ROBERTA DA COSTA MARQUES FARIA
A PROPAGANDA DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E O
CONSUMO DE CERVEJA EM ADOLESCENTES: UM
ESTUDO ENTRE ESTUDANTES DE 6ª E 7ª SÉRIE DA
REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO.
Tese apresentada à
Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina
para obtenção do título de Mestre em Ciências.
Faria, Roberta da Costa Marques
A propaganda de bebidas alcoólicas e o consumo de cerveja em adolescentes: um estudo entre estudantes de 6ª e 7ª série da região metropolitana de São Paulo
Roberta da Costa Marques Faria. — São Paulo, 2010. 45 folhas.
Tese (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina.
Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria.
Título em Inglês: Alcohol advertising and adolescent beer drinking: a study among 6th and 7th grade students in the metropolitan area of São Paulo.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA MÉDICA
Chefe do Departamento: Prof. Dr. José Cássio do Nascimento Pitta
Coordenador do Curso de Pós-Graduação: Prof. Dr. Jair de Jesus Mari
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Pinsky
ROBERTA DA COSTA MARQUES FARIA
A PROPAGANDA DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E O
CONSUMO DE CERVEJA EM ADOLESCENTES: UM
ESTUDO ENTRE ESTUDANTES DE 6ª E 7ª SÉRIE DA
REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO.
Tese apresentada à
Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina
para obtenção do título de Mestre em Ciências.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Pinsky Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Rebeca Souza e Silva
Roberta da Costa Marques Faria
A PROPAGANDA DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E O
CONSUMO DE CERVEJA EM ADOLESCENTES: UM
ESTUDO ENTRE ESTUDANTES DE 6ª E 7ª SÉRIE DA
REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO.
BANCA EXAMINADORA
Presidente da banca: Profª. Drª. Ilana Pinsky
Examinadores:
Prof. Dr. Andre Malbergier
Prof.ª Dr.ª Rosana de Lima Soares
Prof.ª Dr.ª Ana Cecilia Petta Roselli Marques
DEDICATÓRIA
Ao meu marido, Hugo. Sem o seu apoio – de diversas maneiras – eu não teria concluído este projeto. Ao Rodrigo, cuja chegada me faz ter mais esperança de que nosso trabalho faça diferença.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Paulo e Heloisa, que me ofereceram as ferramentas para que eu pudesse
concretizar este sonho. Tenho certeza que foram os valores morais recebidos que tornaram
este projeto tão atraente.
À minha orientadora, Profª. Drª. Ilana Pinsky, por acreditar no meu potencial e me
estimular a buscar sempre o melhor que eu posso fazer. Principalmente, por ter iniciado
este trabalho do qual eu tenho tanto orgulho de participar, por acreditar que ele pode fazer
diferença.
À minha co-orientadora, Profª. Drª. Rebeca de Souza e Silva, que me ensinou a gostar ainda
mais de números e possibilitou que eu desenvolvesse uma autonomia que é privilégio de
poucos.
Ao Alan, meu colega de pesquisa que rapidamente se tornou um grande amigo e cuja
participação no projeto foi além da sua própria parte e fundamental para que eu conseguisse
concluir a minha.
Às pesquisadoras da Organização RAND, Rebecca Collins e Phillys Ellickson, pelas
orientações recebidas no período mais trabalhoso da pesquisa, quando montávamos os
questionários.
Aos amigos que participaram da aplicação dos questionários, pois sem pessoas de
confiança o trabalho não teria a mesma qualidade.
Às diretoras das escolas que nos receberam para a pesquisa e acreditaram em nosso
trabalho.
Aos meus colegas de trabalho da Pfizer, que ofereceram o apoio necessário para que eu
À Julia que, sem palavras, me ensinou mais do que muitos.
Aos meus irmãos, que dividem comigo os valores morais e que fazem questão de, assim,
como eu, aplicá-los em todos os seus dias. Este trabalho é fruto, principalmente, da nossa
criação.
A todos aqueles que, de alguma forma, me ajudaram a desenvolver este projeto da melhor
ÍNDICE
1. Introdução
2. Consequências do uso de álcool na adolescência
3. Antecedentes Científicos
4. Projeto Propaganda de Bebidas Alcoólicas - FAPESP
5. Objetivo
6. Metodologia
6.1. Parecer do Conselho de Ética em Pesquisa da UNIFESP
6.2. Localidade
6.3. Amostra
6.4. Procedimentos
6.4.1. Termo de Consentimento
6.4.2. Elaboração do questionário
6.4.3. Aplicação do Questionário
7. Resultados
8. Discussão
9. Conclusão
10.Referências Bibliográficas
11.Anexo I – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP
12.Anexo II – Termo de Consentimento Passivo
13.Anexo III – Questionário aplicado
15.Anexo V – Artigo: Vendrame A, Pinsky I, Faria R, Silva R. Apreciação de
propagandas de cerveja por adolescentes: relação com a exposição prévia às
mesmas e o consumo de álcool. Cad Saúde Pública 2009, 25(2): 359-365
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Distribuição dos alunos segundo escola frequentada e características
sócio-demográficas.
Tabela 2- Análise logística multivariada da associação entre variáveis de propaganda e
RESUMO
Objetivos: investigar o papel da propaganda de álcool nos hábitos e percepções de
adolescentes, no consumo recente de cerveja, juntamente com o papel da atuação dos pais
neste cenário. Métodos: São entrevistados 1115 estudantes, que compreendem todos os
alunos de 6ª e 7ª séries de 3 escolas públicas de São Bernardo do Campo (São Paulo,
Brasil). Mediante o emprego de análise univariada, são determinadas as variáveis
estatisticamente associadas a consumo de cerveja nos 30 dias anteriores, sendo estas
incluídas no modelo inicial. Na sequência recorre-se ao emprego de regressão logística.
Foram retiradas uma a uma, as variáveis com os maiores valores de p até que restaram no
modelo final apenas as variáveis que no conjunto apresentaram–se com significância <0,05.
Ressalte-se que o modelo de regressão logística foi controlado por idade, importância dada
à religião e ter banheiro em casa, pois estas diferiam entre as escolas. Resultados: O
consumo de cerveja nos 30 dias que antecederam a pesquisa está associado ao uso de
cigarro (OR = 4,370) e a se ter uma marca preferida de bebida alcoólica (OR = 5,243).
Também relacionam-se a este consumo: não ser monitorado pelos pais (OR= 1,943), achar
que as festas que frequentam parecem com as de comerciais (OR= 1,617), prestar muita
atenção aos comerciais (OR =1,603) e acreditar que os comerciais falam a verdade (OR=
1,892). Conclusões: Os dados sugerem que, entre os estudantes de escola pública, as
propagandas de bebidas alcoólicas, seja por remeterem os adolescentes à sua própria
realidade ou por acreditarem que elas dizem a verdade, mesmo na presença de outras
variáveis associadas ao consumo de cerveja apresentam-se positivamente associadas ao
consumo de cerveja nos 30 dias que antecederam a pesquisa. Esses dados sugerem que
limitar a veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas é um dos caminhos para a
1. INTRODUÇÃO
A dependência de álcool é um problema de saúde pública. Segundo o levantamento
da Organização Mundial de Saúde (WHO) de 2004, sua prevalência no Brasil é de 11.2%,
sendo 5.7% nas mulheres e impressionantes 17.1% nos homens. O uso de álcool está
relacionado a uma extensa gama de prejuízos físicos, mentais e sociais, e há um consenso
de que a saúde e o bem-estar de muitos jovens estão seriamente ameaçados pelo uso de
álcool.
A maioria dos profissionais da saúde concorda que o álcool afeta praticamente todos
os órgãos do corpo humano, estando ligado a mais de 60 doenças diferentes (WHO). O uso
de substâncias psicoativas em geral, por si só, pode interferir no desenvolvimento
cognitivo, emocional e social. O uso é especialmente danoso no indivíduo em crescimento,
quando seu sistema neurobiológico está amadurecendo (Crome, 2004; Englund et al, 2008).
Além disso, o abuso de álcool coloca o adolescente em situações de risco imediato na
medida em que, por exemplo, aumenta a probabilidade de se envolver em acidentes
automobilísticos, contrair doenças sexualmente transmissíveis e fazer uso de substâncias
ilícitas (Englund et al, 2008; Snyder et al, 2006) . Como atesta Reynaud, qualquer uso é um
problema para o adolescente (Reynaud et al, 2005).
O uso abusivo de álcool é influenciado por várias classes de fatores, dentre eles o
inicio precoce de uso (Englund et al, 2008; Ellickson et al, 2001). O início precoce, por sua
vez, também envolve diversos fatores individuais e interpessoais (Englund et al, 2008;
Fielder et al, 2009; Fleming et al, 2004; Hastings et al, 2005). Grande parte desses fatores é
potencialmente modificável, como crenças a respeito dos benefícios do álcool, expectativas
positivas em relação ao uso, estrutura familiar e ambiente permissivo ao uso de álcool
através de medidas como educação, ativismo comunitário, monitoração por parte dos
adultos responsáveis e fortalecimento dos laços com instituições sociais como escola e
religião (Austin et al, 2000; Bastos et al, 2008; Collins et al, 2005; Englund et al, 2008;
Grube & Wallack, 1994). Além disso, diversos estudos encontraram associação entre uso
de álcool e propagandas de bebidas alcoólicas (Babor et al, 2003 ; Casswell & Zang, 1998;
Englund et al, 2008; Fleming et al, 2004; Fulkerson et al, 2008; Hastings et al, 2005;
prejuízos causados pelo abuso de álcool, qualquer fator que pode ser modificado deve ser
um alvo de políticas públicas para que as crianças e jovens entendam o papel do álcool na
nossa sociedade. As propagandas de bebidas alcoólicas devem ser, portanto, estudadas sob
essa ótica: como fator envolvido no processo de uso/abuso de álcool que pode ser
modificado através de medidas, principalmente, restritivas (Grube & Waiters, 2005; Snyder
et al, 2006).
No Brasil, além de haver poucos programas de prevenção do consumo de álcool,
também há poucas restrições à propaganda de álcool. O país adotou o modelo de
auto-regulação através do CONAR, o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária27, e as regras relacionam-se, principalmente, ao conteúdo e à exposição de menores de idade às
peças. A eficácia dessa auto-regulamentação é, porém, questionada internacionalmente,
como demonstra Fielder (2009).
Em 2008, o governo brasileiro, através da ANVISA (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) e do Ministério da Saúde, tentou restringir a propaganda de cerveja na
televisão. Para tal, foi instituído que apenas bebidas com teor alcoólico inferior a 0,5 graus
Gay Lussac poderia fazer publicidade na televisão sem restrição de horário. Entretanto,
movimentos encabeçados pelas indústrias cervejeiras e por associações representantes dos
meios de comunicação conseguiram reverter essas propostas e, atualmente, não há restrição
de horário para propaganda de cerveja (Lei n.9.249, Website da Presidência da República).
Três revisões sistemáticas recentes, além de uma publicação da British Medical
Assocation intitulada “Under the influence—the damaging effect of alcohol marketing on
young people”a , chegaram à conclusão de que quanto mais o jovem está exposto a essas
propagandas, maior é a probabilidade dele beber ou de consumir bebidas alcoólicas em
maior quantidade. Portanto, há um interesse claro de saúde pública em reduzir a exposição
dos adolescentes à propaganda de álcool (Anderson et al, 2009a; Anderson et al, 2009b;
Jernigan, 2009; Smith et al, 2009).
2. CONSEQUÊNCIAS DO USO DE ÁLCOOL NA ADOLESCÊNCIA
Na adolescência, a maior parte das pessoas não atingiu sua maturidade cognitiva,
emocional, social e física. Adolescentes que fazem uso de álcool apresentam mais problemas de saúde, mais hospitalização e problemas neuro-comportamentais do que
aqueles que se mantêm abstinentes (Maldonado-Devincci et cols, 2010; Rassool et
Winington, 2003; Casswell & Zang, 1998; Schiffman, 2004; Witt, 2010) . Outras
consequências do abuso de substâncias incluem mau desempenho acadêmico, disfunções
familiares e sociais, acidentes automobilísticos, comportamento agressivo, conflitos com a
lei (Brannigan et al, 2004; Brust, 2002; Bukstein, 1997; Schiffman, 2004; Simons-Morton,
2004). Outros diagnósticos psiquiátricos também são mais frequentes em populações de
usuários de substâncias psicoativas do que na população geral, o que pode comprometer seu
funcionamento de maneira direta e indireta, sendo que uma condição influenciará no
desenvolvimento, tratamento e evolução da outra (Crome, 2004) .
É na adolescência que a maior parte dos usuários de álcool iniciam e desenvolvem
seus hábitos de consumo (Reynaud et al, 2005).A compreensão do início precoce do uso de
bebidas alcoólicas tem importância para o desenvolvimento de projetos de prevenção e,
especialmente neste contexto, de tratamento. O entendimento dos fatores que influenciam
este início precoce é de grande relevância, pois trata-se de um marcador para outros
problemas, além de ser um fator que aumenta a probabilidade de uso posterior de álcool e
outras drogas (Crome, 2004; Palmqvist et al, 2003; Snyder et al, 2006).
3. ANTECEDENTES CIENTÍFICOS
A indústria do álcool atua globalmente, tendo acesso a países industrializados e em
desenvolvimento. As marcas são vendidas mundialmente, mas os mercados são
desenvolvidos através da sua associação com diferentes esportes, estilos de vida e
identidades que variam de acordo com a cultura local. Sabendo-se que essa indústria
influência sobre o consumo (Casswell & Thamarangsi, 2009; Martin et al, 2002; 10th Special Report to the U.S. Congress, 2000).
Resultados de estudos indicam que a propaganda pode agir sobre o consumo de
várias maneiras, como através da exposição a elas, resposta afetiva (gostar das
propagandas) e mesmo influenciando as expectativas dos adolescentes em relação às
bebidas(Ellickson et al, 2001; Snyder at al, 2006; Collins et al, 2005; Fleming et al, 2004;
Austin & Meili, 1994; Stacy et al, 2004; Englund, 2008; Fulkerson, 2008; Grube &
Waiters, 2005).
O argumento dos profissionais envolvidos na publicidade e venda de bebidas
alcoólicas é de que o objetivo não é aumentar o consumo, e sim promover a troca e a
fidelidade à marca. Entretanto, estudos já demonstraram que apresentar fidelidade a uma
marca per se prediz consumo em maior quantidade de álcool (Casswell & Zang, 1998;
Grube & Waiters, 2005). Além disso, se a propaganda aumenta o consumo de determinada
marca, mas não diminui significativamente o consumo da marca concorrente, então pode
estar acarretando em aumento do consumo. Soma-se a isso o fato de que uma campanha
bem sucedida estimula a concorrência a produzir uma resposta (10th Special Report to the U.S. Congress, 2000).
Embora apenas recentemente a mídia leiga esteja dando algum tipo de atenção,
ainda que pequena, ao assunto, essa discussão se iniciou há mais de 20 anos. Uma das
primeiras análises do assunto data de 1980, e se trata de um documento assinado por Atkin
e Block sobre os conteúdos e efeitos da propaganda do álcool para o “Bureau of Alcohol,
Tobacco and Firearms”, nos Estados Unidos. Estes autores ainda publicaram outros estudos
na década de 80 que buscavam demonstrar a relação entre o consumo de álcool e as
propagandas (Atkin & Block, 1983; Atkin et al, 1983; Atkin et al, 1984).
A pesquisa da influência da propaganda no consumo tomou, assim, duas formas:
estudos econométricos e estudos de consumidores (Babor et al, 2003 ; Hastings et al, 2005;
10th Special Report to the U.S. Congress, 2000).
Estudos econométricos de maneira geral analisam os gastos com propaganda
(usados como aproximação para exposição e resposta) e consumo total (usado como
aproximação para prejuízos relacionados ao álcool), mas alguns autores já compararam os
automobilísticos e problemas clínicos consequentes ao uso crônico de álcool (Grube, 1995;
Grube & Waiters, 2005; Hastings et al, 2005; 10th Special Report to the U.S. Congress, 2000). Smith e Geller publicaram, em 2009, um estudo que apontou que, nos Estados
Unidos, não apenas o beber era afetado por propagandas que tinham como alvo os jovens,
mas também comportamentos de beber e dirigir. Os estados que possuíam leis que proibiam
anúncios cujo alvo eram os jovens apresentaram 32,9% menos fatalidades no trânsito do
que aqueles sem estas leis. Eles estimam que, se elas fossem adotadas nos 26 estados que
não proíbem este tipo de propaganda, 400 vidas poderiam ser salvas por ano.
O estudo de Snyder et al (2006) demonstrou, por exemplo, que jovens americanos
vivendo em áreas com maior gasto com propagandas consumem volumes maiores de
bebidas alcoólicas inclusive depois dos 20 anos de idade.
Diversos autores (Aitken et al, 1988; Babor et al, 2003; Grube & Waiters, 2005;
Hastings et al, 2005; 10th Special Report to the U.S. Congress, 2000) já discutiram os estudos econométricos de maior relevância disponíveis. Todos apontaram a grande variação
nos resultados obtidos. Quando as comparações entre propaganda e vendas foram feitas, a
conclusão geral é de que os efeitos no consumo total são pequenos, tendo maior relevância
a promoção no ponto de venda. Esses estudos, entretanto, são frequentemente criticados por
apresentarem falhas metodológicas. Entre elas está o fato de que esses estudos tendem a
agregar todas as formas de propaganda, o que não permite que as suas variações sejam
estudadas separadamente. Além disso, minimiza os efeitos das variações na disponibilidade
das propagandas ao longo do ano e seus efeitos de curto prazo bem como mercados com
maior número de adultos daqueles com maior número de indivíduos mais jovens.
Finalmente, outra limitação é o fato de não estarem centrados no indivíduo: não aumentar
consumo total não significa que não há aumento para nenhum grupo de indivíduos (Babor
et al, 2003; Hastings et al, 2005; 10th Special Report to the U.S. Congress, 2000). Ainda mais importante é o fato de que esses estudos não dizem nada a respeito do consumo dos
adolescentes e de outros subgrupos de consumidores (Hastings et al, 2005).
A partir da década de 90, alguns autores optaram por estudos econométricos no
segundo molde: comparar graus de restrições ou gastos em propaganda a dados estatísticos
referentes a acidentes automobilísticos e doenças relacionadas ao uso de álcool (Babor et al,
Geller, 2009; Saffer e Dave, 2006; Chaloupka et al, 2002) . Esses estudos, então, foram
mais bem sucedidos ao demonstrarem que a maior disponibilidade de propaganda de
bebidas alcoólicas está relacionada a maiores índices dos problemas citados, ou seja, quanto
maior o grau de restrição à propaganda, menores os índices, por exemplo, de acidentes
automobilísticos. Esses estudos também não são livres de críticas, já que esses números e
as próprias restrições poderiam ser consequência de uma postura em relação ao álcool
anterior à proibição.
Os estudos de consumidores são aqueles que “utilizam o indivíduo como a unidade
da análise” (Aitken et al, 1988), ou seja, tentam examinar as respostas dos jovens às
propagandas de bebidas alcoólicas (Hastings et al, 2005). Nesta categoria encontramos,
ainda, outras variações. Alguns estudos foram feitos longitudinalmente (Englund et al,
2008; Ellickson et al, 2001;, Stacy et al, 2004) e outros transversalmente (Austin et al,
2000; Collins et al, 2003 ; Fleming et al, 2004; Grube & Wallack, 1994) .
Alguns autores, como Austin (2006), Ellickson (2001), Collins (2003, 2005), Grube
(1994, 1995, 2005) e Fleming (2004) procuram explorar as respostas do “receptor” da
propaganda à mesma como preditores de uso atual e futuro. Esses pesquisadores usam
como pano de fundo de seus estudos algumas teorias psicológicas e sociais, como
“Processo de Interpretação da Mensagem”, a “Social Bonding Theory” ou a “Teoria do
Aprendizado Social”, de Bandura (1976). Tomadas em conjunto, estas teorias nos dizem
que o jovem vai imitar comportamentos que ele considera vantajosos, e o veredicto a
respeito deste comportamento se dá através de um complexo processo de interpretação das
mensagens que ele recebe, utilizando sua história pessoal e respostas afetivas.
Outros autores, como Stacy(2004) e Snyder (2006), optam por explorar a exposição
preferencialmente de maneira quantitativa, ou seja, horas de exposição presumida. Uma
crítica a esse tipo de estudo é que ele não leva em consideração, entre outras coisas, a
atenção dirigida ao comercial. Ou seja: estar com a televisão ligada não é garantia de que as
informações contidas na propaganda estejam sendo absorvidas e processadas. Isso é
importante antes mesmo de considerar-se a resposta afetiva. O estudo de Collins (2005),
por exemplo, sugere que jovens que prestam maior atenção aos comerciais e guardam
maiores quantidades de informações sobre os mesmos têm maiores chances de beber ou
uma mensagem é o primeiro passo para ser persuadido (Collins et al, 2005). Juntos, estes
estudos sugerem que a propaganda pode influenciar o consumo através da simples
exposição a elas, da atenção prestada a seu conteúdo e da resposta afetiva dos espectadores.
Estes estudos foram realizados em países desenvolvidos, cujos mercados de bebidas
alcoólicas já estão relativamente estabilizados. O Brasil, entretanto, é um mercado com
grande potencial de crescimento, pois sua economia está em expansão e possui grande
contingente populacional com, ainda, grande proporção de adolescentes (IBGE). Uma
grande parte da população jovem brasileira ainda não consome bebidas alcoólicas
regularmente (Pinsky et al, 2010). Por isto, e também devido ao fato de nossa população
apresentar hábitos e condições de vida bem distintos destes países, é importante que sejam
realizados estudos originais dentro da nossa cultura, para avaliarmos a possibilidade de
extrapolar dados de outros estudos para a nossa realidade.
A importância desse tipo de pesquisa reside nos subsídios fornecidos para políticas
públicas.
4. PROJETO PROPAGANDA DE BEBIDAS ALCOÓLICAS - FAPESP
Este estudo é parte de um projeto mais abrangente financiado pela FAPESP através
da linha de fomento Jovens Pesquisadores, intitulado “Os Jovens e A Propaganda de
Bebidas Alcoólicas no Brasil” (2003/06250-7 e 04/13564-0). O objetivo desse projeto é
reunir dados para a avaliação do impacto da propaganda de álcool sobre os jovens e o
desenvolvimento de subsídios para políticas públicas sobre o assunto.
Minha participação no projeto começou em 2004, quando iniciamos uma extensa
revisão bibliográfica e iniciamos contato com diversos pesquisadores internacionais da
área, como Thomas Babor, Sally Caswell, Erica Austin, pesquisadores da Organização
RAND, entre outros. Nesse momento também elaboramos o desenho dos braços da
pesquisa e definimos aspectos da aplicação dos questionários e levantamento das
propagandas que estavam sendo veiculadas.
Desta forma, tive a oportunidade de participar não apenas do meu braço da
propagandas, investigou as aquelas mais populares entre os adolescentes e a percepção dos
adolescentes quando à obediência destas propagandas às regras do CONAR. Esta pesquisa
foi realizada em duas fases:
- Na primeira fase, procurou-se investigar quais, entre as propagandas de
bebidas alcoólicas recentes (entre cerveja e bebidas ice), eram as mais populares
entre os adolescentes. Foram utilizadas as 34 principais campanhas de televisão de
cerveja e bebidas ice do primeiro semestre de 2006 (a empresa “Arquivo da
Propaganda” faz essa classificação e nos vendeu as propagandas em vídeo e CD).
Esses comerciais foram editados em três ordens diferentes: do número 1 ao 34, na
ordem inversa (34-1) e em ordem aleatória. Os comerciais foram apresentados a
uma amostra de 134 adolescentes de 15 a 17 anos na sala de aula (nas diferentes
ordens para cada sala). Os adolescentes responderam a um rápido questionário, em
que relataram seu grau de apreciação de cada propaganda e o conhecimento prévio
da mesma. O objetivo aqui foi fazer a classificação daquelas propagandas às quais
os adolescentes estavam mais expostos, quais as que eles mais gostavam e
selecionar as cinco mais populares para utilização na segunda fase do estudo.
- Na segunda fase, pesquisou-se a percepção dos adolescentes sobre os
temas das propagandas selecionadas na 1a. fase. Para esta fase, foi selecionada outra
amostra de 284 estudantes (7 classes de 1º ano e 5 classes de 2º ano), também de
ensino médio, entre 15-17. Utilizou-se um questionário que incluía duas partes. A
primeira dizia respeito aos temas das propagandas, seguindo as regras do Código de
Auto-regulamentação Publicitária do CONAR (Conselho de Auto-regulamentação
Publicitária): para cada regra do Código, havia pelo menos uma questão
correspondente. A resposta indicaria se o adolescente verificou ou não violação à
norma. Na segunda parte, o questionário incluía questões sócio-demográficas, sobre
o consumo de bebidas e problemas relacionados com o álcool dos estudantes, além
de algumas características comportamentais (ex: impulsividade, atitudes
O outro braço estuda as estratégias de marketing utilizadas pelas indústrias
cervejeiras, e neste participei da elaboração do desenho, no momento em que foi estudada a
frequência das propagandas de álcool na televisão, feito da seguinte forma:
- Estabelecimento da frequência de propagandas e vinhetas de álcool na televisão.
Foram selecionados os principais programas nacionais da televisão aberta com
percentagem de telespectadores adolescentes (14-17 anos) acima da representatividade
destes na população geral (ou seja, por volta de 12% ou mais). Esses programas foram
selecionados de acordo com banco de dados do Ibope Monitor. Foram coletadas várias
horas de programas em uma semana para cada mês entre fevereiro e julho de 2006. No
momento, procede-se à classificação dos resultados obtidos. Objetivo: verificar a
exposição de adolescentes às propagandas de álcool na televisão.
- Coleta de propagandas de álcool em revistas brasileiras de circulação nacional com
percentagem de leitores adolescentes acima da representatividade da população geral e
que permitem propagandas de bebidas alcoólicas. Todas as revistas escolhidas têm 20%
ou mais de leitores adolescentes. Essas revistas foram assinadas por um ano a partir de
julho/2006. Neste momento, as propagandas de bebidas alcoólicas estão sendo
recolhidas e classificadas em um banco de dados. Objetivo: verificar a exposição de
adolescentes às propagandas de álcool em revistas.
- Leitura sistemática de três jornais brasileiros em busca de artigos sobre cerveja ou
bebidas ice do ponto de vista econômico, de propaganda ou mesmo relacionado a
esportes (patrocínio de eventos). Foram selecionados três jornais, um geral (Folha de S.
Paulo), um da área econômica (Valor Econômico) e outro da área de promoção (Meio e
Mensagem). Esses jornais foram pesquisados por cerca de três anos por meio
eletrônico. O objetivo foi elaborar relatórios sobre cerveja e bebidas ice que nos
fornecesse subsídios para a elaboração de entrevistas com profissionais da área e nos
Desse projeto já foram originados:
x Artigos científicos:
o Vendrame A, Pinsky I, Faria R, Silva R. Apreciação de propagandas de
cerveja por adolescentes: relação com a exposição prévia às mesmas e o
consumo de álcool. Caderno de Saúde Pública, 2009. 25(2): 359-365
(Anexo V).
o Pinsky I, El Jundi AS. Alcohol advertising and alcohol consumption
among youngsters: review of the international literature. Revista
Brasileira de Psiquiatria, 2008. 30(4): 362-374.
o Pinsky, I ; Pavarino, RV. A apologia do consumo de bebidas alcoólicas
e da velocidade no trânsito no Brasil: considerações sobre a propaganda
de dois problemas de saúde pública. Revista de Psiquiatria do Rio
Grande do Sul, 2007. 29: 110-118.
o Vendrame, A.; Pinsky, I.; Silva, R.; Babor, T. Assessment of
self-regulatory code violations in Brazilian television beer advertisements.
Aceito para publicação no Journal of Studies on Alcohol and Drugs
(2009).
x Um livro
o Pinsky, I (organizadora). Publicidade de bebidas alcoólicas e os jovens.
São Paulo: FAPESP, 2009.
x Um capítulo de livro
o Jette, S. ; Sparks, R. ; Pinsky, I ; Castaneda, L. ; Haines, R. . VI) Youth,
sports and the culture of beer drinking: global alcohol sponsorship of
sports and cultural events in Latin América.. In: Wenner; Jackson.
(Org.). Sport and Cultural Events in Latin America. New York: Peter
Lang Publishers, 2008, v. , p. 75-95.
Esta ramificação do estudo originou um artigo submetido à Revista de Saúde
5. OBJETIVO
Observar a associação entre consumo de álcool nos 30 dias que antecederam a
aplicação dos questionários e fatores relacionados à propaganda de bebidas alcoólicas.
Este estudo é classificado como “Estudo de Consumidor”, pois utiliza o indivíduo
como a unidade da análise, como definido por Aitken et al (1988) e, mais especificamente,
tenta examinar a resposta da população estudada às propagandas de cerveja (Hastings et al,
2005).
Trata-se de um estudo observacional transversal. Não foi realizada nenhuma
intervenção nos sujeitos da pesquisa, houve apenas coleta de dados.
6. METODOLOGIA
6.1. Parecer do Conselho de Ética em Pesquisa da UNIFESP:
O estudo foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa da UNIFESP, tendo sido
aprovado em março de 2006 sob o registro 1767/05 (Anexo I).
6.2. Localidade:
Cidade de São Bernardo do Campo.
São Bernardo do Campo é uma cidade de cerca de 660.400 habitantes, com
características demográficas semelhantes às da maioria das cidades urbanas do Brasil em
termos de idade, renda familiar e grau de educação (IBGE, 2000, disponível em
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1). Internamente, sobretudo no que
concerne aos frequentadores de escola pública, há uma grande homogeneidade no padrão
sócio econômico de seus habitantes. Assim sendo, embora não seja possível realizar-se a
inferência estatística de nossos resultados para todas as escolas públicas de São Bernardo,
pode-se lançar mão do exercício de extrapolação.
6.3 Amostra:
Foram preenchidos 1132 questionários por alunos de 6ª e 7ª séries de três escolas
estarem localizadas próximas à região central e por contarem com um grande número de
salas de 6ª e 7ª séries. Ao todo foram visitadas 34 salas de aula, com uma média de 33
alunos por sala, ou seja, todas as turmas de 6ª e 7ª séries dessas escolas. A opção de
entrevistar alunos dessas séries deveu-se aos resultados do levantamento nacional do
CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) de 2004, que
encontrou que a idade média de início de consumo de álcool no Brasil é de 12,5 anos de
idade.
6.4. Procedimentos:
6.4.1. Termo de Consentimento
Primeiramente obtivemos orientação e autorização por escrito do Delegado de
Ensino de São Bernardo do Campo.
Um termo de consentimento passivo (Anexo II) foi enviado aos pais dos alunos
através dos mesmos, no mesmo molde de comunicados escolares. Esse termo foi entregue
em mãos às diretoras de cada escola e entregues aos alunos por membros da sua equipe
uma semana antes da aplicação do questionário. Caso o responsável não aceitasse a
participação de seu filho na pesquisa, deveria entrar em contato com um dos coordenadores
do estudo, através de telefones ou endereços de e-mail constantes no termo de
consentimento. No momento da aplicação, os alunos eram informados que tinham a opção
de recusar participação. Os resultados desse tipo de procedimento em relação ao
consentimento ativo provou-se uma alternativa custo-efetiva viável (Ellickson et al, 1989).
6.4.2. Elaboração do questionário
O questionário (Anexo III) possui 3 partes, cujas medidas foram selecionadas com
base em artigos já publicados por outros autores. A seguir, será explicitada a base teórica
das medidas utilizadas.
A primeira e a terceira parte do questionário são variáveis estabelecidas como de
controle, ou seja, aquelas que podem influenciar o consumo de bebidas alcoólicas
A primeira parte do questionário analisa características gerais do adolescente, como
período de estudo (manhã, tarde ou noite), gênero, série, idade, raça e alfabetização, mas
também outras variáveis de importância, como descrito adiante.
O desempenho escolar, medido pelas notas que o sujeito costuma tirar em provas, é
importante para controlar estatisticamente a habilidade de entender e absorver a informação
passada pela propaganda e também para a habilidade de responder corretamente aos itens
do questionário (Collins et al, 2005; Englund et al, 2008).
De acordo com a “Social Bonding Theory” (Bandura, 1976; Collins et al, 2003;
Englund et al, 2008; Ellickson et al, 2001), laços religiosos e escolares são fatores de
proteção (Thomsen et al, 2004), motivo pelo qual foram incluídas também medidas de
religiosidade. Um recente estudo nacional encontrou que o fato de um indivíduo ser criado
em um lar em que a religião não se mostra relevante aumenta a chance dele adotar um
padrão de consumo regular de álcool (Bastos et al, 2008). Além disso, o monitoramento por
parte dos pais, medido neste questionário pelo conhecimento destes sobre onde seus filhos
costumam estar (“Quando você não está em casa, seus pais costumam saber onde está?)
(Martino et al, 2006; Ramirez et al, 2004; Simons-Morton et al, 2005) parece também ser
um fator de proteção para o início precoce de uso de bebidas alcoólicas.
Alguns comportamentos podem predispor ao consumo atual de bebidas alcoólicas
(Englund et al, 2008). Estes são: conduta anti-social, impulsividade (Englund et al, 2008;
Ellickson et al, 2001), uso prévio de bebidas alcoólicas (Collins et al, 2005; Ellickson et al,
2001; Martin et al, 2002; Martino et al, 2006) tanto pelo estudante quanto por amigos e
pais, aprovação ou desaprovação de pais e amigos do uso de álcool por parte do estudante,
uso prévio de cigarro e outras drogas e expectativas em relação ao álcool. Assim, foram
incluídas, também, perguntas a respeito de crenças e expectativas em relação ao uso de
álcool (Aas et al, 1998, Austin et al, 2000; Ellickson et al, 2001;Fleming et al, 2004; Grube
& Wallack, 1994; Stacy et al, 2004).
As propagandas se dão em diversos formatos: outdoors, revistas, rádio, televisão,
entre outras. Foi selecionado, para este estudo, o de propagandas de televisão. As questões
- exposição (Collins et al, 2005; Collins et al, 2003 ; Englund et al, 2008; Grube &
Wallack, 1994; Stacy et al, 2004): horário em que o sujeito da pesquisa costuma assistir
televisão, programas que costuma assistir, quantas vezes viu determinada propaganda;
- “consciência” das propagandas (do inglês, awareness) e reconhecimento das
marcas (Aitken et al, 1988; Collins et al, 2005; Collins et al, 2003 ; Grube & Wallack,
1994): estudantes foram questionados a respeito do reconhecimento de marcas de
determinadas propagandas;
- atenção prestada às propagandas (Collins et al, 2005; Wyllie et al, 1998);
- resposta afetiva às propagandas (Casswell & Zang, 1998; Grube & Waiters, 2005;
Martin et al, 2002; Wyllie et al, 1998), ou seja, se gosta das propagandas, acha “legais”,
engraçadas ou o contrário;
- crenças a respeito das propagandas, como por exemplo se falam a verdade,
parecem-se com suas vidas pessoais, se retratam pessoas como as quais os adolescentes
gostariam de ser (Austin et al, 2006; Austin et al, 2000; Martino et al, 2006; Wyllie et al,
1998).
O consumo de álcool foi medido perguntando-se sobre o consumo durante o último
ano, últimos 6 meses e últimos 30 dias (Austin et al, 2006; Simons-Morton, 2004; Thomsen
et al, 2004).
Antes da finalização do questionário para a realização do estudo, foram feitos 4
grupos focais com alunos de 6ª a 8ª série de outras escolas. O objetivo destes grupos era
checar o entendimento das questões por parte de alunos desta faixa etária. O questionário
era aplicado nesses grupos e, após os alunos terminarem seu preenchimento, discutíamos,
questão por questão, o que foi entendido por eles. Assim, a elaboração das perguntas levou
em consideração a compreensão das questões por parte de adolescentes da faixa etária do
estudo.
6.4.3. Aplicação do Questionário
As entrevistas foram realizadas em dois momentos: de agosto a novembro de 2006 e
agosto a novembro de 2007. Este estudo refere-se aos resultados da primeira fase de
O questionário foi aplicado por entrevistadores com treinamento específico.
Os questionários, estruturados, foram respondidos pelos próprios sujeitos da
pesquisa na forma de papel-caneta, nas escolas, em período de aulas. A duração
aproximada foi de 45 minutos (período de uma aula).
A cada aluno foi atribuído um número, cuja identificação foi registrada em uma lista
à qual têm acesso apenas os principais investigadores e é guardada em local diferente dos
questionários respondidos. Este procedimento permite aplicação de novos questionários
para os mesmos sujeitos em outra ocasião.
Nenhum estudante ou responsável recusou participação no estudo. Entretanto, dez
estudantes preencheram os questionários de maneira inadequada. Embora os respectivos
questionários tenham recebido o mesmo tratamento que os incluídos no estudo em relação à
sua confidencialidade, eles não foram incluídos na análise estatística. Além destes, 8
questionários foram excluídos porque seus respondentes eram ou muito novos (abaixo de
11 anos) ou muito mais velhos (acima de 16 anos) do que a idade habitual de um aluno de
6ª ou 7ª série. Com isso, o número final de questionários analisados foi de 1115 – uma
perda desprezível para os efeitos de nossas análises.
6.5. Análise estatística
Foi utilizado o programa SPSS, versão 15.0.
Todas as variáveis que apresentaram, em análise univariada, relação com consumo
de cerveja nos 30 dias que antecederam a pesquisa foram transformadas em variáveis
binárias quanto a seu comportamento em relação a esta variável resposta. As únicas que
foram excluídas desta análise foram:
x bebeu na frente de adultos e bebeu quando adultos não estavam vendo, pois
tendo bebido nos 30 dias que antecederam a pesquisa ele deve tê-lo feito em
uma ou outra situação;
x pretende beber no ano seguinte, pois na elaboração do questionário foi
incluída como variável resposta para análises seguintes (estudo
longitudinal).
Apesar de terem sido questionados sobre consumo no último ano, últimos 6 meses e
confiável. As respostas de tempos mais remotos eram inconsistentes: por exemplo, muitas
vezes o consumo no último ano mostrava resposta negativa enquanto nos últimos 6 meses a
resposta era positiva.
Tendo sido transformadas em variáveis binárias, foram incluídas no modelo inicial
ou saturado todas as variáveis que apontassem uma significância estatística de pelo menos
10% (p<0,10). A partir daí, foram retiradas uma a uma, as variáveis com os maiores valores
de p até que restaram no modelo final apenas as variáveis que no conjunto apresentaram–se
com significância <0,05.
Nesse momento foram testadas todas as possíveis interações multiplicativas, mas
que não se revelaram significantes. Ressalte-se que o modelo de regressão logística foi
controlado por idade, importância dada à religião e ter banheiro em casa, pois estas
variáveis diferiam entre as escolas.
Gênero e escola não permaneceram no modelo final, pois não se revelaram
estatisticamente associadas, na presença das demais variáveis, ao consumo de álcool nos
últimos 30 dias (p>0,05).
As variáveis que, no conjunto, apresentaram significância inferior a 5% são:
- Pais costumam saber onde está?
- Tem uma marca preferida?
- Já fumou cigarro?
- Presta atenção aos comerciais de bebidas alcoólicas na TV?
- Comerciais de bebidas alcoólicas falam a verdade?
- As festas que eu frequento parecem as dos comerciais?
7. RESULTADOS
Analise descritiva
Conforme mostra a tabela 1, a distribuição de gênero é homogênea entre as escolas
(meninas perfazem total de 53,32% da amostra). Não obstante, as demais variáveis -
estatisticamente associadas às escolas estudadas (como já citado acima). Ou seja, cada
escola apresenta uma característica que a diferencia das outras duas nesses três últimos
quesitos citados. Assim, como dito anteriormente, estas variáveis significativamente
associadas com o tipo de escola são utilizadas como controle no modelo de regressão
logística, explicitado na tabela 2. Das variáveis de cunho social contidas no instrumento de
coleta, a que mais diferenciou uma escola da outra foi a referente a ter ou não banheiro
dentro de casa. Esta variável foi utilizada como aproximação para status econômico pois,
nos dias atuais, não ter banheiro dentro de casa revela a precária condição de moradia e, por
Tabela 1- Distribuição dos alunos segundo escola frequentada e características sócio-demográficas.
ESCOLA 1 ESCOLA 2 ESCOLA 3 Total Chi- p
Freq %* Freq %* Freq %* Freq %* quadrado
Total de alunos 411 383 321
Gênero masculino 192 46,72 180 47,12 148 46,11 520 46,68 0,072
feminino 219 53,28 202 52,88 173 53,89 594 53,32 0,964
Não Resp 0 1
Idade 11, 12, 13 372 91,18 333 87,17 250 78,37 955 86,11 25,101
14, 15, 16 36 8,82 49 12,83 69 21,63 154 13,89 0,000
Não resp. 3 1 2
Religião é importante sim, muito 209 50,98 227 59,42 163 51,1 599 53,92 7,111
para você? outras 201 49,02 155 40,58 156 48,9 512 46,08 0,029
Não resp. 1 1 2
Tem banheiro em casa? sim 356 89,4 356 95,4 295 93,4 1007 92,6 10,48
não 42 10,6 17 4,6 21 6,6 80 7,4 0,005
Análise Logística Multivariada
O modelo final está demonstrado na tabela 2. Do modelo inicial, em que todas as
variáveis independentes são incluídas no modelo, apenas gênero e escola não integram o
modelo final ou reduzido. Todas as demais variáveis independentes estão positivamente
associadas ao consumo de cerveja nos 30 dias que antecederam a aplicação do questionário,
com p< 0,05. Conforme mostra a tabela 2, estas associações estão controladas para idade,
importância da religião em suas vidas e presença de banheiro em casa.
O fato de os pais saberem onde os estudantes estão quando não estão com eles
aparece como um fator de proteção importante: aqueles adolescentes cujos pais costumam
saber onde eles estão apresentam risco quase duas vezes menor de ter consumido cerveja
nos 30 dias anteriores.
Todas as variáveis diretamente referentes às propagandas estavam associadas ao
consumo de cerveja nos 30 dias anteriores. A crença de que os comerciais de bebidas
alcoólicas falam a verdade mostrou associação com o consumo: aqueles que acreditam que
os comerciais falam a verdade apresentam odds ratio para consumo de cerveja nos 30 dias
anteriores de 1,892 (p= 0,001). Da mesma forma, a percepção de similaridade entre os
comerciais e a vida real dos estudantes, definida por “as festas que eu frequento parecem
com as dos comerciais”, apresentou odds ratio de 1,617 (p= 0,023). Outro dado que merece
referência dentro desta discussão é que o simples fato de prestar atenção aos comerciais
oferece por si só um risco aumentado de consumo de bebidas (OR 1,603, com p= 0,025).
Finalmente, a significância mais expressiva deve-se a ter uma marca preferida de
Tabela 2- Análise logística multivariada da associação entre variáveis de propaganda e independentes e consumo de cerveja nos 30 dias anteriores entre
adolescentes (n= 1115)
B S.E. Wald df Sig. OR IC 95,0% Para OR
Pais não sabem onde está. 0,664 0,188 12,456 1 0 1,943 1,344 2,81
Tem uma marca preferida de bebida alcoólica? 1,657 0,223 55,21 1 0 5,243 3,387 8,116
Já fumou cigarro? 1,475 0,223 43,83 1 0 4,37 2,824 6,761
Presta atenção aos comerciais de bebidas alcoólicas na
TV? 0,472 0,21 5,047 1 0,025 1,603 1,062 2,42
Comerciais de bebidas alcoólicas falam a verdade. 0,638 0,197 10,519 1 0,001 1,892 1,287 2,782
As festas que eu frequento parecem as dos comerciais de
bebidas alcoólicas. 0,481 0,211 5,2 1 0,023 1,617 1,07 2,444
Constante -3,151 0,232 184,366 1 0 0,043
* OR= odds ratio
8. DISCUSSÃO
Este é um estudo original no Brasil, realizado com alunos do ensino fundamental de
uma cidade da região metropolitana de São Paulo. Nossos dados sugerem que, nessa
metrópole brasileira, para os alunos de ensino fundamental, as propagandas de bebidas
alcoólicas estão associadas ao consumo de cerveja através de, pelo menos, quatro aspectos:
pela similaridade percebida, atenção prestada aos comerciais, crença de que os comerciais
falam a verdade e através da promoção da fidelidade à marca. Isto é confirmado mesmo
controlando para outros aspectos tradicionalmente associados ao consumo de bebidas
alcoólicas em adolescentes, como idade, gênero, monitoração por parte dos pais (fator
protetor), classe social e importância da religião (Ramirez et al, 2004; Simons-Morton et al,
2005; Star et al, 2005) na vida dos estudantes. É importante acrescentar que, em relação à
religiosidade, o estudo de Bastos et al, que é um estudo nacional, encontrou que o fato de um
indivíduo ser criado em um lar em que a religião não se mostra relevante aumenta a chance
dele adotar um padrão de consumo regular de álcool (Bastos et al, 2008).
Mesmo quando incluímos outra variável associada ao consumo de cerveja, o uso de
cigarro, as variáveis de publicidade continuam associadas ao consumo nos 30 dias que
antecederam a pesquisa. Algumas variáveis apresentaram diferença estatisticamente
significativa entre as escolas, mas aquelas que eram de fato o objeto de nosso estudo, as
relacionadas às propagandas, não apresentaram essa diferença e, portanto, não são
influenciadas pelo local.
Nossos resultados são compatíveis com evidências de outros estudos ligando
consciência da propaganda (do inglês, “advertising awareness”) e propensão para beber.
Collins (2005) encontrou que a atenção prestada aos comerciais era o fator preditivo mais
relevante de consciência da propaganda. Além disso, seu estudo de 2003 encontrou, ainda, que
essa consciência era importante fator preditivo de consumo de bebidas alcoólicas em meninos.
É relevante o fato de que ter uma marca preferida de bebida alcoólica está associado ao
consumo de cerveja nos 30 dias que antecederam a pesquisa. O achado de que a fidelidade à
marca está associada ao consumo deixa dúvidas sobre a alegação da indústria de bebidas
alcoólicas de que mensagens que reforçam essa fidelidade não apresentam impacto no
consumo de álcool (Collins et al, 2005) . Na verdade, como foi exposto anteriormente, outros
estudos indicam que a fidelidade à marca per se prediz consumo inclusive em escalas maiores
(Collins et al, 2005; Hastings et al, 2005). A marca é o principal fator de influência no
(Jackson et al, 2000) . Dado que a indústria do álcool alega que não é o aumento de volume de
consumo, mas a fidelidade à marca que é o intuito das suas propagandas (Snyder et al, 2006),
podemos levantar a hipótese de que este resultado é efeito da exposição excessiva às mesmas.
Além disso, estudos recentes demonstram grande quantidade de propagandas em revistas com
leitores jovens e aumento na frequência das propagandas de álcool, principalmente cerveja,
em horários de televisão com maior audiência jovem, deixando-os, muitas vezes, mais
expostos do que pessoas em idade de consumo legal (Fielder et al, 2009; King et al, 2009;
Shenkeret al, 2007). Isto sugere um esforço da indústria em expor os adolescentes às
propagandas.
A socialização é o processo através do qual as pessoas aprendem como agir e interagir
sucessiva e diariamente com outros em seu ambiente. DeFleur e Ball-Rokeach postulam que
as mídias de massa na sociedade moderna informam as pessoas sobre os aspectos da vida e
seu papel na sociedade. O papel dessa mídia na socialização ainda não é completamente
conhecido (Baillie, 1996), mas evidências de estudos indicam que as propagandas de bebidas
alcoólicas reforçam influências culturais e sociais para o consumo. Neste contexto, a crença de
que os comerciais de bebidas alcoólicas falam a verdade é uma variável de importância. Se os
adolescentes acreditam nisto, os comerciais podem ser vistos como fontes para definir suas
ideias a respeito de “hábitos normais de beber” (Austin et al, 2000; Fleming et al, 2004;
Reynaud et al, 2005; Wyllie et al, 1998). As propagandas retratam comportamentos cujos
resultados são valorizados, e seus modelos para os adolescentes pode resultar em aprendizado
social (Bandura, 1976; Casswell & Zang, 1998). Isto nos leva à importância da discussão a
respeito do material ao qual eles são expostos.
Entendemos, na população estudada, que está sendo aceito o conceito de que as festas
são como os comerciais costumam mostrá-las. Segundo Stuart Hall (2003), “antes que essa
mensagem possa ter um ‘efeito’ (qualquer que seja sua definição), satisfaça uma necessidade
ou tenha um ‘uso’, deve primeiro ser apropriada como discurso significativo e ser
significativamente decodificada. É esse conjunto de significados decodificados que ‘tem um
efeito’, influencia, entretém, instrui ou persuade, com consequências perceptivas, cognitivas,
emocionais, ideológicas ou comportamentais muito complexas. Em um momento
‘determinado’, a estrutura emprega um código e produz uma ‘mensagem’; em outro momento
determinado, a ‘mensagem’ desemboca na estrutura das práticas sociais pela via de sua
decodificação.” Bandura, estudioso de área diversa daquela de Hall, faz a mesma afirmação
quando diz que o indivíduo reproduz o comportamento que por ele é tido como vantajoso ou
verdade, está se apoderando de uma mensagem que lhe foi passada, mas também poderia não
fazê-lo por julgá-la prejudicial. O indivíduo vai reproduzir um comportamento que reflete uma
ideia da qual ele se apropriou. Aqui se evidencia a importância de uma “educação para a
mídia”, que teria o papel de facilitar a “não-apropriação” das ideias pouco saudáveis que estão
sendo divulgadas pelas propagandas e ensinar os jovens a reconhecer quando a propaganda
está tentando impor ideias que beneficiam unicamente ao transmissor.
Hall ainda continua dizendo que esses processos são ordenados por estruturas de
compreensão e reproduzidos por relações econômicas e sociais, que vão moldar a
concretização no ponto final da recepção. Apenas assim os significados desses discursos
podem ser transpostos para a prática ou a consciência. Portanto, podemos entender que
pessoas diferentes em condições diferentes vão receber esses discursos e traduzi-los de
maneiras diferentes, assim como vão concretizá-los de maneiras peculiares. Nesse mesmo
texto,Hall cita Umberto Eco: “os signos icônicos parecem com objetos do mundo real porque
reproduzem as condições perceptivas (ou seja, os códigos) de quem os vê”, mas afirma, ainda,
que as condições de percepção “são o resultado de um conjunto de operações altamente
codificadas, ainda que virtualmente inconscientes – são decodificações”.
Esta ótica corrobora o resultado de um estudo realizado na década de 80 com
adolescentes finlandeses (Palmqvist et al, 2003). Segundo este, os adolescentes atribuíam seu
comportamento ao desejo de viver experiências positivas e aliviar emoções negativas. Desta
forma, eles podem facilmente apropriar-se da ideia transmitida pela propaganda. Também
corrobora a ideia de que a interpretação da mensagem é tão importante quanto a sua recepção
(Austin et al, 2006; Austin et al, 2000). Como discutido anteriormente, a população de nosso
estudo crê, em sua significativa maioria, que os comerciais falam a verdade, ou seja, está de
fato propensa a fazer a decodificação almejada pelo comunicador. Isso pode ser alcançado
pela articulação específica da linguagem sobre o “real” e é o resultado de uma prática
discursiva, como afirma Hall.
Quando adotamos a ideia de Tomaz Tadeu da Silva (2000), que afirma que a
identidade e a diferença não são seres da natureza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos
que a compõem e devem ser ativamente produzidas, devemos lembrar dos códigos
“naturalizados” de Hall: códigos amplamente distribuídos em uma cultura ou linguagem
específica aprendidos tão cedo que chegam a aparentar não terem sido construídos, mas serem
dados “naturalmente”. As propagandas de álcool utilizam códigos e signos dessa natureza:
mulheres e homens bonitos e atraentes de acordo com o padrão ocidental de beleza ou mesmo
acordo com padrões ocidentais, assim como “festas” assumidas como “da nossa cultura”. São
esses códigos naturalizados que vão “demonstrar o grau de familiaridade que se produz
quando há um alinhamento fundamental e uma reciprocidade – a consecução de uma
equivalência – entre os lados codificador e decodificador de uma troca de significados” (Hall,
2003). Daí a prática discursiva que acaba por sugerir que o que está sendo dito é a “realidade”
e deve ser tomado como tal. A margem para essa inferência se dá a partir do fato de que,
segundo Hall, os signos emitidos em um discurso combinam aspectos conotativos e
denotativos: “os signos parecem estar abertos à articulação com discursos e sentidos
ideológicos mais amplos”, e “a fluidez de seu sentido e associação pode ser mais
completamente explorada e transformada”. No mesmo texto, Hall aponta para o fato de que o
discurso publicitário utiliza-se dessa ausência de uma denotação pura ou representação
“natural” fazendo com que os signos visuais conotem uma “qualidade, situação, valor ou
inferência que está presente como uma implicação ou sentido implícito, dependendo do
posicionamento conotativo”. Essa seria a condição básica para que houvesse o “consumo”: a
apreensão de um sentido que é fruto desse discurso que, muitas vezes, se dá através de signos
visuais. A “educação para a mídia” agiria no sentido contrário dessa prática discursiva, ao
educar os jovens a respeito da linguagem midiática, seus recursos e objetivos. Tomaz Tadeu
da Silva (2000) sugere que o currículo pedagógico estimule os estudantes a “explorar as
possibilidades de perturbação, transgressão e subversão das identidades existentes”, e que
sejam discutidas maneiras de desestabilizá-las para denunciar seu caráter construído e sua
artificialidade. Embora ele esteja se referindo a identidades sociais, esta postura pode ser
facilmente aplicada às propagandas de bebidas alcoólicas, que se utilizam desses signos
tomados como “regras” e os quais, muitas vezes, não analisamos sob essa ótica e
simplesmente os aceitamos.
A propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil tem, nos últimos anos, criado
personagens e slogans que chegam a fazer parte da nossa cultura e da nossa linguagem como,
por exemplo, o “Experimenta! Experimenta!” de uma marca de cerveja. Frases repetidas como
“gírias” ou expressões idiomáticas acabam por fazer parte da personalidade inconsciente de
um povo. Personalidade esta que, segundo Freud (1920 - 1922), é quase que determinante do
comportamento de um grupo inteiro. Permitir que um produto entre nesse “território” é
oferecer a ele um poder de sugestão e contágio de sentimentos e ideias em uma mesma
direção e tendência a transformar essa ideia sugerida em ato. O perigo reside no fato de que,
citadas no início deste texto para uma sociedade – ainda que para alguns indivíduos,
isoladamente, ele não traga consequências maiores.
A associação entre o monitoramento dos pais e um menor consumo de bebidas
alcoólicas leva-nos a supor que, mesmo em uma população sujeita a fatores externos
desagregadores, como pobreza e violência (diversos sujeitos desta pesquisa eram moradores
de favelas), o núcleo familiar parece ainda ser o grupo principal em que o sujeito busca as
suas referências, já que o consumo antes dos 18 anos é considerado ilegal e espera-se que esse
consumo seja condenado pelos pais.
9. CONCLUSÃO
Podemos concluir, então, que a responsabilidade pela elaboração, codificação e
apropriação das mensagens transmitidas pela mídia reside tanto no produtor quanto no
receptor da mensagem. Embora a produção seja o ponto de partida para a concretização da
mensagem (Hall, 2003)46, é no receptor que essa mensagem é decodificada e transformada em
prática social. Receptor, esse, que está sujeito a decodificá-las em função do grau de
confiabilidade que o produtor da mensagem possui, de sua identidade social e do grupo em
que está inserido, entre tantos outros fatores. Um desses fatores, talvez o mais importante, é a
desvantagem em que o receptor (neste caso principalmente, quando nos referimos a
adolescentes) se apresenta em relação ao produtor pela sua falta de conhecimento dos recursos
de linguagem midiáticos e dos objetivos da mídia, de maneira que os jovens são
particularmente mais sensíveis às mensagens de marca (Jackson et al, 2005) . Esta
desvantagem poderia ser diminuída em disciplinas de “educação para a mídia” desde a escola
primária, passando inclusive pela educação por parte dos pais (Austin et al, 2006) . O objetivo
é que as propagandas deixem de ser vistas como referência para a definição de “normalidade”
ou “realidade” e passem a ser vistas por eles mesmos como ferramentas para influenciá-los ao
consumo de bebidas, alimentos, vestuário, etc.
A educação para a mídia tenta reconhecer a maneira que as propagandas moldam o
entendimento que os jovens têm do seu ambiente. O objetivo é fazer com que o receptor da
mensagem desenvolva uma visão distante e crítica da mesma, de maneira que os capacite a
formar julgamentos próprios e, assim, tomar decisões próprias (Austin & Johnson, 1997;
Austin et al, 2006; Goldberg et al, 2006; International Reading Association, 2009). A
educação para a mídia tem sido estudada em outras questões de saúde como, por exemplo,
Thompson, 2005). Uma sugestão é que as escolas ofereçam atividades direcionadas para a
abordagem destas questões, abrindo espaço para discussão e orientação.
Quanto a políticas públicas, algumas direções podem ser tomadas para diminuir a
influência da propaganda de cerveja no consumo de adolescentes. Uma delas, que em teoria já
é feita (pelo CONAR), é o controle do conteúdo das propagandas: devem ser conteúdos
específicos do universo adulto e não podem deixar margem para percepção de similaridade
entre a propaganda e situações de vida da extensa maioria dos adolescentes. No entanto, essa
regulamentação tem eficácia duvidosa (Fielder et al, 2009; Vendrame et al, 2009). Fielder
(2009) e colaboradores demonstraram que a auto-regulamentação, na Austrália, não protege
crianças e jovens da propaganda de álcool. A percepção dos adolescentes no presente estudo
sobre a semelhança da propaganda de cerveja com suas vidas sugere que as regras de
auto-regulamentação não estão sendo eficazes no Brasil para proteger o público mais vulnerável.
Questões sobre a violação dos códigos de auto-regulamentação publicitária no que diz respeito
à propaganda de bebidas alcoólicas foram levantadas também por estudos americanos e
italianos (Babor & Xuan, 2008; Beccaria, 2007) .
Jernigan (2009) coloca duas condições para que a auto-regulamentação seja efetiva: a
primeira seria um monitoramento sistemático e independente das diversas mídias para
controlar essa atividade da indústria, e a outra seria estabelecimento de padrões
suficientemente rigorosos para evitar o abuso do marketing.
Ainda assim, várias pesquisas sugerem que a forma mais eficaz de controlar a
influência da propaganda sobre o consumo de álcool seria diminuir a exposição dos mais
jovens, restringindo a veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas, incluindo cerveja, na
televisão e em outros meios de comunicação (Anderson, 2009; Casswell, 2004; Jernigan,
2009; Jochelson, 2006; Stacy et al, 2004; Vendrame et al, 2009). Tal restrição inexiste no
Brasil no que diz respeito à propaganda de cerveja.
Certamente a mídia não é causa direta de consumo de bebidas alcoólicas. Porém,
vimos, nas evidências discutidas no início deste artigo e nas evidências deste estudo, que há
associação entre essas mensagens vindas da mídia e o comportamento dos jovens. É nessa
conversão da ideia para a prática social que reside uma parte da chamada “responsabilidade
social” da propaganda de maneira geral e, particularmente, da indústria do álcool, que não
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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