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A lei e a ordem: a formação da OAB e a resistência ao golpe de 64 em Goiás

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Academic year: 2017

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MESTRADO EM HISTÓRIA DAS SOCIEDADES AGRÁRIAS

Marcello Rodrigues Siqueira

A LEI E A ORDEM: A FORMAÇÃO DA OAB E

A RESISTÊNCIA AO GOLPE DE 64 EM

GOIÁS

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A LEI E A ORDEM: A FORMAÇÃO DA OAB E

A RESISTÊNCIA AO GOLPE DE 64 EM

GOIÁS

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Sociedades Agrárias da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do título de Mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. Noé Freire Sandes.

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Marcello Rodrigues Siqueira

A LEI E A ORDEM: A FORMAÇÃO DA OAB E A

RESISTÊNCIA AO GOLPE DE 64 EM GOIÁS

AVALIADOR (ES):

______________________________________________

Prof. Dr. Noé Freire Sandes (UFG)

(Orientador)

______________________________________________

Prof. Dra. Christina da Silva Roquette Lopreato (UFU)

_________________________________________

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Esta é uma dissertação intitulada: A lei e a ordem: a formação da OAB e a resistência ao Golpe de 64 em Goiás realizada junto ao Mestrado em História das Sociedades Agrárias da Universidade Federal de Goiás. Assim, este é um trabalho de História cujo objeto de investigação é a Ordem dos Advogados do Brasil e o Judiciário no período militar brasileiro. Nossa hipótese, é que a postura dos juízes e advogados ao longo do Regime Militar explica-se devido à necessidade de preservar a autonomia e independência de suas instituições e de seus misteres. Nossa problemática consiste em dar sentido às diversas explicações existentes sobre o tema. Dentre os objetivos visados buscamos conhecer e analisar o papel da autonomia e independência para os advogados e juristas; discutir a participação destes grupos ao longo do Regime e, mais especificamente, durante a Intervenção em Goiás. Para justificar o uso que fazemos dos conceitos de Golpe de Estado e Ditadura valemo-nos das considerações teóricas propostas por Bobbio, Matteuci e Pasquino em Dicionário de Política. Em relação às categorias autonomia e independência, valemo-nos das considerações de Alla no texto A autonomia e a advocacia. Os resultados a que chegamos confirma nossa hipótese e, embora, os elementos locais tenham afetado consideravelmente a autonomia e independência dos advogados e juízes, a crise de conjuntura não se restringe ao espaço político regional.

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Introdução...1

Capítulo 1 – As escolas de Direito em Goiás, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Regime Militar...5

1.1– A criação das escolas de Direito em Goiás...5

1.2– Da formação do Instituto dos Advogados do Brasil à OAB – Seção de Goiás...8

1.3– Autonomia e independência: dois princípios basilares da OAB...14

1.4– As Conferências da OAB: ensino, ética e autonomia...20

1.5– O Golpe de 64 e a reação das escolas de Direito em Goiás...24

1.6– A Ordem e o Regime Militar: memória e história da OAB...30

Capítulo 2 – O Judiciário diante do Estado militar brasileiro...45

2.1 – Os juízes entram em cena: a institucionalização da “Revolução”...45

2.2 – Revolução ou Golpe: um debate entre juristas e historiadores...47

2.3 – O Estado militar brasileiro e o Estado de Direito...58

2.4 – Ordem jurídica e Estado militar...62

Capítulo 3 – A intervenção em Goiás...70

3.1 – A intervenção em Goiás...70

3.2 – A deposição de Mauro Borges e a redefinição da independência do Judiciário...76

Considerações finais...90

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Em 1964, um Golpe de Estado no Brasil depôs o Governo João Goulart e, em seguida, em nome da Doutrina de Segurança Nacional, promoveu a violação dos direitos humanos e a reiterada quebra ao princípio da legalidade, institucionalizando a Ditadura.

No caso de Goiás, o Governador Mauro Borges Teixeira, ele próprio coronel do exército, foi cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos. Após a intervenção no Estado, assumiu a chefia do Executivo em Goiás, por determinação do Presidente Castelo Branco, o Coronel Carlos de Meira Matos, até então subchefe do Gabinete Militar.

Neste contexto, observamos que a posição dos advogados e juízes não foi sempre a mesma. Assim, a Ordem dos Advogados do Brasil1, não apenas apoio o Golpe de 1964 como também, em outro momento, foi um dos principais centros de luta institucional da sociedade civil contra a ditadura militar implantada no país. Por isso mesmo, a OAB sofreu perseguições de todo tipo, desde tentativas de subordiná-la ao Ministério do Trabalho e submeter sua gestão financeira ao controle do Tribunal de Contas da União, às prisões de conselheiros e à invasão de suas casas e escritórios até ao atentado terrorista na sede do Rio de Janeiro, dirigido contra o presidente Eduardo Seabra Fagundes e que matou a secretária do Conselho Federal, D. Lyda Monteiro da Silva.

Quanto aos juízes, também não esboçaram nenhuma resistência em relação ao Golpe. Pelo contrário, as primeiras declarações que se seguiram procuram justificar e defender o Ato Institucional n.º1 como “juridicamente perfeito” para enfrentar a crise que se instalara no País durante o governo do Sr. João Goulart. Mas, como o regime instituído no país em 1964 caminhou, continuamente, em direção à Ditadura, juizes e advogados tiveram que se pronunciar em relação às questões políticas, sócio-econômica, sobretudo, jurídicas e contra violências em geral.

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O problema é que a bibliografia existente sobre o tema apresenta uma grande divergência de opiniões, e até contradições, para explicar a postura dos advogados e juízes ao longo do período militar no Brasil.

Por exemplo, por um lado, afirma-se que advogados e juízes apoiaram o Golpe de 1964 porque “temeram” as ações políticas do final do Governo João Goulart como uma possível ameaça a ordem social e ao status quo; ou porque os seus líderes, integrando as correntes mais expressivas da UDN e PSD, convergiam nas posições anti-reformistas; porque acreditaram que o Estado de sítio era transitório; ou, ainda, devido sua característica conservadora e corporativista, invocaram sempre a proibição de envolvimento em questões políticas, principalmente a Ordem, conforme dispunha o art. 145 do Estado (Lei n.º 4.215/63).

Por outro lado, afirma-se que assumem uma postura em oposição ao Regime Militar porque o Governo decretou o recesso do Congresso Nacional para baixar o “pacote de abril”; ou porque com o Ato Institucional N.º5, o Estado de exceção converteu-se no Estado de repressão. Neste caso, este seria um Ato “contrário à Constituição” aliado a reiterada quebra da legalidade mais a violação dos direitos humanos. Portanto, estes seriam motivos suficientes para justificar a mudança de postura.

Nossa hipótese é que a postura dos advogados e juízes diante do Golpe de 1964 não foi sempre a mesma, mas explica-se, sobretudo, pela necessidade de preservar a sua autonomia e independência, isto é, de suas instituições – o Judiciário e a OAB – e do exercício de suas profissões.

Estas duas categorias, autonomia e independência, vão assumir conotações

diferentes ao longo do tempo. Mas, em essência, é esta a marca fundamental de suas ações. Tanto é que em função destes princípios básicos, foram capazes de tudo, desde a criação da OAB de forma inconstitucional, apoio ao Golpe de 1964 e aos Atos Institucionais, exceção feita ao AI n.º5, mesmo que isto tenha significado em princípio uma série de restrições em suas atividades.

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Do ponto de vista metodológico, o trabalho consiste numa pesquisa teórico-empírica. Para tanto, realizamos um exaustivo levantamento de material existente sobre o tema que se iniciou pela percepção de uma problemática nos conhecimentos acerca do qual formulamos nossa hipótese. Dessa forma, tendo definido um corpus de análise e guiados por algumas questões essenciais, acreditamos poder desvelar a atuação de juízes e advogados diante do Golpe de 1964 em Goiás.

Para justificar o uso que fazemos dos conceitos de Golpe de Estado e Ditadura valemo-nos das considerações teóricas propostas por Bobbio, Matteuci e Pasquino em Dicionário de Política. Assim, o Golpe de Estado será entendido como um método para a conquista do poder, o primeiro passo do processo de montagem de um regime ditatorial, isto é, não-democrático marcado por uma contradição fundamental: o problema da legitimação do poder e, em particular, das regras de sucessão. (Cf. BOBBIO, MATTEUCI & PASQUINO, 1995)

Em relação às categorias autonomia e independência, buscamos inspiração nas considerações de Valentina Jungmann Cintra Alla em A autonomia e a advocacia. Para a referida autora, independência jurídica é estado ou condição de

quem ou do que tem liberdade ou autonomia. Trata-se de uma característica que distingue a profissão dos advogados e juízes, bem como é pressuposto essencial e indispensável para o exercício de seus misteres, intimamente relacionadas com a independência da OAB e dos tribunais de justiça. Assim, autonomia e independência constituem um dever e um direito que devem ser mantidos e exercidos. Ademais, são condições para o uso responsável da liberdade, orientado para o bem comum das pessoas e das nações. (Cf. ALLA, 1999)

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Para tanto, nos valemos de diversas fontes escritas: escrituras públicas, diversos periódicos e obras bibliográficas de consulta. Quanto às entrevistas, preferimos seguir as orientações da Prof. Dalva2e, assim, foram evitadas.

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Advogados do Brasil e o Regime Militar

1.1 – A criação das escolas de Direito em Goiás

Os primeiros bacharéis em Direito no Brasil formaram-se em Portugal, principalmente em Coimbra. Os cursos jurídicos no Brasil só viriam a ser criados em 1827, em São Paulo e Olinda. É por demais conhecida a influência dessas duas escolas na condução da vida política brasileira, não apenas pela presença dos bacharéis nos mais importantes postos do Estado, mais também no pensamento político brasileiro.

Demorou mais de meio século para que se iniciasse a formação de bacharéis em Goiás. Em 13 de Agosto de 1898 era sancionada a Lei nº 186 instituindo o curso jurídico em Goiás, por Bernardo Antônio de Faria Albernaz. A Academia, no entanto, somente foi instalada cinco anos depois, em 24 de Fevereiro de 1903, no Salão Nobre do tradicional Lyceu de Goiás. O curso se fazia em três anos, e pela Lei nº 263 de 07/07/1905 foram considerados advogados provisionais os bacharéis da primeira turma, determinando o registro do Diploma no STJ para o exercício da Advocacia1.

Em dezembro de 1909, considerando a precária situação financeira goiana, o então Presidente do Estado, Urbano Coelho de Gouveia, baixava um decreto administrativo fechando a Academia de Direito. De 1910 a 1915, Goiás não contou com nenhum estabelecimento de ensino jurídico. Em 1916, um grupo de goianos, tendo à frente o Dr. Luiz Ramos de Oliveira do Couto, lutou pela criação de outro instituto com o nome de Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e com o auxílio do Dr. Agenor Alves de Castro, Secretário da Educação, a Faculdade começou a funcionar em uma sala da própria e então Secretaria da Instrução e Obras Públicas.

A sessão solene de sua instalação foi na tarde de 1º de Julho de 1916, no salão do Lyceu de Goiás. Porém, a nova Faculdade não resistiu à acirrada luta

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travada entre a direção e o corpo docente e, em 1920, teve de fechar suas portas, formando sua primeira e única turma de bacharéis. Mas, a luta pelo ensino jurídico em Goiás prosseguia.

Em 31 de Julho de 1921 fundava-se a “Faculdade de Direito do Estado de Goiás”, com a promessa de subvenção estadual autorizada pela Lei nº 696 de 27/07/1921.Também em 1921 ressurgiu a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, porém com um novo nome: “Escola de Direito de Goiás”. Assim, a cidade de Goiás passava a ter dois cursos de Direito durante o período de 1921 à 1925. No entanto, Através da Lei nº 785 de 25/07/1925, foi suprimida a subvenção estadual concedida à Faculdade de Direito, que foi obrigada a fechar as portas após ter formado três turmas de bacharéis. Prosseguia normalmente a Escola de Direito de Goiás.

Com a Revolução de 1930, foi reaberta a antiga Faculdade de Direito, de acordo com as disposições do Decreto 1336, de 10 de Agosto de 1931 e reinstalada no dia 19 do mesmo mês. A luta a seguir foi pela sua equiparação ao ensino oficial das outras Faculdades congêneres do País, o que foi conseguido pelo Decreto Federal nº 809, de XI de maio de 1936. É por isto que o Centro Acadêmico de Direito da UFG tem esse nome. Seu primeiro presidente Elísio Taveira, hoje Desembargador aposentado e ex-Professor de Direito Constitucional nesta Casa.

Em 1937 fecha-se a “Escola de Direito de Goiás”, que não podia sobreviver porque estava enfrentando a concorrência de uma instituição já equiparada ao Sistema Federal, encampada pelo Poder Executivo. O Centro Acadêmico XI de Maio (CAXIM), através da atuação do seu jornal “O Acadêmico” desempenhou um importante papel na luta pela equiparação da Faculdade às suas congêneres federais, vitória essa comemorada em sessão solene no dia 24 de maio de 1936.

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No final do ano de 1937, veio o decreto federal de 29/11/1937, que vedava a acumulação de funções públicas remuneradas, causando uma grande defasagem no corpo docente, afastando-se de uma só vez 13 professores, inclusive o Diretor. A partir de 1938, a Faculdade só conseguiu sobreviver à custa de reiteradas substituições no corpo docente durante 5 anos, até que se sugeriu que fosse transformada em uma Fundação para compatibilizar a volta dos catedráticos afastados pelo Decreto 24. Tal proposta veio a ser aprovada em 1942 pelo então Presidente Getúlio Vargas com o endosso do Governo do Estado, baixando-se o Decreto-lei nº 5997, oficializando a transferência da Faculdade de Direito à Fundação do mesmo nome. A meta seguinte seria pela federalização, alcançada através da Lei nº 1254, de 04/12/1950.

Em 1950, três grandes campanhas sobressaíram: a do concurso às cátedras, já que quase todos os professores eram interinos ou catedráticos por decreto; a da Semana Mudancista; a da criação da Universidade Federal de Goiás.

No início dos anos 50, os movimentos estudantis e as campanhas do Centro Acadêmico XI de Maio deram ênfase à abertura ao concurso público de provas e títulos dos provimentos das cátedras, pressionando os professores e dirigentes à abertura do processo e a publicação dos respectivos editais. Fora uma medida altamente benéfica à Faculdade de Direito, pois se inscreveram diversos candidatos de outros Estados, dando sangue novo e alento à Faculdade e à Goiânia. Ainda em 1950, O Centro Acadêmico XI de Maio, juntamente com o Centro Acadêmico XI de Agosto (Faculdade de Direito da USP) realizou a Semana Mudancista nas Arcadas do Largo do São Francisco, com apoio do então Governador José Ludovico de Almeida e dos professores da Casa, destacando-se a atuação dos Professores Jerônimo Geraldo de Queiroz e Colemar Natal e Silva. Foi um marco histórico em prol de Brasília.

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1.2 – Da formação do Instituto dos Advogados do Brasil à OAB – Seção de Goiás.

A reordenação do Estado Brasileiro ocorrido com o golpe da maioridade iniciou um processo de institucionalização de associações culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e profissionais. Em 7 de agosto de 1843, o Governo Imperial aprovava os estatutos de uma nova associação: o Instituto dos Advogados Brasileiros. A pouco, haviam iniciado os debates no sentido da fundação de universidades e de cursos jurídicos.

De acordo com Venâncio Filho, a 21 de agosto de 1843, reúnem-se vinte e seis advogados, convocados pelos fundadores através dos jornais, em casa de Aragão, às quatro horas da tarde, e aí foram aclamados presidente e secretário da assembléia, respectivamente, o Dr. Francisco Gê Acaiba de Montezuma e o Dr. Josimo Nascimento Silva. A instalação solene do Instituto dos Advogados Brasileiros realizou-se no Colégio Pedro II, cedido pelo Governo Imperial pelo Aviso de 31 de agosto de 1843 do Ministro do Império (VENÂNCIO FILHO, 1979, p.12-13)

Daí até o Decreto 19.408, de 18 de novembro de 1930, quando foi criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, passaram-se oitenta e sete anos. Neste período, foram apresentados inúmeros projetos para a criação da Ordem, encabeçados por homens como Montezuma, Aureliano Leal, Caetano Alberto, José Thomaz Nabuco de Araújo (Ministro da Justiça), Saldanha Marinho, Franklin Doria (Barão de Loreto), Celso Bayma, Alfredo Pinto, João Marques, J. Canuto de Figueredo, Esmeraldino Bandeira, Teodoro de Magalhães, Armando Vidal, e muitos outros. Todos esses projetos fracassaram.

Acontece que “os projetos enfrentaram inicialmente os aspectos constitucionais do problema, que constituíram um dos óbices enfrentados por todos os projetos, qual seja, se seria possível a criação da Ordem, em face do princípio de liberdade de profissão estabelecido na Constituição Federal” (Op. cit. p.19). Portanto, a criação da OAB era inconstitucional.

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caráter de ordem privada com a finalidade de exercer atribuições que a lei desloca da órbita do Poder Judiciário para a sua. É claro, este novo “status” pode trazer ainda inúmeras “vantagens” como a isenção de impostos.

Foi por isso que Aureliano Leal afirmou: “No Império, como na República, confrades nossos saíram daqui do Parlamento investidos da dignidade de Ministros de Estado, revelaram dedicação pelo Instituto, cobriram de favores, mas não deram solução à velha questão da Ordem dos Advogados” (LEAL. In. VENÂNCIO FILHO, 1979, p.18).

Mas, tanto esforço não seria em vão. Em meio aos conflitos decorrentes da queda de Washington Luís, os novos donos do Estado se apressaram em criar a Ordem dos Advogados do Brasil e ainda se conserva certa imprecisão na fixação da verdadeira origem do artigo 17 do Decreto n.º 19.408, de 18 de novembro de 1930 que criou a OAB. Essa imprecisão, certamente, se aproxima da dissimulação, pois a criação da ordem implicava em assumir um conflito constitucional, uma vez que se conferiria privilégios à classe dos advogados.

Foram necessários pelo menos vinte anos para o esclarecimento da criação da OAB. André de Faria Pereira (apud VENÂNCIO FILHO, 1979, p.23), então Procurador do Distrito Federal, assumiu publicamente a autoria do decreto:

Trazendo meu testemunho a respeito daquele dispositivo, que criou a Ordem dos Advogados do Brasil, não viso reivindicar glórias para meu nome, desde que minha intervenção resultou de mero acidente na minha vida profissional, isto é, encontrar-se na pasta da Justiça – ao voltar eu ao cargo de que fora esbulhado e cuja reintegração estava pleiteando em Juízo – Oswaldo Aranha, a quem me ligam laços de família e velha amizade, e a cujo espírito público e inteligência se deve a assinatura daquele decreto com o dispositivo criando a Ordem dos Advogados do Brasil.

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do Estado Novo e, sobretudo no seu final, na campanha contra a ditadura se concentram muito mais no Instituto dos Advogados que na própria Ordem” (TRIGUEIRO. In. VENÂNCIO FILHO, 1979, p.57).

Depois da criação da Ordem dos Advogados do Brasil, apenas quatro meses após a edição do Decreto de Getúlio Vargas, de nº 20.784 de 14 de dezembro de 1931, foi realizada na cidade de Goiás (então capital do Estado), uma sessão solene no Tribunal de Justiça. Naquele momento, exatamente no dia 02 de abril de 1932, foi instalada a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de Goiás2.

O primeiro Conselho Diretor da entidade foi composto por membros do próprio TJ-GO, tendo sido escolhidos, na mesma sessão de instalação, o Desembargador Oliveira Godói, como presidente, e Maurílio Fleury e Vicente Miguel, também Desembargadores, como membros. Isso porque, naquele momento, não estava bem definido o instituto da incompatibilidade entre magistratura e advocacia. Finalmente, em 28 de maio de 1932, foi eleita a primeira Diretoria da OAB-GO, composta pelos Advogados Benjamin da Luz Vieira, presidente, e Albatênio Godoi (acumulando os cargos de secretário e tesoureiro).

Em 1933, Itumbiara chama-se Santa Rita do Paranayba e contando com vários advogados atuando na cidade e adjacências, este foi o primeiro município goiano a ter instalado uma Subseção da OAB, no dia 25 de outubro do referido ano. Para dirigi-la, foi eleita uma Diretoria Provisória, composta pelos advogados Jacy de Assis, Antônio Rocha e Ernani Cabral de Loyola Fernandes. Cabe ressaltar que o advogado Jacy de Assis foi Procurador Geral do Estado no Governo Otávio Lage e participou da fundação da Faculdade de Direito de Uberlândia, base da Universidade Federal daquela importante cidade do triângulo mineiro. Atualmente, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás é composta por 35 Subseções.

De lá pra cá, a OAB-GO cresceu, se fortaleceu e conquistou lugar de destaque tanto ente seus membros como junto à comunidade. Hoje, somando Diretoria, Conselho Seccional, membros no Conselho Federal e CASAG, a

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Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás é formada por 55 dirigentes. Veja a seguir a galeria de Presidentes da OAB – Seção de Goiás desde a sua criação:

Galeria de Presidentes da OAB – Seção de Goiás3

Benjamin da Luz Vieira 28/05/32 a 13/12/32

Emílio Francisco Povoa 15/12/32 a 29/12/34 e 01/04/35 a 31/03/37 (substituto*)

Sebastião Fleury Curado 05/02/35 a 26/12/37 Albatênio Caiado Godoi 1939/1941

Maximiano da Mata

Teixeira 1945/1947

Everardo de Souza 1948/1952

Paulo Fleury Silva e Souza 20/05/49 a 27/07/49 (substituto*) Joaquim Taveira 01/02/52 a 29/07/52 (substituto*) Colemar Natal e Silva 1953/1960

Rômulo Gonçalves 1961/1966

Jorge Jungmann 1967/1970 e 1973/1976

Cleomar de Barros Loyola 1971/1972 Otaviano de Miranda 1977/1978 Luis Francisco Guedes

Amorim 1979/1980

Wanderley de Medeiros 1981/1982

Olavo Berquó 1983/1986

Marcos Afonso Borges 28/05/86 a 01/07/86 (substituto*) Ismar Estulano Garcia 1991/1994

Eli Alves Forte 01/02/95 a 06/07/96 Ana Maria Morais 08/07/96 a 12/09/96

Felicíssimo José de Sena 14/09/96 a 31/12/97 e 1998/2000

* Período em que o Advogado substituiu o colega que ocupava a presidência.

A OAB em Goiás, em sintonia com trajetória da instituição em nível nacional, também organizou um projeto de ordenação e reflexão acerca de sua ação no Estado.

Senhor Presidente,

É com satisfação que encaminho este Anuário de 1944 da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de Goiaz, às suas mãos. Espero que, de alguma forma, seja útil para nossa Entidade de Classe (SOBRINHO. In.: Revista OAB-GO/ abr./jun. 1999).

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Com essa carta sucinta, o advogado José Hermano Sobrinho fez uma doação valiosa para a Ordem: um exemplar completo, em excelente estado de conservação, do primeiro Anuário publicado pela Casa, acompanhado de dois impressos avulsos - uma tabela de honorários de 1961 e outra, de 1963. Pode ser que não seja o único existente, mas é o único que agora pertence à Instituição.

O Anuário pertencia ao Sr. José Hermano. Seu gesto de desprendimento deu novo impulso a um projeto há muito acalentado pela atual Direção da OAB-GO: a produção de um livro que conte, através dos fatos vividos pela Seccional Goiana, a história da própria advocacia de Goiás. De acordo com as informações da Revista da OAB-Goiás de abril a junho de 1999, já foram feitos contatos com o jornalista José Asmar, com larga experiência em levantamentos históricos, cujas negociações estão chegando ao necessário entendimento. Material não vai faltar para o trabalho: há um ano, o arquivo fotográfico da AOB-GO está passando por uma completa sistematização; o arquivo de documentos já está reestruturado, possibilitando acesso rápido a qualquer processo; a biblioteca Prof. Waldir Luiz Costa possui, devidamente sistematizado, um enorme acervo de recortes de jornais e assemelhados. Sem dúvida, a peça mais importante desse quebra-cabeças histórico é o Anuário de 1944. Ele, por si só, é fonte de inestimáveis informações acerca dos fatos, práticas e pensamentos daquela época.

O primeiro ponto que podemos levantar como exemplo está logo no prefácio da publicação: um agradecimento aberto e eloqüente ao "Dr. Pedro Ludovico Teixeira, DD. Interventor Federal em Goiás, que determinou a publicação deste número na Imprensa Oficial do Estado em condições compatíveis com nossa receita orçamentária. Tributamos-lhe aqui nosso imorredouro reconhecimento". Das entrelinhas, podemos deduzir o quanto a independência da OAB está diretamente relacionada às suas ligações políticas. Em qualquer tempo de sua história, isso não mudou...

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empenhado em cada caso. Com isso a Ordem está de acordo até hoje; contudo, foi elaborada uma tabela de preços mínimos, para que o advogado tenha parâmetros em termos de valores, para que não sejam praticados preços que aviltem a dignidade da profissão. Ou seja, o tempo mostrou que existe um ponto de equilíbrio nessa balança.

Outro aspecto que mudou substancialmente com o passar dos anos diz respeito ao Código de Ética Profissional. Em 1945, ano de publicação do Anuário 1944, o conteúdo completo do referido Código coube apenas em duas páginas -hoje, perfaz um pequeno livro. Por que hoje são necessárias tantas regras? Será que os advogados daquela época tinham mais "liberdade de ação" no exercício profissional? A resposta reside no fato de serem as normas, de uma maneira geral, aprimoradas diante das novas circunstâncias que vão surgindo. De qualquer forma, podemos observar que a linha mestra do Código de Ética dos Advogados continua a mesma: disciplinar e institucional.

Disciplinar em respeito ao inciso II do art.44 do Estatuto, que é uma das finalidades da Ordem: “promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”. Por dever institucional dever-se-ia entender o que dispõe o inciso I do mesmo dispositivo estatuário: “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida aplicação da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

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detalhe curioso: no Anuário de 1944, constam apenas duas mulheres: Noeme Lisboa de Castro, como inscrita, e Amália Hermano Teixeira, como solicitadora (irmã de José Hermano, doador do Anuário). Ao todo, haviam 197 advogados e 50 provisionados e solicitadores

Quando se trata de história recente, parece que todos os fatos, vistos depois de algum tempo, chamam a atenção principalmente pelas peculiaridades. É a curiosidade, reforçada pela busca do conhecimento, que nos motiva a investigar uma relíquia como o Anuário de 1944. Posteriormente, é intenção da Diretoria da Seccional de Goiás incluir os dados dessa publicação histórica em seu site na internet. Quando isso acontecer, certamente será um deleite para o estudo e pesquisa em nosso Estado.

Mas, até que chegue esse momento, o que podemos perceber é que a concepção de História para a atual direção da OAB – Seção de Goiás é bastante limitada e restrita. Trata-se de uma “história de encomenda”, deles e para eles. Afinal, apesar das tentativas, não obtivemos nenhuma resposta ou qualquer manifestação de interesse para a realização de uma pesquisa paralela em nome do Mestrado em História das Sociedades Agrárias da Universidade Federal de Goiás.

1.3 – Autonomia e independência: dois princípios basilares da OAB.

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serviços são prestados com a contribuição exclusiva dos advogados, que elegem seus órgãos de direção. (ALLA. In.: Revista da OAB-GO, jul./set. 1999)

A independência profissional é condição intrínseca ao exercício da advocacia. Por isso, é indispensável que o advogado, liberal ou assalariado, esteja imune a toda forma de ingerência e interferência na sua atuação profissional. Necessário é, pois, que o advogado permaneça livre de vínculos e de pressões provenientes do exterior, que tendam a influenciar, desviar ou distorcer a sua ação profissional, prerrogativa que não admite limitações, ainda que se trate de advogado-empregado. Ele defende a liberdade, luta contra todas as manifestações de arbítrio, partam elas dos governantes ou dos Tribunais. Em todos os períodos de nossa história, tem criado e cria a liberdade. E por criar a liberdade, muitas vezes incomoda poderosos e afronta a opinião pública. É o único profissional que é obrigado a enfrentar o poder e para esse enfrentamento indispensável se torna o respaldo e cobertura de seu órgão de classe.

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com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito (art. 44).

Mas, discordamos de Alla quando afirma que a OAB não decorre de nenhum sentimento corporativista.

Mesmo que para o exercício da profissão necessite o advogado de uma entidade profissional forte, para que possa defender seus direitos, suas prerrogativas e zelar pela dignidade da profissão, a independência da OAB não decorre de nenhum sentimento corporativista; quem a reclama é a própria sociedade civil, que se acostumou a buscar refúgio em seu seio (ALLA. In.: Revista da OAB-GO, jul./set. 1999).

É claro que o beneficiário dessa independência é toda a coletividade. Todavia, nem todos entendem a necessidade de sua independência. Além disso, ocorreram ao longo da história várias tentativas de restringi-la. Por exemplo, ainda sob a égide da Constituição de 1946, o Tribunal de Contas da União pretendeu que a Ordem dos Advogados do Brasil submetesse a ele as suas contas para julgamento. Também, em 1967, tentou-se vincular a Ordem ao então Ministério do Trabalho e Previdência Social - ambas as tentativas falharam. Mas, é preciso reconhecer, falharam muito mais pela força e iniciativa corporativista dos advogados do que pela mobilização da sociedade civil.

Pode se dizer que a iniciativa corporativista dos advogados manifestou-se desde o período monárquico no Brasil, através da fundação do Instituto dos Advogados Brasil. Segundo Armando Vidal , Montezuma ao assumir a presidência do referido instituto, afirmou:

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corpo de legislação consoante em todas as suas partes, e digno das luzes do século em que vivemos, e de acordo com os melhoramentos hoje adotados pelas Nações mais adiantadas na escala da civilização; o país, Senhores, pode dizer-se que não tem legislação própria, tudo está por fazer. Ainda nos rege, como vós sabeis, o antigo Direito Lusitano. Em si mesmo despido de unidade, pelo que respeita à doutrina, e de uniformidade relativamente aos diversos pontos do Império Português, cumpre por amor do objeto que me proponho, distingui-lo em tantas quantas são as idades históricas desse Povo célebre (VIDAL, v.1, 1928, p.397).

É justamente no momento de reordenação política que reconduziu o país rumo a um projeto de centralização política, que o Estado Imperial passou a interferir diretamente na nomeação das autoridades jurídicas. Para Barros, esta fase reflete a primazia do Estado na ordem política nacional:

Daí a Lei de 03 de dezembro de 1841 (regulada na parte civil, pelo Decreto de 15 de março de 1842 e, na parte criminal, pelo Decreto 120, de 31 de janeiro de 1842), que deu ao governo a atribuição de nomear diretamente os Juízes municipais para os termos e promotores para as comarcas (os quais eram antes escolhidos de uma lista tríplice proposta pelas câmaras municipais); conferiu as autoridades policiais às atribuições judiciárias da formação da culpa e pronúncia, dando motivo a rebeliões em São Paulo e Minas Gerais, com reflexos em outras províncias, no ano de 1842. (BARROS. In.: Revista da OAB-GO, ano I, N.º1, 1979, p.132).

Observa-se que a autonomia do Judiciário era bastante limitada. A título de exemplo, é bom lembrar que o Poder Moderador, que era exclusivo do Imperador é definido como a “chave mestra” de toda a organização política. Estava acima de todos os demais poderes. Através deste Poder, o Imperador podia nomear ministros, senadores, juízes, demitir os presidentes das Províncias, dissolver as Câmaras etc. Enfim, pelo Poder Moderador, o Imperador tinha o direito de intervir em todos os demais poderes, sob o pretexto de que só assim se poderia garantir a harmonia do Estado.

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Sem a criação da Ordem que se governe a si mesma por meio de seus mandatários e possa pela inspeção, pela disciplina, pela emulação, manter a ordem, a glória, as tradições da profissão, vivendo os advogados isolados, a profissão – e o próprio Judiciário (Grifo nosso) – não teria independência em relação à autoridade. O Instituto dos Advogados Brasileiros pedia a criação da Ordem (NABUCO, 1975, p.557).

De acordo com o Art.2º do estatuto do Instituto dos Advogados Brasileiros – o fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência da jurisprudência. Contudo, parece bastante provável que o Instituto dos Advogados Brasileiros tinha um projeto muito mais amplo e bastante ousado para a época – e para outras que estavam por vir – a realização de uma instituição forte, independente e autônoma com a finalidade de manter a ordem, progresso e afirmar a soberania nacional. Trata-se, então, de uma postura bastante reformista, talvez até revolucionária, contra as ingerências do Império e a favor da República. Como disse Montezuma, “digno das luzes”.

Portanto, era preciso ordenar e dar sentido ao Judiciário e ao próprio exercício da advocacia. Estamos falando de corporativismo e mobilização em favor dos ideais de independência e autonomia como objetivos e metas a se atingir. Este foi o propósito de criação da OAB. E, uma vez criada, estava se forjando também sua própria identidade marcada pela independência e autonomia como partes constitutivas e essenciais de seu ser. É por isso que a campanha pela autonomia na Era Vargas foi tão importante. Significou, nada mais nada menos, que a luta para garantir a sua identidade e, em última instância, o sentido de um projeto delineado em meados do século XIX..

Assim, após a criação da OAB na Era Vargas foi preciso garantir a sua autonomia e independência. De acordo com Venâncio Filho,

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ordenado mensal de dois funcionários da Secretaria (VENÂNCIO FILHO, 1979, p. 64)

Para resolver o problema é nomeada uma comissão para estudar a situação financeira, composta dos Conselheiros Themistocles Marcondes Ferreira, Aristeu Aguiar e Arthur Ferreira da Costa, decide-se pela elevação da taxa de contribuição dos advogados.

A situação da Ordem se complica diante da decisão do Tribunal de Contas, na sessão de 20 de abril de 1950, considerando a Ordem como autarquia e como tal sujeita a prestação de contas. Neste caso, o Conselho decidiu recorrer à Justiça e um mandato de segurança foi requerido, a fim de reconhecer que a Ordem dos Advogados do Brasil não está compreendida entre entidades a que se refere o Artigo 77 n.º II da Constituição Federal, esclarecido pelo disposto na Lei n.º 1.830 de 23 de setembro de 1949.

Após observarmos intensa batalha, afinal vitoriosa pela Ordem e pela sua natureza e autonomia, destaca-se as palavras do Ministro Cândido Lobo (apud VENÂNCIO FILHO, 1979, p. 76):

Como que numa zona fronteiriça, entre os serviços para-estaduais e os demais, mas por isso mesmo que fronteiriça, não vou ao ponto de alcançar a outra margem na conceituação dessas idéias para o fim de enquadrar a Ordem como verdadeira autarquia e obriga-la a prestar contas de ridículas importâncias, que jamais são dinheiros públicos ou bens públicos, sujeitando ainda os seus dirigentes a penalidades impostas por lei, àqueles que estão sobre seu controle e fiscalização, como o Tribunal de Contas da União Federal que é, sendo nenhuma como é nenhuma a intromissão da União na vida da referida instituição por qualquer aspecto que se queira apreciar. Sair desse quadro é atribuir competência ao Tribunal de Contas para tomar contas aos particulares. E caso mostra afinal como a contribuição paga pelos advogados anualmente em hipótese alguma pode ser equiparada ao tributo, e acentua como a posição da Ordem em muito difere de uma verdadeira autarquia.

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estadonovistas já se anunciava. Mas a monção aprovada no dia seguinte ao Estado Novo revela a posição da Ordem perante o regime ditatorial:

A Ordem dos Advogados saúda com profunda emoção a entrega do Poder Executivo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ocorrida esta noite. É um primeiro passo para a reentrada do Brasil na ordem e na legalidade; mas este primeiro passo foi dado com tal firmeza, com tanto decoro, sob a inspiração tão patente do mais puro e desinteressado devotamento aos interesses nacionais, que justifica a mais confiante segurança de que outros hão de seguir para recompor a verdadeira fisionomia da nossa Pátria, grosseiramente deformada pelo regime execrado sob o qual temos vivido, oprimidos e humilhados, desde o golpe soturno de 10 de novembro de 1937

Honra às Forças Armadas que, ainda uma vez, no curso da história se mostraram compartes do nosso destino e servidoras da comunidade. A Ordem dos Advogados se associa ao júbilo nacional, consciente de não haver faltado aos seus deveres durante os anos atormentados do regime ditatorial, e exprime os mais ardentes votos à Divina Providência para que, sob a égide da lei, a paz e a fraternidade reinem sobre os brasileiros (VENÂNCIO FILHO, 1979, p.72).

Através desta moção podemos perceber que em 1945 a Ordem comemora o fim da Ditadura, a legalidade e a confiança nas Forças Armadas “consciente de não haver faltado aos seus deveres”. Contudo, é preciso observar a multiplicidade de posições dos advogados: Enquanto advogados como Sobral Pinto, defensor de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, os principais líderes comunistas envolvidos no Movimento de 1935, e muitos outros tomavam uma atitude corajosa, desafiando o governo ditatorial em defesa da Justiça, muitos advogados se recusavam a patrocinar a defesa de presos políticos.

1.4– As Conferências da OAB : ensino, ética e autonomia

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ordem se concentrou no debate sobre questões ligadas ao ensino jurídico e ao controle ético do exercício da advocacia.4

A I Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil aconteceu entre os dias 04 e 08 de agosto de 1958, na cidade do Rio de Janeiro, onde foram discutidas questões que envolviam a atuação profissional dos advogados. O ensino jurídico foi discutido em todas às conferências, mas foi discutido com especial atenção na reunião de 1958. A preocupação do Conselho Federal, presidido à época por Nehemias Gueiros, era a garantia da formação de profissionais qualificados, possuidores de um espírito culto e investigador, e capazes de conciliar os aspectos técnicos e acadêmicos de seu ofício.

Um outro problema discutido na reunião foi a questão da proliferação desordenada das Faculdades de Direito. O Conselho Seccional de São Paulo apontou os danos causados pela ausência de uma fiscalização no processo de seleção do corpo docente dos cursos de Direito, reivindicando a comprovação de formação acadêmica por meio de concursos de títulos e provas, conforme estava disposto na Constituição.

A preocupação em garantir a qualidade profissional dos advogados formados levou a OAB a assumir a tarefa de selecionar os que estivessem preparados para exercer a função. As discussões em torno deste assunto tiveram início em 1952, como sugestão do Conselheiro Paulo Barbosa Campos Filho, que pleiteou junto ao Congresso Nacional a criação de uma lei que "fizesse depender a inscrição nos quadros da Ordem ou de habilitação em exames perante os Conselhos respectivos, ou - o que seria melhor - em exames perante bancas oficiais constituídas de juízes, promotores e advogados". Durante a Conferência de 1958 estas discussões foram retomadas, ressaltando o estímulo à elaboração de restrições que possibilitassem uma triagem no processo de admissão da OAB: "...devemos cerrar, cautelosamente, as [portas] da Ordem, selecionando, no seu limiar, as verdadeiras vocações."

Por sua vez, foi realizada entre 05 e 11 de agosto de 1960, durante a presidência de Alcino Salazar, a II Conferência Nacional da Ordem dos

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Advogados do Brasil centrando-se na questão da missão do advogado no mundo contemporâneo.

Já no discurso de abertura, o Conselheiro Ruy de Azevedo Sodré alertou para a necessidade de se combater a exploração comercial da advocacia, salientando o caráter sócio-cultural da profissão, afirmando que a advocacia e a atividade comercial eram profissões antagônicas. "O nosso objetivo", acrescentou, "não é negociar com a justiça, visando lucro. O nosso trabalho deve ser remunerado, mas não pode ser inspirado por um espírito de mercantilismo".

Segundo concluíram os debates, uma das principais missões do advogado no mundo contemporâneo é a preservação do cunho liberal e humanista da advocacia, devendo o profissional assumir posição ativa e vigilante no momento da feitura das leis. O empenho na luta contra o formalismo jurídico e a adequação do direito à práxis social deve exigir, deste novo advogado, soluções eficazes para os problemas relacionados ao desenvolvimento de atividades científicas e econômicas, assegurando que o Estado ou as empresas privadas não comprometa as liberdades fundamentais do cidadão.

Sobre os princípios liberal e humanista da advocacia, Coelho, ao pesquisar sobre a OAB e o Regime Militar, afirmou que “nossos maiores estadistas, desde o Império, tiveram essa formação – mais humanística do que técnica, conforme a tradição coimbrã – irradiada também, além das velhas Escolas, por entidades afins, como o igualmente sesquicentenário Instituto dos Advogados Brasileiros”. (COELHO, 1999, p.23). Contudo, esta nos parece uma visão muito simplista e unilateral porque não podemos avaliar o ensino jurídico no País apenas do ponto de vista dos “estadistas”. Além disso, Marques Neto, em sua obra: “A Ciência do Direito: conceito, objeto, método”, observa que o Direito “tem tradicionalmente

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Tem falhado continuamente na consecução de seus objetivos últimos, que são a justiça e a paz social vivenciadas dentro de uma estrutura sócio-econômica que consagre, em termos concretos, a igualdade dos cidadãos, sem prejuízo de sua liberdade. As diversas ordens jurídicas têm tardado em dar respostas adequadas às mais legítimas aspirações do meio social e não raro procuram sufoca-las quando vêem nelas um perigo potencial para a estrutura do poder estabelecido (MARQUES NETO, 1982, p. IX).

Portanto, parece-nos bastante provável que existe uma quebra da harmonia entre a realidade social e o conteúdo do ensino jurídico contribuindo para a formação de um profissional distanciado da sociedade, instrumentalizado para manter o status da dominação, fomentando as desigualdades sociais.

Aqui, é de fundamental importância para este trabalho atentar para uma questão conceitual. A formação do advogado brasileiro tem uma etapa precedente, preliminar e fundamental: os cursos jurídicos. É importante ressaltar que as faculdades ou cursos de Direito não formam – e nunca formaram – advogados, mas bacharéis em Ciências Jurídicas ou Direito, que podem jamais pretender sequer inscrever-se como advogados.

O bacharel em Direito pode enveredar por várias carreiras jurídicas e, evidentemente, não jurídicas. Se optar por carreiras jurídicas, deverá, para alguns casos, estar inscritos como advogado. Para outros, não, como nos casos de magistrado e promotor de justiça, que pode conquistar por concurso, sem ter vivido a experiência da advocacia. Mas, para ser advogado, é imprescindível a conclusão do curso de bacharel em Direito, por instituição devidamente reconhecida pelas autoridades educacionais do País.

Mas, a formação do advogado, em sentido mais amplo, não se completa quando ele termina o curso. Continua mesmo depois – e principalmente – a partir de sua inscrição na Ordem, porque só a partir daí ele é advogado. Note-se também que, a partir daí, a responsabilidade específica sobre sua conduta passa a ser da Ordem. Contudo, deve-se dizer que tal encargo se inicia no Exame de Ordem, obrigatório somente a partir do Estatuto de 1994, instrumento, aquele, que deveria ser eficaz na seleção dos aptos à inscrição (NINA, 2001, p.39-40).

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profissão. É oportuno registrar ainda que tanto a proliferação dos cursos jurídicos, como a sua realização noturna, além do próprio conteúdo curricular, são apontados como causas principais da ausência de qualidade do ensino que se desejava nas Faculdades de Direito.

Todavia, mesmo existindo essa pretensão de participar efetivamente do processo seletivo da abertura de novos cursos jurídicos, acreditamos que a OAB, por contingências culturais e conjunturais, manteve, até a superviência do regime autoritário instalado em 1964, uma linha de ação muito mais voltada para conquistar o reconhecimento de sua estatura institucional, como logrou conseguir com a Lei nº 4.215 (VENÂNCIO FILHO, 1979, p.88).

Em resumo, a campanha pelo novo estatuto foi a principal

campanha da OAB na década de 50. Daí, a grande preocupação com

o ensino jurídico e o exercício da advocacia. Entretanto, foi possível

perceber uma grande contradição entre a sua preocupação de

mudança e redefinição de perfis verificado nos diversos trabalhos e

pronunciamentos sobre a temática (formação interdisciplinar e crítica,

compreensão global do ordenamento jurídico, percepção do Direito

enquanto fato social...) e a predominância, nos cursos jurídicos, de

uma

mentalidade

conservadora, disciplinar

e

descritiva

do

ordenamento jurídico oficial. Então, cumpre perguntar: como terá sido

a atuação das escolas de Direito em Goiás logo após o Golpe de

1964?

1.5 – O Golpe de 64 e a reação das escolas de Direito em Goiás.

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estudantes denunciavam a intervenção estadunidense na educação, nos outros setores da vida nacional e a forma totalitária do governo brasileiro. Os Diretórios Centrais de Estudantes determinavam que não se pagassem as anuidades escolares instituídas a partir do ano de 1966, não exatamente pela quantia que o pagamento pudesse representar, mas sim porque era o cumprimento da orientação estadunidense de privatizar o ensino. Passaram a ocorrer greves contra as anuidades, invasões de restaurantes universitários fechados e reivindicações de direito de manifestação e de liberdade. Os populares costumavam aplaudir os estudantes que, dos edifícios, eram saudados com chuvas de papéis picados. Cartazes contra o governo federal, protestos contra os espancamentos que a repressão política vinha fazendo – aos gritos uníssonos de “Abaixo a ditadura, viva a soberania nacional; povo sim, ditadura não; abaixo o imperialismo; o voto é do povo e se são fortes, abram as urnas; o povo quer feijão, chega de canhão; cantando o Hino Nacional, o movimento estudantil ganhava o cenário da nação brasileira” (SANFELICE, 1986, p.93-116).

Em relação ao governo, Poerner observa que a resposta imediata foi a repressão e a cooptação:

Da parte do governo, a resposta imediata, após a realização do Congresso de Belo Horizonte, foi efetuar inúmeras prisões de estudantes e enquadrar muitos deles na Lei de Segurança Nacional. Pouco depois, entretanto, numa medida de cooptação, Castelo Branco fundou o Movimento Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social (MUDES), que visava, segundo o próprio governo, constituir-se ‘desafio ao idealismo da nossa juventude’, que teria a oportunidade de transformar ‘seu protesto vazio’ em ação efetiva que corrigisse injustiças, minorasse sofrimentos e aperfeiçoasse a capacidade construtiva da comunidade (POERNER, 1979, 274-276).

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Sobral Pinto não pode pronunciar seu discurso. Em 1969 houve a mudança da Faculdade de Direito para a Praça Universitária, onde se encontra nos dias de hoje.

Alguns anos antes, as forças civis e militares, que conquistaram o Estado Nacional, protagonizaram um fato que marcara a história política de Goiás e de vários jovens que se tornariam os intérpretes das aspirações democráticas da sociedade civil: a intervenção ao Governo de Mauro Borges, deposto em novembro de 1964. Ascendeu à chefia do governo o interventor Cel. Meira Mattos.

Para Dias, este contexto estrutural foi determinante no processo de radicalização das lutas dos “filhos das classes médias” em Goiânia, no ano de 1968. Afinal, Mauro Borges abandonara o palácio do governo nos braços de populares, porém sem esboçar resistência alguma (DIAS, 1990, p.58).

A Universidade Federal de Goiás, no princípio de março de 1968, passou a ser dirigida por um novo Reitor, Jerônimo Geraldo de Queiroz5, empossado no dia 04 em Brasília, que assumiu sob os auspícios da crise. A solenidade de transmissão do cargo, conforme nos informa DIAS, foi presidida pelo Reitor em exercício, Emanuel Augusto Perillo, e deu-se sob o clima dos protestos estudantis.

Após a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto num grave conflito entre estudantes e policiais, na Guanabara, na noite de 28 de março de 1968 os dirigentes das entidades estudantis, grêmios, a CGE dirigida por Juarez Ferraz de Maia, a UEE, os DCEs e CAs da Universidade Federal de Goiás, traçaram os rumos da reação coletiva dos estudantes goianos.

A imprensa goiana retratou com veemência o episódio do Calabouço:

O estudante Edson Luís de Lima Souto, morreu instantaneamente, após receber um tiro no coração, dado por um tenente da polícia. A manifestação tinha o objetivo

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de protestar contra a má qualidade da comida servida no Restaurante Calabouço. Tropas de Choque da polícia investiram contra os estudantes a golpes de cassetetes e disparos para o ar. Os estudantes revidaram, provocando uma fuzilaria que causou pânico (O POPULAR, 29 março de 1968).

E também, os seus desdobramentos:

É vexatório para a consciência e para a própria dignidade nacional, em conseqüência, constatar nos desdobramentos do processo de crise que se instalou a partir da semente do Calabouço, a marca de atividades políticas que desejam mudar o caráter da situação, e por esse caminho, subrepticiamente, atear fogo nos elementos com bustos trazidos à tona pela bala que furou o peito do jovem estudante (O POPULAR, 30 março de 1968).

Em Goiânia, a reação foi imediata. Mas, de acordo com Dias, “a reação dos estudantes foi surpreendida pela tentativa de desarticulação dos protestos, com a ação vil dos agentes da PF que prenderam o presidente do CA XI da Maio, da Faculdade de Direito da UFG, que foi solto horas após, depois de prestar depoimentos, recebendo a visita do presidente da OAB – Seção de Goiana, Rômulo Gonçalves”. Ainda assim, “as entidades estudantis da UFG produziram um manifesto de protesto contra as violências perpetradas pelas forças policiais na Guanabara. O documento foi lido para os estudantes no transcorrer da manhã e, ulteriormente, incinerado, para não deixar pretexto à repressão a novas detenções” (Op. cit. p. 61).

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Catedral. O arcebispo desafiou os policiais a prendê-lo, exigindo respeito e dizendo que “se os estudantes são subversivos, eu também sou. E experimentem vir à Igreja ou à Cúria” (O POPULAR, 02 de abril de 1968).

No dia seguinte, lia-se no jornal O Popular a seguinte manchete: “Mais dois estudantes baleados. Exército ocupará a cidade”. Desta vez, os projéteis atingiram as nádegas e a mão esquerda de um dos líderes do movimento estudantil em Goiás, Telmo de Faria, de 29 anos, do 1º ano da Faculdade de Direito da Federal, e no pé de uma aluna de Belas Artes, Lúcia Jaime, de 22 anos, logo levados ao hospital Santa Helena e submetidos a operações. Informou o referido jornal.

[...] Desde cedo, os estudantes começaram a se juntar na Catedral Metropolitana considerando-se coberto pela autoridade do Arcebispo e às dez horas os seus líderes passaram a discutir com Dom Fernando, dentro da Catedral, os preparativos da missa às 16 horas. Já cercada toda a área por pelotões da Polícia Militar, perto das 11 horas um civil não identificado entrou na igreja e descarregou toda a carga de uma arma de cano curto ao que se presume de calibre 38.

[...] O cônego Nelson Rafael, que se encontrava no prédio onde funcionava a Cúria, próxima a Catedral Metropolitana observou, também, quando um militar, nos ombros de outro ‘também de farda verde-oliva’, quebrou as vidraças traseiras da Catedral e atirou no interior do templo, bombas de gás lacrimogêneo (O POPULAR, 03 de abril de 1968).

Em solidariedade e fazendo análise dos acontecimentos, diversos religiosos produziram um longo manifesto. Entre eles destacam-se: “Padres: José Carlos Neto de Campos, Inácio Japiassu, Jorge Soares, José Negreiros, Paulo Márcio Grossi, Dario Nunes, Mirabeau Lopes de Barros, José Pires de Almeida, João Batista Ferreira, Luciano Castelo, Marcos Mendes de Faria, Francisco Silveira Lobo, Frei Estevão Cardoso Avelar, José Sotero Gois, Geraldo Mauro de Faria, Guy Ruffier, Armando Nogueira” (SANFELICE, 1986, p.231).

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grandes cidades em passeatas pacíficas que, em alguns casos, contaram com mais de cem mil participantes. As “Passeatas dos Cem Mil”, como ficaram conhecidas, chegaram a dar a ilusória idéia de que o país aproximava-se de uma abertura democrática.

Contudo, o ano de 1968 foi marcado como o ápice do confronto... “Em Goiânia, com um tiro de fuzil na cabeça, morreu o estudante Ivo Vieira” (POERNER, 1979, p.295). Mais tarde a coordenação das entidades estudantis distribui uma nota à imprensa, sob a responsabilidade da UEE, DCEs, Das, Cas, CGE e Grêmios Estudantis, cujo teor expressava “o protesto veemente contra as arbitrariedades do governador Otávio Lage, que vem agindo como títere da Ditadura Militar, representada em Goiás, pelo coronel Pitanga Maia, seu Secretário de Segurança Pública...”.(DIAS, 1990, p.64).

Para piorar a situação ocorre a instalação de um IPM em Goiânia, determinado pelo General Abdon Sena, comandante da 11ª Região Militar, destinado a apurar fatores relacionados com a “subversão da ordem”. Através da portaria, o coronel Paulo de Andrade ficou encarregado do IPM. Em conseqüência, várias lideranças estudantis são intimadas a prestarem depoimentos. Além disso, a Secretaria de Segurança Pública baixa uma portaria determinando que só terão validade as carteiras de estudantes previamente autorizadas pelo Dops. Estas medidas geraram elevados protestos estudantis e, em especial, nas escolas de Direito em Goiânia.

No desenrolar da crise, em 13 de dezembro de 1968, editou-se o Ato Institucional nº5, expressão máxima do autoritarismo implantado sobre o país. Sanfelice ao analisar os seus desdobramentos para as universidades e para o movimento estudantil destaca o seu caráter “disciplinador”, “aterrorizador” e “desarticulador” conforme se pode perceber na citação a seguir:

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Portanto, apesar de verificarmos em nossa investigação uma contradição entre as preocupações da OAB com o ensino jurídico e a predominância nos cursos jurídicos de uma mentalidade conservadora, disciplinar e descritiva do ordenamento jurídico oficial, o movimento estudantil em Goiás e, mais especificamente as escolas de Direito, tiveram uma atuação bastante significativa na luta institucional contra a ditadura militar, pelo menos até a edição do AI-5. A partir daí e até a sua reorganização após dez anos, o movimento estudantil foi obrigado a se recolher à clandestinidade, enquanto amplos setores da sociedade civil silenciavam-se sob o medo e o desânimo.

1.6 – A Ordem e o Regime Militar: memória e história da OAB

Já registramos o constante desejo da OAB de escrever sua própria história. Esta tarefa deveria se realizar sob o controle da própria instituição. Trata-se, portanto, de uma história institucional, campo em que a reflexão sobre o passado se dá sob certos limites, consoantes com o projeto de escrita e de reflexão que de algum modo foi estruturado atendendo as prerrogativas de manutenção de uma auto-imagem progressista da OAB. Dissemos anteriormente que dentre nossas principais fontes de consulta para investigar o papel dos advogados no período militar brasileiro destacam-se os Anais das Conferências Nacionais da OAB. Sobre a bibliografia existente, que trata especificamente do tema, destacam-se duas importantes obras: Notícias Históricas da Ordem dos Advogados do Brasil (1930 – 1980) de Alberto Venâncio Filho e A OAB e o

Regime Militar (1964 – 1986) de Fernando Coelho.

A primeira iniciativa de se construir a história da ordem resultou no livro Notícias Históricas da Ordem dos Advogados do Brasil (1930 – 1980) de Alberto

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Logo na introdução, pode se ler que Venâncio Filho foi incumbido pela OAB “a tarefa de coordenar a elaboração de Memória Histórica que registrasse os principais acontecimentos da Ordem dos Advogados do Brasil no período de 1930 a 1980”. Mas o transcurso do trabalhou levou à conclusão que seria algo ambicioso de elaboração uma Memória Histórica e que seria mais exeqüível a preparação de uma Notícia Histórica. Nosso interesse na obra citada reside, sobretudo, na reflexão acerca do golpe de 1964. Venâncio Filho relata o apoio inicial dado pela Ordem ao Golpe de 64, mas registra uma mudança de posição após a edição do AI-5, mas pouco acrescenta ao estudo sistemático do papel dos advogados diante do golpe.

Treze anos depois da obra de Venâncio Filho, o Conselho Federal da OAB fez publicar uma outra obra: A OAB e o regime militar (1964 – 1986) de Fernando Coelho. Satisfeitos, mandaram republicá-la. E, assim, pode-se ler no começo da apresentação à 2ª edição: “Ponderáveis razões corroboraram a decisão do Conselho Federal da OAB, de fazer republicar, neste agosto de 1999, o precioso e bem documentado depoimento de Fernando Coelho sobre A OAB E O REGIME MILITAR”.

O livro de Fernando Coelho prima pela riqueza da documentação que ultrapassa o sentido regional, pois o autor estudou, sobretudo, a Seção de Pernambuco. Mas, o autor registrou, também, a evolução das posições do Conselho Federal, a partir de suas anotações, feitas à época, das observações de dirigentes e de uma pesquisa em documentos oficiais, teses e comunicações apresentadas nas Conferências Nacionais e em congressos regionais de advogados, revistas especializadas e demais publicações da Ordem, além de alguns processos judiciais e do noticiário da imprensa.

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daqueles que resistiram ao golpe, deixando de lado qualquer reflexão sobre o colaboracionismo e a participação da Ordem durante o regime militar. No que diz respeito a posição da OAB perante o golpe de 64, Coelho afirma que esta apoiou o Golpe de Estado de 1964 e que retificou essa posição a partir do AI-5 e, sobretudo, após o “pacote de abril”.6 Para ele, a OAB foi “uma das principais cidadelas da luta institucional da sociedade civil contra a ditadura militar”.

Em relação ao apoio da OAB ao Golpe, a explicação de Coelho pode ser assim resumida: 1) Conservadora, a cúpula da OAB interpretava os passos finais de João Goulart em 1964, no mínimo como temerários, se não como preparatórios de um golpe de Estado. Em outras palavras, temiam pelo funcionamento normal das instituições e pela preservação da ordem jurídica; 2) Nesta época, com a ideologização e radicalização do debate político, as correntes mais expressivas tanto da UDN como do PSD praticamente convergiam nas posições anti-reformistas, assumidas igualmente por inúmeros líderes da OAB; 3) Na fase imediatamente posterior à deposição do governo constitucional de João Goulart a preocupação maior da OAB era, sobretudo, corporativa visando a proteção de advogados presos e a defesa das prerrogativas profissionais; 4) Para justificar a atuação meramente corporativa neste primeiro período era sempre invocada a proibição de envolvimento da Ordem em questões políticas conforme dispunha o art. 145 do Estatuto (Lei n.º4.215/63).

6

Para Coelho, os advogados tinham interesse direto e acompanharam de perto a tramitação do Projeto de reforma Judiciária (Proposta de Emenda Constitucional n.º29, de 1976), do seu encaminhamento ao Congresso Nacional pelo Presidente Geisel à luta do Senador Acciolli Filho (ARENA – PR) para compatibilizá-lo com as necessidades de agilização e melhoria dos serviços da Justiça. Quando o governo abandonou todo o trabalho executado pelo Congresso durante meses, com a colaboração da própria OAB; destitui o Senador Acciolli Filho da função de relator da matéria na Comissão Mista e, logo em seguida, decretou o recesso do Congresso Nacional para baixar o “pacote de abril” – usando como pretexto a conduta do MDB, que era exatamente a preconizada pela Ordem – ficou evidente a falta de seriedade com que ele tratava a questão. A falsidade do pretexto invocado, por sua vez, aniquilou o que ainda restava de aparência moral na conduta dos donos do poder. Daí, Coelho conclui: “A partir daí não se ouviu mais, na OAB, uma

única voz que ainda se dispusesse a defender a política oficial. Afirmou-se, ao contrário, sob notável liderança de Raymundo Faoro, presidente do Conselho Federal, a unidade de todas as Secções estaduais, em torno de não apenas condenação às práticas ditatoriais mas, também, da necessidade de uma participação maior da OAB na luta da sociedade civil para restaurar a democracia”. O “pacote de abril” teve assim, na perspectiva de Coelho, uma dupla utilidade: serviu

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Depois, a atuação da OAB muda assumindo a entidade uma posição contestadora em relação à Ditadura. Os principais motivos da mudança apontados por Coelho são: 1) A influência udenista amplamente hegemônica na corporação, da queda do Estado Novo aos anos sessenta aos poucos foi diminuindo; 2) A base social da OAB sofre mudanças. À medida que a reduzida elite de liberais autônomos – econômica e socialmente bem sucedidos e, até certo ponto sem atritos e com bom trânsito junto aos militares – cedia lugar aos milhares de profissionais assalariados que as Faculdades recém criadas passavam a lançar no mercado de trabalho exercendo sobre a própria OAB uma pressão legítima, no sentido de que ela se posicionasse ao lado da sociedade civil, assumindo a luta pela redemocratização do país; 3) Aos poucos o art. 145 da Lei n.º4.215 que limitava a atuação da Ordem foi adquirindo sua exata interpretação e alcance, até a fixação com clareza da distinção entre o institucional e o partidário.

Sem refutar completamente as explicações de Coelho, entendemos que há algo de essencial e constante presente na evolução histórica da OAB, fundamental para se compreender a sua participação ao longo do Regime Militar: a luta pela sua autonomia e independência. Neste caso, pode-se inferir que as ações da Ordem, tanto no sentido de apoiar como de contestar o Regime Militar, devem-se, essencialmente, a necessidade de garantir e preservar a sua autonomia e independência, entendidos não apenas como princípios de um grupo em particular.7

Sabemos que pouco antes do Golpe o Conselho Federal da OAB convocou uma reunião extraordinária “como imposição dos últimos acontecimentos que importaram em grave ameaça à ordem jurídica que cumpre ao Conselho defender nos termos dos presentes estatutos”. No final, na forma de parecer, é aprovada a seguinte Resolução (Apud VENÂNCIO FILHO, 1979, p.131-132):

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, órgão supremo da classe, constituído, por delegação dos Conselhos de cada Estado e Território, e

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entidade do serviço público federal, que tem por expressa atribuição legal ‘defender a ordem jurídica e a Constituição da República, pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida administração da Justiça no país’, RESOLVE, em reunião extraordinária e diante da notória e grave crise por que passa, no momento, a ordem jurídica no país: 1º) Reconhecer e proclamar a necessidade de preservar e garantir o livre funcionamento dos poderes constituídos da República, na órbita federal e em cada unidade da Federação, o resguardo do princípio da autoridade e de todos os direitos, com o objetivo imediato de resguardar a ordem a tranqüilidade pública, perturbada por movimento de agitação, ameaças e atos contrários à Constituição e às leis; 2º) Apelar para os poderes constituídos, no sentido de, serenamente, cumprirem e fazerem cumprir a Constituição e as leis; 3º) O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não é insensível às reivindicações justas e legítimas, mas sempre que afastem meios de propaganda de soluções extra-constitucionais. O regime democrático estabelecido pela Constituição Federal permite realização de todas as aspirações, dentro da lei e do respeito à ordem jurídica; 4º) Comunicar esta Resolução ao Presidente da República, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, às Assembléias Estaduais, ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Federal de Recursos e aos demais Tribunais do país, bem como aos Conselhos Seccionais da Ordem.

Do referido documento, pode-se ler que a OAB invoca a sua “atribuição legal” para “preservar e garantir o livre funcionamento dos poderes constituídos da República”. Sabemos que a única condição para existir este “livre funcionamento” são autonomia e independência. Então, em princípio, a Ordem “apela para os poderes constituídos”, ou seja, os militares, para defenderem a ordem jurídica e a Constituição da República e, em última análise, a sua própria autonomia e independência, em uma perspectiva corporativista.

Referências

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