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ContribuiçõesdaPesquisaPsicogenéticaparaaEducaçãoEscolar
CileneRibeirodeSáLeiteChakur1
UniversidadeEstadualPaulistaJúliodeMesquitaFilho
RESUMO–OartigoabordaasrelaçõesentreaPsicologiaeaEducação,tomandoespecialmenteaperspectivapsicogenética, cujasteoriasenriquecemtantoaPsicologiaquantoaEducação.Apresenta,inicialmente,brevehistóricodosestudospsicológicos dodesenvolvimentohumano,salientandoasváriasfasespelasquaisseconstituiuaPsicologiadoDesenvolvimento.Trata,em seguida,dasidéiascentraisdateoriapsicogenéticapiagetianaedesuasvertentesfuncionalistaesócio-interacionistaecomenta, porfim,atendênciadaspesquisassobreosconhecimentossociaiseconteúdosescolares,levantandosuascontribuiçõespara aeducaçãoescolar.
Palavras-chave:relaçõesPsicologia-Educação;perspectivapsicogenética;pesquisapsicogenética;educaçãoescolar.
ContributionsfromthePsychogeneticResearchfortheSchoolEducation
ABSTRACT–ThepaperapproachestherelationshipsbetweenPsychologyandEducation,especiallytakingthepsychogenetic perspective’stheories,whichenrichedthePsychologyasmuchastheEducationfield.Afterbriefrecordofthepsychological studiesofthehumandevelopmentandpointingouttheseveralphaseswhichconstitutedthePsychologyoftheDevelopment, thepaperdealswiththecentralideasofPiaget’spsychogenetictheoryanditsfunctionalistandsocial-interactionistviews. Finally,itcommentsthetendencyoftheresearchesonthesocialknowledgeandschoolcontents,pointingouttheircontributions fortheschooleducation.
Keywords:Psychology-Educationrelationships;psychogeneticperspective;psychogeneticresearch;schooleducation.
questõeseducacionaise,portanto,“psicologizaraeducação” comopensamalguns(Carvalho,2001;Silva,1993).
MasacreditamosqueaPsicologiatemmuitoadizerà educação escolar. Afinal, seu “objeto” (que varia de foco dependendo da corrente teórica) é compartilhado com a educação.
Nessarelação,queconsideramosextremamenterelevan-te,entreaPsicologiaeaeducação,podemosperceberque apesquisapsicológicanemsemprefoibemrecebidapelos professoresnasescolas,principalmenteselembrarmosque ospesquisadoresraramentedãoretornodosachadosdesuas pesquisasaosprofessoresouàescolaemquedesenvolveram suasinvestigações.Adesconfiançaéespecialmenteobser-vadacomrelaçãoàsinvestigaçõespsicogenéticas,quenão apresentam,emprincípio,relaçãoestreitacomasquestõesde ensino-aprendizagemescolar.Mas,anossover,sãomuitasas contribuiçõesdaíadvindaseestetrabalhopretendeapontar algumasdelas,priorizando,noentanto,algunspontosque consideramosimportantesparaoestabelecimentodecertas relações entre a pesquisa psicogenética – em especial, a piagetiana–eaeducaçãoescolar.
Cabe esclarecer, inicialmente, o próprio termo que é centralnotítulodestetrabalho:oquequerdizer,afinal,a qualidadepsicogenéticaquevemacopladaàpesquisa?
Otermopodefazercrerquevamostratardeinvestigações sobreocomponentegenético,hereditário,dapsiquehumana. Masocasoébemoutro.AhistóriadaPsicologianosmostra queháumalongatradiçãodepesquisasquefocalizamagênese denossascondutas,dasnoçõesqueadquirimosedasfunções psicológicasdequedispomos.Ointeressedeumapesquisa psicogenética,especialmenteapiagetiana,é,pois,odetraçara MuitosefalasobreascontribuiçõesqueaPsicologiatem
aofereceràeducaçãoeascobrançasaesserespeitoparecem ter nascido juntamente com a constituição da Psicologia como ciência. De fato, desde então, têm sido enormes as esperançasdepositadassobreaPsicologia,comoumadis-ciplinaque,tratandocientificamentedequestõesdapsique humana–sejadeprocessosconscientesouinconscientes–, podetornartambém“científicas”asintervençõeseducacio-nais(Coll,1987).Essaexpectativafoialimentadanoinício doséculoXX,comasprimeiraspublicaçõeseafundação deinstitutosdepesquisa,queinvocavamumaáreaespecífica deconhecimentopsicológicoparaotratamentoesoluçãode problemaseducacionais.
Assim surgiu a Psicologia da Educação (Coll, 1987), assentadaemtrêseixos:teoriasdaaprendizagem–naépoca, aspropostasporThorndike,Hull,TolmaneLewin,porexem-plo;PsicologiadaCriança–comascontribuiçõesdeGesell, BaldwineClaparéde,porexemplo;emedidasdasdiferenças individuais–introduzidasporBinet,SimoneTerman.
formaçãodecertascondutasenoçõesdesdeasuaorigem,por ocasiãodonascimento,atésuaconstituiçãomaduranoadulto, chegando,inclusive,aoconhecimentocientífico.Oobjetivo primordialdeumapesquisadessanaturezaé,portanto,ode descrever/explicarodesenvolvimentoe,nocasodaperspectiva piagetiana,odesenvolvimentonaesferaintelectual.
Assimesclarecido,abordaremosotemapartindo,inicial-mente,deumbrevehistóricosobreosestudospsicológicos dodesenvolvimentohumano,paraintroduzir,emseguida, algumasidéiasbásicasdateoriapsicogenética.Porúltimo, tentaremos oferecer um panorama geral das perspectivas atuaisdapesquisapsicogenética–emparticular,oestudo funcional da inteligência, as pesquisas sobre os conheci- mentossociaiseaabordagemsócio-interacionistadodesen-volvimentointelectual–,discorrendoumpoucosobresua relevânciaparaaeducação.
Odesenvolvimentohumanocomoobjetodeestudo psicológico
AáreaquehojeédenominadaPsicologiadoDesenvolvi-mentoparecetersurgidodeestudosrealizadosinicialmente sobreacriança,equeforamestendidosaocasodoadulto. Vale lembrar que a noção de desenvolvimento como um conjuntodeetapasligadasàidadesóapareceuporvoltado século XVII, daí resultando a separação entre atividades infantiseadultaseacriaçãodeinstituiçõesespeciaisparaa educaçãocomclassesbaseadasnaidade.Antesdessaépoca, odesenvolvimentoeraconcebidocomo“idadesdavida”com funçãosocial,aoinvésdeetapasbiológicas,ecomportava divisõessegundoonúmerodeplanetasoudeestaçõesdo ano,porexemplo.
ParecetersidoigualmenteapartirdoséculoXVIIquese iniciamaspreocupaçõesespecíficassobreodesenvolvimento infantil,muitasvezesdeescassointeressepsicológico.Os estudosdodesenvolvimentohumanoemsuasorigenstêm, naverdade,certaspeculiaridades:alémdeseremvoltados, geralmente, para a educação, eram estudos de filósofos, médicos e pedagogos e não podiam contar com métodos introspeccionistas utilizados na época, pois tratava-se de investigaçõessobreacriança.
Algunsautores(comoospesquisadoresespanhóisDelval, 1994a,ePérezPereira,1995)descrevemcertasetapasna evoluçãodessesestudos,oferecendoumavisãodecomose constituiuaPsicologiadoDesenvolvimento.Essasetapas sãoasseguintes:
a)Períododeobservaçõesesporádicas–etapaquevaidesde aAntigüidadeatéfinaisdoséculoXVIII(maisprecisa- mente,atéoanode1787,segundoDelval,1994a).Ospri-meirosestudosdodesenvolvimento,predominantemente descritivos,utilizaramaobservaçãodecondutasinfantis etinhamcaráterassistemáticoeesporádico.Suasconsi-deraçõesserelacionavam,geralmente,àpreocupaçãode tornaraeducaçãoadaptadaàscaracterísticasdacriança, comonasobrasdeComeniuseLocke,noséculoXVII,e deRousseau,noséculoXVIII.Aexceçãoaessaausência desistematizaçãoéodiárioelaboradoporJeanHéroard, médicodoDelfimdaFrançaefuturoreiLuisXIII,que continha observações desde o nascimento do Delfim, em1601,atéamortedeHéroard,em1628.Maseram
observaçõesdispersasdopontodevistapsicológico. b)Períododeobservaçõessistemáticaseconstituiçãoda
PsicologiadaCriança–apartirde1787até1895.Este éumperíodoquetemcomomarcoodiáriodofilósofo alemãoDietrichTiedemann,publicadoem1787,descre-vendoobservaçõesquefizeradoseufilho,donascimento aos2anos.Tiedemannobservouodesenvolvimentodos reflexos, percepção, relações sociais, início da lingua-gemetc,efoioprimeiroaconsiderarexplicitamentede interessecientíficoumtrabalhodessetipo,sobredesen-volvimentoinfantil.
Antesdessadata,forampublicadosalgunsestudossobre crianças excepcionais, como a descrição do nobre inglês DainesBarringtondasobservaçõesquefizerasobreAma-deusMozart,com8anosdeidade,alémdetrabalhosnaárea médica.Algunsautorestambémfizeramobservaçõessobre osprópriosfilhos–opedagogosuíçoPestalozzi,opedagogo alemãoRichteeCharlesDarwin,oteóricodaevoluçãodas espécies–,masosdiáriosnãoforampublicados,ouoforam bemmaistarde,comonocasodeDarwin,queresolveupu-blicarsuasobservações40anosapóstê-lasfeito.
Essa foi também uma época de introdução de novos procedimentosnoestudododesenvolvimentoinfantil,como ousodaestatística(Feldman,Quetelet),aexperimentação (Kussmaul)eoempregodequestionários(SociedadePeda-gógicadeBerlim).
Masoprimeirotrabalhopublicadosobredesenvolvimento infantilconsideradocientíficoéaobradofisiologistaalemão WilliamPreyer,Aalmadacriança,em1882,inaugurando-se, assim,aPsicologiadaCriança.Preyerobservavaseufilho aomenostrêsvezesaodia,durantetrêsanosconsecutivos, anotandoosprogressosemumdiário(Delval,1994a).
Umanomaistarde,opsicólogonorte-americanoStanley Hall publicaOs conteúdos das mentes infantis, obra que atestaaconstituiçãodaPsicologiadaCriançacomodisci-plinaindependente.Oautorestudouumaamostrade200 criançasdeBoston,utilizandopesquisadetipoestatístico, constatandoumgrandenúmerodecrençaserrôneasentreas criançasesalientandoaconveniênciadesedistinguirentre “conhecimentoverbal”e“conhecimentoprático”.
c)Consolidação da Psicologia da Criança e início da Psicologia do Desenvolvimento – de 1895 ao período pós-PrimeiraGuerraMundial.APsicologiadaCriança jáseencontrabemdesenvolvidanestaetapaeseiniciam pesquisasmaisabrangentes,dentrodoqueseconvencio-nouchamardePsicologiadoDesenvolvimento. UmmarconaconstituiçãodaPsicologiadoDesenvolvi-mentocomodisciplinacientíficaéotrabalhodopsicólogo norte-americanoJamesMarkBaldwin,intituladoOdesen-volvimentomentalnacriançaenaraça,publicadoem1895. Nesta obra, Baldwin trata do estudo do desenvolvimento dasfunçõespsicológicasdesdeainfânciaatéafaseadulta, comointuitodedescobrirasleisdessedesenvolvimento. Diferentementedosestudosdoperíodoanterior,denatureza predominantementedescritiva,Baldwinpreocupava-secom ainterpretaçãoteóricadosdadoscolhidosempiricamente.
edateoriadaGestalt.Sãotambémintroduzidosostestes mentais(Galton,BineteSimon,Terman)comopropósito deconheceronívelmentaldascriançasparaooferecimento deumensinoadequado.Mas,segundoDelval(1994a),atéa épocadaPrimeiraGrandeGuerra,aPsicologiadoDesenvol-vimentonãoinspiravamuitaconfiançanomeioacadêmicoe apresentavacertaindefiniçãoquantoaostemasquedeveria investigar.
d)Sistematização da Psicologia do Desenvolvimento e contraposiçãoentreacúmulodedadoseteoria–período queseestendedofinaldaPrimeiraGrandeGuerraaté osanos50doséculoXX.Particularmenteentreosanos 20e40,aPsicologiadoDesenvolvimentoexperimentou grandes progressos, com as contribuições de Gesell e Baldwin,porexemplo,nosEUA,edePiaget,Wallon, WernereVigotski,naEuropa.Étambémnessaépoca que os testes de inteligência, desenvolvidos na etapa anterior,passamaserutilizadosnaescola.APsicologia doDesenvolvimentosevêincorporadaàPsicologiada Educaçãocomosubáreaprivilegiada.
Duas tendências se manifestam no período: por um lado, há aqueles estudiosos que se empenham no estudo cuidadoso,detalhadoedescritivodediferentesaspectosdo desenvolvimento,visandoessencialmenteoestabelecimento denormasdeidade,massempreocupaçãoteórica(Gesell, porexemplo);eporoutro,certosautoressedebruçamna elaboraçãodeteoriasexplicativasdodesenvolvimentopsi-cológico,combinandolevantamentodedadoseteoria(como emPiaget,Wallon,VigotskieWerner).
e) ExpansãodaPsicologiadoDesenvolvimento–etapaque vaidosanos50doséculoXXatéopresente,quandose multiplicamosinstitutosdepesquisa,asrevistasespecia-lizadas,aspublicaçõesecongressosnaáreadaPsicologia doDesenvolvimento.
Algumas mudanças devem ser salientadas. A própria PsicologiaExperimentalsofrealteraçõescomadiminuição dainfluênciadoBehaviorismoeocrescimentodeprestígioda PsicologiaCognitiva,quepretendiacontrapor-seaoprimeiro, aovalorizarosprocessosmentaisinobserváveis.Alémdisso, asistematizaçãodeteoriaslógicasematemáticas,quedavam suporteaoempregogeneralizadodocomputador,começaa influenciarasinterpretaçõesdamentehumana.Ointeresse volta-separaaconstruçãodemodelosdamente(memóriae aprendizagem,porexemplo).
Éjustamenteapartirdadécadade50doséculopassado quetomaimpulsoateoriadePiaget,cujoobjetivobásicoera oestudodainteligênciainfantilparaamelhorcompreensão dopensamentocientíficodoadulto.Seuinteresseera,por-tanto,denaturezafundamentalmenteepistemológica,antes quepsicológicaoueducacional.
Veremos,emseguida,algumasidéiasbásicasquecon-formamateoriapsicogenéticadePiaget.
Ateoriapsicogenéticadodesenvolvimentoesuas contribuiçõesàeducação
Anoçãodedesenvolvimentonãoéamesmanasvárias teorias psicológicas que tratam desta questão. Em certas teorias, denominadas aprioristas, maturacionistas, ou ina-tistas,considera-seodesenvolvimentocomomanifestação
progressivadepotencialidades,umdesdobramentodopro-cessodecrescimentoorgânico,quedependedamaturaçãodo sistemanervoso.Aessasteoriasseopõemasempiristasou ambientalistas,quevêemodesenvolvimentocomoacúmulo quantitativodecomportamentosaprendidosemfunçãoda experiência.
AteoriapsicogenéticadePiagetapresentaumaconcep-çãobastantepeculiardedesenvolvimento,aoconsiderá-lo umprocessodeorganizaçãoereorganizaçãoestrutural,de naturezaseqüencialeocorrendoemestádiosindependentes deidadescronológicasfixas.
Alémdosfatoresclássicosexplicativosdodesenvolvi-mento (biológico e ambiental), Piaget (1967/1973, 1975) propõeaequilibração(ouauto-regulação)comooprincipal mecanismoresponsávelpelodesenvolvimentocognitivo,de- finindo-acomoumprocessoemqueosujeitoreageativamen-teàsperturbaçõesqueoambienteoferece,compensando-as demodoaanulá-lasouaneutralizá-lasdealgumaforma.
Segundoateoria,todoservivotendeaorganizarospró-priosesquemas/estruturasdeconhecimentoparalidarcom oambiente;etodoservivotendeaadaptar-seaoambiente, medianteosprocessosdeassimilação–incorporaçãoaos esquemas/estruturasdaspropriedadespresentesnoambiente –eacomodação–modificaçãodeesquemas/estruturaspara ajustá-losàsexigênciasambientais.
Assim,todoatointeligentepressupõeumesquemade assimilaçãoouumaestruturaquepermiteaosujeitoorga-nizar o mundo e compreendê-lo. Enquanto as formas de organizaçãomodificam-secontinuamentenainteraçãoentre o indivíduo e seu ambiente, os mecanismos responsáveis pelofuncionamentointelectual(assimilaçãoeacomodação) permaneceminvariáveis.Sãoessasformasdeorganização que distinguem os vários períodos de desenvolvimento intelectualpropostosporPiaget(Sensoriomotor,Operacional ConcretoeOperacionalFormal,comsuassubdivisões).
O interesse básico de Piaget era o estudo dosujeito epistêmico, o sujeito universal do conhecimento. Nesse sentido, investigou o desenvolvimento das mais variadas noções(número,classes,relações,substância,peso,volume, proporções,combinatória,acasoetc.)etambémaatuação deváriasfunçõespsicológicascomoapercepção,aimagem mental,memória,linguagem,imitaçãoetc.
Doextensovolumedepesquisasrealizadasatéofinalde suavida(Piagetfaleceuem1980,com85anosdeidade), podemos citar algumas das muitas de suas descobertas e propostasteóricas,como,porexemplo:
– Aexistênciadeumainteligênciaantesdalinguagem; – Adescobertadequeasraízesdalógicaestãonaação(caso
emquejulgamentoeraciocínioprolongamosesquemas deaçãoiniciais);
– Aconcepçãodecontinuidadeentreaorganizaçãobiológi-caeapsicológicaeentrefunçõesinferioresesuperiores dopsiquismo;
– Aexistênciadeprocessosdetransiçãoentreetapasdis-tintaseaconstataçãodoaparecimentodedefasagensno desenvolvimento;
– Aconcepçãodeumprocessogeraldeequilibraçãoque ocorreemformadeestádios;
Embora Piaget não tivesse interesse específico pela educação, suas idéias tiveram bastante repercussão no campo educacional, principalmente por focalizarem noçõesbásicaspresentestambémnoscurrículosescolares (BanksLeite,1994).MasPiagetchegouapronunciar-se, algumas vezes, no campo pedagógico, defendendo, por exemplo, os métodos ativos propostos pelo movimento escolanovista dos anos 20 e 30 do século XX (Piaget, 1969/1976, 1948/1977). Sua influência se fez sentir, particularmente, a partir da década de 1950, quando se intensificaram as pesquisas e as tentativas de aplicação dateoriapsicogenéticaaocampoeducacional.Emartigo significativoaesserespeito,opesquisadorespanholCésar Coll (1987) descreve essas tentativas, acrescentando algumascríticaspertinentes.Astentativassefizeram,por exemplo,noestabelecimentodeobjetivoseducacionais, naeleiçãodenoçõesoperatóriascomoconteúdosdaedu-caçãoescolar,naordenaçãodeconteúdosenaavaliação intelectualdosalunos,entreoutras.
As experiências que pretenderam “aplicar Piaget” à educaçãoescolaracabarampormostrarquenãoépossível transpormecanicamenteumateoriaelaboradaemumcampo deconhecimentoparaoutrocampoeminentementeprático, como é o caso da educação. Certamente, as pesquisas de Piagetecolaboradoreseaeducaçãoescolartêmuminteresse comum:odesenvolvimentohumano.Maspodemosdizer, comMacedo(1994),quedivergememtudomais.
Éinteressantereveralgunspontosqueafastamateoriade Piageteaeducaçãoescolar,queresumiremoscomosegue.
OinteressedePiageterafundamentalmentedenatureza epistemológica:investigaragênesedasnoçõeseosprocessos de construção dos conhecimentos lógico-matemáticos, descrevendoosváriosníveisdessaconstrução.Seupropó-sitoera,portanto,teóricoevoltadoàdescriçãoeexplicação pertinentesaosujeitoepistêmico,osujeitouniversal.
Porsuavez,ointeressedaeducaçãoescolarédenatureza pedagógica,socialeprática:promoverodesenvolvimento dacriança,prepará-laparaexerceracidadaniaetransmitira culturaorganizada.Opropósitodaeducaçãoéessencialmente práticoedecarátersocial,poisatransmissãoculturaldeve garantiracontinuidadeeavalorizaçãodosbenstransmitidos. Eosujeitodequetrataaeducaçãoescolarmaterializa-senos alunosparticulares.Éosujeitopsicológicoouindividualque interessaàeducação.
SePiagetconcebeodesenvolvimentodosconhecimentos comoumprocessoespontâneo,valorizandoastrocasentre sujeitoeobjeto,aconcepçãoeducacionaldedesenvolvimento supõeintervençãoplanejadaesistematizadaemsituaçãode ensino.Astrocas,nestaúltima,incluemtambémafigurado professoreosobjetivosemeiosutilizadossãointencionais, selecionadosdeliberadamentepararesultarememaprendi-zagem.
Dessemodo,segundoafirmaMacedo(1994),oproble-madeseaproximarateoriapiagetianaàeducaçãoescolar estariaemconciliarintervençãocomespontaneidadeeem recorreràteoriasemdesvirtuá-la.Aliás,odesvirtuamento pareceseratônica,atualmente,emnossasescolas:segundo osprofessores,oConstrutivismoéummétododeensinoou dealfabetização,ouumconjuntoderegrasoudetécnicasa seremaplicadasemsaladeaula,segundoatestamestudos
recentes(Chakur,2005;Chakur,Silva&Massabni,2004; Massabni,2005;Silva,2005).
MasseráqueateoriadePiagetnadaofereceàeduca-ção?
Pensamosque,emboraaindanãoexistamummétodode ensinoeumateoriapedagógicaconstrutivistas,Piagetdeixa umquadroteóricoconsistente,apartirdoqualopesquisador eoprofessorpodemestudarecompreenderquestõesedu-cacionais e repensar a prática pedagógica, como sugerem os estudos de Banks Leite (1994), Coll (1987) e Macedo (1994).
OConstrutivismopiagetianonãodárespostassobreoque ecomoensinar,maspermitecompreendercomoacriança eoadolescenteaprendem,fornecendoumreferencialpara identificaçãodepossibilidadeselimitaçõesdacriançaedo adolescente.Comisso,ofereceaoprofessorumaatitudede respeitoàscondiçõesintelectuaisdoalunoeumamaneira seguradeinterpretarsuascondutasverbaisenãoverbaispara melhorlidarcomelas(Chakur&cols.,2004).
E quando se diz, numa interpretação piagetiana rudi-mentar, que a educação escolar deveria respeitar as fases dodesenvolvimentointelectual,issonãosignificasonegar àcriançainformaçõessocialmentevalorizadasoudeixarde ensinarconteúdostidoscomodifíceis.Oproblemaestaria emencontraroequilíbrioentreoqueacriançaécapazde assimilareoqueénecessáriotransmitir-lheparasuafor-maçãocomopessoaecidadã,buscando,igualmente,formas adequadasdeajudá-lanessatarefa.
Perspectivasatuaisdapesquisapsicogenéticaesua relevânciaparaaeducação
Aperspectivafuncional
Comojádito,aabordagempiagetianaoriginalvoltava-se paraosujeitoepistêmico,núcleocomumdossujeitosindivi-duaisematrizexplicativadodesenvolvimentodeaquisições de natureza universal. Seus estudos visavam, portanto, as estruturasdoconhecimentoracional,denaturezauniversal enormativa.
O interesse pelo funcionamento cognitivo foi preocu-paçãodoúltimoperíododaobradePiaget,quandobuscou mostrarosmecanismossubjacentesàconstruçãodaquelas estruturas, detalhando os processos de equilibração e ele-gendoamajoraçãocomoomecanismoporexcelênciado funcionamentopsicológicodainteligênciahumana.
Trabalhosmaisrecentes,dentrodacorrentepiagetiana –osencontrados,porexemplo,naobradeInhelderecols. (1992/1996) sobre resolução de problemas, chamados estudos sobre microgêneses –, orientam-se para o sujeito individualoupsicológicoesedestinamarevelaradinâmi-cadascondutas,ouseja,suasfinalidades,meios,valorese processos de controle e descoberta. Interessa, portanto, o sujeitopsicológicocomosujeitodeconhecimento,comsuas intençõesparticularesevalores.
As pesquisas sobre microgêneses permitem perceber característicasdoprocessointerativosujeito-objetoemcurto espaçodetempoeassituações-problemasãoocasiõespropí-ciasparainvestigarosprocessosfuncionaisaípresentes.
definemanovaabordagem,distinguindo-adoenfoquepiage-tianoclássico.Esclarecemqueaabordagemestruturalvisa estabelecerformasdeorganizaçãocognitiva,concebendoa sucessãodeestruturascomocaminhosnecessáriosàevolu-çãodosconhecimentos.Aanálisefuncional,porsuavez, aoinvésdeestudarfiliaçõesentreestruturas,porexemplo, buscadeterminaropapelfuncionaldossucessosefracassos, arelaçãoentrepertinênciaesaber.Focalizaosprocedimentos utilizadosnasoluçãodeproblemas,ouseja,açõesencade-adaseorientadasporfinalidadesparticularesqueosujeito se coloca. Mas, diferentemente das ações particulares, os procedimentossãotransponíveisdeumaoutroproblemaou situaçãoepodemsercompartilhados,emboranãotenhamo caráterdereversibilidadeprópriodasestruturaslógicas.
Enquantooproblemado“saberfazer”édeterminarpor que houve fracasso, o problema relacionado aos procedi-mentos é o de “como ser bem sucedido”, o que significa “compreendercomofazer”.SegundoInheldereDeCaprona (1996),o“comofazer”supõeumaformadecompreensão distintadacompreensãoconceitual,desdequerelacionada aos procedimentos que permitiram chegar a determinada solução.
Piagetjáhaviadiferenciadodoissistemasdeesquemas naatividadecognitiva:osistemapresentativo,queincluios esquemassensoriomotores,representativoseconceituaise osistemadeprocedimentos,cujosesquemassãoseqüências deaçõesqueservemdemeiosparaseatingirumobjetivo, sendo difícil abstraí-los de seus contextos. Essa distinção estabelece,portanto,adiferençaentreatividadescognitivas comfunçãoorganizadoraeestruturanteeaquelasqueapre-sentamfunçãoheurística.
As pesquisas sobre microgêneses têm sido feitas, ge-ralmente, na forma de estudo de casos, tomando sujeitos individualmenteeempregandoaobservaçãodesuasativi-dadesespontâneasdiantedecertomaterial.Sãoempregadas gravaçõesemvídeoeanálisedetarefa,queressaltamotipo derepresentaçãoqueosujeitoelaboraeosmeiosempregados nasoluçãodoproblema.
Acreditamosquepesquisasdessetipointeressamdire-tamente à educação. É importante ao professor saber não apenasoqueoalunodecertafaixaetáriaécapazdeassi-milaremdadamatéria,mas,principalmente,comoresolve problemaspertinentesadeterminadosconteúdos,quemeios empregaemsuastentativasdesolução,comointegraconhe-cimentoseinformaçõessobredadoassunto,quaisestratégias deaprendizagemessealunoutiliza.
Valelembrarque,naspreocupaçõesdaspesquisascom análisefuncionaleigualmentenaspreocupaçõesdaeducação escolar,háumaidentidadedesujeito:emambas,éomesmo sujeitopsicológico,particular,comseusvaloreseintenções, atuandoemdeterminadocontexto,queseapresentacomo focodeatenção.
Aabordagemsócio-interacionista
Achamadaabordagemsócio-interacionistaéumalinha depesquisasqueenfatizaanaturezasocialdainteligência esepreocupacomodomíniosocial,trazendoimportantes contribuições para a educação escolar. As pesquisas são geralmente do tipo pré-teste/pós-teste, com introdução de umatarefaproblemáticaaserresolvidaemgrupodedois outrêsindivíduos.
Desde seus primeiros trabalhos, Piaget (1932/1994; 1998)jáhaviaformuladoalgumashipótesessobreopapel da cooperação no desenvolvimento intelectual e também estimuladoaadoçãodemétodosdeensinoquerecorremà interaçãoentrepares.Masfoiapenasnadécadade1970que certospesquisadoresretomaramessashipóteses,elegendo comoprincipalvariáveldeterminantedodesenvolvimentoo conflitosociocognitivoquesurgenassituaçõesdeinteração entreaspessoas.
Os defensores dessa abordagem concordam com certas idéiaspiagetianas,comoadequeumambientesocialfavo-rável,comumingredientedecooperação,podeconduzirà autonomiatantocognitivaquantomoral,àdescentraçãoeà reciprocidade,maslevantamcríticasàlacunadeixadaporPia-get,quenãotratoudainteligênciacomoumfenômenosocial, omitindo-sedeestudarasligaçõescausaisentreocognitivoeo social.SegundoDoiseeMugny(1984),ainteligência,navisão piagetiana,égeralmenteconcebidacomopropriedadedeum organismoisolado,enãocomopropriedadedeumorganismo emrelaçãocomumambienteespecífico,comoumprocesso relacionalentreindivíduosqueorganizamdemodoconjunto suasaçõessobreoambientefísicoesocial.
DoiseeMugny(1984)incorporamaidéiadePiagetde queodesenvolvimentoocorreemestádiosdeequilíbriocres-cente,masnegamqueaconstruçãodeestruturassejaapenas endógena.Énessepontoqueaabordagemsócio-interacionista pareceaproximar-sedasidéiasdeVigotskiaodefendera“tese geraldequeascoordenaçõesentreindivíduossãoafontede coordenaçõesindividuaisequeasprimeirasprecedemepro-duzemestasúltimas”(Doise&Mugny,1984,p.23).Interações sociaisqueserevelammaiscomplexasfavorecemaaquisição decapacidadescognitivasmaisdesenvolvidasque,porsua vez,permitemaparticipaçãodoindivíduoemrelaçõessociais maiscomplexas,eassimpordiante.Ométodoexperimental podemostrarquaisinteraçõeseemquaisestádiosserevelam efetivasempromoverodesenvolvimentocognitivo.
Alémdisso,retoma-seoconceitopiagetianodeconflito cognitivo–conflitoqueocorreentreosprópriosargumentos dacriançaquandosedeparacomumasituaçãoproblemática e focaliza elementos perturbadores distintos – transfor-mando-o emconflito sociocognitivo, em que o confronto ocorreentrepontosdevistaousoluçõesdivergentesdadas por distintos indivíduos em situação de interação social, conduzindoaoprogressocognitivo.Porexemplo,crianças deníveiscognitivosdiferentestêmmaiorpossibilidadede desacordoquantoarespostasespecíficasaumproblema,de modoqueseusjulgamentoseaçõessederivamdeesquemas diferentesmastambémcriançasdeummesmonívelpodem mostrarcentraçõesdiferentes(sobredistintoselementosda situação), resultando em julgamentos que se contrapõem. Emambososcasos,osdesacordospodemgerarumconflito sociocognitivo,queseria,então,afontededesequilíbrioeo mecanismoquelevaaoprogressocognitivo.
Com esse breve resumo, já se pode ter uma idéia da fecundidade de tais pesquisas para o âmbito da educação escolar.Sabemosque,muitasvezes,osprofessoressentem queostrabalhosrealizadosemgrupopelosalunosresultam maisprodutivosqueastarefasfeitasindividualmente;mas há,também,professoresquemostramcertaresistênciaem recorreraessaestratégiaemsaladeaula,sejaporqueédifícil controlara“altura”aquechegamasdiscussões,sejaporque nãoconseguemdistinguirquemrealmentetrabalhaequem copiaarespostadocolega.
Anossover,asinvestigaçõessobreconflitosociocogniti- vodãoindicaçõesprecisasdecomotornarproveitosasasex-periênciasdetrabalhoemgrupoemereceriamserdivulgadas entreosprofessores,servindocomofontedeidéiasdecomo formargruposdealunos(homogêneosouheterogêneos),a qual critério recorrer para essa formação, como distribuir astarefasetc.Alémdisso,otrabalhoemequipe,talcomo defendeuPiagetváriasvezes(Piaget,1969/1976,1948/1977, 1998),éumaocasiãopropíciaparaatrocadeopiniõesede pontosdevista,fundamentalnasuperaçãodoegocentrismo infantil,alémderevelar-seumaexperiênciaprazerosa.
Osestudossobreacompreensãodomundosocial
Outravertentedepesquisaspsicogenéticasnãoexplorada porPiaget,masbastantevalorizadaatualmente,situa-seno campodosconhecimentossociais.
Emalgumasocasiões,Piaget(1967;1967/1973)feza distinçãoentretrêstiposgeraisdeconhecimento:1)conhe-cimentos estruturados por uma programação hereditária (reflexos,percepção,porexemplo);2)conhecimentosfísicos –retiradosdaexperiênciaporabstraçãofísicaouempírica (descobertadepropriedadespertencentesaosobjetos);e3) conhecimentoslógico-matemáticos–obtidosporabstração reflexivaoulógico-matemática(descobertadepropriedades dasprópriasaçõesdosujeitoedesuascoordenações).
A esses três tipos, estudos piagetianos relativamente recentes(iniciadosapartirdadécadade70doséculoXX) têmacrescentadoosconhecimentossociais,opondo-osaos primeiros.Sãoestudos,noentanto,queapresentamcontro-vérsiassobreaespecificidadedoconhecimentosocial,tendo aparecidoalgumasconfusõesnãoapenasquantoaopróprio conceitodesocial,mastambémquantoàperspectivadare-laçãosocialestudada(Chakur,2002;Delval,1994b;Enesco, Delval&Linaza,1989;Jahoda,1984).
A corrente comumente chamada decognição social costumaincluirnoroldeconhecimentosdessanaturezaoco-nhecimentodesimesmo(autoconceito),odecomoosoutros pensamesentem,suasintençõesemotivações,percepçõese personalidade,alémdeconceitosderelaçõesinterpessoais (amizade, confiança, obediência), de instituições, regras, convençõesejulgamentomoral(Codol,1989;Damon,1979; Grusec&Lytton,1988;Rose-Krasnor,1988).
Emalgunsdosseustextos,opesquisadorespanholJuan Delvaltenta“apararasarestas”dodebateedelimitarocampo emquestão(Delval,1989,1992,1994b).Observaquetoda atividade humana é social em sua origem, mas nem todo conhecimentotemumobjetosocialcomoconteúdo.Seria, pois,necessáriodistinguirentreosocialcomoobjetodeco-nhecimentoeosocialcomocontextoemqueoconhecimento éadquiridooucomodeterminantedodesenvolvimento.
Algumasrelaçõessão,naverdade,definidascomosociais dopontodevistadoobservadorexterno,queexaminaain-teraçãoentresujeitos,enquantoosujeitoobservadoconhece ooutrocomoorganismopsicológico,comseussentimentos, crenças,intençõesetc.Esteseriaumestudodaatividadedo sujeitocomoumaespéciedepsicólogoespontâneo,como dizDelval(1992).
Segundoesseautor,apassagemdopsicológicoaosocial nãoseriaquestãodequantidadedeatoresenvolvidosnare-lação,masdanaturezadessarelação.Oquecaracterizaos fenômenossociaiséaexistênciaderelaçõesinstitucionali-zadas,quetranscendemossujeitosindividuaiseasrelações pessoais.Oestudodosconhecimentospropriamentesociais deveria,nessecaso,teremcontaosujeitocomopensador socialenãocomopsicólogoespontâneo.
Conforme essa última perspectiva, os conteúdos das pesquisasapresentamdoisnúcleosbásicos:aordemeconô-micaeaordempolítica.Evidentemente,hátemasquenão seenquadramemnenhumdessesnúcleos,comoosrelativos àfamília,àsdiferençasdegêneroeàsrelaçõesinterpessoais, entre outros. As pesquisas sobre a ordem econômica têm focalizado a compreensão de noções, tais como sistema monetário,classesocial,lucro,mobilidadesocial,hierarquia ocupacionaleoutrasmais(dequesãoexemplososestudos deDelval,Enesco&Navarro,1994;Enesco&cols.,1995; Furth,1980;Navarro,1994;Navarro,Enesco,Soto&Del-val,1993).Dentrodonúcleopolítico,hápesquisassobrea compreensãodeconceitostaiscomonação,país,lei,direitos humanos,justiça,poder,guerra,pazetc.(ver,porexemplo, osestudosdeChakur,Delval,delBarrio,Espinosa&Breña, 1998;Coutinho,1987;Delval&delBarrio,1987,1991).
Os estudos psicogenéticos dos conhecimentos sociais costumam trazer o mesmo formato de procedimento e apresentaçãodedadosdaspesquisaspiagetianasemgeral: utilizamentrevistasclínicaseapresentamosdadosemforma deestádiosouníveisevolutivos,comextratosdeprotocolos exemplificando os achados. Tal como previsto pela teoria dePiaget,osautoresdessaspesquisastêmassinaladoque ascriançasofereceminterpretaçõessobreomundosocial quenãocoincidemcomasdosadultos,nemcorrespondem aoqueocorrenarealidade.Sãointerpretaçõeseexplicações quetambémnãoforamensinadas,massãocomunsacrianças deumamesmafaixaetária,mesmoprovenientesdemeios sociaiseculturaisdistintos.Valelembrarqueessaspesquisas têmencontradocertoatrasonaaquisiçãodeconhecimentos sociais,comparativamenteàaquisiçãodenoçõesdomundo físico(Carretero,1993/1997b;Delval,1989;Delval,1994b; Furth,1980).
Aspesquisassobreconteúdosescolares
Umaoutravertentedepesquisasdentro,ainda,dodo-mínio social tem se preocupado de modo especial com a aquisição de conteúdos propriamente escolares, como os conceitoshistóricosdeabsolutismo,feudalismo,democracia; etambémcomacompreensãodefatoshistóricos,comoa DescobertadaAmérica,aRevoluçãoFrancesa,aQuedado MurodeBerlimeaSegundaGuerraMundial.
supõemrelaçõesmuitocomplexasdopontodevistacon-ceitual.Portanto,paraseremcompreendidoscorretamente, apenasrequeremexplicaçõesinteligentesebemelaboradas porpartedoprofessoreumtrabalhodememóriaerepetição porpartedoaluno.
Ecompletaqueestaéumacrençaqueadvémdeumavisão estereotipadadasCiênciasSociaisedaHistória,emqueo ensinodessasáreasseassociacom“conteúdospuramenteepi-sódicosoucomnomesderios,reisebatalhas,assimcomocom datasedadosconcretos”(Carretero,1995/1997a,p.79).
Diferentemente,aspesquisastêmmostradoqueégrandea dificuldadedosalunosnacompreensãodosconteúdossociais ehistóricos,poisquesãodealtacomplexidadeesupõem um domínio de conceitos que não têm tradução direta na realidadeempírica.
Algumas pesquisas sobre temas das Ciências Sociais têm apontado que, na verdade, são os alunos, inclusive os adolescentes, que dispõem de representações episódicas e personalistasdosconceitossociaisehistóricos.Concebem, porexemplo,asrevoluçõescomoenfrentamentoentregrupos depessoas,reduzemainstituiçãomonárquicaàfiguradoreie compreendemoEstadomodernoemtermosdoseuterritórioou dosseushabitantes(Carretero,1995/1997a,1993/1997b).
Aspesquisasmostram,igualmente,queacompreensão dosalunosnãoéquestãodetudoounada,masseapresenta emcertosníveis.Taissãooscasos,porexemplo,dasidéias dos alunos sobre fontes históricas, sobre o trabalho do historiadoresobreaevidênciahistórica,cujosestudossão comentadosporCarretero(1993/1997b).
Asinvestigaçõestambémsevoltamparaavisãoquetêm osalunoscomrelaçãoacertasciênciassociaiscomomaté-riasescolares–suaspreferências,oníveldedificuldadeque essasmatériasapresentamrelativamenteaoutrasdisciplinas, aimportânciaquetêmnocurrículo(vide,porexemplo,os trabalhosdeCarretero,1995/1997,1993/1997b;Carretero, Pozo&Asensio,1983).
Arelevânciadessaspesquisasparaaeducaçãoéevidente, jáquetratamdeconteúdosespecíficosepropriamenteescola-res.Masnãosóporisso.Aoatestaremquecertosconteúdos apresentamdificuldadeintrínsecaequesãoadquiridosde formaprogressiva,aspesquisasinformamaoprofessorsobre osmodosmaisadequadosdetransmiti-lose,principalmente, deavaliá-los,quandosebuscareconheceraquedistânciase encontramdaaquisiçãoplena.
Conclusão
Pesquisas que têm por objeto o desenvolvimento apa-rentemente se distanciam da educação escolar, cuja preo-cupaçãoprimordialécomaaprendizagemdoaluno.Mas, comodeixamosentreveremnossaexposição,emgeralessas investigaçõesserevelambastantepromissorasparaaárea educacional.Oproblemaqueenfrentamserefereàtentativa deaproximarateoriapsicogenéticadarealidadeeducacio-nal,semdesvirtuaraprimeira,nemdesprezarovalordos conteúdosescolares.
Sabe-se que as pesquisas psicogenéticas no domínio socialaindasãomuitoescassas,recebempoucosrecursos e têm pouca divulgação, principalmente no Brasil, relati-vamente ao que ocorre, por exemplo, nas áreas de
Ciên-cias Naturais e Matemática, como indicam os estudos de Carretero(1995/1997a,1993/1997b)eDelval(1994b).Desse modo,revela-seprovidencialoavançodasinvestigaçõesno domínio dos conhecimentos sociais. O modo como esses conhecimentos são adquiridos, o que a criança consegue assimilarecomoevoluisuacompreensãodomundosocial, se elucidados, podem orientar não apenas a reformulação curricular, como também a criação de procedimentos de ensinomaisadequadosaumcampoqueapresentadificuldade intrínsecaparasercompreendido.
Mais importante, segundo pensamos, é a contribuição dessas pesquisas para reorientar a visão de ensino-apren-dizagemdosconteúdosdasciênciassociais:deumavisão queseassentanoverbalismo,nodecorativoefactual,am-plamentedisseminadanasescolas,aoutraquevalorizaos conhecimentos prévios do aprendiz e sua compreensão e respeitasuaslimitações–evidentementevalorizandotambém aintervençãoquepodecorrigi-las,quandoinadequadas–, considerandoonívelsuperiordedificuldadequeapresentam osconteúdossociais.
Assimtambém,investigaçõesquesevoltamparaasolu-çãodeproblemaseparaopapeldoconflitosociocognitivona aprendizagemdãovaliosascontribuiçõesaoprofessorquando sãofontesdeidéiassobrecomoorganizarosconteúdose comodistribuiraclassenarealizaçãodetarefas.
Consideramos,noentanto,quehácertoperigo–jápre-senteentrenós–nadivulgaçãoderesultadosdepesquisas, quaisquerquesejam,apoiadasnaabordagempsicogenética (ouconstrutivista,comoémaisconhecida).Investigaçõessob nossacoordenaçãoouorientação(Chakur,2005;Chakur& cols.,2004;Massabni,2005;Silva,2005)apontaramorisco dequeoaligeiramentonadivulgaçãodedadoseidéiasdo Construtivismopodefomentar,entreprofessores,adissemi-naçãodefórmulasverbaisdestituídasdefundamentose/ou de raízes na prática educativa (tal comoo aluno constrói sozinhoosconhecimentosouoconteúdonãointeressa,o queimportaéoraciocínio),alémdereceitaseprescrições desligadasdateoriae/oudejustificativaspráticasquelhes dãosentido(porexemplo,deve-sedartrabalhoemgrupo emsaladeaulaounãosedevecorrigiroaluno).
Partindodoexposto,podemos,enfim,concluirqueaspes-quisaspsicogenéticasnãosóampliamocampodaPsicologia eodeumdosseusramos(aPsicologiadoDesenvolvimento) –casoemqueohomempassaamelhorcompreenderasi próprio em um mundo em contínuo movimento –, como tambémoferecemumavisãoampladodesenvolvimentopara aquelesqueseinteressamempromovê-lo,oqueconstitui umadasfinalidadesdaeducaçãoescolar.
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Recebidoem10.08.2005 Primeiradecisãoeditorialem24.10.2005 Versãofinalem06.12.2005