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Hipnose em pacientes oncológicos: um estudo psicossomático em pacientes com câncer de próstata.

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Academic year: 2017

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Hipnose em pacientes oncológicos: um estudo psicossomático em pacientes com câncer de próstata

L icia Ferreira Caire – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil

Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo interpretar e compreender o impacto das ressignificações vivenciais experienciadas em estado hipnótico por pacientes com câncer de próstata sobre a autopercepção de saúde, crença no tratamento e capacidade de prospectar o futuro. Foram acompanhados 12 sujeitos durante 5 sessões de 1 hora de hipnoterapia escalonadas semanalmente. Os instrumentos consistiram em entrevistas individuais, intervenções hipnóticas e registros das entrevistas. Foi eleita a Técnica de Análise Temática para a seleção de temas a serem analisados. Os discursos emergidos nas entrevistas iniciais apresentaram semelhanças no que concerne às vivencias coexistenciais e os tópicos notáveis analisados foram: Sentimentos e impulsos ao impacto do diagnóstico, Significado do câncer e crença na cura, Autopercepção da melhora do câncer, Retomada da capacidade de prospectar o futuro. A conclusão indicou que 100% dos pacientes acompanhados referiram melhora na saúde, certeza da cura, retomada do humor e incremento nas estratégias de enfrentamento às situações estressógenas.

Palavras-chave: Psicossomática; Hipnose; Câncer de próstata.

Hypnosis in oncological patients: a psychossomatic study on prostate cancer patients

Abstract

This research aims at interpreting and understanding the impact of experiential experienced resignifications under the hypnotic state by each prostate cancer patient about of the self-perception of health, thrust in treatment and capability of prospecting the future. 12 patients were companied along 5 one-hour sessions of hypnotherapy weakly. The instruments consisted of individual interview, hypnotic interventions and interviews records. It was chosen the Thematic Analysis Technique to select the subjects to be analyzed. The speeches in initial interviews showed similarities about life experiences. The notable topics analyzed were: Feelings and impulses about the impact with the diagnosis, Meanings of cancer and thrust in cure, Self-perception about cancer improvement and Resumption of capacity of prospecting the future. Conclusion indicated that 100% of the followed patients mentioned felling themselves better about the health, thrust in cure, improvement in the humor and increases on the strategies with stressing situations.

Keywords: Psychossomatic; Hypnosis; Prostate cancer.

Hipnosis en pacientes oncológicos: un estudio psicosomático en pacientes con cáncer de próstata

Resumen

La presente investigación tiene como objetivo interpretar y comprender el impacto de las resignificaciones vivenciales experienciadas en estado hipnótico por pacientes con cáncer de próstata sobre la autopercepción de salud, creencia en el tratamiento y capacidad de prospectar el futuro. Fueron acompañados 12 sujetos durante 5 sesiones de 1 hora de hipnoterapia escalonadas semanalmente. Los instrumentos consistieron en entrevistas individuales, intervenciones hipnóticas y registros de las entrevistas. Fue escogida la Técnica de Análisis Temático para la selección de temas a seren analizados. Los discursos emergidos en las entrevistas iniciales presentaron semejanzas en lo que respecta a las vivencias coexistenciales y los tópicos notables analizados fueron: Sentimientos e impulsos al impacto del diagnóstico, Significado del cáncer y creencia en la cura, Autopercepción de la mejora del cáncer, Retomada de la capacidad de prospectar el futuro. La conclusión indicó que 100% de los pacientes acompañados refirieron mejora en la salud, certeza de cura, retomada del humor e incremento en las estrategias de enfrentamiento a las situaciones estresógenas.

Palabras-clave: Psicosomática; Hipnosis; Cáncer de próstata. Uma questão curiosa na história da hipnose é que, mesmo sem atender às exigências de cientificidade, ela sempre foi marcada pela eficiência terapêutica de suas abordagens, tendo a discussão sobre a hipnose sido inicialmente retomada, em termos clínicos, a partir da obra de Milton Erickson (Neubern, 2006). Um aspecto sobre o tema hipnose que, certamente, levanta questionamentos quanto a sua validade enquanto método científico é a ausência de um consenso quanto ao que seria e quais as suas técnicas e domínios. Assim sendo, no presente trabalho as ideias e concepções de Erickson nortearão as intervenções e conjecturas de objetivos.

De acordo com Erickson (2007), “a hipnose é

outro. Na hipnose, ao se colocar a pessoa em estado de transe, estabelece-se uma condição de predisposição às ideias, um estado de disposição para utilizar aprendizagens” (p. 19). “A hipnose não é um sono fisiológico determinado da consciência; é um estado psicológico determinado da consciência, que difere do estado comum da consciência” (Erickson, 2003, p. 53), visto ter havido um rebaixamento do estado de consciência: o transe.

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Podemos, sucintamente, diferenciar hipnose clássica de hipnose Ericksoniana da seguinte maneira: na “hipnose clássica a indução de transe formal está associada às sugestões diretas” (Bauer, 2003, p. 64), enquanto a hipnose Ericksoniana consiste num “método criado por Erickson de se fazer um tipo exclusivo de transe para cada cliente, fazendo-o ficar ao molde de cada cliente” (Bauer, 2003, p. 240), sendo “a essência da hipnoterapia evocar respostas e potencialidades de dentro do paciente (Erickson & Rossi, 2003, p. 40).

Uma vez que Erickson (2003) propõe uma hipnoterapia que coloca em foco a singularidade do sujeito e que “os novos conceitos de hipnose terapêutica enfatizam os processos psicobiológicos naturais de transdução de informação para acessar e facilitar a utilização dos próprios recursos interiores dos pacientes para a solução do problema” (Rossi, 2003, p. 300), a técnica da hipnose pode representar uma ferramenta coadjuvante importante no tratamento de pacientes com câncer de próstata.

Por outro lado, a progressão do câncer de próstata é explicada a partir do mau funcionamento da glândula prostática, ou seja, quando esta não detém o controle sobre a regulação do hormônio androgênico intraprostático; o que faz com que o câncer cresça, sendo regido a partir dos fatores hormonais de modo autônomo, explicam Denis, Gospodarowicz e Griffiths citados por Pollock e cols. (2006).

Considerando essas concepções, Bloch, Love, Macvean, Duchesne, Couper e Kissane (2007) referem que ao se dar o diagnóstico de câncer de próstata e de seus consequentes tipos de tratamentos, estamos colocando à disposição do paciente e de seus cônjuges questões existenciais concernentes a possíveis sequelas decorrentes de tais intervenções; o que implica a capacidade de enfrentamento e de adesão do paciente ao tratamento e o desenvolvimento de comorbidades de ordem psicológica ou psiquiátrica. Dessa forma, os autores propõem que as pesquisas sobre o tema atentem para compor estratégias de intervenção cujo objetivo sejam as necessidades psicológicas.

Portanto, podemos observar que há dois focos centrais quanto ao adoecimento nos pacientes que recebem o diagnóstico de câncer de próstata: o biomédico, inerente ao fato de ter câncer, e os decorrentes desse diagnóstico e das angústias existenciais que o mesmo deflagra. Esse todo psicossomático demanda uma estratégia de intervenção que implique a psique e o corpo de carne, como observou Spiegel (2007) ao afirmar haver a necessidade de se desenvolver uma ferramenta holística que permita acessar tanto a conexão mente-corpo quanto o contexto clínico.

Nas palavras de Mac Dougall (1983), o corpo, enquanto invólucro carnal que é, trata-se de um objeto para a psique, o que implica o fato de que sem corpo não haveria psique, e vice-versa. Desse modo, não há como se entender nem mesmo o afeto como um “acontecimento puramente psíquico ou puramente físico; a emoção é essencialmente psicossomática” (Mac Dougall, 2000, p. 107), posto que, segundo a autora, há uma relação entre os terrenos do soma e da psique, “propiciada pela dor, que surgindo em um destes terrenos, provoca inevitavelmente sofrimento ao outro; pelo menos enquanto o psicossoma funcionar como um todo saudável” (1983, p. 152-153), ou seja, integrado.

Ainda, segundo Rossi (2003), “qualquer intromissão ou mudança feita pelo mundo exterior pode desencadear uma doença cuja característica é a de ser um esforço para manter o equilíbrio homeostático” (p. 82). O autor explica essa dinâmica adaptativa considerando que o ser humano é dotado de um sistema detentor do “papel central de mediar a comunicação entre a fenomenologia da mente, tal

como memória, aprendizagem, emoções,

comportamento e suas manifestações psicossomáticas no corpo” (p. 146).

Logo, adotei uma postura terapêutica na qual considero a “psicossomática como uma ideologia sobre a saúde, o adoecer e sobre as práticas de saúde. Um campo de pesquisas sobre esses fatos e, ao mesmo tempo, uma prática...” (Mello Filho & cols., 1992, p. 19), sendo “a psicossomática uma nova visão da patologia e da terapêutica, a qual foca a prática assistencial em se tratar doentes e não doenças”, completa o autor (p. 19).

Mediante tais concepções, neste trabalho elegi a técnica da hipnose como ferramenta para promover a ressignificação das vivências relacionadas à concepção de saúde; instigar a ressignificação atribuída ao câncer de próstata e ao impacto desta na autopercepção de recuperação da saúde e da crença na cura; investigar como a hipnose contribuiu para o incremento da vontade de viver e, consequentemente, de projetar o futuro.

Pelo caráter subjetivo dessas vivências e autopercepções, utilizei o método qualitativo e a técnica de análise temática dos resultados como recursos científicos para a compreensão das propriedades benéficas da hipnose ante a dor, ansiedade, bem-estar, qualidade de vida, melhora do câncer, dentre outras.

A metodologia qualitativa

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experimentais distanciam-se do contexto relacional em que os processos hipnóticos emergem, para se centrar apenas nas respostas isoladas dos indivíduos. Dessa forma, a pesquisa qualitativa estaria a oportunizar que as emoções quanto ao processo e tudo o que possa contribuir para constituir a subjetivação presente na hipnose seja assumido dentro de sua complexidade, que engloba a autopercepção quanto ao fenômeno hipnótico.

Turato (2003) ressalta como característica central da pesquisa qualitativa a atenção voltada para se investigar como os fenômenos são vivenciados e interpretados pelos sujeitos da pesquisa, sendo algumas peculiaridades inerentes ao método qualitativo: “1) a pesquisa é naturalística; 2) tem dados descritivos; 3) a preocupação é com o processo; 4) ela é indutiva e 5) a questão da significação é essencial” (Turato, 2003, p. 245). Assim sendo, como pondera o próprio autor, tem-se que “os sentidos e as significações dos fenômenos são o cerne para os pesquisadores qualitativistas, de modo que devemos procurar capturá-los observando os sujeitos da pesquisa, bem como dar as interpretações” (p. 246).

Assim, a fim de atender às premissas científicas qualitativistas e dar suporte ao objetivo do presente trabalho, a amostra foi composta a partir do critério de saturação de dados, considerando, portanto, que “os sujeitos são incluídos e reunidos pelo critério da homogeneidade ampla; a amostra é fechada quando as

respostas de novos informantes tornam-se expressamente repetitivas, na avaliação do pesquisador” (Turato, 2003, p. 366).

A pesquisa

Foram acompanhados pacientes com câncer de próstata que realizavam tratamento médico no Setor de Oncologia do Hospital de Força Aérea do Galeão – HFAG. Estes realizaram tratamento hipnoterápico consistindo de cinco sessões, escalonadas semanalmente, com duração média de uma hora cada, tendo como critério de inclusão ser paciente do Setor de Oncologia do HFAG, diagnosticado com câncer de próstata, e não possuir diagnósticos psiquiátricos delineados nem fazer uso de substância psicoativa.

Apresento a seguir os participantes desta pesquisa (Tabela 1), com a finalidade de oportunizar ao leitor observar o critério de heterogeneidade ampla que norteia os dados amostrais. No entanto, observo que apesar desta característica heterogênea dos participantes, os dados obtidos e analisados foram homogêneos.

As entrevistas tiveram como norteadores dois roteiros de entrevista semidirigida (Quadros 1, e 2) para a coleta de dados, sem contudo limitar-se a estes; de modo a permitir que o fluxo fluísse naturalmente e que seu conteúdo pudesse ser abrangido em maior profundidade.

Tabela 1. Caracterização amostral dos pacientes participantes desta pesquisa

Sujeito Caracterização

1 J.C.S., 53 anos, casado, dois filhos, reservista, kardecista, pós-cirurgiado há 7 anos, cintilografia óssea sem mestástases ósseas, biópsia: adenocarcinoma gleason 7 (3+4).

2 L.A.S., 80 anos, segundo casamento, um filho, pós-cirurgiado há 9 anos, cintilografia óssea sem alterações, biópsia: adenocarcinoma gleason 2 (1+ 1).

3 N.C.S., 71 anos, casado, dois filhos, reservista, evangélico, pós-cirurgiado há 7 anos, cintilografia óssea sem mestástases ósseas, biópsia: adenocarcinoma gleason 7 (3+4).

4 J.S., 66 anos, casado, dois filhos, policial civil aposentado e reformado, kardecista, pós-cirurgiado há 5 anos, cintilografia óssea sem mestástases ósseas, biópsia: adenocarcinoma gleason 6 (3+3).

5 A.S.S., 69 anos, casado, dois filhos, católico, sem intervenção cirúrgicas, cintilografia óssea indicando ósseos blásticos secundários, biópsia: ainda aguardando o resultado.

6 I.O.B., 59 anos, segundo casamento, dois filhos, enfermeiro, católico praticante, sem antecedentes cirúrgicos, cintilografia óssea indicando aumento da atividade osteogênica, biópsia: adenocarcinoma Gleason 8 (4+ 4). 7 A.S.B., 60 anos, casado, três filhos, empresário, católico, pós-cirurgiado há 1 ano, cintilografia óssea sem

metástases, biópsia: adenocarcinoma gleason 6 (3+ 3).

8 L.G.T., 59 anos, segundo casamento, dois filhos, reservista, católico, sem intervenção cirúrgica, cintilografia óssea apresentando osteopenia e osteoporose, biópsia: adenocarcinoma gleason 8 (4+ 4).

9 J.T.C., 84 anos, casado, 2 filhos, reservista, católico, sem intervenção cirúrgica, cintilografia óssea sem metástases, biópsia adenocarcinoma gleason 6 (3+ 3).

10 U.M., 97 anos, casado, 3 filhos, reservista, católico, sem intervenção cirúrgica, cintilografia óssea sem metástases, biópsia: adenocarcinoma gleason 4 (2+ 2).

11 A.C., 69 anos, casado, 2 filhos, católico, pós-cirurgiado há 9 anos, cintilografia óssea sugestiva de alterações degenerativas, biópsia: adenocarcinoma gleason 6 (3+3).

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Quadro 1. Roteiro de entrevista realizada com cada paciente antes do início do tratamento hipnoterápico Quando o senhor recebeu o diagnóstico?

Como recebeu a notícia? Quais foram os seus primeiros pensamentos?

Após a notícia de que tinha câncer, realizou cirurgia? Quais foram os prós da cirurgia? Quais foram os contra? O senhor diria que a cirurgia correspondeu às suas expectativas?

Quais eram as suas expectativas?

Continua a sua rotina como antes da intervenção e do diagnóstico? O que mudou? Na ocasião do recebimento do diagnóstico quais imagens te vieram à mente?

Como visualiza as células de seu câncer atualmente? O que significa ter câncer para você?

Já tinha imaginado esta possibilidade em algum momento de sua vida? Quando? Por quê? Como se sentiu? Conhece alguém que teve câncer? Como foi a evolução do quadro clínico desta pessoa?

Você acha que pode ajudar a se curar mais rápido? Como? Por quê? Qual a sua lembrança mais agradável?

Quadro 2. Roteiro de entrevista realizada com cada paciente antes de cada sessão de hipnoterapia Quais as suas expectativas para a sessão de hoje?

Quais são os seus projetos para a sua vida hoje?

Como o senhor descreveria as suas células de câncer no momento? Qual o significado de ter câncer para o senhor?

Como tem sido a sua rotina?

Tomando por base os conteúdos dos discursos emergidos nas entrevistas quanto à visualização que cada paciente fazia de suas células oncológicas e do significado de ter câncer para cada um, e associando essas percepções às expectativas individuais foi conformada cada intervenção hipnótica. A segunda entrevista tinha como função nortear as estratégias de aprofundamento do transe em cada sessão, a fim de facilitar a ressignificação das vivências.

Instrumento

Concisamente pode-se compreender que “o processo da psicoterapia Ericksoniana tem basicamente três passos, que são: preparação, intervenção principal e acompanhamento. Devendo ser na primeira destas etapas que o terapeuta tem que fazer mais operações, ou seja, na hora de preparar” (Robles, 2005, p. 191).

Estão a seguir as estratégias de indução e aprofundamento do transe hipnótico, observando que durante a fase de aprofundamento, sugestões hipnóticas são feitas. Ressalto ainda, a utilização do treinamento Autógeno de Schultz no processo de indução. Este consiste, segundo Masson (1986), em conduzir o paciente a uma concentração descontrativa, sucessivamente, nos músculos, sistema vascular, coração, respiração, órgãos abdominais e cabeça.

1º Momento: Preparação/Indução

Sente-se e procure uma posição o mais confortável possível... Perceba seu corpo... Relaxe... Solte os braços, libere as pernas. Relaxe o pescoço... E ncha lentamente os pulmões de ar... e veja uma luz branca passando por suas narinas e entrando em seu

corpo... chegando até os pulmões... V eja seus pulmões inflarem... Sopre o ar pela boca. L entamente. V eja uma fumacinha saindo... L evando embora qualquer tensão, desconforto, preocupação... Sinta o peso do seu corpo sobre a poltrona... Sinta o cansaço do seu corpo... Relaxe. Sinta-se leve. E ncha mais uma vez os pulmões de ar... V agarosamente... Solte, mais uma vez, o ar pela boca. Perceba o peso de seu corpo... o cansaço... o peso leve de seu corpo... Sinta seu corpo ficando leve, leve, leve... flutuando... E nesta leveza você só ouve a minha voz, e o som da música... calma e agradável... Segura. E ncha mais uma vez os pulmões de ar... L ibere o pensamento... Pensamento é gaivota! Passa. V ocê fica. V ocê é. Nada pode afetar a sua alegria na vida... porque pensamento é gaivota... passa... O movimento é a grande constante... Seu coração bate no perfeito ritmo circadiano. Sua pressão arterial se mantém na justa medida a fim de que você possa descansar. Descanse. Sua respiração abdominal está cada vez mais plena. Sinta o sangue dentro de seu corpo... O calor vital dentro de você... A saúde. O sangue circulando e levando calor, energia, vida, saúde e harmonia desde a pontinha de seu dedão até a ponta do fio de cabelo mais distante... V eja a unha de seu dedão corar. V ocê sente-se ainda mais relaxado e com uma agradável vontade de adormecer para uma noite de sono aconchegante e revigorante. Uma noite na qual você poderá sonhar e tornar realidade seus desejos mais profundos... Permita-se.

2º Momento: Aprofundamento do Transe

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em um belo campo. V eja! Aprecie... Sinta a brisa fresca da manhã... Sinta o sol morno do amanhecer..., como que te abraçando... Trazendo uma agradável sensação de carinho, pertencimento, segurança... Pise o orvalho fresco do amanhecer. O céu está azul... Neste enorme campo há muitas árvores... árvores altas, árvores baixas, árvores com folhas muito verdes, árvores com folhas mais secas... árvores com folhas amareladas... mas cada uma guarda a sua beleza. Observe! Perceba... Ouça o som dos pássaros... Neste enorme campo você também pode ver uma clareira... uma clareira rodeada de flores raras e muito belas... Sinta seu perfume. A ssim é feita a vida. Feita de estações, de momentos... Há momentos para plantar. Momentos para colher... Momentos de espera. Mas cada um tem a sua beleza... Sinta a tranquilidade e a harmonia. E você dorme cada vez mais pesado; mais profundo...; não é? Indo cada vez mais de encontro aos seus desejos mais íntimos, mais inconscientes... Neste campo você ouve um som de água... caminhe... caminhe em direção ao som de água... Pode ser um rio, um mar, um riacho, uma fonte... V á em direção ao som agradável e calmante da água. L á você encontra uma escada; uma escada em espiral que desce; uma escada em espiral com degraus de mármore branco; é uma escada curta... em espiral... que desce... São apenas cinco degraus de mármore branco, muito branco... É uma escada fácil de descer...em espiral... E a cada degrau que você desce, você dorme mais profundo, mais pesado... seu estágio de sonho fica cada vez mais profundo e pleno... Mas você sempre continuará ouvindo a minha voz, e só a minha voz. Desça o primeiro degrau da escada em espiral que desce, e o degrau de mármore branco se acende com a luz laranja... Sinta a vitalidade desta cor... de um brilho jamais visto por você... Demore-se quanto quiser neste degrau... e rejuvenesça. Desça agora o degrau de número dois da escada em espiral que desce... É uma escada curta... Permita-se... A ceite de bom grado o que as sensações e os sonhos te trazem... V ocê pode se assim o desejar. São apenas cinco degraus... e quando você chegar ao degrau de número cinco você estará sonhando profundamente com a realização de seus desejos mais profundos e inconscientes de paz, harmonia, alegria, saúde, juventude, tranquilidade... Mas apenas quando eu falar o número cinco. E ste degrau de número dois se acende com a luz amarela. É como se um holofote te iluminasse... Desça o terceiro degrau de mármore muito branco..., da escada em espiral que desce... E ste se ilumina com a luz azul... o azul da paz, da confiança, da certeza da realização... Um azul jamais visto igual... A precie... Sinta... Descanse... Durma... Desça agora o degrau de número quatro; sabendo que tão logo você pisar o degrau de número cinco você se encontrará deitado confortável e aconchegantemente numa praia, ou sobre uma nuvem... macia... Mas apenas quando eu falar o número cinco. O degrau de número quatro se acende e se ilumina com a sua cor preferida, que se espalha por todo o seu ser... E você se sente livre... como se flutuasse sobre uma nuvem... em uma nuvem muito macia... segura, e lá do alto você pode apreciar a terra, a sua vida... e você dorme ainda mais...descansa... V ocê agora olha para baixo, para o último

degrau da escada de mármore branco da escada em espiral que desce... Pise o degrau de número cinco.

É importante ressaltar que as estratégias de aprofundamento de transe sofreram variações de acordo com as lembranças e relativas imagens relatadas pelos pacientes durante as entrevistas, bem como foram configuradas respeitando o estado de relaxamento atingido a partir da indução, o nível de tensão apresentado em cada sessão e a maior facilidade ou não de se entregar ao processo hipnoterapêutico.

As entrevistas foram registradas, e as falas transcritas encontram-se fielmente reproduzidas.

Resultados e análise dos dados

Os discursos emergidos nas entrevistas iniciais apresentaram semelhanças no que concerne às vivências coexistenciais, como se pode observar nos trechos seguintes. Associações do câncer com sofrimento, preconceito, covardia, impotência, decreto de morte, aprisionamento, dentre outras emoções, estiveram presentes em todos os relatos, assim como a dificuldade em contar o diagnóstico para seus familiares. As falas a seguir ilustram essas vivências.

Quando fala de câncer só lembra sofrimento... Há pessoas que quando falam de você até sentem nojo” (J.C.S.). “V ejo o câncer como algo que limita o indivíduo. Poda!”

“A ceitam entre aspas. Porque ninguém aceita um problemas desses”... A minha mulher foi minha maior preocupação, porque ela achava que eu não tinha câncer” (A.S.S.) referindo-se sobre como foi difícil lidar com a situação de contar para seus familiares que tinha recebido o diagnóstico de portador de câncer de próstata).

“E sta doença é covarde, sinistra” (W.A.). E u não penso no câncer. Não gosto nem que comentem. Perguntam sobre outras coisas: coração, edema da perna...”

“Na hora a gente só pensa no pior. Câncer!! (N.C.S.). “Os médicos operam, mas não garantem... O pensamento só é que chegou ao fim”.

“O impacto do diagnóstico foi terrível...” (A.C.). “Ninguém gosta de lembrar... Chorava no metrô igual criança... Para sair sozinho tinha dificuldade”.

“Quando o médico disse encarei com naturalidade... mas quando cheguei para a família... Poxa! Muito grave a minha situação. Quase que eu fiz um testamento. Foi como uma sentença de morte” (I.O.B.).

“Não me abalei muito porque já convivo com o (câncer) da minha mãe” (A.S.B.). “Quando fui pegar o resultado do exame pensei: eu posso estar... [com câncer]. E ntão me preparei para o pior. Mas nunca querendo que acontecesse... Mas se acontecesse eu ia superar... Mas torcendo para que não estivesse”.

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As vivências existenciais experimentadas por esses pacientes implicavam um medo intenso acompanhado de forte sentimento de desamparo. Um medo muito mais do desconhecido do que das reais possibilidades de cura, tratamentos e efeitos colaterais e sequelas decorrentes de seu diagnóstico. Observou-se uma grande concepção mítica do câncer ainda nos dias atuais, pois apesar da coragem de proferir a palavra câncer, todos os pacientes relataram algum tipo de preconceito seu, de seus familiares ou de seus amigos no que diz respeito ao que era na realidade seu estágio de câncer e a respectiva gravidade de seu quadro. Esses preconceitos foram muito responsáveis pela dificuldade de aceitação, por parte dos entes queridos, do diagnóstico de câncer. Consequentemente, dificultaram ao paciente que este pudesse compartilhar seus temores e angústias. Fato que contribuiu significativamente para o sentimento de solidão e desamparo experimentado pelos portadores de câncer.

Outro aspecto importante foram as diversas comorbidades apresentadas por todos os pacientes. Essas funcionaram como válvula de escape para o medo, a ansiedade, a preocupação e a tensão com o câncer na medida em que serviram como doenças encobridoras ao diagnóstico principal de câncer de próstata, levando os pacientes a diversas clínicas, que não a oncológica, e a variados profissionais, que não o oncologista.

As variáveis estado civil e religião mostraram-se relevantes na medida em que, a princípio, ambas poderiam ser ingenuamente compreendidas como elementos facilitadores para lidar com o diagnóstico, com o tratamento, suas implicações e possíveis reações adversas. Entretanto, aspectos relacionados ao estado civil revelaram não serem indicadores de menor sentimento de desamparo. Isso porque, embora todos os pacientes entrevistados fossem casados, pode-se observar que o cônjuge não foi alguém com quem pudessem compartilhar as angústias diante do diagnóstico e implicações ante o tratamento. Esse estado civil foi, sobretudo, algo que deixou os pacientes mais angustiados e preocupados, pois temiam que seus cônjuges não conseguissem lidar com aspectos burocráticos da vida, tais como bens, contas a pagar etc. Ainda, o fato de serem casados os forçou a analisar a possibilidade de morte iminente a fim de que pudessem tomar as atitudes cabíveis de forma a não deixar seus cônjuges desamparados. Preocupações semelhantes foram associadas aos filhos.

Por seu turno, a religião também não apresentou caráter confortador. O medo, a angústia e o desamparo suplantaram todos os níveis de fé, inclusive a de um pastor protestante. Este, após o diagnóstico optou por se afastar da função. Em vários casos, os pacientes

referiram que em outras circunstâncias não teriam pensado na hipnose.

Este levantamento propiciou, com base na Técnica de Análise de Conteúdo (Bardin, 1979), a emersão de tópicos notáveis, cuja presença ou frequência de aparição na comunicação podiam significar algo sobre o objetivo escolhido para esta pesquisa, e que detinham propriedades suficientes para se tornarem “categorias” ou “temas” e, por essa razão, foram eleitos para aprofundamento.

As categorias que mereceram destaque de análise de conteúdo em virtude da grande recorrência e angústia que despertavam nos pacientes foram as seguintes: 1) Sentimentos e impulsos ao impacto do diagnóstico; 2) Significado do câncer e crença na cura; 3) A auto-percepção da melhora do câncer; 4) Retomada da capacidade de prospectar o futuro.

Sentimentos e impulsos ao impacto do diagnóstico

Bloch e cols. (2007) pontuam que a adaptação psicológica ao diagnóstico de câncer de próstata trata-se de algo complexo, pela trajetória em potencial deflagrada desde o momento do diagnóstico, considerando desde o seu impacto imediato até a fase de cuidados paliativos, a qual é acompanhada por várias questões existenciais, conforme indicam as falas a seguir:

“Foi um susto muito grande. A primeira coisa que eu fiz foi parar, sentar e ficar pensando...” (J.S.)

“Na hora a gente só pensa no pior: câncer! O pensamento só é que chegou ao fim... Tenho conhecidos que venderam tudo quando souberam do diagnóstico” (N.C.S.)

“Pensei logo em deixar tudo... Passei carro, casa, telefone... tudo para minha esposa, porque não tenho seguro de vida... Não quero dar trabalho para minha esposa.” (L.A.S.)

Sendo assim, atentei para o estado de angústia e de desesperança verbalizado ou não pelo paciente no momento inicial ao tratamento hipnoterápico. Esse cuidado se justificou porque quanto mais intensa a carga afetiva que uma situação desperta, mais conflitos, dúvidas e inseguranças o indivíduo tende a apresentar, bem como maior será a sua descrença na possibilidade de ser ajudado e, portanto, retomar a cura e a saúde.

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forças para superar o trauma. Dessa forma, uma intervenção psicológica com roupagem hipnótica foi algo muito bem recebido por todos, uma vez que não os deixava em descoberto com eles mesmos num momento de intenso conflito egoico. Ao mesmo tempo, oferecia-lhes a oportunidade de dividir suas angústias e posteriormente escutá-las de si próprios e permitir que as mesmas pudessem ser vivenciadas e resignificadas.

“Quando o médico falou do nódulo, eu pensei: eu posso estar... então eu me preparei para o pior...

“É uma sentença. E u não entendi por que eu estava o tempo todo tão tranquilo.” (A.S.B.)

“... Impotência em todos os sentidos. E agora? Como é que vai ser? E u me senti acuado. Comecei a pensar em morte... Não pensei em vida.” (I.O.B.)

“Dr.: Perdi, né?!” (J.S.)

As queixas relativas a alterações de humor, aparecimento de dores diversas, edemas e outras, após o diagnóstico, também foram recorrentes. Todas desempenhavam função de sintoma encobridor de uma angústia ou conflito inominável inerente àquela conjuntura e/ou atuavam como válvula de descarga psíquica para as inquietações existenciais que o diagnóstico de câncer deflagrou, as quais representaram estratégia inconsciente crucial no restabelecimento da saúde, provavelmente por duas razões: seus sintomas despertaram a ajuda familiar e a busca pelo auxílio médico, ao mesmo tempo em que espiaram uma parte da carga aflitiva não-elaborável naquele momento de vivência de sentença de morte.

Ainda, a análise qualitativa dos conteúdos das falas dos pacientes indicou exatamente o que Mac Dougall (2000) afirma: que aqueles pacientes que “foram capazes de somatizar suas dores mentais nos momentos em que suas defesas habituais falharam diante do sofrimento psíquico” (p. 66) foram aqueles cujos melhores resultados de cura se sucederam.

Enquanto psicoterapeuta, “tudo o que se teve de fazer foi reconhecer as deixas e a variedade da conduta humana, das respostas corporais, das respostas neurológicas e depois se dar conta de que para todas estas respostas somáticas existe um componente psicológico de algum tipo” (Erickson, 2007, p. 41), a partir do que foi composta a hipnoterapia sob medida.

Significado do câncer e crença na cura

Outro aspecto relevante remete às autopercepções dos pacientes no momento das entrevistas que diz respeito à imagem negativa e pessimista que os pacientes tinham sobre as características de malignidade e desenvolvimento das células do câncer, como se pode constatar:

“São como uma madeira quando ela está apodrecendo.” (J.S.)

“Uma criatura capenga... fica meio manco, coxo...” (A.S.S.)

“É tipo assim um caroço que forma... as células ficam mortas... dali cria uma massa. Para mim ela é maligna. Fica dentro do organismo e não serve para nada...” (N.C.S.)

No entanto, suas percepções encerravam um caráter ainda não elaborado da concepção da célula oncológica como algo inferior, de menor qualidade e poder; embora nenhum dos pacientes apresentasse consciência disso.

Porém, apesar de todos os pacientes entrevistados descreverem essas células como debilitadas, todos demonstravam em seus discursos a certeza de que era como se as mesmas fossem portadoras de livre-arbítrio, maior força e poder que as demais células de todo o corpo, bem como de poder de decisão diante da eficácia ou não do tratamento medicamentoso. Essa crença exacerbada e irracional na malignidade das células repercutia em sua qualidade de vida, dificultava a crença na cura e nos tratamentos realizados, bem como na projeção de um futuro longínquo e agradável.

Entretanto, o decorrer das sessões de hipnose oportunizou a emersão de um novo rumo para as questões de crença na cura, percepção das células de câncer e capacidade de projetar o futuro. Isso foi sendo possível porque, através das vivências hipnóticas, as quais instigavam a ressignificação dessas questões, o significado do câncer e, consequentemente, o do que é ter câncer, foi se modificando. E o diagnóstico, o grande vilão, passou a produzir uma dinâmica psíquica com base em conteúdos traumáticos verbalizáveis, portanto, elaboráveis.

Assim sendo, coube-me oportunizar um estado de transe o qual sintetizasse visualmente, em forma de vivências reorganizadoras, a regulação dos estados físicos neuroendócrinos, a transdução de informações celulares e, consequentemente, uma melhora no humor geral. Ao mesmo tempo, era de suma importância que logo num primeiro momento as experiências sensoriais a serem reaprendidas, em forma de sentimentos, fossem vivenciadas sob hipnose de forma agradável emocionalmente e, consequentemente, integradas ao todo psicossomático. Essas vivências repercutiriam nas aprendizagens dependentes de estado (Rossi, 2003), ou seja, nos estados psicoendocrinoneuroimunológicos, os quais refletem na saúde psique-soma.

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“E la [a célula oncológica] é igual às outras do organismo, mas mais fraquinha... Mais debilitada.” (J.C.S.)

“É como se eu não tivesse nada. E u tô engordando de novo... não tá me atrapalhando em nada. E u sei que o problema existe nos exames, mas fisicamente é como se eu não tivesse.” (I.O.B.).

A utopercepção da melhora do câncer

Robles (2005) pondera que, para que um tratamento hipnoterápico atinja seu objetivo, é necessário que este possua uma meta; apenas dessa maneira saberemos para onde devemos levar a psicoterapia. Portanto, faz-se necessária a investigação dos significados, das angústias e das expectativas de cada paciente quanto a sua doença e sua vida, durante todo o processo do tratamento hipnoterápico.

Uma vez que “a hipnose faz com que o paciente tenha à sua disposição os seus próprios potenciais para a auto-ajuda” (Zeig, 2003, p. 35), pude constatar que, conforme se revive hipnoticamente o episódio traumático do diagnóstico e dos possíveis prognósticos que o mesmo pode representar, oportuniza-se que o paciente ressignifique essa vivência de uma maneira mais aceitável para si próprio, com uma roupagem mais amena, a qual permita a elaboração do trauma.

Foi, de fato, o que ocorreu, como indicam as seguintes percepções:

“A minha expectativa é que eu venha a recuperar toda a minha saúde, que está abalada.” (A.S.S.)

“E ssa célula [do câncer] é de acordo com aquilo que a gente sente, com o estado de humor”. (I.O.B.)

“Como eu ‘tô’ criando alguma coisa, eu tenho que ajudar também.” (A.S.B.)

“A minha tranquilidade aumentou... A gente fica mais seguro.” (N.C.S.)

Ao permitir a elaboração do trauma, automaticamente o indivíduo pode prescindir do recurso de gerar atos-sintoma, sintomas encobridores, somatizações, transtornos de humor e de ansiedade; o que por outro lado possibilita que o indivíduo encare com maior serenidade e destituído de pré-conceitos socialmente compartilháveis às expectativas diante das oportunidades e possibilidades do futuro, apesar de ter o diagnóstico de câncer.

Retomada da capacidade de prospectar o futuro

Cada nova autopercepção funcionou para mim, enquanto psicoterapeuta, como uma dica de que passei a ter a meu dispor mais uma ferramenta terapêutica, posto que “qualquer comportamento, qualquer manifestação... podem ser utilizados como ferramenta terapêutica” (Zeig, 2003, p. 85).

Isso porque, se relembrarmos que os problemas psicossomáticos “são disfunções da comunicação

mente-corpo num âmbito virtual” (Rossi, 2003, p. 91), uma vez havendo a sincronia mente-corpo, os pacientes readquiririam a capacidade de gerenciar e planejar novamente suas vidas. Assim, ressignificando a autopercepção da doença, do adoecimento e da saúde fez-se possível a aquisição de um estado psicossomático apto a elaborar as implicações decorrentes do diagnóstico e dos tratamentos, assim como uma diminuição da dor inconsciente ante essas questões.

Estando esta sincronia estabelecida, as prospecções sobre o amanhã retornaram e os pacientes começaram a apresentar projetos de retornar ao trabalho, de viajar, de comprar a tão esperada casa de praia da aposentadoria, ou um carro novo... A vida após o câncer passou a existir, ou seja, a crença de que o câncer era passageiro, cambiável e destrutível.

Considerações finais

O tratamento hipnoterápico desencadeou, com o transcorrer das sessões, uma reaproximação de cada indivíduo consigo mesmo, e uma decorrente compreensão de que seu estado atual de saúde era passageiro e cambiável. Estes, gradativamente se apropriaram do lugar de “ser uma personalidade total recuperando-se” (Erickson, 2007, p. 55), para o qual foram convocados a participar desde o início das sessões de hipnoterapia, ou seja, participavam ativamente de um processo de recuperação de sua saúde.

Certamente que “a experiência de reassociar e reorganizar sua própria experiência de vida foi o que pôde resultar em uma cura” (Rossi, 2003, p. 99), uma vez que a autopercepção de melhora pareceu estar diretamente relacionada ao aumento da capacidade dos pacientes de voltarem a ocupar a posição de agentes centrais de suas vidas.

Mediante essa constatação, foi possível observar que a noção eminentemente humana de qualidade de vida que, segundo Minayo, Hartz e Buss (2000), tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética da existência, tomou conta desses pacientes, e se encontrava refletida de uma maneira muito intensa em seus comportamentos e discursos. De modo que estes voltaram a acreditar na vida, na recuperação da saúde, no relacionamento conjugal e em si próprios enquanto seus maiores e melhores aliados.

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trabalho interno que aproxime os desejos mais inconscientes e profundos pode trazer diversos ganhos para os pacientes, dentre eles a melhora do humor, a crença na cura e a melhor adesão ao tratamento, a melhora do câncer e a retomada da vontade de viver.

Os resultados obtidos por meio deste estudo indicam que a hipnose pode ser um importante aliado no tratamento das doenças autoimunes, auxiliando no restabelecimento do equilíbrio psicossomático e na ressignificação das experiências e significados subjacentes ao preconcebido sobre cada doença, adoecer, comorbidades, implicações e efeitos colaterais psicossomáticos inerentes.

Além disso, a capacidade de transdução celular em estado hipnótico guarda a possibilidade de associar, mediante a contiguidade entre vivências agradáveis ao paciente e sugestionamento de apropriação celular de funções, o restabelecimento de habilidades orgânicas perdidas. No entanto, há a necessidade de estudos sistematizados sobre o assunto.

Portanto, os estudos futuros devem atentar para ampliar o tamanho da amostra, delimitar o intervalo de idade dos participantes, o gênero, o tipo de câncer e o estadiamento do mesmo, o tratamento a que foi submetido, e a mensuração da suscetibilidade hipnótica. O atendimento dessas variáveis implica que o pesquisador seja acolhido em local com quantitativo de pacientes e staff engajados na referida pesquisa, assim como seja detentor de financiamento para a realização de exames comparativos entre os quadros inicial e final.

Referências

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Sobre a autora:

Licia Ferreira Caire é mestre em Psicologia Clínica: núcleo de psicologia hospitalar e psicossomática pela PUC-SP. Pós-graduada em Psicologia Médica e Psicossomática. Psicóloga Clínica e Pedagoga. Hipnóloga Clínica e Hipnoterapeuta. Acupunturista Auricular Clínica. Professora de cursos de graduação e pós-graduação.

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Tabela 1. Caracterização amostral dos pacientes participantes desta pesquisa  Sujeito  Caracterização

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