ESCOLA
BRASILEIRA
DE
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
CENTRO
DE
FORMAÇÃO
ACADÊMICA
E PESQUISA
CURSO
DE
MESTRADO
EM
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
A DINÂMICA
DA
ORGANIZAÇÃO
INTERNA
DA
MESA
DIRETORA
E COMISSÕES
DA
ASSEMBLÉIA
DO
ESTADO
DO
RIO
DE
JANEIRO
DISSERTAÇÃO
APRESENTADA
À ESCOLA
BRASILEIRA
DE
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
PARA
A OBTENÇÃO
DO
GRAU
DE MESTRE
EM
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
MÔNICA
MARIA
MARTINS
DE
ARAÚJO
ESCOLA
BRASILEIRA
DE
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
CENTRO
DE
FORMAÇÃO
ACADÊMICA
E PESQUISA
CURSO
DE
MESTRADO
EM
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
A DINÂMICA
DA
ORGANIZAÇÃO
INTERNA
DA
MESA
DIRETORA
E COMISSÕES
DA
ASSEMBLÉIA
DO
ESTADO
DO
RIO
DE
JANEIRO - ALERJ
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR
MÔN1CA
MARIA
MARTINS
DE
ARAÚJO
E
APROVADA EM
PELA
COMISSÃO
EXAMINADORA
Prof. Luís César Gonçalves de Araújo
autor em Administração
Prof. Deborah Moraes Zouain
Doutora em Engenharia de Produção
r
(i
i;
!
f
i
Prof. Luís Carlos Lopes
Ao meu pai "in memorian", pelo seu grande
apoio e carinho que sempre foi determinante para
Ao Fernando,
pelo grande amor e carinho que temos e por ter -se
tornado no decorrer deste
tempo uma pessoa
A minha filha Mariana,
por mais uma vez ter participado comigo
E com grande satisfação que alcanço o término dessa dissertação, produto final do curso de
mestrado em Administração Pública. Sei que é uma etapa importante na minha vida.
Durante todo este tempo vivi diversas emoções, hoje faço uma avaliação positiva de tudo
que aprendi dentro desta instituição, principalmente neste momento de grandes
transformações no mundo.
A elaboração deste trabalho contou com a colaboração de inúmeras pessoas que ao longo
desta trajetória contribuíram para o êxito de sua conclusão.
Gostaria de agradecer especialmente:
- Ao meu orientador Professor Luís César G. de Araújo, pelos seus conselhos, orientações
e principalmente pela sua grande e sincera amizade ao longo de todos estes anos.
- Aos professores Deborah Moares Zouain e Luis Carlos Lopes por terem aceitado formar
parte de banca de avaliação deste trabalho.
-Ao corpo docente da EBAPE e aos meus colegas de mestrados.
A globalização do capitalismo joga o indivíduo em um mundo de controvérsias, quase de
crise existencial, já que oscila entre o sonho de satisfazer todos os seus desejos e a
realidade
de
não
poder
realizá-los.
À
globalização
o que
interessa
são
as
ressacas
emocionais do indivíduo, que o distancia da razão, do equilíbrio entre o poder e querer e o
torna
um
compulsivo
do
consumo.
É o processo
de
massificação
e homogeneização
cultural, que não apenas gera vícios consumistas nos indivíduos, como também os impede
de participarem politicamente. Politicamente, uma primeira fase da globalização é
caracterizada pela égide das monarquias absolutistas que concentram enorme poder e
mobilizam os recursos econômicos, militares e burocráticos, para manterem e expandirem
seus impérios coloniais. Os principais desafios que enfrentam advinham das rivalidades
entre elas, seja pelas disputas dinástico-territoriais ou pela posse de novas colônias no além
do mar. Politicamente a globalização recente caracteriza-se pela crescente adoção de
regimes em procura de uma democracia mais ampla e participativa a participação política,
portanto, é exigência básica para que o indivíduo supere as barreiras impostas pela
globalização e consiga desenvolver ações de cidadania dentro da própria sociedade global.
Nesse sentido, é necessário encurtar o distanciamento entre as formas institucionais
existentes, sejam jurídicas ou políticas, e a real possibilidade de reconhecer nas leis, nas
The globalization of the capitalism throws the individual in a world fxxll of controversy,
almost an existential crisis, once it reels between the dream to satisfy ali one's desire
and the reality which may not accomplish. What interests to the globalization is the
emotional hangover from the individual, what makes him distant from his reason, from the
balance between the power and the willing and turn him into a compelling of expenditure.
It is the mass-produced and cultural homogenization process. that not only beget
consumptive addiction on the individual, as obstruct him to take part politically, too.
Politically, one of the globalization first step is featured by the aegis from the absolutist
monarchy that concentrates huge power and mobilize the economic resources, military and
bureaucratic, to maintain and enlarge their colonial empire.
The main challenger that they faced, have come from the rivalry among them, being by the
dynastical - territorial disputes or by taking office of new colonies from overseas.
Politically the recent period in globalization is distinguished by the increasing adoption of
political systems that are looking for a wider and shared democracy to the political
participation, in so far as, is a basic demanding to the individual to overcome the barriers
that are inflicted by the globalization and achieve to develop citizenhood actions within
the global society itself. In this sense, it is necessary to shorten the distance among the
existent institutional kinds, whatever they are, juridical or political, and the real possibility
INTRODUÇÃO 10
CAPITULO 1 ____ 12
1. GLOBALIZAÇÃO 12
1.1 A GLOBALIZAÇÃO COMO PARADIGMA DE UMA NOVA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
MODERNO 12
1.1.1
RESENHA
HISTÓRICA
DA
GLOBALIZAÇÃO
12
1. 2 A PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA
NA
SOCIEDADE
GLOBALIZADA
20
1. 3 ESTADO E DEMOCRACIA 26
1. 4 REPRESENTAÇÃO E DEMOCRACIA 30
1. 5 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA 33
1. 6 DEMOCRACIA DIRETA E DEMOCRACIA REPRESENTATIVA 37
1. 7 DEMOCRACIA
POLÍTICA
42
1. 8. DEMOCRACIA POLÍTICA NO BRASIL 44
1. 9 CIDADANIA UM CONCEITO EM CONSTANTE CONSTRUÇÃO 48
1.9.1 CIDADANIA: DIFERENÇAS E INTERSEÇÕES 59
CAPITULO 2 67
2. 1 HISTÓRIA
POLÍTICA
BRASILEIRA
67
2. 2 DESENCONTROS DA EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 69
2. 3 A RELAÇÃO
INTERNA
DOS
PODER
LEGISLATIVO
X EXECUTIVO
73
CAPITULO 3 77
3. 1 MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA LEGISLATIVO BRASILEIRO 77
3. 2 O LEGISLATIVO ANALISADO COMO UM SISTEMA ORGANIZACIONAL 80
3.3 REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR 83
3.4
REPRESENTAÇÃO
PARTIDÁRIA
85
3.4.1. REGIMENTO INTERNO 87
3.4.1.1 COMISSÕES 87
3.4.1.1.1 MESA DIRETORA 89
CAPITULO 4 90
4.1
HISTÓRICO
DA EVOLUÇÃO
POLÍTICA
DO
RIO
DE
JANEIRO
90
4.2
A ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA
DO
ESTADO
DO
RIO
DE
JANEIRO
CARACTERÍSTICAS
E FUNCIONAMENTO
97
4.3 MESA DIRETORA 100
4.4
DESCRIÇÃO
DO
PROCESSO
LEGISLATIVO
DA
ALERJ
102
5.2
AS
VARIÁVEIS
EXTERNAS
À ORGANIZAÇÃO
LEGISLATIVA
E SEUS
IMPACTOS
SOBRE
O MÉTODO
DE
FORMAÇÃO
DO
ÓRGÃO
DECISÓRIO
MESA
DIRETORA - ALERJ 118
5.3
VARIÁVEIS
INTERNAS
À ORGANIZAÇÃO
LEGISLATIVA:
PROCESSO
DECISÓRIO
E RESULTADOS
119
5.4
INTERAÇÕES
ENTRE
VARIÁVEIS
INTERNAS
E EXTERNAS
E SEUS
IMPACTOS SOBRE A CAPACIDADE DO LEGISLATIVO CONTROLAR O
EXECUTIVO 125
CONCLUSÃO
^___
128
INTRODUÇÃO
A história política brasileira coloca-se diante de questões que se tem repetido ao longo
destes 100 anos de República. São estigmas ou estereótipos que alimentam nossa cultura
política, funcionando como fatores de estrangulamento que precisam ser superados.
Tem se tornado comum à afirmação de representantes, tanto de elites como das
outras classes sociais, de que o povo está despreparado para a democracia, para a escolha
dos governantes ou mesmo para defender suas propostas ou interesses.
Tais certezas referem-se à concepção do saber e do poder, atribuída ao domínio da
classe dominante ou associados a quem referendam e justificam a ignorância e
incapacidade das classes subalternas.
É interessante
notar
que
esses
argumentos
e valores
permanecem
atuais
e fazem
parte da história e da concepção do poder sobre a sociedade, são conceitos partilhados
tanto por políticos e intelectuais quanto por as mais diferentes classes sociais.
A origem dessa desqualificação remonta as lutas políticas que ocorria em meados
do século XIX, quando a posse e o poder se estruturava pela tradição ou renda.
A proclamação da República criou o mito da ignorância, da omissão e do
descompromisso social do povo brasileiro. Essa desqualificação moral não fazia das
classes subalternas um interlocutor político, mas jogava o debate no campo do irracional e
dava plena racionalidade ao projeto universalizador da burguesia, que se atribuía à tarefa
de constituir a nação e o povo.
O poder Legislativo no Brasil como na América Latina, sempre foi considerado um
poder sufocado e dominado pelo Executivo. Para compreender a fragilidade deste poder
eleitorais e jurídicos nos eram impostos sem que o legislativo fizesse qualquer tipo de
oposição mais significativa.
A História nos primeiros anos da república insistiu em desqualificar a ação do
Legislativo, procurando sempre, a leitura da história pelos atos do Executivo, sem fornecer
explicações mais significativas para entender a Proclamação da República como um
momento deliberado ou como um projeto. As análises nos remetiam a idéia de golpe
militar, má administração dos políticos do Império, ausência de uma classe em condições
de dirigir um novo Estado, essa visão não se coaduna com os dados encontrados, relativos
a mudança do regime, fruto, sem dúvida, do processo de crescimento da burguesia
brasileira e das contradições daí decorrentes.
O pensamento liberal que se estabeleceu nos séculos XVIII e XIX foi o que norteou
a evolução política das nações capitalistas. A vertente que de fato, veio a prevalecer
historicamente afastou do exercício direto do poder o corpo de cidadãos e instituiu a
representação política como forma privilegiada de mediar a relação entre governantes e
governados.
Neste estudo vamos analisar a caso da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e
CAPITULO 1
1. GLOBALIZAÇÃO
1.1
A GLOBALIZAÇÃO
COMO
PARADIGMA
DE
UMA
NOVA
ORGANIZAÇÃO
DO ESTADO MODERNO
Começamos este estudo sobre a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, buscando em
primeiro lugar um posicionamento teórico das variáveis, Estado, cidadania e democracia.
Para isto, procurasse desenvolver uma resenha histórica do caminho percorrido da
globalização, procurando resenhar os principais fatos que configuram este novo paradigma
que influência diretamente a estrutura do Estado moderno e da sociedade atual.
Nossa intenção neste capítulo é realizar um breve acompanhamento histórico do
processo da globalização, para entender suas origens e os principais fatos deste fenômeno,
e num segundo momento analisaremos as implicações da globalização no Estado e na
sociedade atual.
1.1.1
RESENHA
HISTÓRICA
DA
GLOBALIZAÇÃO
Ao final do segundo milênio a humanidade desenvolveu imensas forças produtivas. As
grandes mudanças tecnológicas estão alterando significativamente as relações entre as
microeletrônica, da biologia e principalmente nos sistemas de comunicação, determinam a
configuração de novos cenários cada vez mais amplos e incertos.
Vivemos
para
Santos1,
em
um
mundo
complexo,
marcado
na
ordem
material
pela
multiplicação incessante do número de objetos e na ordem imaterial pela infinidade de
relações que aos objetos nos unem.
A era da globalização mais do que qualquer outra antes dela, exige uma
interpretação sistêmica cuidadosa, de modo a permitir que cada coisa seja redefinida em
relação ao todo planetário. A expressão "globalização" tem sido utilizada mais
recentemente num sentido marcadamente ideológico, no qual assiste-se no mundo inteiro a
um processo de integração econômica sob a égide do neoliberalismo, caracterizado pelo
predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas
privatizações das empresas estatais, e pelo abandono do Estado de bem-estar social.
Politicamente, uma primeira fase da globalização é caracterizada pela égide das
monarquias absolutistas que concentram enorme poder e mobilizam os recursos
econômicos, militares e burocráticos, para manterem e expandirem seus impérios
coloniais. Os principais desafios que enfrentam advinham das rivalidades entre elas, seja
pelas disputas dinástico-territoriais ou pela posse de novas colônias no além do mar.
A doutrina econômica desta primeira fase foi o denominado mercantilismo, adotado
pela maioria das monarquias européias para estimular o desenvolvimento da economia dos
1 SANTOS,
Milton.
Técnica,
espaço,
tempo
- Globalização
e meio
técnico,
cientifico,
reinos. Ele compreendia numa complexa legislação que recorria a medidas protecionistas,
incentivos fiscais e doação de monopólios, para promover a prosperidade geral. A
produção e distribuição do comércio internacional eram feitas por mercadores privados e
por
grandes
companhias
comerciais,
as
companhias
inglesas
e holandesas
das
índias
Orientais e Ocidentais , em geral, eram controladas localmente por corporações de ofício.
Todo o universo econômico nesta fase mercantilista destinava-se a um só fim,
entesourar,
acumular
riqueza.
A literatura
revisada
do
tema
da
historia
da
globalização2
concorda que, o poder de um reino era aferido pela quantidade de metal precioso existente
nos cofres reais. Para assegurar seu aumento o Estado exercia um sério controle das
importações e do comércio com as colônias, sobre as quais exerciam o oligopólio bilateral.
Os principais acontecimentos que marcam a transição da primeira fase da
acumulação da globalização para a segunda denominada da industrialização dão-se nos
campos da técnica e da política.
"A partir do século XVIII, a Inglaterra industrializa-se
aceleradamente e, depois dela, a França, a Bélgica, a
Alemanha e a Itália A máquina a vapor é introduzida nos
transportes terrestres - estradas de ferro - e marítimos
-navios a vapor -. Conseqüentemente esta nova época será
regida pelos interesses da indústria e das finanças, sua
associada e, por vezes amplamente dominante, e não mais
das motivações dinástico-mercantís ".
Será a grande burguesia industrial e bancária, e não mais os administradores das
corporações mercantis e os funcionários quem liderará o processo de ampliação do poder
2 Trabalho
e Mundialização
do
Capital-A
Nova
Degradação
do
Trabalho
na
Era
da
globalização Giovanni Alves. A Mundialização do Capital François Chesnais Editora Xamã,
1996 & outros.
econômico e político do novo Estado. "Esta rede criada entre os bancos, a indústria e o
Estado, fizeram com que o economista austríaco Rudolf Hilferding a denominasse de O
Capital
Financeiro
(Das
fínanz
kapital,
titulo
da
sua
obra
publicado
em
1910)".4
Considerando-a
um
fenômeno
novo
da
economia-política
moderna.
Lênin5
também
a
definiu como a etapa final do capitalismo, a etapa do imperialismo.
Cada uma das potências européias rivaliza-se com as demais na luta pela
hegemonia do mundo, ingressando a sociedade a uma concorrência político-fmanceira ou
como disse John Strachey: "... lançaram-se unanimemente, numa rivalidade feroz (...) para
anexar o resto do mundo. O resultado desta luta é um acirramento da corrida imperialista e
da política belicista que levará os europeus a duas guerras mundiais, adel914-18eade
1939-45".6
Também
outros
aspectos
técnicos
e políticos
ajudam
a globalização:
o trem
e o
barco a vapor encurtam as distâncias, o telégrafo e, em seguida, o telefone, o avião
aproxima os continentes e os interesses ainda mais, no âmbito da política a Revolução
Russa de 1919 é considerado uma causa política que acelera o processo da globalização.
Pelo enfrentamento violento entre as metrópoles, elas deram para desabar,
obrigando-se a aceitar a libertação do regime colonial. Mesmo assim, como afirma
Chesnais
7 umas
independentes
e outras
neocolonizadas,
continuaram
ligadas
ao
sistema
internacional. "Somam-se, no pós-1945, os países do Terceiro Mundo recém independente
(a índia é a primeira a obtê-la em 1947) às nações latino-americanas. No entanto nem a
descolonização nem as revoluções comunistas, a da Rússia de 1917 e a da China de 1949,
4 Ibid., p. 65.
5 Ibid., p. 231
6 CHESNAIS,
François.
A Mundialização
do
Capital.
Editora
Xamã,1996
p.78.
7 Ibid., p. 89.
servirão de entrave para que o mais longo prazo o processo de globalização seja
retomado".8
No decorrer do século XX, três grandes projetos de liderança da globalização e da
conformação de um novo Estado conflitaram-se entre si: o comunista, inaugurando com a
Revolução Bolchevique de 1917 e reforçado pela revolução maoísta na China em 1949; o
da contra-revolução nazi-fascista que, em grande parte, foi uma poderosa reação direitista
ao projeto comunista, surgido nos anos de 1919, na Itália e na Alemanha, estendendo ao
Japão, que foi esmagado no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945; e, finalmente, o
projeto liberal-capitalista liderado pelos países anglo-saxão, a Grã-Bretanha e os Estados
Unidos.
Desde então só restou a hegemonia no moderno sistema mundial e na
economia-mundo capitalista, não havendo nenhuma outra barreira a antepor-se à globalização.
"O processo produtivo mundial é formado por um conjunto
de umas 400-450 grandes corporações (a maioria delas
produtora de automóveis e ligada ao petróleo e às
comunicações) que têm seus investimentos espalhados pelos
cinco continentes. A nacionalidade delas é majoritariamente
americana, japonesa, alemã, inglesa, francesa, suíça,
italiana
e holandesa
".9
Portanto, pode-se afirmar sem erro que os países que assumiram o controle da
primeira fase da globalização que vêm segundo Ycaza desde 1450 até 1850, apesar da
descolonização e dos desgastes das duas guerras mundiais, ainda continuam obtendo os
8 Ibid., p.58.
frutos do que conquistaram no passado e constitui um modelo da democracia e de
estruturação do Estado, A razão disso é que detêm o monopólio da tecnologia e seus
orçamentos, estatais e privados.
Politicamente a globalização recente caracteriza-se pela crescente adoção de
"regimes em procura de uma democracia mais ampla e participativa". Um levantamento
indicou que 112 países integrantes da ONU, entre 182, podem ser apontados como
seguidores (ainda que com várias restrições) de práticas democráticas, ou pelo menos, não
são
tiranias
ou
ditaduras"
10. A título
de
exemplo
lembramos
que
na
América
do
Sul,
na
década dos 70, somente a Venezuela e a Colômbia mantinham regimes civis eleitos. Todos
os demais países eram dominados por militares (personalistas como no Chile, ou
corporativos como no Brasil e Argentina, Bolívia e Equador). Enquanto que agora, nos
começo do novo milênio, não temos nenhuma ditadura na América do Sul. Neste processo
de universalização da democracia as barreiras discriminatórias ruíram uma a uma (fim da
exclusão motivada por sexo, raça, religião ou ideologia), acompanhado por uma sempre
ascendente padronização cultural e de consumo.
O domínio da tecnologia por um seleto grupo de países ricos, porém, abriu um
fosso com os demais. Hoje os países-núcleos da globalização, estão, em qualquer campo
do conhecimento, anos-luz dos países do Terceiro Mundo. Santos procurando salientar a
perspectiva humana do processo histórico da globalização manifesta: "... que somente
agora a humanidade faz sua entrada na cena histórica como um bloco, entrada
10Cueva,
Agustín.
El desarrollo
dei
capitalismo
en
América
Latina
Editorial
Siglo
XXI.
México
revolucionária,
graças
à interdependência
das
economias,
dos
governos,
dos
lugares."11
Nas
palavras
do
Bauman
" o movimento
do
mundo
conhece
uma
só
pulsação,
ainda
que
as
condições
sejam
diversas
segundo
continentes,
países,
lugares,
valorizados pela
sua
forma
de
participação
na
produção
dessa
nova
história."12
Um dado importante de nossa época é a coincidência entre a produção dessa
história
universal
e a relativa
liberação
do
homem
em
relação
à natureza.
A denominação
de
era
da
inteligência
poderia
ter
fundamento
nesse
fato
concreto:
os
materiais
hoje
responsáveis pelas realizações preponderantes são cada vez mais objetos materiais
manufaturados e não mais matérias-primas naturais. Na era da ecologia triunfante, é o
homem quem fabrica a natureza, ou lhe atribui valor e sentido, por meio de suas ações já
realizadas, em curso ou meramente imaginadas. As pretensões e a cobiça povoam e
valorizam territórios desertos.
Todavia a mesma materialidade, atualmente utilizada para construir um mundo
confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais
humano. Basta que se completem as duas grandes mutações ora, segundo Santos, em
gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana. A grande
mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais, ao
contrário das técnicas das máquinas, são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis,
adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que o seu uso perverso atual seja subordinado
aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas
técnicas doces estarão a serviço do homem. Por outro lado, muito falamos hoje nos
11 lbid.,45
progressos e nas promessas da engenharia genética, que conduziriam a uma mutação do
homem biológico. Isso, porém, ainda é do domínio da história da ciência e da técnica.
Pouco, no entanto, se fala das condições ainda hoje presentes, que podem assegurar uma
mutação filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada
pessoa e também do planeta. Nesse emaranhado de técnicas dentro do qual estamos
vivendo, o homem descobre suas novas forças. Já que o meio ambiente é cada vez menos
natural, o uso do entorno imediato pode ser menos aleatório. Aumenta a previsibilidade e a
eficácia das ações. A interação é a essência do conceito de espaço.
Assim o conceito de localização é uma apreensão categórica ou conceituai de um
lugar em meio a uma rede de interferências relacionais. Segundo Milton Santos "... lugar é
o objeto ou o conjunto de objetos. A localização é um feixe de forças sociais se exercendo
em um lugar. Isso caracteriza o lugar como estático e a localização como dinâmica".13
"Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local,
convivendo
dialeticamente".14
Aprendemos
a pensar
separando,
aprendemos
a separar
as
matérias, mas se olhamos bem, veremos que a história sempre ocorre em um território,
numa geografia.
Vivemos, como sempre, situados em profundas transformações. As relações mais
simples parecem substituídas por outras extremamente complexas, mas que, na verdade,
não passam de um antigo, agora muitíssimo mais potente alinhamento.
Paulo. 1999. p. 90.
13 SANTOS,
Milton.
Técnica,
espaço,
tempo
- Globalização
e meio
técnico,
cientifico,
1. 2 A PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA
NA
SOCIEDADE
GLOBALIZADA
A globalização
como
estudamos
é um
cenário
que
prioriza
um
desenvolvimento
desigual
da sociedade. Ela é problemática e contraditória, dissolve espaços e tempos e impõe ao
indivíduo
padrões
e valores
desconhecidos.
A participação
do
indivíduo
na
sociedade
sofre
transformações, porque, ele ao mesmo tempo em que perde raízes, se vê envolto em uma
imensa multidão de solitários, satelitizada, eletrônica e desterritorializada. De acordo com
a literatura estudada afirma que as mesmas condições que alimentam a interdependência e
a integração, sustentam as desigualdades e contradições em âmbito global. "A mesma
fábrica da sociedade global, que se insere e que ajuda a criar e recriar continuamente
torna-se o cenário
que
desaparece".15
O processo da globalização é uma sucessiva incorporação de novos mundos, onde
"... as organizações políticas, econômicas e culturais, prevalecem sobre os indivíduos,
classes, grupos, partidos, Estados nacionais. Elas conseguem aliar-se com grupos locais,
integram-se a setores sociais, partidos ou governos, mas organizam-se segundo razões
próprias,
de ordem
global".16
Esta nova realidade evidência o caráter particularista das estruturas econômicas,
aliadas ao desconcerto social e cultural, tendo colocado o indivíduo nas mais diversas
formas de antagonismos, que lhe dificultam a tomada de decisões e o inibe de participação
política.
14 Ibid.,
p.65.
15 IANNI,
Octavio.
A Globalização
e o Retorno
da
Questão
Nacional.
Rio
de
Janeiro:
Publicações. 90, 1995, p. 89.
OLIOTECA MARIO HENRIQUE SIMORSEtf
Uma análise da participação política dos indivíduos na sociedade globalizada
mostra que as dificuldades impostas pela globalização, para a conquista de autonomia,
forjam-se na própria globalização, porém são alimentadas e tornam-se grandes barreiras,
no despreparo, intelectual ou político, dos próprios indivíduos em tomar para si as rédeas
do mundo global.
Ao indivíduo cabe perceber que as dificuldades de participação política na
sociedade global não se resumem às questões ideológicas e econômicas do neoliberalismo.
Elas também se revelam em ações do cotidiano, como o comportamento consumista na
compra de algum produto ou no processo de aculturação, de massificação de valores que
sofre dos meios de comunicação.
Enfrentar e superar essas dificuldades exige do indivíduo autonomia, a construção
de uma identidade pessoal, capaz de delimitar espaços e gerar novas consciências de
cidadania.
O indivíduo tem extremas dificuldades de situar-se em uma sociedade que tem
como característica básica a denominada turbulência, que assinala o declínio do
Estado-nação, e que fazem emergir novos e megacentros mundiais de poder, soberania e
hegemonia. Estas novas realidades fazem também que os conceitos que ajudam na
compressão da participação não sejam suficientes.
Sabemos que aparece uma globalização de padrões de consumo, de métodos e
estilos que se neutralizam de formas diferentes na vida de cada um. A mesma
diversificação de valores que lhe é apresentada, retira-lhe a capacidade da escolha
autônoma e reduz-lhe a possibilidade de participação política.
As elites dos países buscam criar condições que nunca se resolvem, acenam para os
indivíduos, constantemente, com novas perspectivas, alia-se a setores sociais, partidos ou
governos, mas definem as decisões segundo as suas razões e interesses políticos. Como
destaca Octavio Ianni "... o povo, as massas, os grupos e classes sociais são induzidos a
realizar
as diretrizes
estabelecidas
pelas
elites
modernizantes
e deliberantes".17
Há de se considerar também a universalização dos meios de comunicação, que
levou à aldeia global informatizada. Tudo que se globaliza, virtualiza-se. As próprias idéias
transfiguram-se na magia da eletrônica. Robotizado, o indivíduo não encontra o ponto de
referência da reflexividade política.
"O partido, a opinião pública, o exercício do voto, a
governabilidade, a estabilidade ou a instabilidade de regimes
políticos, a magnitude ou a irrelevância dos fatos sociais,
econômicos, políticos e culturais, tudo isso passa a depender,
em alguma escala, da forma pela qual a mídia descreve e
interpreta
".l8
É necessário
compreender
que
a globalização
como
um
processo
em
marcha,
inacabado, que modifica as suas condições de autonomia, porém não o impede de refletir,
pensar e agir. As dificuldades que enfrenta de participação política estão em encontrar-se
17 Ibid,. p. 79
na imensidão interativa de conceitos, valores, idéias, que alargam ou reduzem horizontes,
diante da maior ou menor capacidade de discernimento das forças que atuam no
desenvolvimento da globalização, a qual, "... modificam substancialmente as condições de
vida e trabalho, os modos de ser, pensar e imaginar. Alterar as condições de alienação e as
possibilidades
de emancipação
dos
indivíduos".19
Criaram-se as condições de uma nova e moderna visão do mundo, porém não
conseguiu evitar ser, igualmente, uma fonte reveladora das imensas desigualdades sociais,
das diversidades locais, nacionais e regionais, que assim como interagem, chocam-se nos
limites e deslimites da aldeia global.
A globalização do capitalismo joga o indivíduo em um mundo de controvérsias,
quase de crise existencial, já que oscila entre o sonho de satisfazer todos os seus desejos e a
realidade de não poder realizá-los.
A globalização o que interessa são as ressacas emocionais do indivíduo, que o
distancia da razão, do equilíbrio entre o poder e querer e o torna um compulsivo do
consumo.
É o processo
de
massificação
e homogeneização
cultural,
que
não
apenas
gera
vícios consumistas nos indivíduos, como também os impede de participarem politicamente.
A globalização do consumo pelo consumo afeta o comportamento social do
indivíduo e é sentida de diferentes formas e intensidade na vida de cada cidadão. Há de se
considerar a maior ou menor transferência de estilos pelos megassitemas de informação,
desde um simples comercial de televisão aos sofisticados "sites" na rede mundial de
computadores.
Na fase inicial da globalização o objetivo era a padronização desterritorializada dos
produtos, levar o indivíduo ao consumo pelo status da marca mundial. Hoje, como destaca
Dreifuss (1996:24), a preocupação é com novas formas de consumo, criam-se produtos não
homogêneos e, até mesmo com os próprios, mais ajustados a gostos e padrões locais. É a
globalização, que consegue associar o sabor local à harmonização global.
Cornellius
Castoriadis20
(1992:43),
considera
que
o grande
desafio
posto
para
os
indivíduos na globalização é o de ascender autonomia, ao mesmo tempo em que absorve e
interioriza as instituições existentes.
Uma política de autonomia, como recomenda Castoriadis, deve por sua vez, agir
sobre os indivíduos, com o objetivo, de que possa ajudá-los a atingir a sua própria
autonomia. Um projeto de autonomia é, pois, a transformação do sujeito de maneira que
ele possa ser participante do processo, ou seja, tenha participação política na sociedade em
que vive.
A participação política, portanto, é exigência básica para que o indivíduo supere as
barreiras impostas pela globalização e consiga desenvolver ações de cidadania dentro da
própria sociedade global. Nesse sentido, é necessário encurtar o distanciamento entre as
20 CASTORIADIS,
Cornellius.
Globalização
e participação
política.
São
Paulo
: Atlas
1992
p
formas institucionais existentes, sejam jurídicas ou políticas, e a real possibilidade de
reconhecer nas leis, nas instituições, as suas próprias leis e o seu próprio poder.
A cidadania, compreendida como soberania, implica, necessariamente, em
indivíduos que tenham alcançado um grau de autonomia, de participação política, de
autoconsciência. Nesta altura da globalização as possibilidades de autoconsciência ainda
são reduzidas e limitadas.
É possível
que
seja
necessário
que
o indivíduo
supere
as
práticas
políticas
instituídas no passado, para alcançar a participação política na globalização. A submissão,
o conformismo e a alienação não lhe conduzem ao caminho da autonomia, via principal
para o alcance da reflexividade social, do conhecimento atualizado, da tomada de decisão
e, por conseguinte, da própria participação política.
"A autonomia mediante um exercício pleno da cidadania
será requisito básico para a participação política do
indivíduo no Estado. Somente um indivíduo autônomo é
capaz de processar e selecionar informações, ter domínio de
conhecimento, tomar decisões e posicionar-se no mundo da
vida"2'
A cidadania leva o indivíduo à participação política, porém, não deve estar atrelada
às justificativas de ordem econômica ou ideológica que o incapacite ou o impeça a
condição de ser, agir e entender as contradições que permeiam o mundo globalizado.
21 HABERMAS,
Jugem.
Mudança
estrutural
da
esfera
pública.
Rio
de Janeiro:
Biblioteca
Tempo
Sabemos que é politicamente pobre quando o cidadão se entrega ao Estado e dele
aguarda a sua defesa de modo acomodado; que se encolhe diante do poder econômico que
o agride; que não se organiza, para cuidar de sua defesa, de maneira democrática e
competente.
A participação política exige convicção de decisão, clareza do que se busca e
certeza nas escolhas. Estas exigências, apregoadas pela própria globalização, parecem tão
óbvias, porém, ganham um grau de complexidade enorme quando requeridas no contexto
do desequilíbrio social e econômico do mundo global.
Dispersos na falta de dessemelhanças étnicas, culturais e econômicas, banalidades
no contexto da globalização, os indivíduos não encontram recursos de discernimento
lógico, que lhes afiance domínio de poder decisório, autonomia e participação política na
sociedade global e um posicionamento como cidadão. Depois de analisar a globalização e a
participação política pensamos que é necessário estudar os conceitos de Estado,
democracia e de cidadania desde uma perspectiva critica.
1. 3 ESTADO E DEMOCRACIA
Sabemos que os conceitos de nação e Estado mudaram, numa geração anterior, a política
social baseava-se na crença de que as nações, e dentro delas as cidades, podiam controlar
sua riquezas; agora, abre-se uma divisão entre Estado e economia. O Estado - nação parece
estar-se desgastando ou talvez definhando. As forças erosivas são transnacionais. Não
porque nada está no controle. Ninguém parece estar no controle agora. Pior ainda, não esta
claro que seria, nas circunstancias atuais "ter o controle".
Os Estados cada vez têm a maior debilidade na capacidade de manobra para
suportar a pressão - pela simples razão de que "alguns minutos bastam para que empresas e
até
Estados
entrem
em
colapso".22
Uma das características da globalização estudada é que ela se faz sob o patrocínio
da democracia. Generalizam-se, ao mesmo tempo, as relações mercantis como nunca na
história da humanidade e os regimes de democracia, fazendo desta, em sua modalidade
atual, a forma de organização política correspondente da hegemonia econômica do capital
financeiro e a ideologia neoliberal. A desregulação econômica encontra na fragmentação
social, forjando assim, a radical individualização de que se alimentam a ideologia e o
sistema político liberal.
Às
tradicionais
democracias
da
Europa
ocidental
se
foram
somando
nas
duas
últimas décadas regimes similares na Europa oriental, substituindo as então chamadas
democracias populares, na América Latina também em países onde haviam imperado
ditaduras
militares
e inclusive
em
países
africanos
começando
pela África
do
Sul,
a
democracia vai estendendo-se e passou a cumprir com o ritual formal dos procedimentos
que caracterizam aos sistemas políticos de democracia.
O panorama de um "mundo democrático" aparece como um avanço impetuoso, ao
não adotaram a política econômica neoliberal, como a China, Cuba a Coréia do Norte, sem
vigência do chamado pluralismo dos sistemas liberais, assim como os estados árabes, que
sequer separam política e religião.
Sabemos que as formas de democracia existentes no mundo atual já nem sequer
correspondem a seus modelos clássicos. A globalização e as políticas neoliberais aludiram
a legitimidade e a base de apoio dos Estados, levando a processos de rápido desgaste dos
governos a desmoralização crescente dos parlamentos e dos sistemas judiciais, ao
enfraquecimento e a descaracterização dos partidos políticos, ao esvaziamento dos
sindicatos, a dificuldades crescentes para os movimentos sociais, o desinteresse pela
política e a máxima redução da política a uma prática profissional, realizada por
especialistas, monopolizada por elites cada vez mais distanciadas da massa da população,
sem nenhum controle social, em que a cidadania fica reduzida a exercícios formais, tristes
e burocráticos de votação a cada dois anos.
As pesquisas demonstram que na América latina, houve uma grande valorização
das conquistas econômicas sobre a democracia política. As instituições com menos apoio
são os Parlamentos, os Governos e os Partidos, enquanto as Igrejas e as Tvs aparecem
como as organizações de mais prestígio.
As sociedades latino-americanas passaram nas duas últimas décadas por profundas
transformações de sua história em tão curto espaço de tempo. Países que recuperaram
formas de Estado de Direito, perderam com enorme rapidez o impulso democrático que os
havia animado até pouco como, por exemplo, acontece na Argentina, Brasil, Chile,
Bolívia, Guatemala, El Salvador. Alguns, caracterizados pela presença significativa de
direitos sociais e políticos, como Argentina, Chile, o Uruguai apresentaram um acelerado
processo de regressão de direitos. As grandes metrópoles latino-americanas, Cidade do
México, Rio de Janeiro, São Paulo, Caracas, Bogotá, entre outras se transformaram em
algumas das mais inseguras cidades do mundo, enquanto se desagregam as distintas formas
de convivência social. Países como a Colômbia e o Haiti possuem Estados que perderam a
capacidade de controle sobre seus territórios. Outros, como o Paraguai e o Equador, vivem
um processo praticamente permanente de crise do sistema político.
Ainda quando a representação é essencial para a democracia, não é a única
condição para seu desenvolvimento. Até agora, devido às restrições impostas pelos
procedimentos e a lógica de funcionamento estrutural do sistema político, a democracia
representativa - republicana - não tem cumprido na hora de desenvolver mecanismos com
sucesso para garantir a expressão cabal da plural realidade social em um contexto de
participação e democracia plena.
Segundo
Daniela
Vicherat23
na
América
Latina
e no
mundo
em
geral,
os desafios
dos que enfrentam a democracia do séc XXI estão relacionados com a forma como se
articula um novo pacto social entre Estado, mercado e sociedade. Este novo pacto, sem
dúvida, demanda um novo conceito de democracia, mais incluente, real, global,
participativa, sustentável. Em suma, uma democracia menos formal e, mas plena.
23 VICHERAT
Daniela.
Cidadania
participativa
In:
Congreso
Mundial
de
Redes
Ciudadanas
La
1. 4 REPRESENTAÇÃO
E DEMOCRACIA
Aqui analisaremos as principais características do conceito da representação nas
democracias modernas. Baseado principalmente na degeneração do principio da
representação, por um lado, pela denominada -tirania das maiorias-, e por outro, a sempre
presente - tirania dos interesses privados -. Pretendemos, mapear a dinâmica do dia a dia
no exercício da cidadania. Também procuramos analisar como a cidadania se articula com
os institutos de governo e a esfera privada.
Desde 1974 tem crescido paulatinamente o número de países com regimes
democráticos no mundo ocidental. Esta nova democracia tem se consolidado procurando a
melhor forma de governo possível. Mas, vivemos dentro de regimes democráticos que têm
um modelo denominado de democracia republicana que segundo a maioria de autores que
tratam deste tema, e a forma mais viável para o exercício da cidadania. A democracia
representativa
-republicana-,
forma
parte,
como
tem
argumentado
Robert
Dhal24.
A
democracia tem sido instrumentalmente concebida para a defesa da liberdade em três
sentidos:
Porque procura a defesa dos direitos de expressão;
Porque maximiza as oportunidades e as alternativas que o cidadão tem para
estabelecer as regras do jogo;
Porque e possível em condições normadas do alto governo.(cidadania
deliberativa).
Também de acordo com Dahl, a democracia representativa e as liberdades humanas
não necessariamente andam de mãos dadas. O conceito de representação tem uma forma
que foi socialmente construído e reconstruído. Representar e fazer visível o que já existe
entre nós, mas que permanece oculto na escuridão da nossa vida diária.
Para
a teoria
política,
o conceito
de
representação
está
ligado,
desde
Hobbes25,
com
a necessidade de controlar e estabilizar as desordens naturais produzidas pela luta de
interesses privados. Trata-se de um conceito vinculado à tradição democrática em quanto,
tem sido usado como mecanismo político através do qual os processos de luta por direitos
civis, políticos e sociais forem se cristalizando.
A questão é que, para conseguir tais efeitos, a ilusão do liberalismo descansava em
uma existência de algo parecido com uma classe política capaz de controlar o caos
produzido por a confluência de vontades individuais através de uma programação,
desenvolvimento e obediência, respeito da organização política sem exercer coerção. O
problema é que está ilusão gera a concentração do reconhecimento social só aos
representantes, e não aos representados, transformando-os em uma massa que tem que ser
dirigida, em lugar de serem atores e agentes de seu próprio desenvolvimento político e
social.
Estamos de acordo que a expressão e reconhecimento das vozes que existem na
sociedade têm de ser materializada através do governo, tal como propunha J.S. III. Porém,
o argumento liberal reduz a solução do problema e da complexidade social (a
impossibilidade de expressar toda a pluralidade de vozes existentes na sociedade e na arena
política) a habilidade que detém os membros mais educados e cultos da sociedade para
expressar os interesses do povo (Held, 1997). O problema é que se não existe uma
habilitação para que os cidadãos falem com sua própria voz, como é possível que
reconheça os diferentes membros que compõem o corpo de cidadãos. São suficientes os
mecanismos de democracia eletiva para prevenir distorções nos processos de
representação.
A solução conhecida até agora está sendo dada por governos democráticos
-representativos, como forma derivativa da vontade geral, que pretende ser absolutamente
incluente com uma filosofia de ser governo para o povo.
Seguindo
a tradição
rousseauniana
26,
toda
sociedade
é uma
entidade
artificial
dirigida por um corpo político, para satisfazer da melhor maneira possível as necessidades
dos indivíduos.
A representação do cidadão na democracia é um requisito impostergável e
necessário, mas o tipo de representação constitui o espaço de debate teórico e prático. De
acordo com a literatura estudada encontramos em Habermas a possibilidade de reconhecer
o valor da cidadania e sua representação e papel na democracia.
25 HOBBES,
Thomas.
O Estado
natural
e o pacto
social.
Rio
de Janeiro:
Campus.
1989,
p. 187.
1. 5 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Historicamente, o caráter formal da igualdade não se expressou apenas no campo
econômico. Ela se manifestou, também, no plano político. O sufrágio universal na Europa
do século XIX, por exemplo, era um privilégio dos detentores de propriedade ou daqueles
que pagavam uma certa quantia de impostos, ficando, dessa forma, excluída a maior parte
da população do direito de votar. O voto universal masculino foi um direito conquistado
apenas no final do século XIX e início do século XX, sendo o voto feminino uma vitória
bem mais recente.
O direito de associação foi, também, de início dificultado em países de orientação
liberal. Em 1791, quando estava em vigor o regime resultante da Revolução Francesa, foi
promulgada a Lei Le Chapelier que proibia a formação de associações operárias. Somente
em 1864 foi admitidos o direito de greve, e o reconhecimento legal dos sindicatos foi
conquistado apenas em 1884. O primeiro partido político de massa - o Partido da Social
-Democracia Alemã - foi criado em 1870. Todos esses avanços foram alcançados,
historicamente, com o desenrolar de grandes lutas sociais, das quais participou ativamente
a classe operária.
A teoria liberal não se desenvolve nos seus primórdios como teoria política
democrática. Ela recolhe antes "as demandas democráticas num arcabouço teórico-prático
que
as repõem
sobre
um
patamar
restrito"
27.
O grande mérito histórico do liberalismo é, no entanto, o reconhecimento da
igualdade individual, ainda que essa igualdade seja a igualdade formal. O fato do ideário
liberal é reconhecer formalmente que todos os homens são iguais perante a lei, representou
um significativo avanço para a história da humanidade. Porém, não significou que, na
prática, esse direito fosse viabilizado.
Assim, a igualdade que está na base do pensamento liberal é a igualdade jurídica, a
igualdade de oportunidade, a qual prevê a equidade dos pontos de partida e não dos pontos
de chegada. O direito do cidadão é o direito à igualdade de oportunidade. Seu objetivo é
eliminar
o privilégio
hereditário.
É o direito
de todos
de mostrar
e desenvolver
diferenças
ou desigualdades; o direito igual de ser reconhecido como desigual.
É mister
pôr
em
evidência
que,
apesar
das
controvérsias
entre
liberalismo
e
democracia, ambos se articulam, em um dado momento histórico, para dar corpo e forma à
democracia liberal. O nexo entre liberalismo e democracia repousa no fato de que partem
de um ponto comum: o indivíduo.
Como observa Cerroni , a democracia liberal é o resultado da adequação do
liberalismo às reivindicações sociais, políticas e jurídicas dos movimentos democráticos. O
liberalismo fornece à democracia política não só o fundamento da dignidade igual dos
homens, mas também um conjunto de "regras do jogo" vinculadas aos procedimentos
necessários para garantir a livre competição dos indivíduos.
A democracia liberal resultou, de uma complexa articulação entre liberalismo e
democracia. O encontro de ambos, apesar de não ter se efetuado de forma tranqüila,
evidenciou que a democracia não é incompatível com o liberalismo, e que em vários
aspectos ela pode ser considerada como seu prosseguimento.
Segundo Bobbio (1993), a democracia pode ser considerada como um
prolongamento natural do Estado liberal, não pelo lado do seu ideário igualitário, mas pela
sua fórmula política, que é a soberania popular. Esta tornar-se-ia possível, na medida em
que um maior número de cidadãos tivesse o direito de participar direta e indiretamente da
tomada das decisões coletivas, significando a extensão dos direitos políticos até o limite
último do sufrágio universal masculino e feminino. Bobbio assevera, ainda, que: Idéias
liberais e método democrático vieram gradualmente se combinando num modo tal que, se é
verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a condição necessária para a
direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida,
o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos
direitos de liberdade.
A democracia moderna no seu nascedouro assume a forma de democracia
representativa. A sua marca primeira é a representação política, na qual o representante
deve estar voltado para atender aos interesses da nação e não aos interesses particulares dos
representados, isto é, o representante não pode ficar sujeito a um mandato vinculado. Aqui,
o controle sobre a representação fica praticamente descartado.
A participação direta é radicalmente rejeitada pelos teóricos da democracia
Espírito das Leis que: "O povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar."
Precisava o povo, portanto, de representantes, que iriam decidir e querer em nome do povo.
Tomando
Bobbio29
como
referência,
pode-se
afirmar
que
o sistema
representativo
puro nunca existiu. O Estado representativo sempre teve que prestar contas ao Estado
administrativo que é "... um Estado que obedece a uma lógica de poder descendente e não
ascendente, secreta e não pública, hierarquizada e não autônoma, tendente à imobilidade e
não
à dinâmica,
conservadora
e não
inovadora."30
.
O autor revela, ainda, que nunca teve dúvidas quanto aos limites reais e
insuperáveis do sistema representativo numa sociedade capitalista selvagem como a
italiana. Para ele:
" A soberania do cidadão está limitada pelo fato das grandes
decisões quanto ao desenvolvimento econômico ou não
chegarem aos órgãos representativos ou, se chegarem, serem
tomadas (...) em sedes onde a grande maioria dos cidadãos
soberanos não tem a menor voz ativa. "
A partir dessas formulações, conclui que o defeito de tal sistema não é o de ser
representativo, mas de não sê-lo o bastante. Assim, a ampliação da representação passaria,
necessariamente, pela criação de condições favoráveis no sentido de que o cidadão
passasse a interferir concretamente nas decisões sociais e econômicas por meio dos órgãos
de decisão política. A questão, pois, não é a de negar o sistema de representação, mas
acionar mecanismos capazes de aperfeiçoá-lo no interior mesmo da sociedade capitalista.
BOBBIO, Norberto. Liberdade, igualdade e democracia. Rio de Janeiro: Campus. 1997 p
155-6.
1. 6 DEMOCRACIA DIRETA E DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Rousseau (1983), teorizando no contexto da sociedade francesa do século XVIII
-momento em que a sociedade burguesa, após as revoluções que a edificaram, enfrenta um
conjunto de contradições que põe em cheque o próprio ideário que lhe serviu de suporte -,
recoloca a questão da participação direta como uma necessidade histórica.
Nesse contexto, segundo Rousseau, há uma sociedade desigual cuja igualdade vai
se concretizar no Estado, local onde os elementos desiguais acordam entre si para a criação
de um Estado da natureza capaz de suprimir os elementos limitativos da desigualdade
reinante entre os homens. Para ele, o homem é bom em si mesmo; o trabalho é o elemento
que o prejudica e o corrompe. Daí a necessidade da formulação de um Estado democrático
que resgate este princípio de bondade que o homem tem em si próprio.
Para Rousseau, é indispensável a adoção do contratualismo como uma forma de
legitimar todas as forças da sociedade, uma vez que a civilização é o elemento perturbador
das relações entre os homens e tende a violentar a humanidade. Na sua perspectiva, os
homens nascem livres e iguais, mas em todos os lugares estão escravizados pelos grilhões
da modernidade civilizatória.
Para superar essas condições, deve-se estabelecer um contrato para fundar a
sociedade baseada na igualdade e na liberdade, visto que:
Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da
humanidade, e até aos próprios deveres. Não há recompensa possível para quem tudo
renuncia. Tal renúncia não se compadece com a natureza do homem, e destituir-se
voluntariamente de toda e qualquer liberdade eqüivale a excluir a moralidade de suas ações
(ROUSSEAU: 1983: 21).
Os indivíduos, ao se submeterem às regras contratuais, estariam apenas substituindo
a liberdade animal, da qual eram dotados no estado natural, pela real liberdade de seres
racionais submetidos à lei. A sujeição dos indivíduos ao Estado resultaria na verdadeira
liberdade.
É preciso
ter
presente
que,
para
Rousseau,
o Estado
não
se restringe
ao governo.
O
Estado é por ele considerado como uma comunidade politicamente organizada, que tem a
função soberana de exprimir a vontade geral. A autoridade do Estado não pode ser
representada, mas precisa expressar-se diretamente através da promulgação, pelo povo, das
leis fundamentais.
Nestes termos, o governo se constitui apenas no agente executivo do Estado tendo,
pois, como função, não a formulação da vontade geral, mas simplesmente a tarefa de
executá-la. Ademais, a comunidade poderia estabelecer ou destituir o governo no momento
em que considerasse oportuno.
Nas formulações de Rousseau, liberdade e igualdade são inseparáveis, de modo que
"... quanto à igualdade, não se deve entender por essa
palavra que sejam absolutamente os mesmos graus do poder
e de riqueza, mas, quanto ao poder, que seja distanciado de
qualquer violência e nunca exerça senão em virtude do posto
e das leis e, quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja
suficientemente opulento para poder comprar o outro e não
haja nenhum tão pobre que, se veja constrangido a
vender-se". (1983: 66)
Admite o autor que a igualdade plena não é possível de se concretizar. Entretanto,
essa formulação de Rousseau põe para a discussão um elemento importante, na medida em
que expressa o entendimento segundo o qual extremas desigualdades funcionam como
elementos limitativos da liberdade. Veja-se o que diz o próprio Rousseau: "Tal igualdade,
dizem, é uma quimera do espírito especulativo, que não pode existir na prática. Mas, se o
abuso é inevitável, segue-se que não precisemos pelo menos regulamentá-lo" (1983: 67).
É
evidente
que
os
pressupostos
da
teoria
rousseauniana
não
contemplam
a
igualdade absoluta, principalmente no que se refere ao nível de riqueza, mas incluem a
defesa de que as desigualdades existentes no campo econômico não deveriam conduzir à
desigualdade política.
A igualdade defendida por Rousseau funda-se no princípio da identidade entre os
homens, porém, concretamente, não suprime a desigualdade existente entre eles, uma vez
que a desigualdade é parte mesma da forma de organização da sociedade dessa época. No
dizer de Gruppi, "os homens não nascem nem livres nem iguais, só se tornam assim
A igualdade que Rousseau está buscando no homem é uma igualdade intrínseca ao
homem
mesmo,
isto
é, a bondade,
a virtude,
a moral.
É,
portanto,
a igualdade
como
expressão da individualidade, ou seja, o homem como essência de si mesmo, da sua
bondade.
Seguindo por essa trilha, Rousseau, um dos pais da democracia moderna, em O
Contrato Social, formula as primeiras críticas à democracia representativa. No embate com
os defensores do Estado parlamentar, o autor afirma que a soberania não pode ser
representada. Os deputados do povo, na sua perspectiva, não são seus representantes e não
passando de seus comissários, nada podem concluir definitivamente. Rousseau radicaliza o
debate sustentando que:
"É
nula toda
lei
que
o povo
diretamente
não
ratificar;
em
absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se
engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento;
uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves
momentos de sua liberdade o uso, que dela faz, mostra que merece
perdê-la". (1983:108).
A crítica de Rousseau à democracia representativa pressupõe que o simples ato de
votar em eleições não traduz a expressão da vontade popular. O autor aponta os limites da
democracia representativa e propõe como eixo do que viria a ser o fundamento das
exigências democráticas contemporâneas: a participação popular.
Na sua perspectiva, era necessário construir uma democracia direta, na qual o povo
fosse capaz de expressar realmente a sua vontade, em contraposição à democracia
A participação direta e individual no processo de tomada de decisão se constituía
no eixo básico da teoria política de Rousseau. Nela, a participação tem um caráter
educativo. O sistema ideal de Rousseau foi concebido, segundo Patemam (1992), para
desenvolver umas ações responsáveis, individuais, sociais e política como resultado do
processo participativo.
A evolução da sociedade moderna trouxe uma série de transformações reais que
tornaram problemática a teoria de Rousseau sobre democracia direta. No entanto, deve-se
realçar que nela são identificados elementos essenciais do pensamento democrático,
principalmente no que se refere a esse caráter educativo da participação.
A defesa da participação direta, como única forma de expressão da soberania
defendida por Rousseau, não se aplica em sociedades complexas como as do final do
século XX. O próprio Rousseau, já em sua época, tinha a compreensão de que: "Jamais
existiu, jamais existirá uma democracia verdadeira" (1983:84).
Essa forma de governo exigiria certas condições difíceis de serem construídas: um
Estado muito pequeno, uma grande simplicidade de costumes, bastante igualdade entre as
classes e as fortunas, e pouco ou nada de luxo. Sugere, ainda, o autor que: "Se existisse um
povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos
É preciso
reconhecer
que
a adoção
de
mecanismos
de
participação
direta
da
população precisam ser reconstruídos de acordo com as circunstâncias presentes, com
vistas à consolidação da democracia possível.
Nesses termos, a democracia direta não deve ser colocada como uma alternativa à
democracia representativa, mas como algo complementar. Essa articulação entre
democracia representativa e democracia direta é uma necessidade histórica, porém será
insuficiente se não estiver sintonizada com níveis razoáveis de democracia econômica e
cultural.
1. 7 DEMOCRACIA
POLÍTICA
As transformações ocorridas nos séculos XIX e XX, tanto no campo político quanto no
econômico, trazem, no seu interior, elementos que põem a necessidade de aprimorar
mecanismos com vistas a ampliar a democracia. A questão colocada nesse momento não é
democracia representativa ou democracia direta. Ela assume uma outra configuração: como
articular os avanços da democracia política com a criação de condições mínimas de
bem-estar para as grandes massas da população.
Como
observa
Bobbio32
(1987),
o processo
de
alargamento
da
democracia
na
sociedade contemporânea não deve ocorrer apenas pela integração da democracia
representativa com a democracia direta, mas, sobretudo, pela extensão da democratização a
corpos diferentes daqueles propriamente políticos. Assinala o referido autor:
"... pode-se dizer que, se hoje se deve falar de um
desenvolvimento da democracia, ela consiste não tanto (...)
12 BOBBIO,
Norberto.
Liberdade,
igualdade
e democracia.
Rio
de Janeiro:
Campus.
1997,
p.
na substituição da democracia representativa pela
democracia direta, (...) mas na passagem da democracia na
esfera
política
(...)
para
a democracia
na
esfera
social
,.."33
A ampliação da democracia política deve, necessariamente, estar vinculada com à
redução das desigualdades sociais. O significado da democracia fica incompleto se buscar
dar conta, unicamente, da democracia como forma de governo.
A defesa da igualdade, no que se refere ao nível de riqueza, é uma utopia nas
sociedades capitalistas. Porém, a história tem testemunhado que extremas desigualdades
sociais funcionam como fator limitativo da democracia. Desigualdade econômica
acentuada conduz, também, à desigualdade política.
Nessa perspectiva, à discussão sobre a ampliação da dimensão política da
democracia deve ser incorporado um outro elemento de igual importância: a condição
sócio-econômica dos atores sociais que estão envolvidos no jogo democrático. Além da
elevação do número de eleitores e das instâncias onde eles devem exercer os seus direitos
de voto, é preciso levar em conta o crescimento qualitativo do eleitorado, no que diz
respeito ao seu nível de vida, de escolarização e às condições objetivas de participar das
decisões políticas, dos processos administrativos e de exercer o controle sobre os seus
representantes.
1. 8. DEMOCRACIA POLÍTICA NO BRASIL
As particularidades históricas do desenvolvimento do capitalismo, em países como o
Brasil, imprimem à democracia características diversas daquele padrão clássico das
experiências de países de capitalismo avançado.
As especificidades brasileiras traduzem-se na edificação de uma sociedade com
pouca ou quase nenhuma tradição democrática. Nela o conservadorismo está imbricado,
não apenas no aparelho de Estado, mas atravessa, de ponta a ponta, toda a sociedade civil.
As regras do jogo democrático, definidas predominantemente pelas elites em função dos
seus interesses particulares, têm dificultado tanto a participação política mais abrangente
da sociedade civil, principalmente das massas desorganizadas, quanto o acesso aos bens
materiais e culturais socialmente produzidos.
O autoritarismo tem se expressado, até mesmo, nos períodos em que a democracia
desponta como horizonte político para a vida brasileira. O processo de democratização no
Brasil tem sido, assim, historicamente, transcorrido por uma série de contradições que têm
dificultado a ampliação da democracia.
Isso não significa negar que vêm ocorrendo, no país, principalmente nas últimas
décadas, algumas inovações no campo da democracia política, traduzidas pelo aumento do
número de eleitores que tem comparecido às eleições nos últimos pleitos, pela organização
crescente dos trabalhadores em sindicatos e pela inclusão, na Constituição de 1988, de
elementos de aprimoramento da democracia política, como o plebiscito, o referendo, a