta do romance, depara-se com o casamento de Teresa e Odoardo. Tais acontecimentos levam então Jacopo a suicidar-se na noite de 25 de março de 1799, com um golpe de punhal, imitando o gesto de Catão e das personagens trágicas de Alfieri: diferentemente de Werther, que se matou com um tiro de espingarda.

A relação entre a Itália e a personagem de Teresa é evidente. De Sanctis, relaciona Teresa a Veneza:

Questa sua Teresa finita sotto i baci di Odoardo è come la Venezia della sua mente

finita in braccio dell‘Austria, o l‘Italia ―prostituita, premio sempre della vittoria‖, nelle braccia del più forte [...]. Ma, come Venezia e come l‘Italia, così Teresa non ha virtù di

34 ―Em uma alma exacerbada e onde outras paixões não encontram esperança, o amor sobressai-se onipotente – eu mesmo o comprovo, mas que seja funesto este amor, te enganas: sem Teresa, talvez, eu

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resistenza e si rassegna gemendo, e innanzi al cadavere di Jacopo cade tramortita tra le braccia di Odoardo. 35

Vemos assim, a paixão política que se inter-relaciona com a paixão amorosa. A desilusão causada pelas duas paixões leva Jacopo ao suicídio. O fracasso da paixão política evidencia, de um lado, as relações negativas com o poder e, de outro, o desejo de uma Itália que poderia ter sido unificada à luz das idéias difundidas pela Revolução Francesa e pelo entusiasmo suscitado por Napoleão. A paixão amorosa, por sua vez, evidencia as relações negativas do indivíduo com os usos e costumes que querem a mulher como objeto do pai ou do marido, e privada de uma vontade autônoma.

O suicídio é o único ―rimedio di certi tempi‖ 36, diz Foscolo na sua Notizia

Bibliografica; e na carta a Teresa, antes de se matar, Jacopo escreve: ―Ma io moro incontaminato, e padrone di me stesso, e pieno di te, e certo del tuo pianto‖ 37, Jacopo escolhe a morte como libertação, uma lição de Alfieri; em tempos difíceis, permanece fiel aos seus ideais, e por isso incontaminado.

O suicídio de Jacopo, portanto, aparece como ato de denúncia contra os usos e costumes da época e de protesto político. Jacopo Ortis representa a crise das esperanças revolucionárias. É um herói romântico que luta inutilmente contra as convenções rígidas de sua época.

Em relação às críticas que o romance recebeu no início de sua publicação, de que os dois temas, o político e o amoroso, estavam mal coligados, Foscolo escreveu:

Notisi dunque che nell‘Ortis il vero contrasto sta tra la ―disperazione delle passioni‖ e ―l‘ingenito amor della vita‖; e che gli affetti, eccitati in lui dalla giovane ch‘ei desidera e

che non può mai possedere, e dalla patria che ha perduto e ch‘egli inutilmente anela di

35―Essa sua Teresa que acabou sob os beijos de Odoardo é como a Veneza de sua mente, que acabou nos braços da Áustria, ó Itália ‗prostituída, eterno espólio de vitória‘, nos braços do mais forte [...]. Mas,

como Veneza e como a Itália, assim Teresa não tem mais coragem de resistir e resigna-se sofrendo; e

diante do cadáver de Jacopo, cai desmaiada nos braços de Odoardo.‖ F. de Sanctis, 1949, p. 290. 36―Remédio de certas épocas.‖ ―Notizia Bibliografica‖. In: U. Foscolo, 1913, p. 112.

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vendicare, somministrano appunto nuove armi alla disperazione contro il naturale orror della morte. 38

Segundo Binni, o tema principal do romance é o político, e o suicídio justifica-se pelo trauma das desesperanças políticas, por isso, na frase de Jacopo, o suicídio como ―rimedio di certi tempi‖. O tema político contém, por sua vez, outros temas e reflexões. O amor representa algo divino em uma realidade mesquinha e enganadora, e torna-se um elemento moderador do suicídio.

Portanto, como escreveu Foscolo, a desordem e a inquietação fazem parte do romance. O tom é dissonante: é esse o estilo do romance. Para entendê-lo é necessário analisá-lo à luz da crise e do desespero histórico, político e existencial. Por isso há a presença constante do contraste, do choque entre a razão e a paixão, em uma profusão de temas e problemas.

As personagens também se apresentam contrastantes, como nas tragédias de Alfieri. De um lado, personagens movidas pelo sentimento e pela paixão: Jacopo e Teresa, o fiel Michele, Lorenzo, a mãe de Jacopo, a mãe de Teresa; e de outro, personagens racionais e mesquinhas, como Odoardo, e o pai de Teresa, que procura no casamento da filha, a salvação econômica para a família, mesmo à custa da felicidade da filha.

Foscolo, muito atento a esses problemas, escreveu:

La scena è in Italia, e la fanciulla è italiana. Molte delle donzelle nobili in Italia amano quanto Teresa, e con pari virtù, e vanno vittime silenziose al sacrifizio; e se pur tentano di deviare la loro imminente sciagura, i loro tentativi riescono sempre vani e ignoti. Alla

tirannide paterna che irritò le loro anime, a‘ vizi de‘ mariti che le corrompono, [...] all‘esempio delle loro madri guastate dalle stesse cause. 39

38―Nota-se, portanto, que no Ortiso verdadeiro contraste está entre o ‗desespero das paixões‘ e o ‗amor

inato pela vida‘; e que os afetos, excitados nele pela jovem que ele deseja, e que nunca poderá possuir,

e pela pátria que perdeu, e que inutilmente deseja vingar, fornecem justamente novas armas ao

desespero contra o natural horror da morte.‖ ―Notizia Bibliografica‖. In: U. Foscolo, 1913,p. 124. 39―A cena é na Itália, e a moça é italiana. Muitas das donzelas nobres na Itália amam como Teresa, e com

a mesma virtude, e, vítimas silenciosas, vão para o sacrifício; e se também tentam desviar suas desgraças iminentes, suas tentativas resultam sempre vãs e desconhecidas. À tirania paterna que irritou suas almas, aos vícios dos maridos que as corrompem, [...] ao exemplo de suas mães, arruinadas pelos

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Tanto o estilo, como as personagens nos revelam o propósito deliberado do escritor em nos mostrar as injustiças. Foscolo procurou fazer do romance uma denúncia daqueles tempos, e procurou seguir a lição de Parini de escrever como militante, cumprindo, dessa forma, a missão do literato.

1.4. A crítica às Ultime lettere

A fortuna crítica das Ultime lettere di Jacopo Ortis começa a ser construída praticamente com o próprio Foscolo. Na edição de 1816, na Notizia Bibliografica, Foscolo rebateu muitas das críticas que seu romance vinha recebendo. Escreveu também ensaios, nos quais fala da literatura do seu tempo, sobre ele mesmo na terceira pessoa e sobre as Utime lettere. 40

Quando a primeira edição completa foi lançada, em 1802, causou, ao mesmo tempo, admiração e hostilidade entre os literatos mais velhos e uma reação de entusiasmo por parte dos mais jovens. A difusão do romance deu-se rapidamente na Itália, e em outros países da Europa, com traduções para o alemão, inglês, francês e para o grego.

A crítica sobre as Ultime lettere e sobre Foscolo, inicialmente mal compreendidos, foi se construindo e se aprimorando ao longo dos anos. Assim, no período do Risorgimento, ela se dividia em dois planos opostos: uma corrente católica reacionária, que contava com a participação de Manzoni (1785-1873), e outra, laica e democrata-nacionalista, tendo Mazzini como representante. Nesse período, as Lettere

tornaram-se um livro de educação patriótica, valorizado também pelo romantismo, repercutindo em autores como Leopardi (1798-1837) e, posteriormente, nos pós-românticos, como Nievo (1831-1861) e Carducci (1835-1905), e até em autores realistas do final do século XIX. 41

A partir do Risorgimento, a crítica deixou de lado aquela oposição dualista de exaltação ou execração, e passou a analisar a obra em profundidade. Dessa forma, a compreensão e a avaliação melhoraram e se completaram. Para citar apenas alguns exemplos, a crítica passou por De Sanctis (1871), Donadoni (1910), Croce (1922), Flora

40 Esses ensaios estão reunidos no livroU. Foscolo, Storia della letteratura italiana per saggi (org. Mario Alighiero Manacorda). Turim: Einaudi, 1979.

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(1940), e muitos outros críticos de renome. Poderíamos destacar Fubini, o qual organizou a Edizione Nazionale delle Opere di Ugo Foscolo até 1977, ano em que morreu. O trabalho de Fubini foi retomado por Walter Binni, que deu continuidade à

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2. AS

CARTAS

: INFLUÊNCIAS E TEMAS

2.1. O Romance Epistolar

A ascensão da burguesia ao poder na Inglaterra, a partir do final do século XVII, marca o início de um período que levará ao desenvolvimento de novos meios de produção e a uma renovação geral na cultura. As obras intelectuais, sobretudo as artísticas, passarão a ser feitas não mais para um mecenato aristocrático, mas para um público consumidor. Ocorre assim a difusão de gêneros literários, como a notícia de jornal, o ensaio e o romance, adaptados para esse público. A literatura favorita do público da época, na Inglaterra, era o romance epistolar, principalmente os romances de Richardson, entre eles Pamela (1740) e Clarissa (1748).

Esses romances tiveram grande sucesso e logo se difundiram por toda a Europa. Não é uma invenção inglesa; à Inglaterra é devida a grande adaptação do gênero ao gosto do público, ou seja, a adaptação da literatura ao consumo.

A publicação de uma correspondência pessoal na França, em 1669, aguçou a curiosidade pública, sempre atenta aos escândalos, e talvez tenha sido isso a dar ânimo ao gênero epistolar. Tratava-se de umas cartas de amor escritas por uma freira portuguesa42 para um nobre francês. Essas cartas foram publicadas por Lavergne de Guilleraggues, um escritor da corte de Luís XIV, e tiveram certo sucesso. Mas o gênero firma-se definitivamente em 1721 com as Cartas Persas de Montesquieu (1689-1755).

Montesquieu ressaltava, na introdução às Cartas persas, que esse gênero permitia ao escritor uma enorme mobilidade temática e de estilo. E, sobretudo, falar dos sentimentos, não para que o leitor refletisse sobre eles, mas para que os sentisse também:

[...] ces sortes de romans réussissent ordinairement, parce que l‘on rend compte soi -même de sa situation actuelle; ce qui fait plus les passions que tous récits qu‘on pourrait

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faire. Et c‘est une des causes du succès de quelques ouvrages charmants qui ont paru

depuis les Lettres persanes. 43

Mas quando o gênero se difundiu pela Inglaterra, não era apenas nos sentimentos que o público estava interessado, mas na intimidade das personagens, na vida, no comportamento delas, no mobiliário das casas, nas roupas que usavam, etc. Enfim, despertava a atenção do público também a informação. Esse tipo de literatura logo começou a se tornar enfadonho. No entanto, em 1761 foi publicado Júlia, ou a Nova Heloísa de Rousseau, um romance epistolar no qual predominava o aspecto sentimental, e essa publicação deu novo alento ao gênero. Além disso, ela exercerá uma forte influência sobre os autores românticos e também sobre o Foscolo das Ultime lettere di Jacopo Ortis.

Talvez o maior sucesso alcançado pelo gênero tenha sido Os sofrimentos do jovem Werther (1774) de Goethe. Esse romance será a grande inspiração das Últimas cartas.

Com elas, seu autor introduz na Itália o romance epistolar. Foi um precursor, muitas vezes acusado de ter escrito um romance confuso, desordenado, sem clareza. No entanto, a falta de coesão é característica importante desse tipo de romance. Não era relevante a ordem das cartas, produto da razão, mas sim a espontaneidade, o impulso e a paixão, produtos da alma. Henry Peyer, em seu livro sobre o romantismo, fala do gênero:

Essas epístolas desconexas, palpitantes, impulsivas e apaixonadas de Diderot, de Rousseau e de um dos mais loucamente enamorados dos franceses de então, o volúvel e insolente Mirabeau, é todo homem que se derrama com os seus mil interesses, as suas febres, os seus devaneios e talvez as suas múltiplas e sucessivas sinceridades. 44

43―Esses tipos de romance fazem normalmente muito sucesso, pois tratam de situações ainda atuais; isso causa um efeito mais forte do que a simples observação, e é uma das causas do sucesso de certas obras

que apareceram depois da publicação das cartas persas.‖ Montesquieu, Lettres persannes,

www.ebooksfrance.com

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No romance epistolar predomina mais o sentimento do que a ação, e vários temas podem ser apresentados, como os conflitos de classe, os elementos autobiográficos, as confissões, e temas do tipo filosófico, didático e moral.

A carta possibilita ao autor expressar sentimentos pessoais à medida que os fatos ocorrem, como se fossem esses sentimentos reflexões instantâneas; daí a possibilidade de estados contraditórios e conflituosos. Para que o leitor sinta as paixões, em vez de refletir sobre elas, para que viva o tempo interior das personagens em simultaneidade com elas, é necessário que o narrador recorra à primeira pessoa no tempo presente.

Segundo Ian Watt, em A ascensão do romance, há vantagens e desvantagens nesses recursos. As desvantagens são: ―a repetição e a prolixidade que o método impõe; [...] mas a principal vantagem consiste no fato de as cartas serem a prova material mais direta da vida interior de seus autores.‖ 45

O autor da carta, ainda que fictício, era para o leitor uma figura viva, real; com o leitor se identificava, para o leitor confidenciava. Isso dava ao romance um aspecto realista. Ainda que as cartas fossem de fato uma forma de seus autores verdadeiros expressarem a si próprios, eles tudo faziam para se ocultarem. Assim, Montesquieu se apresenta ao leitor com o tradutor das Cartas persas; Goethe, como compilador; e Foscolo como editor, ainda que escondido sob a máscara de Lorenzo Alderani. Esses artifícios procuram dar autenticidade às cartas, e veracidade às personagens. E uma outra forma de acentuar o realismo do romance é dar às cartas uma desordem aparente, a mesma desordem que teriam numa correspondência real.

Pelo fato de, nas Ultime lettere, a correspondência ser dirigida a apenas um destinatário, um amigo, o autor poderia utilizar uma linguagem mais íntima, mais coloquial e, portanto, mais próxima da linguagem falada, e, com isso, mostrar ao leitor espontaneidade e sinceridade, como neste trecho:

[...] né tu, mio Lorenzo, ti stancherai di leggere queste carte ch‘io senza vanità, senza

studio e senza rossore ti ho sempre scritto ne‘ sommi piaceri e ne‘ sommi dolori dell‘anima mia.46

45 I. Watt, A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 166.

46―[...] nem tu, meu Lorenzo, te cansarás de ler estas folhas que eu, sem vaidade, sem disfarces e sem

pudor, sempre te escrevi nos maiores prazeres e nas maiores dores de minh‘alma.‖ Carta de 04 de

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Foscolo pôde exercer nesse gênero a liberdade proporcionada pela narrativa, mas permeada de poesia, como o afirma De Sanctis:

Che ci ha ora a fare il Werther? Questo é tutta la vita di Foscolo dopo la caduta di Venezia, è il riflesso e lo sviluppo di quella tragedia nella sua anima. [...] Di che potea uscire un racconto di Byron o un canto di Leopardi, non una prosa, e tanto meno un

modello de prosa naturale e semplice, com‘era l‘intenzione. 47

As Ultime lettere são escritas com um vocabulário bastante variado, que ora é lírico, ora grandiloqüente, ora macabro, taciturno, pessimista, melancólico. Em algumas passagens predomina o tema da morte, da noite, dos sepulcros e do suicídio. Passagens essas que refletem temas de sua época, e lembram autores como Edward Young (1683-1765) e James (Ossian) Macpherson.

Além disso, há muitas citações, diretas e indiretas, de autores como Alfieri, Parini, Dante, Petrarca, Wieland, Montaigne, Virgilio, Monti, Maquiavel, Rousseau, Sterne, Lucrécio, etc. Há passagens do Werther e da Bíblia; referências históricas e mitológicas; e, até ao próprio Foscolo.

O recurso às citações é muito marcante nas Ultime lettere e também na poesia de Foscolo. Foi chamado de ―gioco citazionista‖ por Paolo Mattei48. O crítico Fubini também observa de modo interessante o uso que Foscolo fez de obras que leu, e que de algum modo inseriu nos seus escritos:

[...] alla lettura di opere altrui, il poeta scopre situazioni simili alle sue e ripete le parole

di altri poeti con l‘accento di personale convinzione, con cui ripetiamo parole di

estranei, che prendono nel nostro cuore un valore più intenso e nuovo.49

47―O que tem que ver agora o Werther [com o Ortis]? Este é toda a vida de Foscolo depois da queda de Veneza, é o reflexo e o desenvolvimento daquela tragédia na sua alma. [...] Dali podia nascer um conto de Byron ou uma canção de Leopardi, não uma prosa, e muito menos um modelo de prosa natural e

simples, como era a intenção.‖ F. de Sanctis, 1949, p. 289.

48 P. Mattei, in: U. Foscolo, Ultime lettere di Jacopo Ortis. Roma: Newton, 1998, p. 134.

49―[...] ao ler obras alheias, o poeta descobre situações semelhantes às suas e repete as palavras de outros poetas com o acento da convicção pessoal, com o qual repetimos palavras de estranhos, palavras que

(37)

Nas Ultime lettere, há idéias, sentimentos e reflexões, tomados de diversos autores, que Foscolo ali enxerta quase como uma colagem, utilizando-se de paráfrases e decalques. Por exemplo, o ―Frammento della Storia di Lauretta‖, un ―micro-romance‖ no romance, que teria tido como modelo um capítulo chamado ―Maria‖, do romance

Viagem sentimental à França e à Inglaterra, de Sterne, e a carta em que descreve o diálogo com Parini, no qual ressalta a importância da literatura como testemunho dos tempos. Para o crítico Guido Davico Bonino, nesse tipo de narrativa o autor chega a ―metamorfosizzare‖ escritos de outros autores e de si mesmo:

[...] storia di una solidarietà tra infelici, [...] qual è la storia di Lauretta, sia il veridico

incontro col ―maestro‖ Parini [...], non sono che due esempi dell‘ambizione totalizzante

di questo grande romanzo-saggio [...], che tutto incanala nel suo possente alveo, che

tutto traduce in ―letteratura sulla e dalla letteratura‖ [...] 50

Misturam-se nesse romance vida e literatura. Além de fatos vividos e sofridos pelo autor, há nas Lettere uma indiscutível atenção dada à literatura, que se revela também nas referências a outras obras e autores. Foscolo utiliza seu romance como terreno para a defesa de suas idéias políticas e literárias. Demonstra que um dos objetivos da literatura era refletir sobre literatura. E, nesse sentido, mais do que o infeliz autor das cartas é o autor do romance quem sobressai, fazendo dessas cartas um instrumento de militância.

2.1.1. Rousseau e Goethe

O crítico Francesco Flora ressaltou que os autores que mais se aproximavam de Foscolo não eram os italianos: ―I grandi vicini del Foscolo non sono il Pindemonte e il

50 ―[...] história imaginária de dois infelizes que se solidarizam, como é a historia de Lauretta, e o encontro verídico com o ‗mestre‘ Parini [...] não são mais do que dois exemplos da ambição totalizante

deste grande romance-ensaio [...], que tudo canaliza no seu poderoso leito, que tudo traduz na

‗literatura sobre e pela literatura‘.‖ G. D. Bonino, in U. Foscolo, Ultime lettere di Jacopo Ortis.

Referências

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