OS CAMINHOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF):
INSTITUIÇÕES, IDÉIAS E INCREMENT ALISMO
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Orientador Dr. Fernando Luiz Abrucio
Profa. Dra. Maria Rita Loureiro Durand
C L A U D I A Y U K A R I A S A Z U
OS CAMINHOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF):
INSTITUIÇÕES, IDÉIAS E INCREMENT ALISMO
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação daSRQPONMLKJIHGFEDCBAE A E S P / F G V como requisito para
obtenção do título de mestre em Administração Pública e Governo.
Área de Concentração: Finanças Públicas
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Orientação: Prof. Dr. Fernando Luiz Abrucio
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.1-Eu devo o presente trabalho, que conclui meu mestrado de três anos e um esforço concentrado de criação dissertativa de dois meses, a inúmeras pessoas, algumas das quais gostaria de mencionar.
Em primeiro lugar, agradeço ao meu querido mestre, professor Fernando Luiz Abrucio. Entre análises sobre a última performance do Corinthians e sobre as medidas fiscais adotadas nos últimos anos, este trabalho só foi possível com a sua preciosa orientação e seus inúmeros rabiscos nos primeiros trabalhos.
Em segundo, agradeço profundamente à EAESP!FGV e à CAPES, que me possibilitaram o financiamento de dois dos três anos desta empreitada. Aos funcionários da Biblioteca, que
freqüentei quase diariamente durante o mestrado, o meu especial agradecimento.XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
À professora Maria Rita Loureiro Durand e ao professor George Avelino, gostaria de
externar a minha mais profunda gratidão pelas aulas e pelo convívio fora delas. Ao professor Francisco Vignoli, agradeço pela atenção em compartilhar seus conhecimentos sobre Finanças Públicas. A José Roberto Afonso agradeço pelo tempo dedicado em responder ao meu questionário.
Aos colegas de mestrado e: de biblioteca, em especial Fátima, Eduardo, Dani, Hiro, Fernando e Elaine, a minha gratidão pela convivência, pela troca de idéias e pelo apoio mútuo na dor e na alegria de escrever uma dissertação.
À minha amiga Denise Delboni, agradeço pelos almoços, pelas conversas bastantes
produtivas e pela parceria nos papers.
Dedico este trabalho à minha família, que entre uma compreensão infinita e críticas um tanto amargas que só familiares conseguem fazer, nunca deixou de me apoiar nestes longos três anos.
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I
INSTITUIÇÕES E PROCESSO DECISÓRIO: LIMITES E POSSIBILIDADES 9
, 1. O processo político brasileiro: entre a fragmentação e a coesão 12
2. O papel das idéias e o decision-making como aprendizado 23
CAPÍTULO II
O PANO DE FUNDO FEDERATIVO: DO DESARRANJO AO
REORDENAMENTO 26
1. O choque da crise da dívida externa e o desajuste federativo 28
2. A virada no jogo federativo e a nova configuração de poder
2.1 Os antecedentes do Plano Real.. 37
2.2 O Plano Real, a centralização de poder da União e a fraqueza dos Estados 41
3. Ajuste fiscal pós-Real: incrementalismo e path dependence 56
CAPÍTULO III
A TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA DA LRF: INSTITUIÇÕES E IDÉIAS 65
1. A relação Executivo-Legislativo 68
2. A mídia e a LRF 83
3. A construção do consenso no Legislativo 86
4. Conclusão 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS 92
"Política Literária"
o
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApoeta municipal discute com o poeta estadualqual deles é capaz de bater o poeta federal
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
Carlos Drummond de AndradeXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o tema ajuste fiscal incorporou-se à agenda política brasileira nos anos 90, tendo a
redução do déficit público, a partir de então, se tomado issue premente para- garantir a
estabilidade econômica. O presente trabalho constitui um esforço tentativo de análise do
ciclo de ajuste fiscal brasileiro desse período, com ênfase em um de seus pontos cruciais: a
»>
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Constitui objeto desta pesquisa o processo de aprovação da LRF e seus
antecedentes, um período compreendido entre 1993 e 2000. Seu objetivo é demonstrar que
o ciclo de mudanças na área fiscal, iniciado na era FHC, foi resultado 1) de profundas
mudanças na distribuição de poder e de recursos no plano federativo (em prol da União) a
partir de 1993/1994, 2) depath dependence e "incrementalismo", ou seja, de medidas que
foram gradualmente implementadas e que, a cada vez, limitavam a tomada de decisão
seguinte à idéia de ajuste e 3) de um processo de aprendizado social e político,
ressaltando-se o papel Idas idéias (HALL, 1993) e do acúmulo de experiência. Destaca-ressaltando-se neste trabalho
os dois últimos aspectos -a idéia de path dependence e de aprendizado político, sem
entretanto, esquecer a dimensão federativa da questão. Trata-se de um estudo que perpassa
pela análise dos atores políticos envolvidos, das arenas decisórias, da interação entre a
A problemática que motivou esta pesquisa procurou responder à seguinte pergunta:
as mudanças na área fiscal decorreram de aprendizado? Se sim, como e, mais importante,
por que se sucedeu ele?
O período de 1982 a 1994 se caracteriza pelo grave desarranjo fiscal, tendo como
pano de fundo o esgotamento do modelo econômico até então vigente e o enfraquecimento
do governo federal sobretudo no plano das relações federativas. Em termos gerais, pode-se
afirmar que duas grandes crises marcam esse período: a crise da dívida externa na década
de 80, que veio à tona em 1982, com o corte quase integral do financiamento internacional
por parte dos bancos privados, e a crise da dívida interna, nos anos 90, resultante do
descontrole fiscal que havia se instaurado na década anterior e que se tomara mais patente
com o controle da inflação a partir de 1993. Ao mesmo tempo, falava-se também em crise
institucional: nenhum dos cinco planos de estabilização anteriores ao Real se mostrara
sustentável e insistia-se que as causas da ingovernabilidade se deviam à estrutura decisória
no país (MAINW ARING, 1993). O referendo realizado em 1993 para decidir sobrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAqual o
regime de governo a ser adotado -ou mantido- parecia ser o resultado dessa perspectiva
negativa a respeito das instituições políticas brasileiras.
Renegociadas as dívidas com os parceiros internacionais, a partir da década de 90 os
fluxos financeiros retomam ao país, gerando certa folga. Tratava-se de uma primeira
mudança nesse cenário. Deflagrava-se, por outro lado, a crise das dívidas estaduais,
resultantes do fim do mecanismo deSRQPONMLKJIHGFEDCBAf l o a t dos orçamentos, que mascarava, com a inflação, a
gravidade dos déficits e do excesso de comprometimento dos balanços com gastos
não-financeiros.
Nesse contexto, segundo o diagnóstico prevalecente à época, fazía-se urgente a
adoção de medidas de equacionamento dos problemas fiscais. O ano de 1993, com 'a
nomeação de Fernando Henrique Cardoso ao Ministério da Fazenda, marcou o início das
mudanças no âmbito fiscal.
O que impulsionou tais mudanças? Em primeiro lugar, a reviravolta do desarranjo
federativo. Assistiu-se, a partir desse período, ao fortalecimento das prerrogativas fiscais do
governo central em detrimento do enfraquecimento dos Estados. Respaldado pelo sucesso
que se instalava, num cenário em que os Estados anunciavam sua bancarrota: investimentos
eram paralisados, o pagamento dos salários de seus funcionários era adiado e greves se
sucediam. Tal situação conferiu ao presidente legitimidade para constituir-se como força
propulsora das mudanças que propunha e neutralizar o veto dos "barões".
Por outro lado, verificou-se a emergência de novas concepções a respeito das causas
inflacionárias (PIO, 2001). No plano fiscal, em particular, tomou-se consenso entre os
economistas que compunham a equipe que formulou o Plano Real a necessidade de
equacionar os problemas dessa área atacando o que era considerado sua raiz: a rigidez das
despesas com pessoal ativo e inativo, que apresentava déficits crescentes a níveis sem
precedentes. Era preciso também "pôr os pingos nos is" das relações fiscais entre a União e
os demais entes federados e criar lei que regulamentasse o art. 163 da CF, disciplinando as
finanças públicas no país. Ressalta-se também que o Plano Real, bem como as medidas
fiscais implementadas posteriormente, basearam-se em grande nos erros e acertos de planos
e ações anteriores, mostrando o resultado de um aprendizado, como procurarei mostrar
mais adiante.XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
°
ajuste fiscal tomou-se, assim, núcleo duro da agenda política a partir de 1993, e o reordenamento das relações federativas passou a ser um ponto central. Como se sabe,mudanças na dinâmica fiscalimpõem não apenas perdas concentradas e ganhos difusos em
termos, digamos, quantitativos, como aponta SHICK (1993), como também perdas
imediatas e ganhos de prazo longo e incerto, em termos temporais, dificultando sua
implementação. Implicam, em vista disso, o comprometimento de (ou a capacidade de fazer
comprometer) múltiplos atores do jogo federativo, estando qualquer tentativa de ajuste, do
contrário, fadada ao fracasso, como se verificou ao longo da década de 80. Reforça-se aqui
a idéia de que mudanças na área fiscal constituem basicamente uma questão federativa, e õs
resultados positivos obtidos nessa área no período analisado deveram-se, em grande parte, à
"virada" do jogo federativo em prol do Executivo federal. Vejamos.
As perspectivas políticas a partir de 1993 passavam a acenar positivamente para a
promoção das reformas. A despeito dos traços fragmentadores do decision-making no
Brasil resultante do sistema federativo que dificulta a tomada de decisões por parte do
da estrutura política que incentiva o comportamento individual e auto-interessado dos
parlamentares (MAINWARING, 1993), a eficácia do Plano Real assegurou à gestão FHC,
pelo menos num primeiro momento, nível de coesão e coordenação sem precedentes na
história política nos 20 anos de redemocratização, consolidando bases para um
presidencialismo de coalizão "robusta". Tal se sucedeu pelo o apoio dos maiores partidos
no Congresso -PSDB, PMDB, PFL, PTB e PPB-, garantindo ainda uma esfera de
influência maior do Executivo sobre as mesas diretoras e o colégio de lideres no Congresso,
principallocus decisório no Legislativo (LIMONGI & FIGUEIREDO, 1998; LOURE1RO
& ABRUCIO, 2000).
°
sucesso do Plano Real garantiu, ádemais, legitimidade ao presidente FHC e sua equipe para levar a diante sua agenda, neutralizando eventuais vetos e moldando aspreferências dos diversos atores do jogo federativo, uma legitimidade que nenhum dos
presidentes civis anteriores havia conseguido assegurar por muito tempo.
Em 1994, a mensagem que encaminhou a MP que criou a URV definia o programa
de estabilização como um plano de três fases, contemplando o "estabelecimento em bases
permanentes do equilíbrio das contas do governo" como prioridade (Exposição de Motivos
n° 47 da MP n° 434/94). Inicialmente, medidas pontuais como a criação do Fundo Social de
Emergência (FSE), posteriormente denominado de FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) e o
aumento de receitas provenientes de impostos e contribuições sociais não compartilhados
com Estados e Municípios deveriam sanear as contas no curto prazo. No longo prazo,
reformas de caráter estrutural (nas áreas Tributária, Previdenciária e Administrativa)
garantiriam as "bases permanentes" desse processo.
Tais iniciativas constituíam, em larga medida, uma contra-agenda da ordem fiscal
estabelecida pela Constituição de 1988. As mudanças nos regimes trabalhistas do setor
público e a expansão dos beneficios previdenciários, disposta na Carta Magna ao longo dos
quase 80 artigos relativos a essa matéria, resultaram em saldos negativos crescentes nas
contas públicas. Ademais, a descentralização fiscal cristalizada pela Constituição
incentivou comportamentos predatórios nas relações fiscais entre União e entes federados e
alimentaram um processo de endividamento irresponsável crescente (ABRUCIO & Costa,
(embora não muito bem sucedido, como veremos) e a criação de uma lei como a LRF
procuraram corrigir.
Mesmo estabelecidas as medidas de estabilização monetária em 93/94, porém, o
cenário fiscal ainda não era nada animador. Apesar do esforço de arrecadação e de
concentração dos recursos distribuídos, a melhora nos saldos fiscais não foi significativa,
principalmente por conta do aumento considerável das despesas rígidas, ou seja, gastos com
pessoal e previdência social e despesas vinculadas, que engessavam o orçamento federal,
gerando pressões sobre as contas fiscais.
Houve, por outro lado, avanços significativos a partir desse período. A principal
"torneira" de financiamento dos Estados -a emissão de títulos por parte de bancos estaduais
para cobrir seus rombos de caixa- foi fechada com o processo de saneamento dessas
instituições. A Emenda Constitucional n° 3 constitui um primeiro passo no sentido de
limitar o endividamento predatório dos entes subnacionais. A partir desse processo,
criaram-se bases para negociar contrapartidas fiscais dos Estados, que teriam, para
conseguirem renegociar suas dívidas com a União, que cumprir regras de ajuste nas contas.
A promulgação da Lei Camata, em 1995, buscou conter o avanço dos gastos com o
funcionalismo, impondo tetos de gastos com pessoal do Executivo nas três esferas da
federação. Na tentativa de reverter o déficit na balança comercial, foi aprovada em 1996, lei
desonerando a exportação de produtos semi-elaborados do ICMS, apesar das queixas dos
governadores contestando os mecanismos de compensação de perdas.
Por outro lado, fechava-se uma torneira e abria-se outra. A emissão de títulos e
autorizações de endividamento (feitas junto ao Senado) para pagamento de precatórios
passou a ser um mecanismo de financiamento disfarçado, o que somente veio a ser
controlado com maior rigor com as repercussões da CPI dos Precatórios (1996 a 1999).
No plano federativo, Estados, em especial São Paulo, Paraná e Bahia, governados
por partidos aliados ao presidente, acirravam a chamada guerra fiscal. Duas CPls -a do
Orçamento e a dos Precatórios- com grande destaque na mídia, apresentaram resultados
aquém dos esperados e subtraíam a legitimidade do Congresso, embora tenham contribuído
enormemente para dar visibilidade a esses problemas. A disputa entre o Judiciário, que
sobre a imagem do primeiro, mas contava "pontos positivos" ao Executivo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Responsabilidade fiscal parecia, nesse contexto, ter um forte apelo moral.
Entretanto, nem todas as iniciativas do Executivo federal lograram sucesso face à
nova realidade federativa. Apenas para fazer um contraponto analítico, a reforma da
Previdência, iniciada em 95, se processou de forma errática e só veio a ser aprovada três
anos e nove meses depois (lembrando que essa reforma, por alterar dispositivos
constitucionais, requeria 3/5 dos votos, quando a LRF, uma lei complementar, exige
50%+ 1), com o conteúdo original bastante modificado e sem conseguir atingir a principal
fonte dos déficits e das distorções, a Previdência Pública. É bem verdade que o governo foi
bem sucedido na desconstitucionalização de alguns dispositivos, o que permitiu, por
exemplo, recorrer à legislação ordinária para instituir a cobrança de contribuição dos
inativos (MELO, 2002). Entretanto, o esforço se revelou inútil, tendo em vista que a
medida foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.
°
processo que envolveu a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal seguiu um caminho menos tortuoso.°
projeto iniciou-se em 1997, no BNDES, em conjunto com oMinistério da Fazenda e o Banco Central, todos alinhados à idéia do ajuste fiscal. A
Emenda Constitucional n? 19, de junho de 1998, estipulou a apresentação desse projeto de
lei até dezembro desse ano. Ele foi inicialmente apresentado em forma de anteprojeto, já
com nome de "Lei de Responsabilidade Fiscal", inspirado no ''Fiscal Responsibility Act"
da Nova Zelândia no final de 98, sendo encaminhado ao Congresso em abril de 99, com
grande cobertura (favorável), principalmente dos jornais diários.
Ao contrário do que se verificou no processo de reforma da Previdência, por
exemplo, o Executivo pôde fazer amplo uso de seu poder de agenda (e utilizar o pedido de
formação de comissão especial e do pedido de urgência na Câmara) para agilizar -a
aprovação. Nas duas Casas legislativas, o projeto conseguiu votação expressiva: na
Câmara, obteve 385 votos a favor, 86 contra e 4 abstenções -eram necessários 257
votos-e, no Senado, 60 votos a favor, 10 contra e 3 abstenções.
Promulgada, o Judiciário rejeitou liminarmente as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIns) impetradas pelos partidos de oposição, mostrando-se
cauteloso com relação à matéria. Como colocou o presidente do STF, ministro Marco
Aurélio de Mello, o tribunal tem marchado com muita cautela com relação a essa lei, pois
percebe que ela é um avanço em termos de Administração Pública".
O que explica o comportamento diverso dos atores políticos?
A mudança nas relações federativas e na dinâmica da distribuição de poder e
recursos em favor da União, como se falou, tiveram peso decisivo. Mas não o explicam por
completo. Nesse sentido, atenta-se para o fato de que o processo decisório no caso da
aprovação da LRF foi resultado de um "social learning" (HALL, 1993), ou seja, de um
aprendizado gradual envolvendo os diferentes atores políticos no sentido de aceitar a idéia
de mudança.
HALL define social learning como uma tentativa deliberada de ajustar os objetivos
e instrumentais da políticazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(palicy) em resposta às experiências passadas e novas
informações. Tendo como foco empírico as políticas macroeconômicas ocorridas na
Inglaterra entre 1970 e 1989, o autor estabelece três ordens de mudanças no processo de
aprendizado. A primeira ordem diz respeito a mudanças incrementais: pontuais,
pertencentes à rotina da administração pública. A segunda ordem de mudança se dá por
meio do desenvolvimento de novos instrumentais políticos que, por sua vez, abrem
caminho para ações estratégicas. Por fim, mudanças de terceira ordem, que representam a
mudança de paradigmas, de ~loci decisórios, de aprendizado via tentativa e erro que
resultam de debates públicos que se tomam políticos (com efeitos eleitorais) e incorporam a
agenda política .
.A análise empírica do ciclo de ajustes fiscais que culminou com a aprovação da
LRF, grosso modo, mostra que se sucederam os três níveis de mudança, ressaltando-se
também o caráter incremental desse processo. O Plano Real, a Lei Camata, a CPI dos
Precatórios, a renegociação das dívidas dos Estados e a LRF enquadram-se nas três ordens
de mudanças, promovidas de forma incrementaI, tal como a sedimentação de "camadas
geológicas" (LOUREIROXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& ABRUCIO, 2002).
Assim, busca-se mostrar neste trabalho que o sucesso do ciclo de mudanças na área
estritamente fiscal não resultou de reformas do tipo "once for alI", como se buscava nas
reformas Tributária e Previdenciária, mas de medidas gradualmente implementadas. As
razão da distribuição de recursos e das "opiniões de legitimidade" têm igualmente papel
decisivo nesse processo. Não por outra razão o projeto da LRF passou por uma tramitação
rápida e com votação expressiva e tampouco vem sofrendo "interferências" por parte do
Judiciário.
Não se nega o peso das instituições nesse processo. Pelo contrário. As instituições
têm papel central nos processos decisórios. Mas busca-se aqui enxergá-las dentro de seu
contexto, sem esquecer que, sob os mesmos constrangimentos institucionais, verificam-se
diferentes resultados, preferências distintas, politicas diversas.
Este trabalho se divide em cinco partes, incluindo esta introdução. O Capítulo I
aborda sobre os efeitos das instituições sobre o decision-making político e as possibilidade
e as limitações analíticas das abordagens "puramente" institucionalistas. Procuro mostrar
que sim, as instituições impactam sobre o processo político, mas não bastam em si para
explicá-lo. No Capítulo TI, procura-se traçar o pano de fundo da crise fiscal da década de
90 e entendê-lo sob o ponto de vista político. Especial atenção é dada às mudanças no
arranjo federativo brasileiro (e suas causas) a partir desse periodo. Busco mostrar também,
nesse cenário, quais as medidas fiscais adotadas, que, posteriormente, pavimentaram o
caminho para a implementação de ajustes mais estruturais. o CapítulofedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAT I l dedica-se à
C a p í t u l o I
I n s t i t u i ç õ e s e p r o c e s s o d e c i s ó r i o : l i m i t e s e p o s s i b i l i d a d e szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Que as instituições, entendidas como o conjunto de regras formais e informais do
jogo político, importam no decision-rnaking e na produção de políticas, pouco se questiona.
De fato, um consenso cristalizado em vasta literatura aponta que a estrutura de
constrangimentos e incentivos institucionais desempenha papel central na formatação das
políticas e molda as escolhas dos atores políticos.
Uma primeira ordem de análise procura demonstrar a força dos traços institucionais
básicos, as "macroinstituições", quais sejam, regime de governo, sistemas de governo e
sistema de partidos no processo político (MAINWARING, 1993; TSEBELIS, 1997;
WEA VER & ROCKMAN, 1993; SIllCK, 1993; ALESINA & PEROTTI,. 1999). A
conclusão a que chegam esses autores é que tais parâmetros geram sim distintos padrões da
interação de poderes, que se traduzem ou não em governabilidade ou na promoção de
mudanças de acordo com a agenda estabelecida. Em linhas gerais, o que se defende é que
quanto mais centralizado o arranjo institucional, maior é a possibilidade de mudança.
Assim, sistemas presidencialistas, federativos e multipartidários, embora altamente
"accountables", apresentariam as maiores dificuldades em termos de governabilidade .. O
caso brasileiro, ao qual se agrega a fragmentação e a indisciplina partidária, constituiria "o
pior dos mundos" em termos de eficiência, tendo um Executivo dinâmico buscando
promover mudanças e um Legislativo reacionário buscando barrá-las (MAINW ARING,
1993).
Se tal hipótese explica o processo político brasileiro compreendido entre o periodo
de 1985 e 1994, ela encontra limitações analíticas no período posterior a essa data. Como se
sabe, a balança do jogo político brasileiro, ainda que sob as mesmas regras previstas na
Constituição de 1988, passou a pesar mais sobre o Executivo, mais fortalecido e, assim,
mais eficiente. Houve, portanto, uma mudança na distribuição de recursos e de poder, em
Uma segunda geração busca então incorporar outras variáveis -a organização
interna do Legislativo é uma delas- na abordagem institucionalista. A premissa básica é
que a conjugação de presidencialismo, federalismo e multipartidarismo resulta em
fragmentação do poder decisório e ingovernabilidade somente se vistos isoladamente, de
forma «monolítica" (LIMONGIXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& FIGUEIREDO, 1998; SANTOS, 2002).
°
que severificou no pós-1994, ao contrário do que poderiam prever as análises anteriores, é que
tais traços básicos não configuraram como obstáculos à governabilidade tendo em vista as
regras vigentes no processo decisório no interior do Legislativo, que constituem, digamos
«microinstituições". De fato, as variáveis apontadas pelos autores de primeira geração
sugerem a existência de traços fragmentadores no decision-making brasileiro, que são
contornados pelas prerrogativas que o Executivo dispõe para conseguir coordenar a ação do
Legislativo a seu favor.
Entretanto, essa abordagem igualmente esbarra em limitações analíticas. É fato que,
em larga medida, principalmente no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso,
entre 1994 e 1998, evidências empíricas apontam nessa direção. Um exemplo são as
edições e, mais importante, as reedições sucessivas de Medidas Provisórias, que sugerem
«delegação" de poderes por parte do Legislativo em prol do Executivo na consecução de
sua agenda econômica'. Por .outro lado, encontra limites para explicar, por exemplo, as
dificuldades enfrentadas pelo Executivo nas reformas Tributária e Previdenciária (MELO,
2002), para as quais as prerrogativas legislativas do Executivo ou a estrutura organizacional
do Legislativo que favorece o primeiro pouco importaram ou tiveram efeito.
Uma terceira ordem de análise reconhece as limitações da abordagem macro/micro
institucional e busca olhar não apenas para as variáveis propostas por ela, mas conjugá-las
com variáveis não-institucionais, seja aquelas específicas de cada arena decisória (MELO,
2002, ARRETCHE, 2002), seja contingenciais (LOUREIRO, 2002), seja não
convencionais, tal como o papel das idéias e das preferências dos atores (HALL, 1993;
ALMEIDA & MOYA, 1997; Azevedo & :rv.tELO,1997; LOUREIRO, 2001; LOUREIRO &
ABRUCIO, 2002).
IDurante o primeiro mandato de FHC, foram editadas 160 Medidas Provisórias e reeditadas 2449, das quais
Aqui, as instituições continuam importando e não são ignoradas. Mas assume-se que
elas,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAper si, não conseguem explicar os fenômenos políticos de forma satisfatória porque
existe, para além da análise estática das variáveis institucionais seja de nivel macro, seja de
micro, e dos resultado políticos, uma interação dinâmica entre as regras do jogo, o jogo em
si, seus resultados e os atores políticos, que foi pouco explorada pela abordagem
estritamente institucional. Nesse sentido, a dinâmica da distribuição de recursos e poder
entre os diferentes entes federativos é melhor captada aqui,XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É um consenso, como se afirmou anteriormente, que as instituições formatam as
escolhas dos atores e o processo político. O arranjo institucional desempenha papel central
na configuração da polity, das politics e das policies. A força -e, por que não, a beleza- da
abordagem institucionalista reside em sua capacidade de identificar os possíveis
determinantes dessas escolhas, ou seja, mostrar quais os atores estão envolvidos, sob quais
regras estão eles sujeitos e por que, em vista disso, lançam mão de determinadas escolhas
em detrimento de outras. Em outras palavras, para usar uma expressão popular, a grande
possibilidade explorada por essa abordagem foi a de "dar nomes aos bois" do jogo político.
Entretanto, instituições não bastam em si, tampouco são fundamentos estáticos que
geram sempre resultados previsíveis, tal como ocorre nas ciências exatas, e aqui se encontra
os limites das análises meramente macro/micro institucionalistas. Ao contrário, são
dinâmicas e alteram-se de acordo com as condições contingenciais (condições políticas,
capacidade de coordenar as burocracias, etc) e com as estratégias adotadas pelos atores
políticos. Seu funcionamento varia, muitas vezes, de acordo com o issue area tratado. E,
um ponto particularmente relevante para este trabalho, são influenciadas em grande medida
pelas idéias e preferências dos atores políticos e pelo aprendizado.
Os atores políticos, diz HALL (1993), trabalham dentro de uma estrutura de idéias -e
padrões que determinam não apenas as metas a serem alcançadas, mas também quais os
instrumentos serão utilizados para resolverem os issues que eles julgam como mais
problemáticas. Essa estrutura constitui o paradigma político e tem peso determinante sobre
os rumos do processo político. Daí o seu papel decisivo, que o presente trabalho vai
procurar focar.
Em resumo, pode-se dizer que, sim, as instituições formatam o jogo político, mas
também se alteram e são formatadas por ele, numa relação dinâmica na qual, "policies
follow politics" e o contrário "politics follow policies" também ocorre, afetando,
particularmente no caso brasileiro, também a polity.
Ressalta-se aqui o trabalho de COUTOXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& ARANTES (2002). O processo político,
mostram os autores, apresenta três dimensões: a da normatividade constitucionalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(polity), a
dos embates e coalizões políticas (politics) e a da normatividade governamental (policy). A
primeira dimensão diz respeito às regras do jogo político. A segunda, ao jogo político em si
e a terceira, aos resultados do jogo político. As constituições, por conseguinte, fazem
referência à polity. Entretanto, a Constituição brasileira de 1988 promoveu a
constitucionalização de diversos dispositivos referentes àpolicy, engessando a capacidade
de promover alterações nessa dimensão. Exige do Executivo, assim, um esforço redobrado
de negociação e a adoção de estratégias mais bem elaboradas na dinâmica de distribuição
de recursos e poder, uma análise que escapa um pouco do escopo proposto pela abordagem
institucionalista de primeira e segunda ordem.
A seguir, procuro fazer um rápido overview da literatura, mostrando sua evolução
ao longo do tempo, baseando-me na leitura de PALERMO (2000) sobre o debate
institucionalista, ressaltando, ao final, a discussão sobre o papel das idéias e da mudança de
preferência dos atores em diferentes políticas.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
p r o c e s s o p o l í t i c o b r a s i l e i r o : e n t r e a f r a g m e n t a ç ã o e a c o e s ã oA análise do processo de formulação e implementação de políticas sob a ótica
institucionalista, como se falou, tem sido objeto de intenso debate. O pressuposto básico
que permeia esse debate é que o desenho institucional influi sobre a capacidade de governo
e a efetividade das políticas públicas. Cada desenho apresenta vantagens e desvantagens,
gera riscos e oportunidades aos atores (WEA VER & ROCKMAN, 1993)
Entretanto, o consenso se esgota aqui. Grosso modo, a discussão, em especial no
parâmetros básicos -WEA VERXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& ROCKMAN (1993) os categorizam em nível 1 e 2 de
instituições' - concluem que o decision-makíng brasileiro é fragmentado e, como tal, gera
ingovernabilidade ou, ao contrário, apresenta fortes traços de coesão o que não constitui
entrave algum para a governabilidade.
PALERMO (2000) divide o debate em quatro enfoques, partindo de quatro
diferentes premissas, quais sejam: 1) o poder decisório é disperso, gerando problemas de
governabilidade, 2) o poder decisório é concentrado e, por isso mesmo, gera
ingovernabilidade, 3) o poder decisório é concentrado, mas, ao contrário, permite a
governabilidade e, por fim, 4) o poder decisório é disperso, e a governabilidade é possível.
O primeiro enfoque parte dos parâmetros institucionais básicos e assume que há
dispersão do poder decisório e que geram, por conseguinte, problemas de governabilidade.
Sob essa ótica, o Brasil seria ingovernável -entendendo governabilidade como capacidade
de decidir e implementar mudanças- dado seu desenho institucional, uma combinação
entre presidencialismo e um sistema multipartidário fragmentado.
Tal desenho, sustenta MAlNWARING (1993) é "especialmente desfavorável à
emergência de um governo democrático eficaz", sendo que "a probabilidade de ocorrerem
impasses Executivo/Legislativo e paralisia decisória é particularmente alta", o que, tendo
como foco empírico o periodo compreendido entre 1985 e 1994, de fato parece ser
irrefutável.
Partindo também dos parâmetros básicos, TSEBELIS (1997) avalia a capacidade de
um governo mudar as políticas públicas introduzindo o conceito dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAvetoSRQPONMLKJIHGFEDCBAp l a y e r s . De acordo
com esse autor, a estabilidade das políticas públicas (ou seja, incapacidade de alterar o
status quo) aumenta quando aumenta o número dos veto players. A conclusão a que chega
esse autor é que os sistemas presidencialistas (que têm múltiplos veto players institucionais)
apresentam forte tendência à estabilidade do processo de formulação de políticas, ou seja, à
ineficácia, sendo, de tal forma, muito semelhantes aos governos de coalizão nos sistemas
parlamentaristas (que têm múltiploszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAveto players partidários).
No caso brasileiro, aponta MAINWARlNG (1993), a situação de paralisia tende a se
exacerbar tendo em vista o caráter frouxo dos partidos. Trata-se de um contexto em que se
ampliam as possibilidades de o presidente se sentir forçado a passar por cima do
Congresso, a enfraquecer este e os partidos e a se envolver em outras práticas como, por
exemplo, a criação de agências executivas, distribuição de patronagem.
Análises setoriais também chegam a conclusões semelhantes quanto ao impacto das
instituições. Contrapondo a ascensão da social-democracia na Espanha ao do
conservadorismo na Inglaterra, ambos na década de 1980, BOIX (1998) procura
demonstrar que os partidos políticos têm papel-chave na tomada de decisão econômica. Em
linhas gerais, os primeiros defendem o aumento da produtividade via investimento em
capital humano e fixo, além do aumento dos impostos como forma de sustentar uma
política expansionista e voltada para uma melhor distribuição de renda (equality). Os
conservadores, por outro lado, defendem a redução dos impostos como forma de estímulo à
poupança e, conseqüentemente, ao investimento, priorizando o crescimento econômico.
Ambos, entretanto, face à emergência de crises financeiras, adotaram políticas fiscais
restritivas.
Particularmente sobre esse último aspecto, os processos de ajuste fiscal, objeto do
presente trabalho, ressaltam-se os trabalhos de SmCK (1993) e ALESINAXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& PEROTTI
(1999).
Tendo como foco empírico as políticas fiscais implementadas na década de 1980 na
Holanda, nos EUA e na Suécia, SmCK mostra que diferentes instituições políticas, em
especial referentes aos sistemas eleitorais e os regimes de governo, têm peso determinante
na coesão governamental, que, por sua vez, influencia a capacidade de o governo em
reduzir déficits. Como coloca o autor:
" ...From a parliamentary perspective, lhe fusion of executive and
legislative powersSRQPONMLKJIHGFEDCBAo f f e r s several advantages for government
suggests that the institutional advantages of a parliamentary system
in providing a centralized forum for priority setting and government
cohesion are likely to be largely illusory. (...) single-party majority
governments seem likely to have an advantage over coalitional and
minority governments. (...) Divided government clearly can reduce
elite cohesion and increase the likelihood that mutual vetoes will
lead to stalemate, exacerbating difficulties in priority setting that
are inherent in the separation of powers. (...) bicameralism and
federalism also affect government capabilities" (idem: 189-91)
Assim, nos EUA, durante toda a década de 80, a política foi pautada pela ausência
de coesão governamental resultante de conflitos entre um Executivo dominado pelo partido
Republicano e o Legislativo pelo partido Democrata e vice-versa. A Holanda
parlamentarista enfrentou situação semelhante, sem conseguir coordenar as ações no
interior da coalizão que sustentava o gabinete. Apenas na Suécia parlamentarista e
governada por partido majoritário se verificou sucesso em tal empreitada.
ALESINAXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& PEROTTI (1999) reforçam o argumento, mostrando que crescentes
déficits públicos resultam, em .grande parte, de decisões de ajuste fiscal que são adiadas ou
simplesmente não adotadas por governos fragmentados, tais como os governos
parlamentaristas de coalizão dos países da OCDE e o governo dividido norte-americano. A.
centralização ou não das "instituições orçamentárias" -normas relativas à elaboração e
implementação dos orçamentos- também exerce influência decisiva nos resultados fiscais.
Instituições hierarquizadas -aquelas que, por exemplo, atribuem amplas prerrogativas
fiscais ao primeiro-ministro ou ao ministro da Fazenda para vetar demandas orçamentáriàs
de outros ministérios em negociações intragovernamentais- tendem a ser mais eficazes na
implementação de restrições fiscais comparadas às instituições colegiadas, nas quais há
ênfase nas regras democráticas a cada estágio de formatação do orçamento. Há, por outro
lado, um trade-off entre esses dois tipos de instituições: a existência de instituições
hierarquizadas tendem de fato a ser mais bem sucedidas para evitar déficits significativos e
accountability fica prejudicada, havendo ainda a possibilidade de gerar déficits para
favorecer grupos majoritários em detrimento dos grupos minoritários. As instituições
colegiadas, ao contrário, são altamente "accountables", mas pouco eficientes'.
O segundo enfoque tratado por PALERMO (2000), o de que o poder decisório é
concentrado e que, em razão disso, gera-se a ingovernabilidade, enfatiza a utilização de
expressivos poderes legislativos por parte do presidente da República, num jogo em que os
demais atores, ainda que tenham poder de veto, são excluídos. O uso recorrente de Medidas
Provisórias torna esse processo um instrumento ordinário de legislação, usurpando o poder
do Legislativo. Nesse contexto, criase um clima de conflito latente entre os dois Poderes
-"os excluídos servem ao presidente o prato frio da vingança'<-, o que, por sua vez, dificulta
a decisão e implementação das políticas. Trata-se, por outro lado, de enfoque pouco
debatido, que não é consistente com as evidências empíricas.
Assim, ambas as visões esbarram num problema analítico: não explicam o processo
político brasileiro do pós-1994. Dado que a estrutura institucional permanece a mesma
desde a Constituição de 1988, o que explicaria as mudanças no padrão de relações entre o
Executivo e o Legislativo, que possibilitaram a governabilidade e, mais especificamente, a
implementação de mudanças relativas ao ajustamento das contas públicas? Ainda que seja
fato que os poderes pró-ativos. do Executivo tenham sido recorrentemente utilizados, não se
estabeleceu uma relação conf1.itivacom o Legislativo, em especial no que tange às medidas
de caráter econômico. Além disso, a despeito desses traços fragmentadores, o Executivo foi
bem sucedido no encaminhamento do processo de ajuste fiscal.
Procurando preencher essa lacuna analítica, o terceiro e quarto enfoques partem do
princípio de que os atores institucionais não são dominados por uma pauta conflitiva. Pelo
contrário. Legislativo e Executivo -tendo este último como ator central- agem de fornia
coordenada, de forma que a imagem de um Executivo atuante lutando contra um
Legislativo reacionário não vinga. Não cabe falar, desta forma, em fragmentação, mas em
3Argumentam os autores: " ...there is a trade-off between these two types of institutions: hierarchical
coesão. Os dois enfoques divergem quanto à forma como essa interação se processa: se, de
acordo com o terceiro enfoque, tendo o Executivo como "indutor" e "comandante" da
coordenação, ou se, pelo último enfoque, isso se dá por meio de negociações.
Defendendo que a governabilidade se obtém pela concentração do decision-making
na figura do presidente, LIMONGIXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& FIGUEIREDO atentam para os poderes legislativos
disponíveis ao Executivo (1997) e para as instituições que regulam o processo decisório no
Legislativo (1998).
O primeiro aspecto refere-se à prerrogativa do Executivo de editar Medidas
Provisórias, expediente recorrentemente utilizado para a implementação de medidas
econômicas no período democrático mais recente. Qual a natureza desse comportamento?
De acordo com os autores, essa prática constituiria uma delegação de poderes do
Legislativo ao Executivo (e não uma usurpação de poder), com ganhos para todos:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"...as MPs foram o principal instrumento de formulação de
políticas de estabilização e de medidas de natureza administrativa e
social complementares aos planos implementados. Estas políticas
podem redundar em ganhos generalizados, mas implicam custos
certos no presente, sobretudo para grupos especificos. Inflingem,
portanto, perdas certas no momento em que são implementadas,
sem ganhos no futuro. Por esta razão, parlamentares teriam
interesse em delegar função legislativa so Executivo nesta área de
política pública, uma vez que não apareceriam como responsáveis
diretos por medidas impopulares perante suas constituencies. Por
outro lado, se o plano fracassa, os parlamentares não podem ser
responsabilizados individualmente. Do ponto de vista institucional,
a delegação nessa área de política poderia interessar também, pois,
dado que procastinar eleva os custos do ajuste, o Legislativo não
apareceria como empecilho para tomadas de decisões que
Ademais, o que permite o Executivo dominar o processo legislativo é o poder de
agenda (capacidade de determinar quais propostas serão objeto de consideração do
Congresso e quando o serão), processada e votada por um Poder Legislativo organizado de
forma altamente centralizada em torno de regras que distribuem direitos parlamentares de
acordo com princípios partidários (idem, 1998). No interior deste quadro institucional, o
presidente dispõe de meios para "forçar" os palamentaresXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà cooperação. Os parlamentares
não encontram um arcabouço institucional próprio para perseguir interesses particularistas.
Assim, sustentam LIMONGI & FIGUEIREDO, a melhor estratégia para a obtenção de
recursos visando retornos eleitorais é votar disciplinadamente.
Executivo centraliza o poder de agenda, influindo diretamente sobre os trabalhos
legislativos, minimizando os efeitos da separação dos poderes. Trata-se de um poder de
barganha assimétrico diante de legisladores individuais, garantido também pelo fato de que
a distribuição de recursos orçamentários é prerrogativa do Executivo, o que lhe garante
maiorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAstatus para coordenar as ações e permitir o controle de agenda.
SANTOS (2002) aprofunda a análise da dinâmica dessa barganha assimétrica
atentando para o papel desempenhado pelos partidos dentro da Câmara de Deputados e
incorporando o conceito de "presidencialismo de coalizão racionalizado". A questão básica
diz respeito à lógica que orienta parlamentares e comissões a seguirem a orientação do
partido em detrimento da tomada de ações individuais, ao contrário do que acontecia no
regime democrático do pré-1964. Para o autor, a disciplina partidária é uma importante
estratégia para se proteger da ação monopólica do presidente. Os partidos, assim, agem
como entidades coletivas, coordenando ações na busca de aumentar o poder de barganha
frente ao presidente e tornando-as, em larga medida, mais previsíveis. Dai por que se dizer
em "racionalização".
Esse enfoque, porém, apresenta novos desafios analíticos. Se é, em grande medida,
verdade que o uso eficiente das regras internas do Legislativo vem garantindo o poderio do
presidente, não se pode ignorar que nem sempre tais regras funcionaram a favor do
Executivo, como mostra a análise das reformas Tributária e Previdenciária durante o
primeiro mandato de FHC feita por MELO (2002). A reforma Tributária malogrou, tendo
coesão interburocrática, e pela hostilidade demonstrada pelo Legislativo ao projeto. A
reforma Previdenciária, por sua vez, destaca-se, tomando como referência a América
Latina, pelo seu processo errático e longo de discussão e encaminhamento das propostas,
também sendo alvo de hostilidades por parte dos parlamentares".XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ certo que, ao fim e ao
cabo, parte da proposta governista foi levada adiante pela via infraconstitucional (a Lei
Kandir e a desconstitucionalização da norma relativa à cobrança de contribuição
previdenciária por parte dos inativos são exemplos), mas, ainda assim, aquém da agenda
inicial. Além disso, a problemática anterior persiste: dado que as variáveis ressaltadas não
mudaram desde a Constituição de 88, o que explicaria a diferença de padrão político entre o
período de 1988-1994 e o pós-1994?
PALERMO (2000) aponta ainda outras lacunas analíticas. A disciplina partidária,
que vem garantindo ao Executivo um determinado grau de certeza quanto aos resultados
segundo alguns autores, é, na verdade, um indicador incompleto do comportamento
parlamentar. Não diz, como argumenta o autor, "quais as dificuldades dos líderes
[partidários) para ordenar sua tropa", tampouco mostra o quanto de fato os partidos
responderam disciplinadamente ao presidente - a "disciplina" pode ter sido uma resposta ao
líder partidário e não necessariamente ao chefe do Executivo.
Ademais, a prerrogativa legislativa do Executivo não abarca, por motivos
político-institucionais, toda e qualquer área temática, devendo algumas matérias necessariamente
passar pelo crivo do Congresso. Trata-se, por sinal, de um aspecto histórico no processo
político brasileiro. Questões, por exemplo, que afetam os diferentes atores da Federação -a
LRF é um exemplo - devem, para serem "legitimadas", ser avalizadas pelo Congresso. A
centralização de poderes em torno do Executivo Federal facilita sua proposição e trâmite
pelo Legislativo, mas não deixa de exigir o aval deste. Um agravante é que, como já se
assinalou, a Constituição de 1988 promoveu a constitucionalização de diversas normas
relativas àszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApolicies (COUTO, 2001), cerceando a mobilidade do Executivo de instituir
4Na comissão temática que analisou o projeto de reforma Previdenciária, o cargo de relator ficou com o
mudanças. Alterar tais dispositivos constitucionais implica obter pelo menos 3/5 do apoio
congressual.
Daí a importância da capacidade de produção negociada de decisões, entrando no
quarto enfoque feito por PALERMO.
°
poder decisório é disperso - ou seja, há umapluralidade de atores que podem concordar ou vetar as proposições do Executivo -, os
quais chegam a um entendimento pela via da negociação. Esse componente vem sendo
destacado em alguns estudos setoriais (ALMEIDAXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MOYA, 1997; Azevedo & MELO,
1997; COUTO, 2001; LOUREIRO, 2001; MELO, 2002), que ressaltam, grosso modo, que
o papel do Congresso não vem sendo nem o de constituir obstáculo às políticas propostas
pelo Executivo, nem o de simplesmente submeter-se a este.
A análise de COUTO (2001) sobre a agenda constituinte do governo FHC é um
exemplo. Esse governo notabilizou-se, além do uso recorrente das reedições de MPs, pela
capacidade de encaminhar de forma bem-sucedida sua agenda constituinte. Nem tanto o
"decretismo desenfreado" e nem tanto as "negociações extenuantes visando à construção de
coalizões", ambas as situações coexistiram durante esse período
A delegação de poderes e a capacidade de induzir o Legislativo a uma "coordenação
forçada" tiveram implicações sobre a agenda constituinte. Como coloca o autor:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"A delegação mostrou-se útil aos dois poderes [Executivo e
Legislativo} não só por conferir maior eficácia decisória à
implementação das MPs editadas e reeditadas, mas também por
transbordar esse ganho de eficácia à agenda constitucional, que
ganhou mais espaço na pauta de negociações entre o s dois poderes.
Se toda a legislação implementada e mantida por MPs tivesse de
ser também apreciada pelo Congresso, tornar-se-ia mais extensa
essa pauta e conseqüentemente, mais custosa e de encaminhamento
Entretanto, a delegação não explica per si por que, por exemplo, conseguiram ser
aprovadas 16 emendas constitucionais no primeiro governo FHC, lembrando, sobretudo,
que sua aprovação demanda 3/5 dos votos do Congresso, em duas votações nas duas Casas.
Aqui, voltando ao enfoque defendido por PALERMO, entra a questão da
negociação. Enquanto no campo da policy há espaço para imposições -o papel de impor
cabe aos grupos majoritários- e se define o perde-ganha da política, no campo da polity
traçam-se limites para que tal não se transforme em uma "tirania da maioria". Trata-se de
uma garantia de que grupos minoritários terão voz no processo decisório. Por outro lado,
"quanto mais se aumentam essas garantias, mais se aguça o consociativismo do sistema,
reforçando a necessidade de negociação e elevando a possibilidade de veto a certas
iniciativas", o que, por sua vez, requer um grau maior de habilidade negociadora (COUTO,
2001).
Para conseguir levar adiante sua agenda reformista, FHC preCISOU alterar
dispositivos constitucionais. Valeu-se, para tanto, de sua capacidade de barganha e
negociação, num contexto, que procuro tratar nos capítulos seguintes, favorável ao
Executivo. Sob a bandeira da estabilização e na esteira do sucesso do Plano Real, pôde
fazer amplo uso de suas prerrogativas legislativas previstas na Constituição e aproveitar-se
da estrutura no interior do Legislativo que lhe garante certo poderio para promover as
mudanças que propôs. E o fez com grande sucesso, pelo menos na área econômica. Como
COUTO ilustra, das 16 emendas constitucionais aprovadas no primeiro governo de FHC,
nada menos que 13 referiam-se a essa temática. Apenas duas emendas (as de número 15 e
16, tratando, respectivamente, da criação de novos municípios e da reeleição para cargos no
Executivo) referiam-se especificamente à polity.
As privatizações e concessões do setor de telecomunicações, para citar um exemplo,
somente conseguiram tomar impulso com a aprovação da Emenda Constitucional n° 8, que
pavimentou o caminho para a criação das normas infra-constitucionais regulamentando esse
processo (COUTO, 2001).
No entanto, porquanto tenha sido relevante o peso das negociações em tais
mudanças, é também patente que o sucesso na empreitada reformista restringiu-se, no mais
ressalta COUTO (idem), fica nítido nas reformas constitucionais o teor de política
econômica, as quais, por sua vez, permitiram, em nível infra-constitucional, adotar medidas
de correção dos desequilíbrios nas finanças públicas. Ressalte-se que a Emenda
Constitucional n? 19/98, que impõe novas regras para o funcionalismo e estipula um prazo
para que o Executivo apresente projeto de lei complementar regulamentando o art. 163 da
Constituição, constituiu um passo importante para apressar os trabalhos de elaboração e
encaminhamento do projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal5 .
O que explica esse tratamento "privilegiado" para as questões econômicas?
O estudo de ALMEIDAXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MOYA (1997) a propósito do programa de privatização,
oferece algumas pistas. De 1990 a 1996, o Legislativo foi responsável pela produção de 21
leis e 5 emendas constitucionais sobre a matéria, sendo a maioria inconteste de iniciativa do
Executivo -apenas uma lei, a de n° 8.987/95 (Lei das Concessões) teve origem no
Legislativo, de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso.
Para além das variáveis institucionais, no entanto, os autores chamam a atenção para
a distribuição de preferências no interior do Legislativo, que afetam o grau de coesão e
congruência deste com relação às propostas do Executivo.
Por meio de três surveys, ALMEIDA & MOY A mostram que, inegavelmente, o
Executivo constituiu a força .propulsora da política de privatização e que o Legislativo
atuou sobre uma pauta que não fora por ele definida. Entretanto, disso não se pode concluir
que o Legislativo foi omisso ou submisso. Pelo contrário. O arcabouço legal sofreu
alterações em seu trâmite e teve de ser negociado. E, acima de tudo, refletiu as preferências
dos atores legislativos do Congresso. Como apontam os autores, " ... desde 1991, pelo
menos, a retirado do Estado da produção de bens e oferta de serviços, diretamente, contava
com a simpatia de cerca de 70% do Congresso Nacional. Essa inclinação favorável 1
privatização era maior ainda quando se tratava da siderurgia e da petroquímica, por sinal os
setores que encabeçavam a lista de empresas privatizáveis do Programa Nacional de
Desestatização" (idem: 126).
5Prevê o art. 30 da EC n019/98: "O projeto de lei complementar que se refere o art. 163 da Constituição
Em síntese, a lição que se extrai é que a atuação do Legislativo na política em
questão derivou não simplesmente do arcabouço institucionalXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà disposição do Executivo,
mas também da distribuição de preferência dos parlamentares, que se aproximavam da
agenda governista. Nesse sentido, ressalta-se o papel que as idéias desempenham na
formatação das políticas, uma variável pouco observada pelos autores institucionais mais
tradicionais.
É certo, por outro lado, que o caso das privatizações, diz respeito a uma questão que
implica ganhos concentrados e imediatos e perdas bastante difusas. Apenas a título
ilustrativo, vale lembrar que a partir da criação do arcabouço legal relativo a essa matéria,
foi obtida uma receita de US$ 78,6 bilhões e transferidas dívidas de US$ 14,8 bilhões entre
1995 e 20026
. Questões que alteram a dinâmica das relações fiscais, como é o caso da LRF,
implicam, ao contrário, perdas concentradas e imediatas e ganhos difusos e de longo prazo.
Reforça-se,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa contrario sensu, o peso que as idéias e o aprendizado, bem como a dinâmica
das relações federativas exercem sobre o processo político dessa arena.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
p a p e l d a s i d é i a s e o d e c i s i o n - m a k i n g c o m o a p r e n d i z a d oComo nascem e como se implementam as políticas? É certo que a dimensão
institucional exerce influência decisiva no processo político. Por outro lado, é certo também
que sua capacidade explicativa se esgota diante do fato de que, sob as mesmas variáveis
institucionais, por vezes se verificam diferentes resultados políticos. As instituições, de tal
forma, constituem condições necessárias para formatar o decision-making, mas não
suficientes para explicá-las.
Alguns autores vêm focando, nesse contexto, o papel das idéias. Como assinalei
anteriormente, o estudo de HALL (1993) é um deles. Em sua visão, as idéias desempenham
papel central no processo de mudanças de paradigmas políticos, resultantes, por sua vez, de
um aprendizado social(sociallearning).
6 Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Tal aprendizado se verifica quando ocorrem mudanças políticas como resultado do
processo de ajuste de metas e instrumentais políticos em resposta a experiências passadas e
novas informações. Ora, sustenta HALL, as transformações políticas ocorridas na Inglaterra
entre a década de 1970 e 80 -do paradigma keynesiano ao paradigma
monetarista-claramente resultaram desse processo.
Essa mudança de paradigma deve levar em conta três componentes: a mídia, as
pressões dos mercados financeiros em especial sobre a dívida pública e o câmbio e a
expansão das idéias econômicas para além do mercado financeiro e da mídia. De um lado, a
mídia, após a ascensão de Margaret Thatcher ao poder, "magnificou a importância da
doutrina monetarista" não apenas constituindo um espelho da opinião pública, mas
ampliando a visibilidade doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAissues por ela escolhidos. De outro, a popularidade das
doutrinas monetaristas no meio financeiro influenciaram tanto o Banco da Inglaterra quanto
o governo a realizar ajustes ad hoc entre 1974 a 79. Por fim, a circulação das idéias
monetaristas para meios alheios à mídia ou à City criou uma espécie de "rede política"
(policy networky, incorporando outsiders no processo político.
Na mesma linha, Pio (2001) incorpora as idéias como variável independente no
processo de formulação, decisão e implementação em duas políticas econômicas: o Plano
Cruzado (1986) e o Plano Real (1993) e traz o conceito de redes políticas (political
networksy, "construídas a partir das ideais criadas, professadas e/ou compartilhadas pelos
economistas de fora do governo" e a partir das quais se definem quem irá assumir os cargos
mais importantes da burocracia.
Na análise dos dois planos, o autor ressalta que enquanto no primeiro pelas disputas
burocráticas no interior da equipe econômica sobre os instrumentos de política e conjunto
final de medidas corretivas, o segundo se notabilizou pelo baixo grau de conflito a partir do
momento em que FHC assumiu o cargo de Ministério da Fazenda, em 1993. Em grande
medida, destarte, o sucesso da estabilização econômica do periodo pós-1993 se deveu a um
"processo de emergência de uma nova compreensão acerca das causas da inflação no país",
que uniu os técnicos do Ministério da Fazenda em torno de uma única idéia.
A partir da chegada de FHCXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà presidência, esse ministério passa a centralizar as
LOUREIROXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& ABRUCIO (1999). A formação do gabinete no Brasil, como se sabe, impõe
um dilema ao presidente: de um lado, faz-se necessário distribuir os cargos atendendo aos
partidos que sustentam a coalizão. De outro, é preciso encontrar meios de manter o controle
sobre a agenda. Esse dilema foi superado, durante o governo FHC, com o fortalecimento do
Ministério da Fazenda, que passou, ao ter a prerrogativa de estabelecer critérios de
liberação de recursos via Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a controlar os demais
ministérios. Além disso, ainda que determinado cargo ministerial tivesse sido preenchido
por critérios políticos, uma boa escolha para as respectivas secretarias executivas garantiria
o entendimento intra e interburocrático.
Em suma, ainda que pouco exploradas pela literatura, as idéias têm peso decisivo
sobre a definição das políticas. Especificamente abordando a temática proposta por este
trabalho, LOUREIRO (2001) e LOUREIRO & ABRUCIO (2002) apontam o consenso em
tomo de idéias como ingrediente fundamental para o sucesso do ciclo de ajuste fiscal
promovido por FHC. É esse consenso que garantiu, em larga medida, a coesão
governamental', que permitiu levar adiante a agenda fiscal estipulada.
No entanto -e resgato aqui os objetivos a que se propõe este trabalho-, não há que
se falar no papel das idéias sem atentar para o contexto em que elas surgiram. As mudanças
de preferências dos diferentes atores políticos entre o período anterior e o posterior a
1993/1994 em razão das transformações na lógica de distribuição de recursos e de poder e
das opiniões de legitimidade (resultantes do sucesso do Plano Real) também têm peso
determinante. Como e, mais importante, por que se processaram tais mudanças é o que
procurarei demonstrar no capítulo seguinte.
7Segundo LOUREIRO (2001), a coesão governamental depende não apenas dos arranjos institucionais, mas
C a p í t u l o 1 1
o
p a n o d e f u n d o f e d e r a t i v o : d o d e s a r r a n j o a o r e o r d e n a m e n t ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"Todas as cidades pecam, menos
Brasília. Em Brasília, todos são
inocentes e todos são cúmplices"
Nelson Rodrigues
o
período compreendido entre a cnse da dívida externa (1982) e o Plano Real(1994), como assinalado, se caracteriza pelo profundo desarranjo das relações federativas,
decorrente da emergência de um novo modelo federativo na redemocratização: o
federalismo estadualista. Nesta nova dinâmica federativa, governadores -os ''Barões da
Federação"- passaram a atuar como fortezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAveto player às políticas propostas de estabilização
monetária e fiscal dos três primeiros governos civis. A conjugação entre a grave crise
resultante do fechamento dos. canais de financiamento externos em 1982, a aceleração do
processo inflacionário e o federalismo de cunho estadualista instauraram um cenário de
ingovernabilidade nos dez primeiros anos de redemocratização, com um saldo de cinco
planos de estabilização fracassados, descontrole inflacionário, desgaste do Executivo
federal e endividamentos crescentes.
Tal quadro começou a dar os primeiros SInaIS de mudança em 1993, mais
precisamente a partir da nomeação de Fernando Henrique Cardoso ao Ministério da
Fazenda e da redistribuição dos poderes e de recursos no plano federativo.
Isso se deveu, em primeiro lugar, o sucesso do Plano Real, capitaneado pelo
ministro da Fazenda FHC, e das medidas que o antecederam. Além de garantir-lhe a vitória
na disputa pela presidência da República e assegurar a vitória de aliados nos três principais
Estados da Federação (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), conferiu à equipe
conseguido implementar. Em segundo, ao retorno do fluxo de recursos externos a partir de
1992, como reflexo da abertura econômica promovida ainda no governo Collor
(1989-1992), que garantiam fôlego financeiro ao Executivo federal tanto para equacionar a
questão da dívida externa como para conferir maior poder de fogo frente a uma eventual
crise monetária, o que também lhe assegurou condição dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAplayer principal no novo jogo
federativo.
Os "barões", ao contrário, perdiam espaço no cenário político. Débitos resultantes
de um década de descontrole fiscal ganhavam visibilidade com o fim da inflação e da
possibilidade defloat, revelando a profundidade a crise fiscal. A federalização dos bancos
estaduais retirou dos governadores um importante instrumento de crédito e de repasse de
déficits estaduais à União. Gastos com pessoal em níveis fora de controle e crises nos
respectivos funcionalismos enfraqueciam ainda mais o poderio dos governadores.
Nesse contexto abre-se uma 'janela de oportunidade" para o reordenamento das
finanças públicas. O ajuste fiscal se torna núcleo duro da agenda FHC. Inicialmente, foram
adotadas medidas pontuais de centralização das prerrogativas financeiras, sendo o passo
inicial dado com a aprovação do Fundo Social de Emergência (FSE), em 1993. O aumento
das contribuições sociais, não compartilhadas com os entes subnacionais, e a instituição de
tributos igualmente não compartilhados como o lPMF (e, posteriormente, CPMF), também
sinalizavam a disposição do Executivo federal de resgatar o controle sobre as suas receitas.
Medidas de caráter estrutural, que impactam sobre as relações federativas, foram também
implementadas, dentre as quais destacam-se a Lei Camata, de 1995, a crescente limitação
da capacidade de endividamento dos Estados e a Lei de Responsabilidade Fiscal ...
O objetivo deste capítulo é analisar cada um desses períodos, não perdendo de vista
a importância da questão da distribuição de poderes e recursos entre os entes federativos ria
formatação das preferências dos atores políticos. Por óbvio, a "virada" do jogo federativo
no pós-1993 e a implementação das medidas de reforma do Estado que propunha o governo
FHC não se deram de forma contínua e nem sempre foram bem sucedidas. Houve
descontinuidades significativas, e o malogro das reformas Tributária e Previdenciária é
exemplo disso. Os contrangimentos e incentivos institucionais eram os mesmos, os atores
Daí por que se atentar também para o papel central das idéias e do aprendizado nas
preferências dos atores políticos no processo de ajuste fiscal recente. Enfatiza-se ainda o
caráter incrernental das mudanças.
O capítulo está dividido em três partes. Na primeira parte, busca-se traçar o pano de
fundo federativo no período compreendido entre 1982 e 1993. Na segunda parte, faz-se
uma análise do período pré e pós Real, dando ênfase a algumas das medidas econômicas de
cunho fiscal adotadas no período. Por fim, procura-se focar as medidas de ajuste estruturais
implementadas, que criaram condições para que a promulgação de uma norma como a
LRF.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I . O c h o q u e d a c r i s e d a d í v i d a e x t e r n a e o d e s a j u s t e f e d e r a t i v o
A crise da dívida externa da década de 80 representou, grosso modo, a ruptura do
-modelo de crescimento que sustentara o "milagre econômico" dos anos 70, fortemente
calcado na captação de recursos externos no mercado privado, grande parte dos quais
contratados a taxas de juros flutuantesXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1 .
Esse modelo implicou grande vulnerabilidade do país a choques no mercado
internacional, como se verificou a partir de agosto 82, em vista das condições em que seus
bancos passaram a operar a partir do anúncio de moratória por parte do México (Baer,
1993), interrompendo o fluxo de recursos aos países latino-americanos. A reação dos
bancos estrangeiros à moratória mexicana representou o momento de explicitação da crise:
os recursos financeiros internacionais passaram de uma faixa de US$ 13 bilhões a US$ 14,5
bilhões anuais em 1981-1982 a um patamar insignificante em 1983, restringindo-se apenas
ao suficiente para evitar que país declarasse unilateralmente a moratória.
Face à interrupção do fluxo de financiamento, a estratégia adotada foi então utilizar
a desvalorização cambial como mecanismo de incentivar as exportações -a única
IComo aponta a autora, "na virada da década de 70 para a de 80, em torno de três quartos da dívida externa
brasileira de médio e longo prazo estavam contratados a taxas de juros flutuantes, o que implicou um impacto forte e imediato da política de valorização do dólar praticada pelos Estados Unidos a partir de 1978. Em