CEI'HR.O DE. PÓ.S,-GRADUiJ\CAD EM PSICOLOGIA ( ' . ".
MULHER, IDENTID~DE ,E AUTO-ESTIMA:
ElEME~JOS T~6RICOS PARA
UMA
REFLEXÃO CRíTICAi,G,IS(l;::~
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LVA FERNANDES(F"ç v.1;:l::~tllPIC:PGP
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I LCENTRO DE P6S=GRADUAÇÃOEM PSICOLOGIA
MULHER,
IDENTIDADE E AUTO-ESTIMA:
ELEMENTOS TE6RICOS PARA UMA REFLEXÃO CRÍTICA
POR
GISELE
DA SILVA FERNANDES
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA. COMO REQUISITO PARCIAL
PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE
MESTRE EM PSICO.LOGIA
viajante; a Mulher ~ fiel (ela espera), o Homem ~
conquista-(navega a borda) . , , '"', A
dor e E a mulher que da forma a ausencia: e
Tecelãs,
*
la tece e ela canta; as as I1c hansons de toilel1
,
dizem ao mesmo tempo a imobilidade (pelo ronron do tear) e a
ausência (ao longe, ritmos de viagem, vagas marinhas,-
caval-gadas). De onde resulta que todo homem que fala a A •
ausenCla
do outro, feminino se declara: ~sse homem que espera e sofr~
está milagrosamente feminizado. Um homem não ~ feminizado
por ser invertido sexualmente, mas por estar apaixonado. (Mi
to e utopIa: a origem pertenceu, o futuro perte~ceF~ ~queles
que têm algo feminino).
RQLAND BARTHES
- À Professora Eva Nick; que entendendo o momento
de realização deste estudo, muito me apoiou e incentivou, d~
monstrando sempre solidariedade e amizade, sem as quais,
pa-ra mim, todo empreendimento é imposslvel de ser realizado;
- Ao Ibsen, que com sua "escuta" carinhosamente me
tem ajudado no caminho do crescimento e da criação;
- Ao Théo, Antônia e Mônica pelo entusiasmo com
que sempre participam dos meus projetos;
A Maria Lúcia, por todas as formas de colabora
-çao, mas sobretudo, e principalmente, pela amizade demonstra
da ao longo destes anos de convivio; ,
- Aflorlpes, pela colaboração e participação
afe-tiva;
- e, c~rtamente, ao Luiz Antonio, pelo carinho e prazer do dia-é-dia.
Partindo do pressuposto de que os mitos sociais fe
mini nos participam da construção da identidade e da
auto-es-tima da mulher, buscamos levantar quest~es~pertinentes a
es-tes aspectos.
Consideramos, especificamente, neste trabalho uma
etapa singular da vida da mulher, na qual ela se sante confi
nada ao universo doméstico, não mais desempenhando as
fun-ç~es femininas engendradas a partir do imaginário social.
Observa~os que em alguns casos esta situação caraE
"
teriza um momento de crise, no qual a mulher, frequentement~
perde a perspectiva do futuro, o que vai influenciar seu
mo-do de li· e sta r" e "a tua r" no mundo, fi can do amea ça do s se u
sen-timento de identidade e auto-estima.
-Para uma melhor compreensao do mundo da mulher, i~
cluimos um capitulo sobre algumas contribuiç~es existentes
nas diferentes disciplinas (Biologia, Sociologia,
Antropolo-gia, Hist6ria e Psicologii), pois consideramos fundamental u
ma abordagem multidisciplinar para o estudo proposto.
Ao longo do desenvolvimento deste tema,
confirma-mos a import~ncia e pertin~ncia deste estudo, principalmente
neste momento de profundas transformaç~es sociais. Por isso, justificamos a continuidade do nosso trabalho, sugerindo a
realização de uma pesquisa emplrica a fim de ampliar as colo
caç~es aqui feitas, além de contribuir para a práxis do
psi-c6lo go neste campo.
-This dissertation's principal objective is to discuss
some theoretical questions dealing with the assumption that
feminine social myths contribute to the development of woman's
identity and self-esteem.
More specifically we envisage a time in the evolution
of woman's life in which she feels herself restricted to a
domestic universe, having lost those feminine functions fabricated
by the social imaginary.
In some cases, this situation characterizes a moment
of crisis, wherein the woman frequently loses the perspective of
a future, thereby influencing her way of 11 being" and "acting"
in the world, and consequently feeling a threat to her identity
and self-esteem.
In order to understand better the world of a woman,
we have included a chapter dealing with several different
scientific contributions (biological J sociological, anthropologicaJ
historical and psychological) since a interdisciplinary approach
to the theme we propose to study is deemed indispensable.
Our main conclusion, derived from our theoretical
investigation, is that a study directed to those aspects which
we have envisaged is both important and relevant, specifically
in a historical moment of violent social changes.
Therefore, we propose an empirical research in order
ta brooden our perspective and ta contribute to the psychalagist's
practice in this area.
-AGRADECIMENTOS iv
RESUMO v
SUMMARY vi
INTRODUÇÃO 1
,
CAPITULO I
-
O MUNDO DA MULHER 9,
1
-
O Referencial Biologico 9,
2
-
O Referencial Sociologico 133
-
O Referencial Antropologico , 20,
4
-
O Referencial Historico 345
-
O Referencial Psicológico 42CAPÍTULO 11 - A IDENTIDADE E A AUTO-ESTIMA 57
1 - A Formaçao da Identidade 57
2 - O Problema da Auto-Estima 69
CAPÍTULO 111 - IDENTIDADE E AUTO-ESTIMA DA MULHER NÃO ECONOMICAMENTE PRODUTIVA: SUA SITUAÇÃO ESPECíFICA E CARACTERIZAÇÃO
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
77
101
120
-Para explicitar as razoes que motivaram este
estu-do cabe, inicialmente, discorrer a respeito estu-do interesse que
nos impeliu a realizá-lo.
Ao iniciar nossas atividades profissionais, const~
tamos ser muito grande o volume de trabalhos recentemente
desenvolvidos, tendo como temática a ~ulhe~, entre os quais
podemos citar ALVES, et alii, 1981; COLASANTI,1980; FREEMAN,
,
1983; NEVES, et alii, 1980, etc. Verificamos, tambem, que es
ta escolha coincidia com um novo engajamento da mulher na
sociedade, ou seja, sua inserção enquanto força de trabalho.
No momento em que da mulher se exigiu o abandono do universo
, ,
domestico, em que economicamente se tornou necessario sua
-
,pa~ticipaçao enquanto elemento produtivo nas fabricas,nas i~
dústrias, nas escolas, etc, a mulher economicamente ativa ,
construtora da riqueza social passou a despertar interesse
como objeto de estudo não só das Ciências Sociais e Humanas,
mas também de áreas ligadas
à
Economia.Observamos que grande parte dos estudos publicados
(RODRIGUES, 1978; LEITE, 1982; BLAY, 1978) se preocupam com
a mulher engajada no processo de produção: as operárias,
me-,
talurgicas, mulheres com dupla jornada de trabalho, etc.
Os estudos acima citados visavam principalmente co
nhecer melhor esta m~lher que se insere na vida economicamen te produtiva, ou, em outras palavras, o que sente e pensa e~
ta mulher que agora realiza tarefas tão diferentes das que
A , ,
,
Tambem consideramos importante assinalar a crescen
te consciência da relevância do papel da mulher nas profun
-das transformações sociais, políticas e culturais atuais.Tal
consciência contribuiu para que fosse cada vez maior o
le-que de investigações le-que tentam abarcar o problema da vida
feminina.
,
O fato de que um numero cada vez maior de mulheres
passou a exercer uma atividade fora do espaço doméstico,
fa-voreceu o despertar de uma nova atitude, no sentido de levar
a mulher a refletir sobre sua própria condição. Nesta
refle-_ " A '
xao observamos uma consequencia irreversivel: as mulheres se
colocam enquanto sujeito de suas escolhas não só a nível
in-dividual mas também coletivo, procurando entender sua
parti-cipação no ato de "fazer história".
Como resultado desse processo tem ocorrido uma
mu-dança também a nível dos sentimentos que a mulher possa ter
em relação a si própria: de espectadora do "mundo l~ fora" e
la passa a construir esse mundo.
Exatamente esse ponto é que nos mobilizou no senti
do de olharmos, não para a mulher que ingressou na
produ-ção mas, pelo contr~rio, para a mulher que não exerce, pre
-...
sentemente, nenhuma atividade economica extradomiciliar. O
que estar~ acontecendo com a mulher que est~
à
margem destadinâmica? Como se per.cebe? Que sentimentos tem em relação a
si mesma?
Cabe ainda considerar o fato de que a partir do m~
econo-•
micamente ativa, participante e independente, o julgamento
que a mulher isolada deste novo contexto faz de si mesma, a
partir de sua situação concreta de vida, sofreu uma mudança.
Refletindo mais aprofundadamente sobre a mulher q~
sempre pertenceu ao universo doméstico, nossa atenção se voi
tou para aquela que, no momento, vive uma situação caracteri
zada primordialmente pela passividade, pois mesmo as funções
que a definem como mulher não estão mais presentes: a função
de reprodutora da espéci~, socializadora das crianças, além
da eXigência de participar de outras atividades domésticas.
Estamos lidando, então, com uma situação definida.
Por um lado a mulher economicamente produtiva e por outro a
que jamais participou dessa atividade, estando vivenciando ,
no momento, uma situação de absoluta passividade, não só por
não participar de um universo p~blico, mas também por ter
diminuldas suas responsabilidades e atuação na esfera
domés-tica. Mead (1955) assinala esta problem~tica dentro do con
-texto norte-americano, com as seguintes ponderações: a moça
americana se defronta com a dilema de que " ••• deve demonstrar
suas capacidades o suficiente para ser considerada bem
suce-dida, mas não excessivamente bem sucedida ••• " (Mead, 1955,
p.238) j~ que a escolha de uma carreira profissional em
qe
-trimento do casamento não representa uma gratificação plena:
"Não existem ~libis p~ra o êxito de uma mulher feminina •.• "
(ibidem, p.239).
•
Ao
Desta forma, a moça se ve impelida a optar pelo ca
soltei-ro, que não casou, é também visto como fracassado.
Por outro lado, a crescente tradição que exclui da
fam{lia (ou pelo menos, do domicilio e do lar) figuras que
-
,poderiam ajudar a jovem esposa e mae - a avo, a irma
soltei-ra, a. empregada doméstica - torna imposs{vel, via de regra ,
para a mulher, conciliar o trabalho e as tarefas domésticas:
"Apenas as mãos de uma ~nica ,. mulher para alimentar o bebe, atender o telefone, apagar a chama do gás sob a panela cu-jo conte~do ameaça transbor -dar, tranquilizar o filho ma-is velho que quebrou um brin-quedo, e abrir ambas as portas ao mesmo tempo •.. " (ibi -dem, p.248).
Dedicando-se, assim, durante um longo per{odo, a
,
tarefas que incluem o papel de nutricionista, psicologa espe
cialista em crianças, engenheira, administradora, etc, a
mu-lher, por mais assoberbada que se possa sentir, também se
vê apoiada, em sua auto-estima, pelo papel ativo e autônomo
que desempenha.
Não obstante, o per{odo em que os filhos deixam a
casa, para freq'úentar universidades (o "college" americano )
ou se engajar em empregos, e sua missão foi cumprida, é
re-presentativo de uma verdadeira crise:
-"Todas as pressoes sociais a que está sujeita lhe dizem que ela não deve estragar a vida de seus filhos, deve dei xá-los livres para que vivam suas próprias vidas, que ela deve torná-los independentes e auto-suficientes" ( ibidem, p.250).
es-tes preceitos, mais ela sabe que está contribuindo para
per-,
der seu "emprego". Um belo dia, ainda jovem, saber-se-a dian
te da mesa do café da manhã e só verá diante de si um rosto,
o do marido. Ficará sozinha, totalmente só, em uma casa
va-zia. Seu "emprego" se evaporou, o trabalho em prol do qual
"sacrificou tudo" se foi, sente-se "aposentada". Esta crise
doméstica naturalmente será muito mais intensa se concidir
com a época da menopausa, com a instabilidade hormonal e
me-dos emocionais concomitantes.
Infelizmente, nesta ocasiao, o marido enfrenta
ou-tro tipo de dificuldade. Pode vir a saber que se tornou pai
de famllia cedo demais, que não eproveitou realmente a vida,
principalmente se em seu próprio trabalho achar-se em uma
e-tapa na qual percebe que
já
não possui mais condições de pr~gredir.
A mulher, por outro lado, mesmo satisfeita por ter
cumprido sua missão de mãe, defronta-se com o medo de nao
-ser mais tão fisicamente atraente como outrora. Mead argume~ta:
"Superficialmente, o problema com o qual o casal de meia-i-dade ••• se defronta é que a principal missão de vida da mãe foi realizada e terminou enquanto ela ainda se sabe fur te e sadia, e agora necessitã encontrar outra válvula de es cape para suas energias, con-tinuando a ajustar a sua vida , aos habitos e necessidades de um marido ••• " (ibidem,p.252).
Existem, evidentemente, soluções sadias para este
,
voluntarias na comunidade, retorno ao trabalho que a mulher
exerceu antes de casar, preocupações com netos
(especialmen-te se são filhos de uma filha que casou), etc. Mas, até
neste caso, os problemas não cessam: doenças e mornestes dos pró
-prios. genitores, a oposição entre a mulher que enceta uma no
va atividade profissional, cheia de entusiasmo e o sentimen~
to do marido de que atingiu um est~gio de estagnação·~ É in
teressante que são agora os filhos do casal ( recém-casados)
que permanecem em seus próprios lares e se preocupam: "
Tentar decidir o que fazer com Mamãe e Papai" (ibidem,p.253~
,
O problema e complexo, mas, a nosso ver ,envolve as
duas questões psicológicas fundamentais que serão objeto de
nosso estudo: identidade e auto-estima da mulher.
, , ,
Mead julga que "e possivel que a sociedade ira
re-conhecer este período como um dos quais em que um
aconselha-mento profissional é tão necess~rio quanto o é na
adolescên-cia" (ibidem, p.253).
por que, neste estudo, estamos considerando o
tra-balho como um fator importante ao considerarmos a condição fu
mini na?
podemos dizer que grande parte das referências fei
tas à vida humana são associadas às atividades que o homem
realiza nos diversos momentos do desenvolvimento das socieda
-des, atividades estas que vao desde a busca de alimento, cOE
respondendo à necessidade de sobrevivência, até as que fazem
parte de um processo altamente complexo e organizado das
mudanças observadas a partir do século XIX.
É
justamente apartir deste século que o trabalho feminino - trabalho
mile-nar, mas continuamente desvalorizado - passa a ser objeto de
cpnsiderações. Apesar desta mudança no modo de encarar o tra
balho da mulher, a hist6ria do trabalho continuou sendo a
,
historia do trabalho do homem. Somente passam a ser
conside-radas as atividades que seguem certas normas masculinas.
Se partirmos do pressuposto de que o trabalho
pro-dutivo é um dos elementos de definição da existência social
do homem, podemos inferir também que o fato da mulher "dar a
vida", mas não "construir a vida" desperta nela sentimentos
-que vao definir seu modo de atuar e estar no mundo.
Cabe sublinhar aqui o interesse do estudo que
pro--
,pomos, pois nossa preocupaçao e exatamente com o sentimento
que a mulh~r tem em relação a si pr6pria, quando sua condi
-ção foi e continua sendo a de espectadora da constru-ção
social, situação esta agravada pela ausência dos papéis
mencionados, que a definem como fêmea.
do
,
ja
Cabe, ainda, enfatizar que estamos falando dos
mi-.
. ' .-tos sociais, engendrados a partir do lmaglnarlo, que vao
co-laborar na estruturação da identidade de cada pessoa e
tam-,
bem na sua auto-estima. Em outras palavras, a partir de uma
situação onde a mulher não mais responde às funções que a d~
finem como fêmea, sua identidade ficará ameaçada e sua
auto-estima desvalorizada, influenciando o estar e atuar no mundo,
a que nos referimos anteriormente. Sabemos que este sentimen
psi-cológico, mas acreditamos também que se estenda ao nivel
so-cial, com ele interagindo num processo dinâmico.
É importante que fique bem claro que falar da
mu-lher, seus pensamentos, seus afetos, seus sentimentos a
res-peito. dos outros e de si própria, s6 faz sentido se for
con-siderado o momento histórico no qual estes processos
aconte-- , ,
cem. O ser humano nao e a-historico; ele traz consigo em
su-, ,
as raizes, um passado historico e cultural e seu discurso rem
pre se insere em um contexto historicamente demarcado.
,
-Convem esclarecer, ainda, que nosso estudo nao pr~
tende esgotar a temática proposta. Teremos alcançado
objetivo se conseguirmos colocar questões, apontar
nosso
,
duvidas
que possam colaborar para uma melhor compreensão da dimensão
feminina contribuindo, dessa forma, para o entendimento de
CAPÍTULO I - O MUNDO DA MULHER
1 - O Referencial Biológico
Os dados da biologia são de extrema importância na
história da mulher, pois' desempenham um papel essencial e
primordial na compreensão de sua situação. são elementos que
sempre estão presentes, quando pretendemos conhecer a
condi-ção de sua própria exist3ncia. Em todas as reflexões que
fi-zermos sobre a mulher teremos que ter a contribuição da
bio-logia como um dos referenciais. Beauvriir (1980), em seu
ex-tenso trabalho sobre a mulher, ao fazer alusão aos dados bio
lógicos, afirma:
" ••• (eles) desempenham na his-tória da mulher um papel de primeiro plano, são um elemen to essencial de sua situação~
Em todas as descrições ulteri ores, teremos que nos referir a eles. Pois, sendo o corRo o instrumento de nosso dominio do mundo, este se apresenta
rn
modo inteiramente diferente segundo seja apreendido de u-ma u-maneira ou de outra. Eis porque os estudamos tão demo radamente; são chaves que per mitem compreender a mulher " (Beauvoir, 1980, p.52).A vida da mulher é pontuada por fatos que
poderia-mos considerar como verdadeiros marcos biológicos: menarca,
vida sexual, gravidez, parto, amamentação e menopausa. Estes
marcos, além de delimitar ciclos que possuem caracteristicas
,
.
proprlas e nos alertar para o fato de que a vida da mulher
progressivamen-te dão condições à mulher de realizar a essência do femini
no: a· reprodução. A menarca, por exemplo, corresponder ia a
uma situação de transição menina/moça. No ciclo menstrual es
taria contido o delineamento do repetido trabalho da gesta
-çao.
,
Esses marcos teriam como centro um unico fato: a
perpetuação da esp~cie. Em princIpio, o que definiria a
mu-lher seria o fato dela ser uma grande matriz geradora.
À
mu-lher caberia, então, a função de mantenedora da esp~cie. Nes
se sentido, as condições de sua existência seriam impostas
pelo ovário e pelo útero, permanecendo a mulher mais forte
-mente ligada às necessidades de seu aparelho gerador que ... as
' . • A •
suas proprlas eXlgenclas.
Beauvoir (1980) enfatiza que todas estas etapas por
que passa a mulher ao longo de sua existência, na realidade,
são perIodos onde, de uma forma ou de outra, em maior ou
me-nor grau, se vivenciam conflitos. Em relação à gestação,
es-creve: "Habitada por um outro que se nutre de sua subst~nci~
a fêmea ~ durante todo o tempo da gestação,
concomitantemen-te ela mesma e outra .•• " (ibidem, p.43).
E, mais adiante, a respeito do parto: "O conflito
, , ,
especie-individuo, que no parto assume um aspecto dramatico,
confere ao corpo feminino uma inquietante fragilidade"
(ibi-dem, p.50).
Vemos, então, que do ponto de vista da biologia, a
tarefa mais importante da mulher ~ a reprodução da esp~cie •
f - ,
neira de sua própria espécie, pois ela é responsável pela
perpetuação da mesma. Para Beauvoir, tal fato leva a mulher
a experimentar uma profunda alienação de si mesma e um con
-" , ,
flito que se da a nivel especie-individuo. Para esta autora,
quando começam a se desenvolver os fenômenos da menopausa
e esse também é um período de crise - a mulher foge ao
domí-nio da espécie, libertando-se da servidão da fêmea.
Referindo-nos
à
anatomia, Beauvoir argumenta que ocorpo do homem se relaciona de forma direta com o mundo ex
-terno: " •.• ele é seu corpo" (ibidem, p.46), enquanto que o
corpo da mulher se realiza
à
medida em que cumpre a funçãoque dele se espera: a reprodução. Paralelamente, temos que
considerar o fato de que no homem a espermatogênese é um
fe-nômeno que não encontra limites, ao passo que na mulher, a
produção de ovócitos se realiza durante a vida embrionária.
A quantidade de óvulos que a mulher possui ao nascer é pre-,
determinada, o que acentua sua condição de prisioneira da es
,
.
pecle.
Há ainda outros dados que desencadeiam uma serle ,
.
A A
*
de interferencias acerca da hierarquia entre macho efemea •
Por exemplo, e o espermatozóide que fecunda o óvulo, que se
movimenta; é o óvulo que espera, é a fêmea que fica imóvel.
É a fêmea que sofre o coito, que sofre a penetração do macho,
sofre a fecundação. O homem empreende a ação, idealiza; a m~ lher recebe a ação. E, nessa dinâmica, mantém seu processo
..
' .- *
de alienaçao •
O envolvimento mais forte do corpo da mulher é com
a função natural de procriação. Nesse sentido, a mulher e ,
mais identificada
à
natureza e o homemà
cultura. O homem serelaciona, se projeta para o mundo externo, e a mulher reali
za atividades que têm a si mesma como fundo. O homem produz
~
.
objetos duradouros, a mulher seres pereClvels.
, ,
Porem, os dados da fisiologia e da biologia so
fa-zem sentido se também ferem considerados paralelamente a
ou-tros aspectos, de importância indiscutivel, como os da econo
mia, sociologia e psicologia.
A perspectiva biol6 gica sugere uma hierarquia
en-tre macho e fêmea. Porém, as diferenças proclamadas s6 fazem
sentido se forem compreendidas dentro de um quadro de tabus
e leis, ou seja, a partir de valores culturalmente definidos,
não construidos pela fisiologia. Falar da sujeição da mulher
..
,a especie sem considerar uma rede muito mais ampla e
comple-xa de fatores que atuam concomitantemente na determinação de
sua situação, é considerar que a mulher apenas se define
pe-lo seu corpo.
,
Embora tenhamos ressaltado que o corpo da mulher e
um dos principais elementos que determinam sua situação no
*
Não obstante, é importante considerar que se do ponto de vista bio16 gico é indiscutivel que o macho penetra a fêmea, que o pênis é inserido ~a vagina no ato do coito, nem sem-pre a mulher sentir-se-a alienada por este fato; ou, em ou tras pal~vras, nem sempre ela se sente passival sofrendo ã-
,mundo, ele em si nao e suficiente para conhecermos a
condi-ção feminina. É importante assinalar, também, que fomos ex
-tremamente sintéticos ao fazer referência ao aspecto biológi
,
co. Justificamo-lo, por um lado, pelo extenso numero de
tra-balhos já escritos a respeito das condições biológicas da
mulher, e por outro, pelo fato, já mencionado, de que o
im-portante neste estudo é tentar compreender a vivência femini
na em relação a estes dados biológicos, o que será objeto do
capítulo I, 5 (vide página 42 ).
2 - O Referencial Sociológico
Ainda na esfera social a "natureza" feminina, a r~
alidade biológica, são relevantes para determinar as funções
da mulher. Suas características biológicas especificas
deli-mitam suas atividades sociais. Aqui o fato de possuir um úte
ro direciona novamente sua atuação dentro do universo social.
Através da história das civilizações, a "natureza"
feminina sempre foi um argumento que serviu para justificar
a posição da mulher dentro da sociedade. Convém assinalarmos
que a descrição do que seja "natureza" feminina sempre foi
feita a partir de critérios masculinos. O homem é quem dita
as normas que servem para a explicitação do que seja essa
Ilnatureza".
Nas nossas sociedades patriarcais o
estabelecimen-to dessas distinções assegurava, principalmente ao homem, e~ clusividades, privilégios, que o outro sexo não poderia
que estabelecia comportamentos culturalmente tomados como
"normas", era uma ordem social em nada justificada pela fisi
ologia, mas aceita cbmo se fosse a própria ordem da Natureza,
sagrada e intocável.
A perspectiva destas sociedades patriarcais poderi
a ser descrita como segue: se a Natureza assim decidiu, a
mulher ficou com a função de mantenedora da especie, com as
tarefas de carregar o filho nas entranhas e alimentar o
be-bê.
Como extensão de sua função de perpetuadora da
espécie, passa a ser responsável pela socialização das crian
-ças. Sua função é tornar a criança um ser social, através de
um processo paulatino de transmissão de valores.
Dentro de um determinado universo social caberia ,
,
ainda, a mulher cumprir o ideal feminino, ser reconhecida so
cialmente pelo casamento e por possuir um lar.
€
a pessoa quereúne, e nesse sentido corporifica, as relações que se pro
-cessam no grupo doméstico.
o
homem por ser fisicamente mais forte que a mulh~ficou com as tarefas que exigiam maior esforço, e ao longo
rn
sua vida não conta com as limitações impostas pela gravidez.
Dessas simples observações vão resultar divisões 00
tarefas que são arbitrárias e não totalmente justificáveis
pela fisiologia. Contudo, essas divisões são vivenciadas
co-,
mo proprias de uma ordem natural. Os argumentos segregacio
-nistas sao, em sua maioria, baseados na natureza.
vez mais se afastam das justificativas que se referem
à
natureza •. N~o obstante, no mundo profissional, por exemplo,
ob-servamos ainda hoje a dicotomia profiss~o masculina x profi~
-sao feminina.
A.' referência' aos argumentos da natureza serve
também para mostrar o descrédito em que as tarefas femininas
foram mantidas na maior parte das vezes: a n~o atribuição de
reconhecimentos, salários, que durante os mesmos períodos ms
tóricos eram atribuídos a tarefas masculinas.
Além disso, as atividades femininas sendo
reconhe-cidas como "trabalho doméstico" recebem conotação de menor
importância, pois esse trabalho não produz bens duráveis,co~
parado com o trabalho masculino, sempre considerado como a
base econômica da sociedade.
Foi durante a antiguidade que observamos o
primei-ro grande descrédito em relaç~o
à
mulher, então umaproduto-ra, produtora de filhos, vestuários e comida. Por quê?
Por-que é a sua natureza, a sua função natural. A mulher é
defi-nida pelas suas funções sociais e estas são defidefi-nidas como
"naturais". Isto acontece até que outras eXigências, como as
batalhas, privem as mulheres das suas funções naturais. Pod~
mos relembrar a afirmaç~o de Plat~o como uma express~o do vi
..
gor do desprezo as "atividades femininas naturais": "Se a Na
tureza n~o tivesse criado as mulheres e os escravos,
*
dado ao tear a propriedade de fiar sozinho" •
,
teria
O trabalho manual, na epoca, era considerado estra
... ...
nho a essenCla do homem e inferior ao homem. A atividade das
mulheres ~, desde a Antiguidade, uma função e não a expres
-são de uma atividade livre. Tal concepção prolongou-se por
muito tempo, mantendo a mulher afastada da arte, da pol{tica
e da ,filosofia. Durante s~culos, perdurou uma proibição ... a
participação das mulheres às atividades pol{ticas, à forma
-ção de associações, à presença em reunioes organizadas pelos
homens.
,
Para Mota (1980) "o mundo das mulheres e muito
ma-is restrito, restando-lhe somente o universo dom~stico tanto
do trabalho como da cultura em geral" (Mota, 1980, p.32). As
mulheres enquanto seres sociais têm tido seu lugar reduzido
à esfera dom~stica, ficando limitado ou at~ mesmo impedido o
seu acesso à atividade intelectual e à ciência. Sua tarefa
seria então a de colaboradora do homem, construtor da
cultu-ra, assumindo uma postura de espectadora dessa construção,ao
mesmo tempo garantindo uma infra-estrutura dom~stica
favorá-. favorá-. favorá-. "
"vel a esse trabalho, atenta a tranquilidade da familia, dep~
sito das tensões extradom~sticas, mas economica e
socialmen-te subordinada ao homem, atrav~s dos laços conjugais. O
pre-, - t i A '
dominio desse tipo de relaçao traz como consequencia
vincu-los de dependência, necessitando a mulher da proteção
mascu-lina, já que se trata de um ser frágil e indefeso.
Engels (1978), a propósito da monogamia, assinala
que ela ~ baseada "no predom{nio do homem, sua finalidade e ,
a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscut{vel" (E!!
dos bens paternos esteja assegurada. Observamos com isso que
ao homem fica permitida a liberdade de ação e, inclusive, a
infidelidade conjugal, restando
à
mulher a imposição dacas-tidade, baseada em motivos econômicos, sociais ou na moral
religiosa.
Em relação ao trabalho, podemos afirmar que a
mu-,
lher nunca foi realmente omissa. Em todas as epocas e luga
-res a mulher sempre participou da produção, contribuindo
pa-ra a subsistência de sua família e na criação da riqueza
so-cial. A mulher trabalhava no campo, tecia,
tágio anterior
à
revolução industrial.,
fiava, ja num
es-Embora a revolução industrial tenha começado a
le-vantar questões sobre o trabalho feminino, não podemos
dei-xar de assinalar que este processo manteve a mulher
margina-lizada enquanto ser social.
A realização da mulher e relacionada
à
sua vida no.
'lar, Ja o homem se realiza naquilo que executa dentro de um
espaço p~blico. Nesse sentido, qualquer atividade que a
mu-, "
lher venha a executar e vista como provisoria ate que se rea
lize o casamento.
Quando a mulher segue mantendo uma atividade
exte-A
rio r ao lar, ela se ve sobrecarregada pela necessidade de
manter a dupla jornada de trabalho: por um lado ela caminha
num sentido da conquista de um espaço "fora de casa" e por
outro se vê presa em uma armadilha, ao ter que conciliar
su-as atividades extradomésticsu-as com su-as tarefsu-as do lar, que con
tinuam sendo de responsabilidade exclusiva da mulher.
salários. O trabalho feminino é considerado uma atividade me
nor, está confinado às tarefas não qualificadas e é encarado
como um recurso suplementar para elevar os rendimentos da
famllia. Embora a legislação estabeleça igualdade entre os
sexos., no que se refere à remuneração, os salários das mulhe
res, via de regra, são mais baixos que os dos homens. Na rea
lidade, o que existe é uma discriminação salarial que
privi-legia a mão-de-obra masculina. Por outro lado a exploração
rn
força de trabal~o feminina exerce uma pressão para baixo
so-bre os salários reais.
Um dos fatores que colabora para a manutenção
des-te quadro é o pr~prio fato das mulheres não estarem
habitua-das a aç~es maciçamente organizadas, a movimentos coletivos
maiores. Na verdade, elas só conseguiram uma redução na
dis
-paridade salarial, quando organizadas em ocupaçoes nas quais
predominava a mão-de-obra feminina. A mulher, incentivada a
atuar dentro de casa, no isolamento, sem uma tradição de
vi-da pública e mesmo de reivindicação, recusou o sindicalismoe
a ação de massas, acostumada que estava a obter conquistas
através de simpatias pessoais. Sullerot (1970) explicita mui
to bem esta situação ao afirmar:
"Há uma certa maneira de viveG dentro de casa, que diminui a energia, e esta maneira de viver deve ser a da mulher. E la não pode pois perder a suã condição. Dentro de casa
=
mu lher. Dai concluir-se que na~ da de grande pode ser realiza do, nada de grande pode ser feito por uma mulher, etc. " (Sullerot, 1970, p.29).pro-cesso de socializaç~D em geral muito colaboram para esta
situaç~o.
Belotti (1975), em seu trabalho sobre o descondici
onamento da mulher, nos mostra que os objetivos sugeridos p~
lo "ideal dom~stico" s~o desde muito cedo mostrados às crian
ças, enquanto v~o discriminando a existência de duas realid~
des: a realidade do menino e a realidade da menina. O
patri-m~nio l~dico que ~ transmitido de uma geraç~o para outra cum
pre essa tarefa. Nos jogos infantis e na maneira como as cri
anças usam os brinquedos fica claro a reproduç~o da
realida-de social em que vivem.
Alves et alii (1981), em recente estudo realizado
sobre a identidade social e sexual da mulher, ao analisar os
jogos infantis, afirmam:
"as brincadeiras dos meninos podem ser vistas como uma conquista do espaço externo ao lar, brincadeiras que se expandem, sem limites: correr atrás de bola~ soltar pipa , perseguir balao, pular muro. Em contrapartida, as brinca -deiras das mulheres s~o sobre tudo uma repetiç~o de suas fü turas tarefas dom~sticas, ali ada à preocupaç~o com o n~õ se sujar, n~o rasgar as rou -pas, ter uma express~o corpo-ral contida, "modos de moci-nha". É interessante observar que ainda quando as brincadei ras das meninas se realizam fu
ra dg espaço dom~stico têm tambem, muitas vezes, seus es paços delimitados:pular corda, brincar de amarelinha, de ro-da" (Alves et alii, 1981, p.
331).
-gens diferentes: para o menino a açao, a liberdade; para a
menina, a passividade, a monotonia, a repetição.
Podemos, então, afirmar que a libertação feminina,
em seu sentido mais amplo, só poderá ser o resultado de um
longo processo histórico. A resolução desta questão depende
de um intrincado contexto de mudanças estruturais, isto é,da
economia e das relações sociais de produção, pois só a par
-tir do momento em que as tarefas domésticas, a educação das
crianças forem de responsabilidade coletiva, queremos dizer,
de responsabilidade da sociedade; em que a divisão do
traba-lho não tiver como critério a divisão sexual e ainda,
somen-te a partir do momento em que a administração dos a~suntos e
conômicos e políticos for de responsabilidade de todos os se
res humanos, é que homens e mulheres inaugurarão um novo
ti-po de relação, onde não mais terão ti-por base as conveni~ncias
A • • •
economlcas e SOClalS.
o
importante e colocarmos a. questão dadesigualda-de entre os sexos como uma construção social, e nesse
sentido, passível de uma intervenção que nos auxilie na constru
--
,çao de novos valores: valores que tornem possiveis a
aproxi-mação homem/mulher, num âmbito social mais amplo.
3 - O Referencial Antropológico
Antes de iniciar uma revisao das investigações e
reflexões que a Antropologia tem dedicado ao problema da con
dição feminina, cabe esclarecer alguns pontos preliminares
ou-tras ciências e suas' relações com a etnologia.
Em verdade, a própria maneira pela qual se define
o objeto da Antropologia tem sofrido
alterações.Etimologica-mente, o termo Antropologia se deriva do grego )1
e
cx'( pW'1\Oç
e . Com referência ao segundo vocábulo, são des
necessárias explicações, já que o sufixo "logia" (como em
Bio-logia, Socio-logia, Psico-logia, etc) ~ de uso não con
-trovertido na comunidade cientifica. "Antropos" ~ vocábulo
que se refere ao ser que pertence
à
esp~cie humana em geral(sem distin ç ã8 de sexo) em oposiçao
à
( quedesigna o homem-macho) e
yvVtt
,
(que designa a mulher-fêmea). Basta comparar, com efeito, os vocábulos:
.~;
'A
y
~
f-€'~
x€.\.
C <;)AY~fEtOÇ
)AYep~nEl()ç
~
'{e?U)n:O-E.lb~Ç
=
semelhante a um homem=
viril, valente=
humano=
de forma humana'(Pereira, I. Dicionário Grego-Português e Português-Grego,Ll
vraria Apostolado da Imprensa, Porto, 4ª edição, 1969)
para que se perceba a maior abrangência do vocábulo
"Antro-pos", o qual encontra sua correspondência na distinção feita
no idioma alemão: MENSCH, MENSCHLICHKEIT (homem, humanidadeh
MANN (ser masculino, varão) WEIB (ser feminino, mulher,
fê-mea) e FRAU (mulher, esposa).,
Desta forma, em seu sentido etimológico, a
Antropo-logia seria a ciência da condição humana e não do homem
en-quanto pertencente a um dos dois sexos biológicos (De
motiva-ram o abandono desta distinção ling~ística, mas isto já ex
-trapolaria os limites do nosso estudo).
Kluckhohn (1957) assinala que em certo sentido a
antropologia ~ uma área de pesquisa antiga:
"O historiador grego,Herodoto, às vezes denominado 'pai da antropologia" •.. descreveu ... o físico e os costumes dos scitios, egípcios e outros'~r
barosJ • Os estudiosos chine
=
ses da dinastia HAN redigiram monografias a respeito da tri bo Hiung-Nu ..• O historiador romano, Tácito, produz seu famoso estudo sobre os germâ-nicos" (Kluckhohn, 1957,p.lO}
Revendo a evolução da antropologia, podemos dizer,
seguindo Kluckhohn, que, com suas raízes na antiguidade,
como já comostracomos, a antropologia passou por diversos estági
-os:
a) Estudos nao sistemáticos realizados a partir do
s~culo XV;
b) Desenvolvimento da antropologia científica no
final do s~culo XVIII e início do s~culo XIX. O autor
supra-citado assinala que os primeiros antrop6logos eram homens de
talento, por~m amadores, interessados nos costumes dos povos
"primitivos", at~ certo ponto, e tamb~m em "discrepâncias"
em assuntos que aos olhos dos pesquisadores de outras areas ,
especializadas eram excessivamente triviais para merecer sua
atenção (por exemplo, variações nos formatos dos crâniOS)
Desta forma, a antropologia era considerada a "ci~ncia daqui
lo que sobrou" (Kluckhohn, 1957, p.ll). Um dos estudos mais
c) O estabelecimento da antropologia como campo de
estudo apoiado na criação de museus de etnologia e antropol~
gia (Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra), a introdução de
cátedras de antropologia nas universidades (Inglaterra, Esta
dos Unidos);
d) No século XX, a antropologia começou a ser
con-siderada "a ciência das semelhanças e diferenças humanas" (i
bidem, p.lO). Kluckhohn assinala, não sem razão, que a antro
pologia deve ser conside~ada uma ciência que divide o seu
objeto com as ciências f{sicas, biológicas, sociais e com as
humanidades: "A antropologia de nossos tempos, portanto, não
pode pretender ser o estudo completo do homem" (ibidem,p.9).
Realmente, é difIcil dividir e compartimentalizaro
estudo do "homem" ("antropos") em disciplinas cientIficas e~
tanques. Considerar que a antropologia se dedica ao estudo
das "semelhanças e diferenças básicas anat~micas e culturai~
(ibidem, p.221) ou que seu objeto de estudo é representado
pelos "povos primitivos" é excessivamente unilateral. Para
Kluckhohn, o ~nico aspecto, do ponto de vista do conte~do
que diferencia a antropologia, em qualquer de suas
ramifica-ções, é o uso de dados comparativos:
"Somente em tempos mais recentes, sob a influência da an
-tropologia, os psicólogos e
psiquiatras perceberam que os padrões de normalidade,
apli-cados ~ 'natureza humana',sã~
em parte, relativos:época, lo
cal e pessoas" (ibidem,
p:-223) •
logia, o autor menciona: antropologia flsica, que inclui: p~
leontologia dos primatas, a evolução humana, antropometria ,
somotologia, antropologia racial, antropologia constitucio
-nal; e ~ntropologia cultural, que inclui: arqueologia, etno-grafia, etnologia, folclore, antropologia social, ling~lsti
ca, cultura e personalidade; além da antropolog~a aplicada.
PeIto (1971) considera que
"A mais ampla e ousada defini-ção de Antropologia diz que e la
'é
o estudo do homem e de suas obras'. E, na verdade,so mente essa definição ampla põ de incluir todos os variados-campos de interesses te~rico~estudos e ~reas de ensino das pessoas que se intitulam an -t r o p ~ 1 o g os" ( P e 1 to, 1971 , P . 12 ).
Com vistas
à
distinçãJ entre a antropologia,etno-grafia e etnologia, podemos assinalar que estas duas últimas
pertencem ao âmbito da antropologia cultural, sendo a etno
-grafia "a pura descrição dos h~bitos e costumes de povos
vi-vos" (Kluckhohn, 1957, p.228) e a etnologia o "estudo
compa-rativo de povos do passado e do presente" (ibidem, p.228)
Menção especial cabe
à
Antropologia Filos~fica a qual, comose depreende do estudo de Cassirer (1972) vincula-se
à
reflexão filos~fica a respeito da cultura humana: "Parece ser uni
versalmente admitido que a meta mais elevada da indagação fi
los~fica é o conhecimento de si pr~prio" (Cassirer, 1972,. p.
15) •
Comentando a crise no conhecimento do homem sobre
si mesmo, Cassirer (1972), declara: "Tal
é
a estranhaScheler assinalou a multiplicidade cada vez maior
das ciências particulares que têm por objetivo o estudo do
homem. para este autor tal situação antes confundiu do que
elucidou nossa concepção do homem.
As considerações acima visam justificar o
subtítu-lo deste capitusubtítu-lo: o referencial antropol6 g ico, em suas dire
-çoes que julgamos relevantes:
a) A pr6pria divisão em referencial bio16
gico,so-, , , "
ciologico, antropologico, historico e psicologico, e, em si,
apenas um recurso didático-estillstico, já que as fronteiras
entre as ciências particulares se tornam cada vez mais
difí-ceis de traçar e a ciência moderna cada vez mais privilegia
as abordagens interdisciplinares;
,.
*
b) Tendo em vista a abrangencia da antropologia ~
trapolaria completamente os limites do nosso estudo rever to
das as investigações, no âmbito desta disciplina pertinentes
ao problema do que
"é
a mulher".O que constatamos
é
que a literatura antropológicapouca coisa nos conta sobre a mulher, não fornecendo quase
nenhum instrumento te6rico para a compreensão ou mesmo des
-criçao da cultura a partir da mulher.
Para considerarmos o ponto de vista da Antropologi
*
Gadamer-Vogler (1977), organizadores da coleção "Nova Antro pologia", em 7 volumes, gedicadosà
A~tropologia Biológica~Social, Cultural, Psicologica e Filosofica, ao descreverem a tarefa de uma "nova antropologia", argumentam que " •.. es
a, faremos breve referência ao trabalho de Mead (1969), de
-senvolvido na Nova Guin~ no periodo compreendido entre
1931-33.
Sua obra ~ de grande importância, na medida em que
analisa diversas sociedades do ponto de vista cultural, cola
borando no sentido de colocar novas perspectivas para o
pen-samento humano, a respeito da problemática da mulher.
A partir d~ vasto material, coletado empiricamente, Mead (1969) nos mostra que as caracteristicas psicológicasq~
os ocidentais relacionam ~ masculinidade ou feminilidade
e-xistem em sociedades primitivas independentemente do sexo.
Em seu livro "Sexo e Temperamento", a autora
estu-dou três culturas: a dos Arapesh, a dos Mundugumor e a dos
Tchambuli, procurando descobrir em que grau as diferenças psi
cológicas entre os sexos eram inatas e em que medida eram ali
,
turalmente influenciadas. Tambem considerou os mecanismos
e-ducacionais que poderiam estar ligados a estas diferenças.
Entre os Arapesh não encontrou qualquer semelhança
que pudesse ser explicada a partir da consideração de sexo .
As diferenças registradas se deviam aos fatores culturais. A
personalidade ideal, para ambos os sexos, ~ dócil, não agre~
,
siva, colaboradora. O comportamento cordial e maternal e
ca-racteristico não só das mulheres, mas também dos homens, e
só poderá ser compreendido se forem observadas as experiênci
as de infância, transmitidas ~s várias gerações. Mead conclu
iu, então, que os Arapesh padronizavam a personalidade de
,
da sociedade ocidental, julgariamos como maternal, feminino,
não masculino.
,
Ja entre os Mundugumor a autora constatou que os
padrões de comportamento apresentados são aqueles que,
den-tro da mesma perspectiva, poderiam ser identificados como ~~
culinos, viris. A violência e a agressividade são traços de
personalidade valorizados tanto para o homem como para a
mu-lher, que apresenta comportamentos ativamente masculinos. As
caracter{sticas de docilidade, usualmente concebidas como in
dubitavelmente femininas, não estão presentes entre os Mund~
gumor. A mulher maternal, d6cil e receptiva, assim como o ho
mem paternal, d6cil e receptivo sofrem desprezo social.
..
O terceiro grupo observado foram os pertencentes atribo Tchambuli. Esta pequena tribo vive principalmente para
,
a arte. Todo homem se dedica a varias artes: dança, pintura,
escultura, etc. Já o interesse das mulheres pela arte se
li-mita
à
pequena quantidade de pinturas feitas em cestas, tran.
-çados e
à
dança. A arte, para o homem,é
o único objetivo importante na vida. Ocupam-se da organização das cerimônias
com as flautas, com as máscaras, com a decoração das sepult~
raso Preocupam-se com o seu papel na sociedade, com os enfei
tes que possuem, com seus trajes e sua habilidade em tocar
instrumentos.
Apesar de serem patrilineares na organizaçao
soci-al, na realidade, sao as mulheres que detêm o poder na socie
-dade. Neste grupo sao as mulheres o elemento dominador, diri
,
trolada pelas mulheres. As mulheres se ocupam com a alimenta
çio e· com o dinheiro, enquanto os homens se dedicam ao
aper-,
feiçoamento artistico.
As mulheres mostram-se ativas, protetoras e em
re-laçio aos homens, as atitudes das mulheres sio de estima e
tolerância. Os homens mostram-se servis e emocionalmente
de-pendentes.
A partir destes fatos verificamos que Mead procura
evidenciar a impossibilidade de aceitar que traços psicol~gi
cos, socialmente gravados em homens e mulheres tenham predi~
posiçoes biol~gicas.
No primeiro grupo examinado vimos que as caracte~~
risticas de cooperação, não-agressão, docilidade são comuns
a homens e mulheres. Entre os Mundugumor encontramos traços
agressivos, não maternais. Comparando estes dois grupos,
ve-rificamos que não há contrastes entre os sexos. Somente
en-tre os Tchambuli é que iremos observar uma diferença, e até
uma inversão dos papéis que na sociedade ocidental são
atribuídos aos sexos. Nesta tribo é a mulher o elemento domina
-dor, organizador e dirigente, e o homem a pessoa dependente.
Os Arapesh e os Mundugumor não estabeleceram atit~
des especificas para um grupo sexual. O esforço cultural foi
dirigido para a criaçao de somente um tipo humano, não consi
derando classe, idade ou sexo.
Já
os Tchambuli consideraramas diferenças de sexo, embora tenham invertido uma situação
usual nas sociedades ocidentais.
sibilidade de se vincular os traços psicológicos ao sexo bio
lógico. Os dados acima nos remetem à possibilidade da exis
-tência de um condicionamento social, do impacto da cultura
sobre a criança em crescimento.
As conclusões de Mead abriram novos caminhos, pri~
~
cipalmente ao sublinhar a noçao de relatividade cultural, p~
r~m uma an~lise do ponto de vista exclusivamente cultural e
insuficiente para o entendimento das relações sociais e das
estruturas que as determinam.
Queremos registrar a crítica feita pela
antropólo-ga social Mota (1980), a respeito da própria Antropologia,e~
ta disciplina que, segundo esta autora, tem estudado, descri
to e analisado as culturas humanas a partir da visão masculi
na, como se as experiências masculinas refletissem o todo
cultural. Afirma ser impossível descrever a economia de um
grupo, por exemplo, sem fazer referência às atividades de
subsistência das mulheres tanto quanto a dos homens. Para Mo
ta (1980), impossível tamb~m ~ descrever as características
físicas, sem levar em consideração os traços femininos como
os masculinos.
A autora esclarece que muitos pesquisadores tentam
justificar tal procedimento, argumentando que as mulheresnoo
formam um quadro representativo, seu universo ~ mais
restri-to, menos interessante, não parecendo ter importância para a
vida grupal.
Ao considerar o trabalho de Mead, a autora
focalizado, discutido e analisado com o objetivo de enfati
-, ,
zar o'equilibrio necessario num sistema onde os dois sexos
precisam cooperar. Isto nao significou que houvesse uma in
-versão no procedimento, ou que as atividades femininas pred~ minassem sobre as masculinas.
Mata conclui sua apresentaç~o, propondo uma "Antr~
pologia da Mulher", uma Antropologia dos seres humanos, e
não do homem centrada no homem. Coloca a necessidade de
res-postas a perguntas como: O que faz a mulher? Por que o faz?
Como faz? Para quem e para que o faz? Quais são as origens
verdadeiras de sua subordinação? Existe subordinação da
mu-lher? Qual o sentido disso tudo? Afinal, quem é a mumu-lher?
€
preciso ter sempre presente que os seres humanos- tanto os homens como as mulheres - são co-respons~veis
pe-la construção do mundo em que vivemos.
Mead (1955) retornou ao problema do estudo das
di-ferenças sexuais em sua obra: "Male and remale" (a study of
the sexes in a changing world). Na Introdução, indaga: "Como
é
que homens e mulheres devem pensar a respeito de sua masculinidade e feminilidade neste século
XX,
no qual tantas das,
nossas ideias antigas necessitam ser renovadas?" (Mead,l955,
p.l3).
Entre os questionamentos investigados por Mead,ne~
ta obra, podemos citar:
a) a criança, em desenvolvimento, qualquer que
se-ja a sociedade na qual e criada, se defronta com
. classifica- em dois grupos, masculino e feminino, ma3 que, na
realidade, apresentam uma ampla gama de variedades tanto no
que se refere ao seu aspecto físico como no relacionamento
com a sua conduta;
~
b) nas sociedades modernas complexas nao existem
expectativas claramente definidas, nem mesmo dentro de deter
~
minados grupos ocupacionais, classes sociais ou regioes ru
-..
rais, quanto a cónduta ideal da mulher e do homem;
c) por mais diferentes que sejam as maneiras pelas
quais as diferentes culturas regulam o desenvolvimento dos
seres humanos, existem regularidades básicas das quais nenhu
ma cultura conhecida jamais conseguiu escapar: a estrutura
,
do proprio corpo; o coito; a gravidez; o parto e a
amamenta-ção - comportamentos que exigem especializaamamenta-ção sexual -; o
fato de que a criança ~ amamentada pela mãe(sig~ificando que
um dos sexos recebe uma visão de um comportamento complexo
,
com uma pessoa do proprio sexo - a menina - ao passo que o
outro recebe esta visão de uma relação cóm uma pessoa do
se-xo oposto - o menino); a atribuição - em função da própria ~
mamentação - do papel essencialmente feminino de cuidados rom
a prole,
à
mulher; o desmame - cujo significado simbólicodistinto para a menina e para o menino (já que a menina
,
e
um
dia poderá repetir esta experiência de maternidade,
concreta-mente, e o menino nunca mais poderá voltar a ela, exceto na
fantasia de que o coito representa a volta ao útero materno);
os hábitos "higiênicos" (urinar e defecar) qUE;3, em certas ci.E,
cunst~ncias, fornecem um pano de fundo para valorizar ou não
a-natômicas (o menino ~~be que ~ macho; a menina tem que
acei-tar na base da crença que será mulher); o desenvolvimento ~s
terior da criança, que impele o homem para a realizaçio, ao
passo que a mulher ~ encorajada a se ver como futura esposa
e mie (exceto em certas circunstâncias excepcionais);
d) cada cultura - a seu modo - desenvolveu formas
que permitem ao homem sentir-se satisfeito com suas
ativida-des construtivas sem distorcer o seu sentimento assegurado
rn
masculinidade, ao passo que poucas culturas - at~ o presente
momento - deram
à
mulher "um descontentamento divino que exige outras satisfações al~m das derivadas da procriaçio" (ibi
dern, p.126).
A exposiçio acima responde, em parte, a uma das
,
*
criticas feitas ao trabalho anterior de Mead (1969):
"O famoso livro de Margaret Mea::J, "Sex and Temperament inThree Primitive Societies" deu a muitos leitores a impressio de que ela está argumentando que as diferenças temperamen-tais entre homens e mulheres sio completamente produzidas pela cultura"(Kluckhohn,195?, p.15?).
Kluckhohn cita, a respeito, uma ~
recensao do
li-vro de Mead realizada por um colega antrop~logo: "Margaret ,
seu livro ~ brilhante. Mas você conhece, realmente, alguma
cultura onde os homens dia
à
luz os bebês?" (ibidem, p.15?).Benedict.(l934), ao estudar três culturas
diferen-tes: os índios Zuni do Novo M~xico, os Kwakiutls da ilha de
Vancouver e dos Dobuz da Melanésia, argumenta que as inter
-pretações culturais do comportamento não necessitam negar q~
um elemento fisio16 g ico também está envolvido:"Assinalar que
as bases biol6 gicas do comportamento cultural do homem são,
em grande parte, irrelevantes, não significa negar o fato de
que estão presentes" (Benedict, 1934, p.217).
A posição desta autora, portanto, é a de privilegi
ar os determinantes hist6ricos por serem "dinâmicos":
"O luto, o casamento ou os ri-tos da puberdade ..• não sao {-tens especiais do comEortame~
to humano •.• mas ocasioes das quais qualquer sociedade pode lançar mão para expressar se-us objetivos culturais impor-tantes" (ibidem, p.225).
Em sua obra "O crisântemo e a espada", . Benedict
(1972) descreve a posição da mulher japonesa da seguinte for
ma:
"Qualquer que seja a idade, a posição de cada um na .hierar-quia depende do fato de ser homem ou mulher. A mulher ja-ponesa caminha atrás do mari-dO,e tem uma posição inferio~
Ate mesmo as mulheres que em certas ocasiões, ao usarem roupas ocidentais,caminham ao seu lado e precedem-no ao pas sar por uma porta, voltam pa~
ra a retaguarda, uma vez en -vergado o quimono. A f~lha de familia japonesa devera proce der da melhor maneira poss{ ~ vel, ao passo que os presen -tes, as atenções e o dinheiro para a educação são para os irmãos. Mesmo quando se criam escolas mais adiantadas para moças, os cursos eram acumula dos de instruções sobre eti ~ queta e movimento corpora~. O
zes, sendo que o diretor de uma dessas escolas, ao pleite ar para suas estudantes de classe m~dia superior alguma instrução em idiomas europeus, fundamentava a sua recomenda-ção na conveniência das mes-mas saberem recolocar os li-vros de seus maridos de cabe-ça para cima nas estantes, de pois de retirada a poeira " (Benedict, 1972, p.51).
E, mais adiante, acrescenta: "Uma mulher não deve
quéixar-se na hora do parbo e um homem tem de elevar-se
aci-ma da dor e do perigo" (ibidem, p.127).
Em todas as sociedades contemporâneas de que temos
conhecimento, de alguma forma, observa-se o domínio do homem.
A subordinação feminina, mesmo explicitada em graus variados,
é
fato universal na vida das sociedades.4 - O Referencial Histórico
Para entendermos como a hierarquia entre os sexos
se estabeleceu, ~ importante fazermos referência aos dados
da História. Esclarecemos que não
é
nosso objetivoanalisar-mos minuciosamente tais considerações. As referências aqui
feitas encontram-ffi discutidas e cuidadosamente examinadas na
2ª parte do livro de Beauvoir (1980), que focaliza, na
Fran-ça, os estudos feitos a partir da Idade M~dia.
É difícil ter uma idéia da situação da mulher no
período que precedeu
à
implantação da agricultura. Contudo,sabemos que executava duros trabalhos e carregava fardos. S~
-necessitavam que suas maos se conservassem livres para que
pudessem se defender contra os agressores ocasionais, indiv{
duos ou animais.
A mulher não participava das expedições guerreira~
-O guerreiro poe em jogo sua vida para aumentar o prestigio
da horda e do clã a que pertence. O homem arrisca sua vida,
não dá a vida, e arriscando-a é que ele se ergue acima do
a-, ,
-nimal. A mulher e um existente que da a vida e nao arrisca
sua vida: entre ela e o homem nunca houve situação de
comba-te. Assim, na hist~ria da humanidade, a superioridade é ou
-torgada não ao sexo que dá origem e sim ao que mata.
Na horda primitiva a situação da mulher era muito
árdua. Neste periodo, a luta contra um mundo hostil exigia
o máximo de aproveitamento dos recursos da comunidade. A
mulher ficava, então, com a tarefa de uma incessante e desre
-grada reprodução e ainda com os penosos trabalhos domésticos.
Essa situação começa a se transformar a partir do
momento em que o homem se torna agricola, fixando-se ao
so-lo, não se limitando a confrontar-se com as forças hostis da
natureza. A partir dai, a diferenciação sexual reflete-se na
estrutura da sociedade. Nas comunidades agrícolas, a mulhe~
algumas vezes, possui grande prestigio. jal reconhecimento ~
sua origem na import;ncia que a criança assume, uma vez que
os homens se estabelecem em um territ~rio e dele se
apropri-ando sentem despertar em si um anseio de posteridade. A comu
nidade agricola vai anexar o futuro, ao manifestar um inte
-resse profundo por seus descendentes, pois a sobrevivência a