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A hepatite B e os movimentos migratórios no Estado de Mato Grosso, Brasil.

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A hepatite B e os movimentos migratórios no Estado de Mato Grosso, Brasil

Hepatitis B and the human migratory movements in the State of Mato Grosso, Brazil

Francisco José Dutra Souto

1

RESUMO

A h e p a ti te B é a p ri n c i p a l c a u sa d e d o e n ç a h e p á ti c a n a Am a zô n i a , se n d o u m d e se u s m a i o re s p ro b le m a s d e sa ú d e p ú b li c a . A p a rti r d o s a n o s 7 0 , i n te n si f i c o u - se a m i gra ç ã o p a ra o su l d a Am a zô n i a . No n o rte d o Esta d o d e Ma to Gro sso , Bra si l, f o ra m i d e n ti f i c a d o s su rto s d e h e p a ti te B c o m u n i tá ri a e a lta p re va lê n c i a d e se u s m a rc a d o re s e n tre o s m i gra n te s a p ó s m e se s d a c h e ga d a . An á li se d e su b ti p o s d o a n tí ge n o d e su p e rf í c i e d o vi ru s su ge re q u e o s m i gra n te s tro u x e ra m o a ge n te i n f e c c i o so d e su a s re gi õ e s d e o ri ge m . Fa to re s a m b i e n ta i s e c o m p o rta m e n ta i s p ro va ve lm e n te f a c i li ta ra m a rá p i d a d i sse m i n a ç ã o d o ví ru s d a h e p a ti te B n e ssa s c o m u n i d a d e s. Da d o s m a i s re c e n te s d e m o n stra m q u e a m a n u te n ç ã o d e va c i n a ç ã o e vi gi lâ n c i a n a s re gi õ e s m a i s a c o m e ti d a s e stá d i m i n u i n d o a i n c i d ê n c i a d a i n f e c ç ã o . O a u m e n to d o n ú m e ro d e c a so s d e h e p a ti te d e lta e n tre o s p o rta d o re s d o ví ru s B n o n o rte d o Esta d o d e Ma to Gro sso c o m e ç a a se r d e te c ta d o , p ro va ve lm e n te re su lta n te d o m a i o r c o n ta to c o m o s Esta d o s vi zi n h o s, q u e tê m a lta p re va lê n c i a d e h e p a ti te d e lta .

Pal avr as-chave s: He p a ti te B. Mi gra ç ã o . Ep i d e m i o lo gi a .

ABSTRACT

He p a ti ti s B i s th e m a i n c a u se o f h e p a ti c d i se a se i n th e Am a zo n a n d a b i gge st p ro b le m f o r i ts p u b li c h e a lth . Ou tb re a k s a n d h i gh p re va le n c e o f h e p a ti ti s B m a rk e rs h a ve b e e n re p o rte d a m o n g i m m i gra n ts re c e n tly a rri ve d i n n o rth m o st p a rt o f th e Bra zi li a n Sta te o f Ma to Gro sso . Th e h e p a ti ti s B su rf a c e a n ti ge n su b typ e s a n a lysi s su gge sts th a t th e i m m i gra n ts b ro u gh t th e vi ru s th e m se lve s. Li k e ly e n vi ro n m e n ta l a n d b e h a vi o ra l f a c to rs h a ve f a c i li ta te d th e h e p a ti ti s B sp re a d a m o n g th e se i m m i gra n t c o m m u n i ti e s. Re c e n t d a ta sh o w th a t su rve i lla n c e a n d va c c i n a ti o n o f i m m i gra n ts h a ve d e c re a se d th e i n c i d e n c e o f h e p a ti ti s B i n th i s re gi o n . Th e i n c re a si n g n u m b e r o f h e p a ti ti s d e lta c a se s a m o n g h e p a ti ti s B c a rri e rs f ro m th e No rth m o st p a rt o f Ma to Gro sso Sta te h a s b e e n d e te c te d a s a c o n se q u e n c e o f a i n c re a si n g c o n ta c t wi th n e i gh b o r Sta te s th a t p re se n t h i gh p re va le n c e o f th i s c o i n f e c ti o n .

Ke y-words: He p a ti ti s B. Mi gra ti o n . Ep i d e m i o lo gy.

1 . Núc leo de Estudo s de Do enç as Infec c io sas e Tro pic ais da Fac uldade de Ciênc ias Médic as da Universidade Federal de Mato Gro sso , Cuiabá, MT.

En de r e ço par a cor r e spon dê n ci a:Dr. Franc isc o Jo sé Dutra So uto . Ho spital Universitário Júlio Muller. Rua Luís Philippe Pereira Leite s/ nº Alvo rada, 7 8 0 4 8 -9 0 2 Cuiabá, MT.

e-mail: fso uto @ terra.c o m.br

A Amazônia é a última fronteira de oc upaç ão do território b r a s ile ir o . Os m a is r e c e n te s m o vim e n to s m igr a tó r io s aportaram à região, vindos de todos os c antos do país, para c olonizar o norte do Mato Grosso, Rondônia e o sul do Pará.

O proc esso de assentamento dos migrantes, muitos deles a gr ic ulto r e s s e m - te r r a, n e m s e m pr e fo i pr e c e dido de estruturaç ão e planejamento adequados. Esses migrantes, que pr o c ur avam po sse de ter r a e o po r tunidade, enc o ntr ar am também as adversidades da floresta, inc luindo doenç as.

Neste texto, são revisados dados c oletados nos últimos dez anos, c onsiderando os novos moradores da Amazônia e a hepatite B , doenç a hiperendêmic a na região.

ÁREAS DE ALTA PREVALÊNCIA DO VHB NO BRASIL

Desde os anos 7 0 sabe-se que a Amazônia é a região de mais alta prevalênc ia da infec ç ão pelo VHB no B rasil1 2 3 1 6.

Co m unidade s r ib e ir inhas do s Estado s do Ac r e e sul do Amazonas eram as mais atingidas2 1 1 1 3. Assoc iaç ão c om o vírus

da hepatite delta ( VHD) tam b é m se m o str o u c o m um . O Estado de Mato Gr o sso é uma gr ande ár ea no c entr o do c o n tin e n te s ul- a m e r ic a n o q ue e n glo b a o s ul da b a c ia amazô nic a ( Figur a 1 ) . Estudo s r ec entes mo str ar am que a r e gião sul do Mato Gr o sso , de c o lo nizaç ão mais antiga, apr esenta b aixa pr evalênc ia da infec ç ão pelo VHB2 5.

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Fi gu ra 1 - Se ta s d e m o n stra n d o o f lu x o m i gra tó ri o p a ra a lgu m a s d a s lo c a li d a d e s a m a zô n i c a s d e Ma to Gro sso . A á re a c i n za c o rre sp o n d e à b a c i a a m a zô n i c a .

Alé m da Am a zô n ia , o utr a s s ub - r e giõ e s b r a s ile ir a s apresentam elevada prevalênc ia do VHB , ressaltando-se parte do Espírito Santo e o oeste paranaense e c atarinense2 1. Porém,

a assoc iaç ão c om o VHD não foi enc ontrada fora da Amazônia, exc eto em c asos esporádic os.

A HEPATITE B E OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS

A hepatite B segue os movimentos migratórios humanos. Comunidades de migrantes reproduzem, no local de destino, o padrão epidemiológico das populações e regiões que deixaram. Isso foi constatado entre migrantes asiáticos para os Estados Unidos e e m c r ianç as afr ic anas e asiátic as ado tadas e m paíse s desenvolvidos7 20 29. Chironna e t a l descreveram prevalência de

62% de pessoas já infectadas ( anti-HBc total) e 13% de portadores ( HBsAg positivos) em refugiados albaneses no sul da Itália6. Cerca

de metade das crianças portadoras do vírus da hepatite B ( VHB) na Itália são migrantes do leste europeu e do Terceiro Mundo1 4.

Po r o utr o lado , o s de sc e nde nte s do s migr ante s lo go apresentam padrão epidemiológico semelhante ao da população da região receptora, indicando adaptação das novas gerações ao meio2 9. Indivíduos convivendo com os migrantes muitas vezes

se infectam, como foi verificado, por exemplo, entre os pais adotivos de crianças asiáticas na Escandinávia7. Profissionais que

se deslo c am para áreas hiperendêmc ias, mesmo que po r períodos não prolongados, estão sob maior risco de adquirir a infecção pelo VHB, caso não estejam vacinados1 0 1 7.

Importantes ferramentas para auxílio na eluc idaç ão da c ade ia de tr ansmissão do VHB são sua c lassific aç ão e m subtipos e genótipos. O VHB , baseado em determinantes e subdeterminantes de seu antígeno de superfíc ie, pesquisados por antic orpos monoc lonais, é dividido em nove subtipos:

adw2 , adw4 , ayw1 , ayw2 , ayw3 , ayw4 , adrq+ , adrq- e ayr8 9 1 8.

No B r asil, Gaspar & Yo shida c ar ac te r izar am o s sub tipo s predominantes nas diferentes regiões do país1 2. Na região

Norte, os subtipos a d w2 e a dw4 foram predominantes. No Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, o subtipo a d w2 foi o mais fr eqüente. E na r egião Sul, a yw2 e a yw3 fo r am o s mais im po r tante s. No Mato Gr o sso , alguns e studo s usar am a subtipagem enc ontrando informaç ões interessantes sobre o fluxo da infec ç ão na região, c omo será visto adiante2 2 2 3 2 4 2 6.

O VHB fo i c lassific ado em sete genó tipo s ( de A a G) , baseado na diversidade da seqüênc ia de nuc leotídeos1 9 2 7. O

genótipo G tem sido isolado de amostras dos Estados Unidos e da Franç a. No Brasil, já foram identific ados os genótipos A, D e F2 8. Existe alguma c orrelaç ão entre os subtipos do HBsAg e

os genótipos do HBV. Os subtipos ayw1 e adw2 pertenc em ao genótipo A ou B. Os isolados de ayw2 e ayw3 , e alguns de ayw4 , c orrespondem ao D. Todas as c epas adw4 são F.

A OCUPAÇÃO HUMANA NO SUL DA AMAZÔNIA

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SURTOS DE HEPATITE B EM MIGRANTES RECÉM-CHEGADOS À AMAZÔNIA MATOGROSSENSE

Em 1 9 9 1 , a uto r ida de s s a n itá r ia s do Es ta do fo r a m alertadas para o elevado número de c asos de doenç a ic téric a aguda ac o m e te ndo c o lo no s r e c é m - asse ntado s no e ntão povoado de Colniza, noroeste de Mato Grosso. Investigaç ão do Centro Nac ional de Epidemiologia verific ou que o surto era devido à infec ç ão pelo VHB5. Foram enc ontrados 1 4 %

dos indivíduos c om HBsAg positivo. Na époc a, vac inou-se toda a c omunidade, embora a maioria já tivesse sido infec tada.

Em 1 9 9 3 , mais de cem famílias de lavradores sem terra, que estavam acampados na fronteira entre o Mato Grosso do Sul e o Paraná, foram transferidas para área florestal a cerca de 6 0 km da sede do município de Cotriguaçu, também no noroeste do Mato Grosso, onde receberam lotes de terra. Este novo povoado foi batizado c omo Gleba Nova Esperanç a. Em alguns meses repetiu-se o fenômeno verificado em Colniza. Uma série de casos de hepatite aguda ocorreu, causando pânico na população após uma mo r te . Fo i r e alizado inq ué r ito so r o e pide mio ló gic o , revelando que 7 5 % dos indivíduos estudados já haviam sido expostos ao VHB2 2. Cerca de 1 0 % tinham evidências sorológicas

de ter adquirido a doença nos últimos meses ( Anti-HBc IgM) . A prevalência da infecção pelo VHB variava muito pouco entre as diversas faixas etárias, diferentemente do padrão normalmente observado na Amazônia, onde a prevalência se eleva rápida, mas progressivamente conforme a idade aumenta na primeira década de vida. Este aspecto inusitado indicava que os suscetíveis foram expostos concomitantemente ( Figura 2 a) . Finalmente, pesquisa de fatores demográficos ou epidemiológicos que explicasse a fonte de contaminação foi infrutífera. A única variável que se mostrou fortemente associada à exposição ao VHB foi o tempo vive ndo na r e gião . Quanto mais te mpo vive ndo e m No va Esperança, maior a chance de já ter sido infectado.

As evidências sugerem que as más condições de higiene e o contato íntimo entre os migrantes ( muitas famílias tiveram que viver juntas até que pudessem construir casas simples) agiram em conjunto para facilitar o contato entre os portadores e os suscetíveis.

COMPARAÇÃO ECOLÓGICA COM POPULAÇÃO ASSENTADA HÁ MAIS TEMPO

Em uma das visitas r e alizadas à No va Espe r anç a, fo i c onc omitantemente realizado inquérito soroepidemiológic o na sede do munic ípio de Cotriguaç u ( dados não public ados) . Esta era uma c o munidade mais antiga, c o m o s primeiro s moradores tendo c hegado no final dos anos 7 0 . A origem dos migrantes era novamente a região Sul do país. Também nesta c omunidade eram c ontabilizados c asos de hepatite B , mas de modo esporádic o.

Os entrevistados nesta c omunidade deram depoimento de que sempre oc orreram c asos de hepatite aguda na sede do munic ípio, mas que foram mais c omuns no passado. Os

níveis de exposição ao VHB foram semelhantes entre a população de Nova Esperança e a amostra de Cotriguaçu ( 7 5 % vs 6 9 %, p= 0 ,1 ) , mas diferiu no número de indivíduos recentemente infectados – presença de anticorpos de fração IgM ( 9 ,6 % vs. 2 ,4 , p< 0 ,0 0 1 ) . Estes resultados sugerem que a comunidade de Cotriguaçu vivia naquele momento um estágio posterior ao que estava se passando com o povoado de Nova Esperança, com diminuição do número de casos novos e a maioria da população já tendo sido exposta ao VHB. Provavelmente, Nova Esperança caminharia para um padrão epidemiológico semelhante ao da c o munidade mais antiga ( Figur a 2 b ) . Este padr ão se r ia c arac terizado por: a) maioria da populaç ão c om sinais de infecção prévia ( elevadas taxas de anti-HBc total) ; b) circulação menos intensa do VHB, com poucas infecções recentes, pela diminuiç ão dos susc etíveis; c ) manutenç ão de um pool de portadores funcionando como reservatório da doença.

ATUAL SITUAÇÃO NO NOROESTE MATOGROSSENSE

Reavaliação de comunidades rurais do município de Cotriguaçu foi levada a termo em 2001 ( CENEPI, MS: dados não publicados) . Foi priorizada a Gleba Nova União, a principal área de recepção de migrantes atualmente. O histórico migratório desses indivíduos é diferente do descrito anteriormente. A maioria deles nasceu no Sudeste, tendo migrado para Rondônia anos atrás. Foram atraídos ao noroeste matogrossense pela distribuição de terras capitaneada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ( INCRA) .

O pe r fil e pide m io ló gic o de s ta c o m un ida de e r a de prevalênc ia moderada de marc adores do VHB ( 4 0 % ) , c om menor ( 2 % ) número de portadores. A polític a ostensiva de vac inaç ão mostrou-se efetiva. O nível de c obertura vac inal era muito bom ( Figura 2 d) , melhor inc lusive do que o visto no médio-norte de Mato Grosso ( Figura 2 c ) . A prevalênc ia de infec ç ão entre os mais jovens é bem inferior a vista em Cotriguaç u nos estudos mais antigos ( Figuras 2 a e 2 b) .

SI TUAÇÃO E P I DE MI OLÓGI CA E M OUTRAS SUB-REGIÕES DA AMAZÔNIA MATOGROSSENSE

Em munic ípio do c entro-norte, próximo a fronteira c om o Pará, inquérito epidemiológic o que exc luiu os menores de dez anos mostrou prevalênc ia moderada ( 5 4 ,7 % ) de marc adores do VHB2 4. A origem dos migrantes era a região Sul.

No médio-norte do Mato Grosso, região de transiç ão entre a Am azô nia e o Ce r r ado , inq ué r ito so r o e pide m io ló gic o mo str o u pr e valê nc ia de e xpo siç ão ao VHB ainda me no r ( 4 0 % )2 6. Os migrantes desta região também eram originários

em sua maioria da região Sul, mas a c olonizaç ão e oc upaç ão do território foram melhor planejada e estruturada. Como este estudo foi realizado em 1 9 9 9 , depois que já havia sido implementada a vac inaç ão de c rianç as c ontra o VHB no B rasil pelo Programa Nac ional de Imunizaç ões, a menor prevalênc ia de marc adores do VHB pode ter sido influenc iada por este fato . No entanto , o utro s aspec to s c o ntribuíram para essa situação favorável, uma vez que o índice de exposição ao VHB

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Figura 2 - Pre va lê nc ia de m a rc a do re s do VHB po r fa ixa e tá ria e m dife re nte s lo c a lida de s de Ma to Gro sso . As á re a s e sc ura s re pre se nta m indivíduo s já infe c ta do s. Em c inza c la ro e stã o o s re spo nde do re s à va c ina e a á re a b ra nc a a o s susc e tíve is. Grá fic o a : Gle b a No va Espe ra nç a , Co trigua ç u; b : Se de do m unic ípio de Co trigue ç u;c : Munic ípio de No va Mutum ; d: Gle b a No va Uniã o , Co trigua ç u. A linha b ra nc a na b a se do s grá fic o s a e b re pre se nta a pre va lê nc ia do s po rta do re s do VHB. Re pa ra r na a lta pre va lê nc ia e ntre a s c ria nç a s no s grá fic o s a e b , na unifo rm ida de da pre va lê nc ia do VHB e ntre to da s a s fa ixa s e tá ria s no grá fic o a , na m e lho ria da situa ç ã o e m Co trigua ç u a no s de po is ( d) , e na m e lho r c o b e rtura va c ina l ( d) q ua ndo c o m pa ra do a m unic ípio o nde nã o ho uve e sfo rç o e spe c ia l de va c ina ç ã o ( c ) .

também foi relativamente baixo entre indivíduos na segunda dé c ada de vida, c o m b aixo níve l de c o b e r tur a vac inal. Provavelmente, as melhores condições habitacionais e sanitárias atuaram como determinantes de menor exposição ao VHB.

ANÁLISE DOS SUBTIPOS DO VHB

Como a Amazônia é área de alta endemic idade do VHB e VHD, a te n dê n c ia n a tur a l a o a va lia r m igr a n te s r e c é m -c hegados à região, -c om grande número de -c asos de hepatite B , é ac reditar que esses indivíduos foram c ontaminados por c ontato c om moradores mais antigos. No entanto, a maioria dessas novas c omunidades foi instalada onde antes não havia nenhum povoado e a c omunic aç ão c om outros Estados da r e gião ainda e r a muito e spo r ádic a. Tamb é m, não ho uve c ontato c om indígenas, uma vez que esses foram desloc ados para reservas. Depreende-se que o s migrantes tro uxeram c onsigo o VHB . Ao c hegarem à sua nova moradia, fatores ambientais e as más c ondiç ões habitac ionais favorec eram a disseminaç ão do agente, por vezes de forma explosiva.

Este rac ioc ínio é c orroborado pela análise de subtipos do VHB . Nas loc alidades c om migrantes sulistas, o subtipo predominante é o ayw, justamente o mais c omum na região Sul1 2 2 2 2 4 2 6. Ao c ontrário do padrão visto em c omunidades

a ntiga s da Am a zô nia ( ge nó tipo F, sub tipo a dw

4) . J á o s

ga r im pe ir o s de Apia c á s , o r iundo s , na s ua m a io r ia , do Maranhão e do Ceará, estavam infec tados pelo adw

2. Não por

ac aso, o subtipo mais enc ontrado no Nordeste ( Figura 3 ) .

A IMPORTÂNCIA DOS GARIMPOS NA DISSEMINAÇÃO DO VHB

A desc oberta de ouro em vários pontos da região desviou o esforç o ec onômic o para a extraç ão desse mineral e atraiu novas levas de migrantes.

Em 1 9 8 6 , Bensabath e cols4 já relatavam alta prevalência de

portadores do VHB ( 8 %) entre garimpeiros do norte de Mato Grosso4. Em 1 9 9 6 , foi estudada uma comunidade de mais de

5 0 0 garimpeiros no munic ípio de Apiac ás2 3. Eram, na sua

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Fi gu ra 3 - Lo c a li d a d e s n a Am a zô n i a m a to gro sse n se c o m a va li a ç ã o d e su b ti p o s d o VHB. No ta r a d i f e re n ç a d e p e rf i l p re d o m i n a n te e m Ap i a c á s p a ra o s o u tro s m u n i c í p i o s. Pro va ve lm e n te , d e te rm i n a d o p e la o ri ge m d i ve rsa d o s m i gra n te s d e ssa re gi ã o . Ve r te x to .

portadores do VHB na vila de Nova União, em Cotriguaç u, em 2 0 0 1 , 2 8 % eram positivos para o VHD.

CONSIDERAÇÕES

A hepatite B e a superinfecção pelo VHD continuam sérios problemas de saúde pública na Amazônia. Os surtos e as áreas de moderada ou alta prevalência identificadas durante os últimos anos diferem das populações amazônicas mais antigas por serem fenômeno ocorrendo em migrantes. É importante lembrar que muitos dos migrantes sulistas eram oriundos das áreas de alta prevalênc ia no sul, o oeste do Paraná e de Santa Catarina. Trouxeram o VHB c onsigo, c omo sugerem os resultados de subtipagem do HBsAg. Depois de assentados, fatores loc ais, a m b ie nta is o u c o m po r ta m e nta is, a tua r a m fa c ilita ndo a disseminação do agente para a maioria dos habitantes.

A vac inaç ão, desde 1 9 9 0 , em c ertas áreas c onsideradas prioritárias, fez com que a prevalência da infecção pelo VHB caísse bastante na coorte de indivíduos abaixo de 15 anos na bacia do Rio Purus, no Amazonas ( Fonseca JCF: c omunicação pessoal) . Além disso, a partir de 1998, a vacinação contra a hepatite B foi implementada para todos os recém-nascidos no Brasil, o que permite prever um grande avanço no controle desse mal nas regiões de alta prevalência, como ocorreu em alguns países que instituíram a vacinação em massa para crianças nos anos 801 5.

No e n ta n to , m igr a n te s de to do o B r a s il c o n tin ua m c hegando ao sul da Amazô nia. Mistur am-se então , no vo s portadores e um grande c ontingente de susc etíveis ac ima de 2 0 anos, que ainda estão fora da c obertura vac inal atualmente múltiplos parceiros, atividade sexual sem proteção, freqüentes

visitas a unidades de saúde por traumatismo ou malária e uso de seringas e objetos perfurantes reutilizados. A prevalênc ia de marc adores do VHB foi muito ( 8 3 % ) elevada.

Estudo de população geral mostrou que ter vivido em garimpo funcionou como fator de risco independente para exposição ao VHB, aumentando o risco de 27% a 157% em relação ao restante da população amostrada2 4. Como os garimpeiros têm hábitos

nômades, movimentando-se de uma área aurífera para outra, podem funcionar como reservatórios móveis do VHB.

O RISCO DA HEPATITE DELTA

No s e studo s r e alizado s até e ntão no Mato Gr o sso , a pr evalênc ia de hepatite delta é b aixa2 2 2 3 2 4 Po ssivelmente

porque os migrantes trouxeram o VHB do sul e do nordeste do país, onde não há o VHD. No entanto, os estados vizinhos do no r o e ste m ato - gr o sse nse ( Ac r e , sul do Am azo nas e Rondônia) apresentam elevado número de c asos. Como o modo de c olonizaç ão do norte de Mato Grosso c riou um pool impo r tante de po r tado r e s do VHB , vítimas po te nc iais de super-infec ç ão pelo VHD, teme-se que aumento signific ativo do número de c aso s dessa asso c iaç ão po ssa o c o rrer no s pr ó ximo s ano s. Na Amazô nia, tê m sido inte nsific adas as ligaç ões c omerc iais e demográfic as entre os Estados. Teme-se que surtos ou aumento do número de c asos esporádic os de super-infec ç ão VHB-VHD venham a ac ontec er futuramente. Isto já c omeç a a ser detec tado em estudos mais rec entes ( CENEPI, MS: dados não public ados, 2 0 0 1 ) . Entre os 2 % de

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proposta. Possivelmente, os surtos observados em Colniza e Nova Esperança aconteceram outras vezes na região amazônica, sem que fossem registrados, devido às dific uldades de ac esso e comunicação. Comunidades de colonos assentadas em condições adversas foram e estão sob risc o, exc eto a vac inaç ão seja rigorosamente implementada nos jovens até vinte anos. O sul do Pará, Ac re, Rondônia, oeste do Maranhão, além de outras localidades do norte do Mato Grosso, albergam c omunidades que podem sofrer rápida disseminação do VHB.

Também é nec essário planejamento nos assentamentos futuros na Amazônia. A situaç ão vac inal dos sem-terra deve se r c he c ada ainda e m se us ac ampame nto s, pr o pic iando vac inaç ão ampla antes da migraç ão.

Co m o o s po r tado r e s do VHB e stão suj e ito s à supe r-infec ç ão pelo VHD, e não podem ser mais protegidos pela vac ina, sugere-se a c riaç ão de um sistema de vigilânc ia através de pesquisa do VHD em todo portador do VHB identific ado na região. Do mesmo modo, c ampanhas de vac inaç ão c ontra o VHB e ntr e ado le sc e nte s e adulto s j o ve ns de ve r ão se r de s e n c a de a da s , di m i n u i n do o p o o l de s u s c e tí ve i s e , c onseqüentemente, a c irc ulaç ão do VHB e VHD.

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