Perfil
de
citocinas,
hormônios
e
fatores
de
crescimento
em
fluido
folicular
e
soro
de
pacientes
submetidas
à
estimulação
ovariana
controlada
em
ciclos
de
fertilização
in
vitro
Tese apresentada a Universidade Federal de São Paulo –
Escola Paulista de Medicina para obtenção do Título de
Doutor em Ciências pelo programa de Pós‐Graduação
em Ginecologia
São Paulo 2010
ii
Perfil
de
citocinas,
hormônios
e
fatores
de
crescimento
em
fluido
folicular
e
soro
de
pacientes
submetidas
à
estimulação
ovariana
controlada
para
ciclos
de
fertilização
in
vitro
Tese apresentada a Universidade Federal de São Paulo –
Escola Paulista de Medicina para obtenção do Título de
Doutor em Ciências pelo programa de Pós‐Graduação
em Ginecologia
Orientador: Prof. Dr. Ismael Dale Cotrim G. da Silva
Co‐orientador: Dr. Edson Borges Jr.
São Paulo 2010
iii
LABORATÓRIO
DE
GINECOLOGIA
MOLECULAR
Chefe
do
Departamento:
Prof.
Dr.
Afonso
Celso
Pinto
Nazário
Coordenador
do
Curso
de
Pós
‐
Graduação:
Prof.
Dr.
Manoel
João
Batista
Castello
Girão
iv
Perfil
de
citocinas,
hormônios
e
fatores
de
crescimento
em
fluido
folicular
e
soro
de
pacientes
submetidas
à
estimulação
ovariana
controlada
para
ciclos
de
fertilização
in
vitro
BANCA
EXAMINADORA
Presidente
da
Banca:
Prof.
Dr.
Ismael
Dale
Cotrim
Guerreiro
da
Silva
Co
‐
orientador:
Prof.
Dr.
Edson
Borges
Jr.
Titulares
Prof.
Dr.
Edson
Guimarães
Lo
Turco
Prof.
Dr.
Mario
Cavagna
Prof.
Dr.
Péricles
Assad
Hassun
Filho
Prof.
Dr.
Tsutomu
Aoki
Suplentes
Prof.
Dr.
Eduardo
Leme
Alves
da
Motta
Profa.
Dra.
Regina
Affonso
v
Ao meu marido, Josemar, que esteve ao meu lado em todos os momentos, tornado minha vida muito mais simples e feliz, viabilizando a concretização deste trabalho.
Aos meus pais que me deram a educação e formação necessárias para que eu chegasse até aqui.
A minha irmã, Fernanda, que faz parte da minha vida constantemente.
vi
Ao Prof. Dr. Ismael Dale Cotrim Guerreiro da Silva, coordenador do Laboratório de Ginecologia
Molecular‐Departamento de Ginecologia da UNIFESP, e orientador deste trabalho, por ter acreditado
nesta proposta, e pela orientação dada sempre com muita paciência, seriedade e discernimento.
Ao Dr. Edson Borges Jr., diretor clínico do Fertility – Centro de Reprodução Assistida, e co‐orientador
deste trabalho, pela permissão dada para que fossem coletadas amostras de pacientes atendidas na
clínica, e pela colaboração e orientação imprescindíveis para a concretização deste estudo.
Ao Dr. Assumpto Iaconelli Jr., diretor clínico do Fertility – Centro de Reprodução Assistida, pela
permissão dada para que fossem coletadas amostras de pacientes atendidas na clínica, possibilitando
a realização deste estudo.
À Daniela Paes de Almeida F. Braga, coordenadora científica do Fertility – Centro de Reprodução
Humana Assistida, pela indispensável colaboração na aquisição das amostras biológicas e dados
clínicos utilizados neste estudo, assim como na discussão e interpretação dos resultados.
À equipe de embriologistas e médicos do Fertility – Centro de Reprodução Assistida, pela
colaboração na coleta das amostras das participantes deste estudo.
À Margarete Meira, secretária do Fertility – Centro de Reprodução Assistida, pela responsabilidade
na obtenção dos termos de consentimentos assinados pelas participantes deste estudo.
À Vanessa Bruno Marques, secretária da Associação Instituto Sapientiae – Centro de Estudos e
Pesquisa em Reprodução Humana Assistida, pela colaboração na organização das fichas clínicas das
vii
análises de citometria de fluxo, e auxílio na interpretação dos dados.
A Dra. Milena Brunialti, supervisora do Laboratório de Imunologia do Departamento de Doenças
Infecciosas e Parasitárias da UNIFESP, por toda a dedicação e paciência em me auxiliar nas análises
de citometria de fluxo.
Ao João Paulo Kleine, colega do Laboratório de Ginecologia Molecular do Departamento de
Ginecologia da UNIFESP, pela colaboração nas dosagens de proteínas das amostras incluídas no
estudo.
Às Dra. Giovana Gonçalves Vidotti e Dra. Cristina Valetta Carvalho, colegas do Laboratório de
Ginecologia Molecular do Departamento de Ginecologia da UNIFESP, pela colaboração na revisão
final deste trabalho.
Ao Dr. Gianfranco Zampieri, coordenador do Laboratório de Bioquímica do Salomão e Zoppi ‐
Medicina Diagnóstica, pela colaboração nas análises bioquímicas das amostras incluídas neste
estudo.
À Patricia Udiloff Malcervelli, biomédica do Laboratório de Bioquímica do Salomão e Zoppi ‐
Medicina Diagnóstica, pelas análises bioquímicas das amostras incluídas neste estudo.
Aos colegas do Laboratório de Ginecologia Molecular do Departamento de Ginecologia da
UNIFESP, pela colaboração, amizade e incentivo constante.
À Profa. Gianni M. S. dos Santos, professora do Setor de estatística aplicada da UNIFESP, pela
assessoria estatística dada a este trabalho.
viii
Às mulheres participantes deste estudo, pela colaboração e boa vontade, pois sem elas seria
impossível a realização deste trabalho.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de estudos a
mim concedida durante o desenvolvimento deste trabalho (Proc. nº 579224/2008‐2).
À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio financeiro
concedido ao Projeto (Proc. Nº 2007/58467‐0), possibilitando o desenvolvimento deste estudo.
ix
Dedicatória ... v
Agradecimentos ... vi
Sumário ... ix
Lista de Figuras ... x
Lista Tabelas ... xi
Lista de abreviaturas e símbolos ... xii
Resumo ... xiii
1. APRESENTAÇÃO ... 1
2. REVISÃO DA LITERATURA ... 4
2.1 Desenvolvimento folicular inicial ... 6
2.2 Ciclo reprodutivo feminino ... 7
2.3 Ação hormonal no ciclo reprodutivo ... 10
2.4 Citocinas e fatores de crescimento no ciclo reprodutivo feminino ... 15
3. OBJETIVOS ... 22
3.1 Objetivos específicos ... 23
4. MÉTODOS ... 24
4.1 Local do estudo ... 25
4.2 Ética em pesquisa ... 25
4.3 Pacientes ... 26
4.4 Coleta e armazenamento de material e dados clínicos ... 27
4.5 Casuística ... 28
4.6 Ciclo de ICSI e resultados avaliados ... 28
4.6.1 Protocolos de bloqueio hipofisário e estímulo ovariano controlado ... 29
4.6.2 Coleta e classificação oocitária ... 30
4.6.3 Fertilização e desenvolvimento embrionário ... 31
4.6.4 Resultados clínicos ... 32
4.7 Métodos Laboratoriais ... 32
4.7.1 Dosagem de citocinas e VEGF por citometria de fluxo ... 33
4.7.2 Dosagens hormonais ... 33
4.7.3 Quantificação de proteínas totais ... 34
4.8 Análise estatística ... 34
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 37
5.1 Características gerais das pacientes e dos ciclos de ICSI ... 38
5.2 Caracterização das amostras incluídas no estudo ... 39
5.3 Correlação entre citocinas, VEGF, e hormônios em amostras de FF e soro ... 45
5.4 Bonetti TCS, Salomao R, Brunialti M, Braga DPAF, Borges Jr. E, Silva IDCG. Cytokine and hormonal profile in serum samples of patients undergoing controlled ovarian stimulation: interleukin‐1β predicts ongoing pregnancy. Human Reproduction, Vol.25, No.8 pp. 2101–2106, 2010 ... 50
5.5 Bonetti TCS, Klaine JP, Salomao R, Brunialti M, Braga DPAF, Borges Jr. E, Silva IDCG. The intrafollicular interleukin‐ 12 is associated with pituitary blockage protocols and predicts fertilization failure of corresponding oocyte. Human Reproduction. Under review. ... 56
6. CONCLUSÕES ... 75
7. REFERÊNCIAS... 77
Abstract ... 95
Anexo 1 ... 96
Anexo 2 ... 98
x
Figura 1: Esquemas representativos dos protocolos de bloqueio hipofisário com antagonista do GnRH (1A) e
com agonista do GnRH (1B), e estimulação ovariana controlada utilizando FSH‐r. ... 29
Figura 2: Comparação das dosagens dos fatores presentes do FF das pacientes que tiveram o FF proveniente do
maior folículo coletado isoladamente (FF‐isolado) e FF proveniente do pool de dois a quatro folículos de maiores
diâmetros (FF‐pool). Os grupos foram comparados por teste t de Student e estão representados os valores de
média, erro padrão da média e número de amostras avaliadas em cada subgrupo. ... 41
Figura 3: Comparação das dosagens dos fatores presentes do FF das pacientes que estavam realizando o
primeiro ciclos de ICSI ou tinham ciclo anterior em intervalo maior que 60 dias (ciclo 1º/>60 dias), e de pacientes
que haviam realizado um ciclo de ICSI anterior em período inferior 60 dias (ciclo <60 dias) ... 42
Figura 4: Comparação das dosagens dos fatores presentes do FF das pacientes que receberam protocolos de
bloqueio hipofisário com agonista do GnRH, ou antagonista do GnRH. ... 43
Figura 5: Organograma da análise dos resultados de acordo com as fases do tratamento e perfis das pacientes
... 44
Figura 6: Análise de correlação entre as concentrações séricas e intrafoliculares para o FSH e AMH. ... 45
Figura 7: Gráficos representativos nos níveis séricos de citocinas, hormônios e VEGF. Os valores numéricos
apresentados correspondem a média ± erro padrão da média. ... 48
xi
Tabela 1. Características gerais das pacientes, e resultados laboratoriais e clínicos dos ciclos de ICSI. ... 39
Tabela 2. Correlação entre as concentrações dos fatores mensurados no soro e Fluido Folicular. ... 45
Tabela 3. Inter‐relação entre os fatores presentes no Fluido Folicular ... 47
Tabela 4. Inter‐relação entre os fatores presentes no soro ... 49
xii
AMH Hormônio anti‐mülleriano, do inglês anti‐müllerian hormone BMP Proteína morfogenética óssea, do inglês bone morphogenetic protein CBA Análise por citometria por partículas, do inglês cytometric bead array E2 Estradiol
EOC Estimulação ovariana controlada EPC Erro padrão do coeficiente EPM Erro padrão da média FIV Fertilização in vitro FF Fluido folicular
FSH Hormônio folículo estimulante, do inglês follicular stimulating hormone FSH‐r Hormônio folículo estimulante recombinante
GDF‐9 Fator de crescimento e diferenciação‐9, do inglês growth differentiation factor‐9 GnRH Hormônio liberador de gonadotrofinas, do inglês gonadotrophin release hormone hCG Gonadotrofina coriônica humana, do inglês human chorionic gonadotrophin IC Intervalo de confiança
ICSI Injeção intracitoplasmática de espermatozóides, do inglês intracytoplasmic sperm injection IFN‐γ Interferon‐γ
IL Interleucina
LH, do inglês luteinizing hormone
LIF Fator inibidor de leucemia, do inglês Leukaemia inhibitory factor MI Metafase I
MII Metafase II Nº Número
OR Razação de chances, do inglês Odds ratio PI Prófase I
PN Prónucleo P4 Progesterona
RNA Ácido ribonucléico, do inglês ribonucleic ácid TE Transferência embrionária
TCLE Termo de consentimento livre e esclarecido
TGF β Fator de crescimento transformador β, do inglês transforming growth factor β TNF Fator de necrose tumoral, do inglês Tumor necrosis factor
VEGF Fator de crescimento vasculo‐endotelial, do inglês vascular endhotelial growth factor
χ2 Qui‐quadrado
xiii
Introdução: Os fatores envolvidos no desenvolvimento e maturação folicular, assim como no desenvolvimento embrionário podem ser determinantes das causas da infertilidade. A qualidade do oócito e grau de maturação são diretamente dependentes do microambiente folicular, e afetam as
etapas subsequentes desde a fertilização até o desenvolvimento embrionário. A avaliação dos
componentes do fluido folicular (FF), e sua relação com os resultados dos ciclos de fertilização in vitro
(FIV) podem elucidar fatores envolvidos nas falhas e sucessos deste processo.
Materiais e Métodos: Este estudo avaliou 132 amostras de FF e soro de pacientes submetidas a ciclos de injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI), as quais foram analisadas para as
concentrações de IL‐8, IL‐1β, IL‐6, IL‐10, TNF, IL‐12p70, LIF, VEGF, FSH, estradiol, progesterona,
inibina‐B e hormônio anti‐mülleriano (AMH). Estes fatores foram correlacionados com a resposta ao
estímulo ovariano controlado (EOC), resultados laboratoriais e clínicos dos ciclos de ICSI. As análises
foram realizadas por método de regressão linear ou logística múltipla, e ajustados para as variáveis
intervenientes.
Resultados: Observamos que a presença de IL‐1β sérica teve um efeito positivo nas taxas de implantação e aumentou 15 vezes as chances de gestação. Já as concentrações intrafoliculares de
citocinas foram correlacionadas com a qualidade dos oócitos e embriões correspondentes as
amostras de FF. A presença de IL‐12 intrafolicular foi preditiva da falha de fertilização, enquanto as
concentrações de IL‐8 e LIF afetaram negativamente a qualidade embrionária.
Conclusões: Desta forma, os resultados obtidos neste estudo permitem concluir que a composição do FF em pacientes submetidas ao EOC afeta a qualidade de oócitos e embriões e subseqüentes
resultados clínicos dos ciclos de ICSI. Outros estudos são necessários para complementar os achados
aqui apresentados e, elucidar os complexos mecanismos associados ao ambiente folicular e o
1.
APRESENTAÇÃO
Este estudo iniciou‐se a partir de uma parceria entre o Laboratório de Ginecologia
Molecular e Proteômica, do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP), e o Fertility – Centro de Fertilização Assistida, tendo como orientador e co‐orientador os
respectivos coordenadores, Prof. Dr. Ismael Dale Cotrim Guerreiro da Silva e Dr. Edson Borges Jr. As
pacientes que fizeram parte deste estudo foram aquelas que realizaram tratamento de fertilização in
vitro (FIV) no Fertility, e as análises das amostras foram realizadas com a colaboração do Laboratório
de Imunologia e Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina da UNIFESP e Salomão & Zoppi
Medicina Diagnóstica.
O sistema reprodutivo feminino envolve processos autócrinos e parácrinos entre
hormônios, citocinas, fatores de crescimento, entre outros, que resulta no desenvolvimento de um
folículo dominante e ovulação a cada ciclo reprodutivo. Por outro lado, ao estimulo ovariano
controlado (EOC), utilizada em tratamentos de FIV para casais inférteis, estimula o desenvolvimento
de múltiplos folículos e oócitos a fim de aumentar as chances de fertilização e gestação. Ao mesmo
tempo, este procedimento resulta em níveis hormonais suprafiosiológicos, que por sua vez
influenciam os microambientes folicular, ovariano e endometrial. Este estudo teve como objetivo
avaliar alguns fatores intrafoliculares, e sua associação com o desenvolvimento folicular, oocitário e
os resultados de ciclos de FIV.
Para tanto, amostras de fluido folicular (FF) e soro coletadas no momento da
punção folicular de pacientes submetidas a ciclos de FIV foram avaliadas para as concentrações de
Hormônio Folículo Estimulante (FSH, do inglês follicle Stimulation Hormone), Estradiol (E2),
Interleucina‐6 (IL‐6), Interleucina‐8 (IL‐8), Interleucina‐10 (IL‐10), Interleucina‐12 (IL‐12), e Fator de
Necrose Tumoral (TNF, do inglês tumor necrosis factor). Os valores mensurados nas amostras de soro
e FF foram correlacionadas entre si e com os resultados referentes a resposta a EOC, resultados
laboratoriais e clínicos dos ciclos de FIV.
O desenvolvimento deste estudo foi realizado com apoio da Fundação de Amparo
a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP ‐ Auxilio a Pesquisa Regular, Proc. Nº 2007/58467‐0) e do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ – bolsa de doutorado, Proc.
Nº 579224/2008‐2). De acordo com as recomendações do Conselho de Pós‐Graduação da
Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP‐EPM) e da Comissão
Especial do Programa de Pós‐Graduação em Saúde da Mulher do Departamento de Ginecologia da
UNIFESP‐EPM apresentamos dois trabalhos científicos como “resultados” e “discussão" desta tese,
um publicado na revista Human Reproduction e outro submetido e sob revisão na revista Fertility
and Sterility, conforme descrito a seguir:
1. Bonetti TCS, Salomao R, Brunialti M, Braga DPAF, Borges Jr. E, Silva IDCG. Cytokine and hormonal
profile in serum samples of patients undergoing controlled ovarian stimulation: interleukin‐1b
predicts ongoing pregnancy. Human Reproduction, Vol.25, No.8 pp. 2101–2106, 2010
2. Bonetti TCS, Klaine JP, Salomao R, Brunialti M, Braga DPAF, Iaconelli Jr. A, Borges Jr. E, Silva IDCG.
The intrafollicular interleukin‐12 is associated with pituitary blockage protocols and predicts
fertilization failure of corresponding oocyte. Human Reproduction. Under review.
2.
REVISÃO
DA
LITERATURA
O sucesso reprodutivo requer que o gameta feminino, o oócito, adquira a
capacidade de ser fertilizado. Este processo acontece no folículo ovariano, e a cada ciclo reprodutivo
feminino apenas um folículo adquire a capacidade de ovular. O desenvolvimento folicular é
coordenado por uma complexa rede de fatores autócrinos, parácrinos e endócrinos. O oócito rege a
organização e desenvolvimento folicular durante o ciclo reprodutivo feminino, controlando a
proliferação e diferenciação das células da granulosa, que se toram responsivas a gonadotrofinas e
em conseqüência produzem fatores protéicos e esteróides. Por outro lado, as gonadotrofinas agem
nas células foliculares, células da granulosa e da teca, e nas células somáticas ovarianas, que por sua
vez respondem produzindo outros fatores que colaboram no desenvolvimento e maturação oocitária
(Duggavathi and Murphy 2009).
Os fatores de sinalização entre o oócito e as células da granulosa que o rodeiam
são essenciais para induzir e regular o desenvolvimento e diferenciação folicular desde o estágio de
folículo primordial até a fase madura, em que o oócito se torna competente para sofrer fertilização e
subsequentemente a embriogênese. Tais fatores, estimulam a diferenciação das células da teca e
também sua resposta à gonadotrofinas, e a expansão das células do cumulus, que culmina na ruptura
da parede folicular, a ovulação propriamente dita. Em contrapartida, as células da granulosa são
indispensáveis ao crescimento, diferenciação, maturação nuclear e citoplasmática e, atividades
transcricionais do oócito (van den Hurk and Zhao 2005).
Assim, o sistema reprodutivo feminino representa uma complexa rede de inter‐
cascatas de sinalização sinérgicas e antagonistas que são altamente sensíveis. O desequilíbrio de um
único componente deste processo pode resultar em falha reprodutiva (Weghofer and Gleicher 2009)
2.1 Desenvolvimento folicular inicial
O desenvolvimento folicular se inicia durante a vida fetal, com a transformação de
células germinativas primordiais em oócitos envoltos por uma estrutura denominada folículo. Ao
nascimento, o córtex ovariano contém aproximadamente 500 mil folículos primordiais, na puberdade
este número já está reduzido para 300 a 400 mil, e menos de 1% destes chegam à fase madura e
ovulação. Os folículos primordiais irão se desenvolver em folículos primários, pré‐antrais, antrais e
finalmente darão origem aos folículos pré‐ovulatórios, através de uma série de processos
coordenados por hormônios e fatores intra‐ovarianos locais (revisado por Vegetti and Alagna 2006).
A transição de folículos primordiais em folículos primários é um processo contínuo
regulado por um equilíbrio entre fatores estimulatórios e inibitórios, independentes da ação de
gonadotrofinas. Apesar de evidências da expressão de receptores para FSH (revisado por Vegetti and
Alagna 2006), os folículos primordiais se desenvolvem pela ação autócrina e parácrina de citocinas e
fatores de crescimento, e vem acompanhada pela proliferação das células da granulosa e da teca
(Meduri et al. 2002).
Fatores candidatos a regular este processo são os membros da família do fator de
crescimento transformador (TGFβ, do inglês transforming growth factor β), como o AMH que
bloqueia o desenvolvimento folicular (Durlinger et al. 2002b), enquanto fatores como as proteínas
diferenciação‐9 (GDF‐9, do inglês growth differentiation factor‐9), LIF e activinas parecem estimular o
desenvolvimento dos folículos (Matzuk et al. 2002).
O oócito entra em crescimento, as células da granulosa se tornam proliferativas
formando uma camada multilaminar e, a partir de células do estroma ovariano originam‐se as células
da teca ao seu redor. Paralelo a isso, é nesta fase que o folículo pré‐antral acumula proteínas
essenciais para que o oócito se torne competente nas fases subseqüentes do desenvolvimento, ou
seja, reassumir a maturação nuclear e citoplasmática capacitando‐o a fertilização e desenvolvimento
embrionário inicial (Schultz and Wassarman 1977). Para tanto, ocorre uma complexa reorganização
citoplasmática, com um importante aumento na síntese de ácido ribonucléico (RNA, do inglês
ribonucleic acid) e proteínas, no número de ribossomos, mitocôndrias e outras organelas, e a
formação da zona pelúcida (Picton et al. 1998).
2.2 Ciclo reprodutivo feminino
Os folículos pré‐antrais são os candidatos a serem selecionados ao
desenvolvimento até o estágio pré‐ovulatório, que é dependente da ação das gonadotrofinas. A
partir da menarca, a cada ciclo reprodutivo, uma coorte de folículos pré‐antrais respondem ao
estímulo do FSH, a chamada fase de recrutamento folicular, desenvolvendo‐se até a fase de folículos
antrais. Entretanto, na ausência de estímulo gonadotrófico apropriado, os folículos pré‐antrais
entram em atresia (McGee and Hsueh 2000; Zeleznik 2004). Este processo continua durante a vida
fértil da mulher até que o pool de folículos primordiais, ou seja, a reserva ovariana esteja esgotada e
como consequência não haja mais folículos em desenvolvimento, caracterizando a menopausa
Uma vez que o folículo atinja um determinado diâmetro, as células da granulosa
passam a secretar glicoproteínas formando uma cavidade, e caracterizando o folículo antral. Ainda,
as células da granulosa se separam em dois subtipos, aquelas que rodeiam e tem contato direto com
o oócito passam a ser chamadas de células do cumulus, e as células que limitam a parede interna do
folículo são as células da granulosa murais. Nesta fase, as células da granulosa se tornam acopladas
uma a outra e a comunicação com o oócito passa a ser feita através das junções comunicantes (gap
junctions), que facilitam a comunicação bidirecional e permitem a transferência de nutrientes,
precursores metabólicos e moléculas estimulatórias e inibitórias, promovendo o desenvolvimento
tanto do oócito quanto das células da granulosa (Telfer and McLaughlin 2007).
O recrutamento e seleção folicular, chamado também de fase folicular do ciclo
reprodutivo, acontecem a partir da puberdade, e tem como principal parâmetro o clássico eixo
hipotálamo‐hipofise‐gonadal. O aumento dos níveis de FSH é direcionado pela ação do hormônio
liberador de gonadotrofinas (GnRH, do inglês gonadotrophin release hormone) sintetizado pelo
hipotálamo e liberado de forma pulsátil. O GnRH age na hipófise estimulando a síntese de ambas as
gonadotrofinas, FSH e LH (hormônio luteinizante, LH, do inglês luteinizing hormone), sendo que o
determinante para a síntese de FSH ou LH pela hipófise é o padrão de secreção do GnRH (Williams
and Erickson 2008).
A estimulação cíclica das gonadotrofinas permite que uma coorte de folículos seja
recrutada e continue o desenvolvimento até que um atinja a dominância. O FSH é o fator
determinante para o recrutamento folicular, e sua ligação aos receptores de FSH presentes nas
células da granulosa estimula a síntese de E2 por intermédio da expressão da P450 aromatase. Já o
LH se liga nos receptores de LH presentes nas células da teca levando a síntese e secreção de
androstenediona, que por sua vez é o substrato para a ação da P450 aromatase nas células da
granulosa. Este é o mecanismo envolvido no tradicional conceito “duas células‐duas gonadotrofinas”
Com o desenvolvimento do folículo dominante, o FSH estimula a expressão de
receptores de LH nas células da granulosa, tornando‐as competente para também responderem ao
estimulo do LH. Embora não se saiba ao certo o mecanismo pelo qual apenas um folículo atinja a
dominância, é provável que este seja mais sensível ao FSH do que os demais devido à maior
expressão de receptores de FSH e LH nas células da granulosa, ou maior produção de fatores de
crescimento locais aumentando a resposta ao FSH (McGee and Hsueh 2000).
Os estrógenos produzidos em grandes quantidades pelas células da granulosa do
folículo dominante, juntamente com as inibinas, regulam a produção de FSH pela hipófise. Como
resultado, os folículos menores e menos responsivos ao FSH são privados do estimulo e sofrem
atresia (McGee and Hsueh 2000). Outros fatores produzidos pelas células do folículo dominante são
capazes de sensibilizar as células da granulosa de forma que o próprio folículo dominante continue a
se desenvolver, mesmo sob menores concentrações de FSH. Nesta fase, a inibina age nas células da
teca estimulando a produção de andrógenos, enquanto a activina aumenta a ação do FSH na
aromatização dos andrógenos nas células da granulosa (Hillier 2001).
A fase final do desenvolvimento folicular depende do estímulo de um pico na
concentração do LH e modificações importantes acontecem na expressão gênica das células da
granulosa, que estimulam a maturação meiótica final do oócito e culmina com a ovulação, ou seja,
liberação de oócito maduro com capacidade de ser fertilizado (Solc et al. 2010). Para que o pico de
LH aconteça, o E2 produzido pelas células da granulosa eleva a amplitude dos pulsos do GnRH que,
ao mesmo tempo, inibe a secreção do FSH e estimula o pico de LH (Matzuk et al. 2002).
O pico de LH e subsequente ovulação na fase intermediária do ciclo reprodutivo
caracteriza o fim da fase folicular e início a fase lútea. O corpo lúteo é formado a partir de células
remanescentes do folículo ovulado, que sofrem remodelação e neovascularização, e tem como
principal função manter o endométrio receptivo, caso ocorra a concepção. A fase lútea é
crescimento, prostaglandinas e inibinas, que irão manter o corpo lúteo. Na ausência de concepção
acontece a luteólise (Messinis et al. 2009).
Por outro lado, na ocorrência da concepção, a gonadotrofina coriônica humana
(hCG, do inglês human chorionic gonadotropin) resgata o corpo lúteo e, o embrião formado
representa uma unidade funcional ativa na qual uma programação molecular própria, e produção de
fatores de crescimento regulam seu desenvolvimento e diferenciação (Paria and Dey 1990). Esta
etapa requer a ativação do genoma embrionário, e culmina na formação do blastocisto (Artley et al.
1992). Uma vez ativado o genoma embrionário, o embrião se desenvolve rapidamente até formar o
blastocisto, que por sua vez, sai da zona pelúcida e ganha a competência de implantar‐se, o chamado
blastocisto expandido. A coordenação e interação dos fatores endócrinos, celulares e moleculares do
embrião e do endométrio produzem o ambiente favorável e o estado receptivo para a implantação.
No entanto, as sequências precisas dos acontecimentos e detalhes das interações moleculares ainda
não estão bem esclarecidos (Paria et al. 2001; Dey et al. 2004; Banerjee and Fazleabas 2010;
Dimitriadis et al. 2010).
2.3 Ação hormonal no ciclo reprodutivo
Como já citado anteriormente, o estradiol é derivado de precursores andrógenos,
que pela ação da P450 aromatase são sintetizados nas células da granulosa pelo estimulo do FSH. Um
estudo recente avaliando a relação entre esteróides intrafoliculares e resultados de ciclos de injeção
intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI, do inglês intracytoplasmic sperm injection) observou
que oócitos que degeneraram ou apresentaram falha de fertilização se correlacionam com menores
intrafoliculares de FSH estão associados positivamente, enquanto os níveis de E2 e P4 foram
inversamente relacionados a captação de oócitos em ciclos de FIV (Rosen et al. 2009)
Em pacientes submetidas a ciclos de FIV com bloqueio hipofisário e estimulação
ovariana controlada, as concentrações de FSH devem ser interpretadas com cautela, pois se assume
que a produção endógena hipofisária de FSH está suprimida, e dessa forma, os níveis séricos de FSH
refletem a concentração da gonadotrofina exógena administrada (Mendoza et al. 1999). Já a
concentração intrafolicular de FSH representa a quantidade da gonadotrofina exógena que é capaz
de atingir o folículo transpondo os mecanismos de regulação folicular de entrada e saída de
substancias (Mason et al. 1994).
O pico de LH, mimetizado pelo hCG em ciclos EOC (LH/hCG), faz com que as
células da teca parem de sintetizar andrógenos, e ocorra a perda da atividade da aromatase nas
células da granulosa, fazendo com que produzam P4 ao invés de E2, iniciando a luteinização (Fortune
2001). Assim, os autores sugerem que altas concentrações de E2 possam ser indícios de uma
resposta inadequada das células da granulosa ao hCG. Por outro lado, também acreditam que a
produção aumentada de P4 pode ser um indicador de excesso de hCG prejudicando a captação de
oócitos (Rosen et al. 2009).
Os níveis séricos de P4 também tem sido relacionados a resultados dos ciclos de
FIV. Uma metanálise mostrou que níveis séricos aumentados de progesterona não se correlacionam
com resultados clínicos de ciclos de FIV (Venetis et al. 2007). Entretanto, um estudo recente
avaliando mais de 4000 ciclos de FIV sugere que os níveis séricos de progesterona no final do EOC
está relacionado a menores taxas de gestação clínica (Bosch et al. 2010). A concentração aumentada
de progesterona em pacientes submetidas a EOC pode ser atribuída ao elevado número de folículos
Outros hormônios ovarianos, como a inibina e AMH, também tem sido
relacionados aos resultados dos ciclos de FIV. A inibina é um membro da família do fator de
crescimento transformador‐β (TGF‐β, do inglês transforming growth factor‐β), que na forma
dimérica, composta pelas subunidades α e β, é biologicamente ativa. A subunidade β ainda tem duas
isoformas, A e B; portanto o complexo αβA é chamado de inibina‐A e o complexo αβB chamado de
inibina‐B. Juntamente com a activina, a inibina regula a função das células de Leydig e Sertoli, e
síntese de DNA nas células germinativas nos testículos, e a função das células da teca e granulosa nos
ovários (Kumanov et al. 2005).
A inibina‐A é produzida pelas células da granulosa de folículos dominantes e corpo
lúteo, enquanto a inibina‐B é predominantemente produzida pela granulosa de folículos pré‐antrais e
antrais pequenos em resposta ao FSH, e declinam na fase folicular tardia, agindo como um
modulador da síntese de FSH (Roberts et al. 1993; Muttukrishna et al. 1994; de Kretser et al. 2002).
Por ser produzida pelas células da granulosa, a inibina pode servir como um marcador protéico da
função destas células (Magoffin and Jakimiuk 1997).
Com o declínio da reserva ovariana, os níveis séricos de inibina‐B diminuem,
enquanto os níveis de FSH aumentam. Assim, paralelamente a concentração sérica de FSH, a inibina‐
B também é considerada um marcador de reserva ovariana e de baixa resposta em ciclos de
reprodução assistida (Burger 1993; Laven and Fauser 2004; Munz et al. 2004). Também foi observada
uma correlação dos níveis séricos de inibina‐B com resposta ao EOC, considerando número de
folículos 10 mm (Luisi et al. 2003).
A relação da concentração intrafolicular de inibina‐B e qualidade oocitária ainda é
controversa. Franchimont e cols. sugeriram que os níveis de inibina intrafoliculares podem ser
utilizados como parâmetro para maturação oocitária, já que estão positivamente relacionados ao
sucesso da fertilização (Franchimont et al. 1990), enquanto Lau e cols. e Wen e cols. não observaram
lado, as concentrações intrafoliculares de inibina‐A e B em mulheres submetidas a ciclos de FIV
foram positivamente associadas à presença (Wen et al. 2006) e número de oócitos recuperados, taxa
de fertilização, e sucesso de gestação (Ocal et al. 2004).
Em estudo avaliando FF coletado individualmente não evidenciaram relação dos
níveis de inibina‐B com qualidade oocitária (Lau et al. 1999). Já a expressão de mRNA da porção α da
inibina pelas células da granulosa era maior em folículos que continham oócitos maduros, de melhor
qualidade e que fertilizaram, e eram menores em folículos cujos oócitos resultaram em embriões de
melhor qualidade, mostrado que a inibina é necessária para a maturação do oócito, mas o excesso
pode ser prejudicial ao desenvolvimento do embrião; entretanto as mesmas observações não foram
possíveis quando avaliaram as concentrações de inibina‐A ou ‐B no fluido folicular (Fujiwara et al.
2000).
O AMH também é um membro da família do TGF‐β, e conhecido principalmente
por sua ação na diferenciação sexual masculina. Entretanto, em mulheres o AMH é expresso pelas
células da granulosa a partir do estágio de folículo primário e está envolvido na foliculogênese (Visser
and Themmen 2005). Estudos em animais mostraram que camundongos knockout para o gene do
AMH apresentam depleção precoce do pool de folículos primordiais comparado a animais selvagens,
indicando uma ação inibitória do AMH produzido pelos folículos em desenvolvimento no
recrutamento folicular inicial (Durlinger et al. 1999). Além disso, estudos em animais e in vitro
sugerem que o AMH afeta a sensibilidade dos folículos em desenvolvimento ao FSH, sendo que os
folículos são mais sensíveis ao FSH na ausência de AMH (Durlinger et al. 2001; Durlinger et al. 2002a;
Durlinger et al. 2002b)
Em humanos, a expressão do AMH pelas células da granulosa são maiores em
folículos pré‐antrais e antrais com menos de 5 mm de diâmetro, com uma redução gradativa da
expressão conforme progride o desenvolvimento do folículo, ou seja, o AMH é produzidos pela
para dominância. Estes dados sugerem que, também em humanos, o AMH pode ter a função de
inibir o recrutamento dos folículos primordiais e agir na seleção folicular. Ainda, os menores níveis de
AMH em mulheres após os 35 anos, quando apresentam uma depleção folicular acelerada, reforçam
esta hipótese (Weenen et al. 2004; Visser and Themmen 2005).
O AMH tem sido considerado um excelente marcador da reserva ovariana (Visser
et al. 2006), pelo fato do tamanho da coorte de folículos recrutados ciclicamente ser diretamente
proporcional ao pool de folículos primordiais remanescentes, ou seja, à reserva ovariana (Scheffer et
al. 1999). Os níveis séricos de AMH decrescerem com o passar dos anos conforme a coorte de
folículos primordiais diminui (van Rooij et al. 2002). Este fato foi confirmado pela dosagem sérica de
AMH na fase folicular precoce do ciclo reprodutivo, onde as concentrações de AMH declinam
significantemente a cada 3 anos, sendo mais sensível que o FSH e inibina‐B que não se modificam
neste intervalo mais curto (de Vet et al. 2002).
A forte correlação da contagem de folículos pré‐antrais com a concentração sérica
de AMH, enquanto as correlações com FSH, inibina‐B e estradiol não foram tão evidentes (Fanchin et
al. 2003), e a estabilidade das dosagens de AMH entre ciclos (Fanchin et al. 2005), reforçam a
utilização da concentração do AMH na fase folicular inicial do ciclo reprodutivo como marcador de
reserva ovariana.
Em ciclos de FIV com EOC, a concentração sérica de AMH no início do tratamento
também tem se mostrado um marcador preditivo de resposta ao tratamento (van Rooij et al. 2002;
Fleming et al. 2006; Nelson et al. 2007). Wunder e cols. observaram a associação positiva do número
de oócitos recuperados e concentrações de AMH no FF e soro mensurados no dia da punção
folicular, sendo que a associação com os níveis séricos de AMH eram mais fortes do que com os
níveis intrafoliculares (Wunder et al. 2008). Além disso, sabe‐se que os níveis de AMH diminuem
gradualmente com o desenvolvimento de múltiplos folículos, provavelmente refletindo a diminuição
observaram a relação do AMH com taxa de fertilização (Lekamge et al. 2007; Majumder et al. 2010) e
qualidade oocitária (Ebner et al. 2006).
2.4 Citocinas e fatores de crescimento no ciclo reprodutivo feminino
Apesar dos clássicos sistemas hipotálamo‐hipófise gonadal e duas células‐duas
gonadotrofinas serem o eixo para o entendimento da foliculogênese, o crescimento e diferenciação
folicular são processos complexos, envolvendo além das gonadotrofinas, hormônios e esteróides,
diversos outros fatores tais como fatores de crescimento, citocinas, enzimas, proteoglicanos, e
lipoproteínas (van den Hurk and Zhao 2005).
As citocinas constituem potentes moduladores da resposta imunológica e,
portanto parecem estar envolvidas no sucesso e na falha reprodutiva. Tradicionalmente são divididas
em dois subtipos, Th1 e Th2, dependendo do tipo celular que as produzem e do efeito que exercem.
As primeiras (Th1) incluem principalmente o interferon‐γ (IFN‐γ), interleucina‐2 (IL‐2) e fator de
necrose tumoral (TNF‐β, do inglês tumor necrosis factor), tendo sua principal ação na imunidade
celular. Já as do tipo Th2 são IL‐4, IL‐5, IL‐6 e IL‐10 envolvidas na imunidade mediada por anticorpos
(Laird et al. 2006).
Diversos fatores envolvidos na ovulação são clássicos mediadores da reação
inflamatória, entre eles as citocinas produzidas pelas próprias células foliculares ou pelos leucócitos
infiltrados no folículo pré‐ovulatório, que por sua vez estão envolvidas em diferentes processos na
fisiologia reprodutiva. Entre estas citocinas estão IL‐1, IL‐2, IL‐6, IL‐8, IL‐10, TNF (Bukulmez and Arici
Sabe‐se que o sucesso da gestação está relacionado à predominância de citocinas
do tipo Th2 sobre o tipo Th1 (Wegmann et al. 1993; Vince and Johnson 1996). A expressão de
citocinas e seus receptores no útero e embrião na gestação inicial confirmam tais hipóteses e sua
função na implantação (Carson et al. 2000; Laird et al. 2006). No entanto, a perda da expressão
destas moléculas pode ser compensada por outras, o que dificulta a análise e entendimento do
processo (Stewart et al. 1992).
Evidências crescentes mostram que citocinas podem modular a função ovariana
também em nível local. Durante o ciclo reprodutivo e início da gestação importantes mudanças são
observadas no número e perfil de leucócitos presentes no útero e ovários em resposta a estímulos
quimioatrativos. Tais leucócitos, por sua vez, migram para locais específicos e secretam fatores
parácrinos que agem direta ou indiretamente no controle dos eventos reprodutivos, como
esteroidogênese, ovulação, função do corpo lúteo, proliferação endometrial, decidualização e parto
(Garcia‐Velasco and Arici 1999). Por outro lado, as citocinas agem também de forma sistêmica,
influenciando a função das glândulas adrenais, e modulando a esteroidogênese (Bornstein et al.
2004).
As quimiocinas, apesar de serem membros da família das citocinas, tem sua
característica específica como potentes quimioatrativos. A IL‐8, principal representante das
quimiocinas‐α, é um potente quimioatrativo de neutrófilos e fator angiogênico, e pode estar
envolvida no desenvolvimento folicular, atresia, ovulação, esteroidogênese e função do corpo lúteo,
além de ações no endométrio (Garcia‐Velasco and Arici 1999). Sabe‐se que a IL‐8 é produzida pelas
células da granulosa e leucócitos intrafoliculares (Polec et al. 2009), e apresenta um padrão de
expressão cíclico durante o ciclo reprodutivo como resultado de uma regulação, direta ou indireta,
dos hormônios esteróides (Arici et al. 1998).
O pico do LH/hCG inicia a maturação final do folículo e concomitantemente
granulosa. Imediatamente antes da ovulação, acontece uma infiltração de granulócitos na área ao
redor do folículo (Brannstrom et al. 1994; Chang et al. 1998), e a IL‐8, por suas características
quimioatrativas de neutrófilos, é provavelmente um dos responsáveis por este evento (Arici et al.
1996)
A rápida vascularização do corpo lúteo é guiada por fatores presentes no FF
(Frederick et al. 1984) e as propriedades angiogênicas da IL‐8 associado ao aumento dos níveis na
fase lútea do ciclo reprodutivo, faz da IL‐8 um dos candidatos a regulação deste processo. Assim,
acredita‐se na hipótese que a migração dos leucócitos seja regulada por hormônios através da
modulação da IL‐8, ou seja, a produção de IL‐8 é estimulada pelo LH/hCG, que exerce a função de
atrair os neutrófilos para a região ao redor do folículo, que por sua vez atuam na ruptura folicular. A
IL‐8 age ainda como fator angiogênico, contribuindo para a neovascularização do folículo, necessária
para a formação do corpo lúteo. Por fim, com o aumento dos níveis de P4, a produção de IL‐8 é
suprimida (Arici et al. 1996).
A IL‐12 é uma citocina composta por duas subunidades, p35 e p40, que quando
co‐expressas na mesma célula formam o heterodímero p70 biologicamente ativo (Watford et al.
2003). Produzida principalmente por fagócitos (macrófagos, monócitos e neutrófilos), a IL‐12 tem
função regulatória na resposta imune adaptativa, e é o principal indutor de resposta tipo Th‐1, que
juntamente com TNF‐α e células natural killer estimulam a atividade citotóxica (Trinchieri and Scott
1995; Lamont and Adorini 1996).
Visujic e cols relataram a presença de maiores concentrações de IL‐12p40 em FF
de folículos que continham oócitos e sugeriram seu envolvimento com a maturação folicular (Vujisic
et al. 2006). Por outro lado, Coskun e cols. encontraram menores concentrações de IL‐12 em folículos
pré‐ovulatórios comparado a folículos imaturos (Coskun et al. 1998). Outro estudo avaliando a
presença de IL‐12 no FF mostrou que pacientes apresentando Síndrome dos ovários policísticos (SOP)
andrógenos, mas não observaram qualquer relação com os resultados dos ciclos de FIV (Gallinelli et
al. 2003).
A família da IL‐1 é um grupo de citocinas polipeptídicas (IL‐1‐α, IL‐1‐β e receptor
antagonista de IL‐1) conhecidas principalmente por seu efeito inflamatório. A IL‐1 e seus receptores
estão presentes tanto no endométrio (Simon et al. 1996), quanto no oócito e embrião (Tabibzadeh
and Sun 1992). Estudos mostram que a interação IL‐1‐β embrionária com receptor endometrial inicia
uma cascata de eventos, induzindo a produção de integrinas e promovendo a implantação (Simon et
al. 1997; Sunder and Lenton 2000).
A IL‐10 é um importante indutor da resposta imune Th‐2, compatível com o
sucesso da gestação (Mosmann and Sad 1996). Wu e cols. demonstraram que altas concentrações de
IL‐10 após a implantação são importantes na manutenção da gestação (Wu et al. 2001). Já o TNF é
uma citocina que atua com mediadora de uma série de eventos durante a gestação dependendo da
idade gestacional (Hunt et al. 1996). Alguns autores afirmam que o TNF faz parte do grupo de
citocinas indutoras de uma resposta do tipo Th1 e está associada à falha de FIV e aborto espontâneo
(Hill 1995), e que a supressão do TNF no início da gestação parece contribuir para o desenvolvimento
normal da mesma (Daher et al. 1999). Por outro lado, Gharesi‐Fard e cols. demonstraram que a
redução nos níveis de TNF‐α após tratamento com linfócitos em pacientes com aborto de repetição,
favoreceu o sucesso da gestação (Gharesi‐Fard et al. 2008). Além disso, Boomsma e cols,
recentemente demonstraram que a presença de TNF‐α na secreção endometrial tem uma associação
positiva com a gestação clínica (Boomsma et al. 2009).
Outro grupo de citocinas inclui LIF, IL‐6 e IL‐11, com estruturas semelhantes, que
utilizam o mesmo receptor, promovendo assim ações similares (Laird et al. 2006). Estudos em
animais sugerem a importância do LIF na implantação, já que a transferência de blastocistos em
camundongos knockout para o gene LIF não resulta em implantação (Stewart et al. 1992). Em
diferentes grupos celulares e em diferentes momentos, sugerindo que suas funções na implantação
possam ser distintas apesar de pertencerem à mesma família (Robb et al. 2002).
Estudos a respeito da expressão de LIF no endométrio em casos de infertilidade
ainda são controversos (Laird et al. 1997; Sherwin et al. 2002), inclusive em ciclos de FIV
(Hambartsoumian 1998; Ledee‐Bataille et al. 2004). Estudos mostraram que a co‐cultura de embriões
com células endometriais produtoras de LIF, melhora a qualidade e desenvolvimento embrionário
(Spandorfer et al. 2001). Entretanto, a utilização clínica de LIF‐recombinante em reprodução assistida
está sendo desenvolvida, mas o impacto desta intervenção ainda não foi estabelecido (Hoozemans et
al. 2004).
Oócitos e embriões expressam receptor para LIF (Chen et al. 1999; Sharkey et al.
1999). A concentração de LIF em fluido folicular é regulada de acordo com o estágio de
desenvolvimento do folículo e é responsiva ao LH/hCG (Arici et al. 1997). Estudo em animais
mostram a ação de LIF juntamente com ligante kit como um importante fator de sobrevivência de
células primordiais embrionárias (Morita et al. 1999). Outros estudos in vitro demonstram que LIF é
produzido por células da granulosa em cultura (Coskun et al. 1998) e células ovarianas em cultura
suplementadas com LIF aumentou a taxa de transição de folículos primordiais para folículos
primários (Nilsson et al. 2002).
Já a IL‐6 não tem uma função direta na regulação da ovulação, mas estudos in
vitro e em animais mostram seu envolvimento na modulação da ação das gonadotrofinas, agindo
possivelmente na diminuição da capacidade de ligação do FSH ao seu receptor (Machelon et al.
1994a; Machelon et al. 1994b; Breard et al. 1998), e na regulação da produção de esteróides
ovarianos (Van der Hoek et al. 1998).
Paralelamente, o crescimento folicular também induz a produção de altos níveis
de fatores de crescimento autócrinos e parácrinos, que são acompanhados pelo aumento da
daquele folículo (McGee and Hsueh 2000). A partir da fase antral, os folículos adquirem uma rede
capilar na camada da teca que permite o suprimento de gonadotrofinas, fatores de crescimento,
oxigênio, precursores esteróides e outros fatores necessários ao desenvolvimento do folículo. O
processo de neovascularização folicular é disparado pelo pico de LH que estimula a produção do
VEGF, um potente mitógeno para células endoteliais e um fator chave na regulação da angiogênese
(Garrido et al. 1993; Ferrara and Davis‐Smyth 1997; Smith 2000), assim como da angiopoetina 1 e 2
que são particularmente importantes na estabilização dos vasos sanguíneos (Fraser and Duncan
2005).
A concentração do VEGF é diretamente proporcional ao desenvolvimento
folicular, relacionando‐se, portanto com o tamanho dos folículos (Christenson and Stouffer 1997;
Barboni et al. 2000; Berisha et al. 2000; Gutman et al. 2008). A maior vascularização de um folículo
individualmente resulta na obtenção de maiores quantidades de gonadotrofinas, e assim parece
desempenhar também uma função na seleção e maturação do folículo dominante pré‐ovulatório
(Fraser and Duncan 2005; Kaczmarek et al. 2005).
O sistema VEGF ‐ receptor de VEGF em reprodução humana assistida não é claro,
no entanto Dorn e cols. mostraram que concentrações séricas de VEGF mais elevadas no dia da
punção folicular foram preditivas de gestação, mas o tratamento com FSH‐recombinante (FSH‐r)
reduz tais concentrações (Dorn et al. 2003). Outros estudos em pacientes submetidas a técnicas de
FIV mostraram que a maior vascularização peri‐folicular proporciona maior aporte de oxigênio ao
oócito, o que resulta em maior potencial de desenvolvimento e implantação (Van Blerkom 1998; Kim
et al. 2004). Por outro lado, Barrosos e cols observaram uma correlação negativa da concentração
intrafolicular de VEGF com a morfologia embrionária (Barroso et al. 1999). Outros autores
demonstraram que maiores concentrações de VEGF intrafoliculares estavam relacionadas a menores
taxas de gestação, concordantes com idade avançada e menor reserva ovariana das pacientes
Assim sendo, o conhecimento dos fatores que regulam o desenvolvimento do
oócito e das células foliculares que o rodeiam é essencial para entender as circunstancias fisiológicas
necessárias para o sucesso do ciclo reprodutivo feminino, subseqüente fertilização e da fase inicial da
embriogênese. Da mesma forma, as alterações na foliculogênese e falhas dos ciclos de FIV podem ser
elucidadas a partir do entendimento da inter‐relação dos fatores envolvidos neste processo, sob as
condições suprafisiológicas impostas no EOC. Com isso, nos focamos em avaliar amostras de FF de
mulheres submetidas ao EOC, buscando esclarecer possíveis relações entre a composição do FF e os
3.
OBJETIVOS
O objetivo deste estudo foi avaliar a concentração intrafolicular e sérica de
citocinas (IL‐8, IL‐6, IL‐1, IL‐10, IL‐12, TNF e LIF), hormônios (FSH, E2, P4, AMH, inibina‐β) e fator de
crescimento (VEGF) em pacientes submetidas ao EOC para ciclos de ICSI, e correlacionar os perfis
encontrados com os resultados do tratamento.
3.1 Objetivos específicos
Avaliar relação entre os fatores mensurados no soro com os resultados clínicos dos ciclos
de ICSI
Avaliar a relação entre os fatores mensurados no fluido folicular com as características
dos oócitos e embriões correspondentes
4.
MÉTODOS
4.1 Local do estudo
O presente estudo foi desenvolvido junto ao Laboratório de Ginecologia
Molecular e Proteômica, do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo –
Escola Paulista de Medicina, São Paulo ‐ SP; em parceria com o Fertility – Centro de Fertilização
Assistida, São Paulo – SP, no período de 2007 à 2010.
4.2 Ética em pesquisa
Este estudo, e o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
foram analisados e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São
Paulo / Escola Paulista de Medicina, protocolo 1699/06 (Anexo 1).
Pacientes que procuraram o Fertility – Centro de Fertilização Assistida, para
realização de tratamento de infertilidade por técnicas de reprodução humana assistida, para
obtenção de gestação foram designadas como sujeitos do estudo. Todas as pacientes inférteis que
realizaram tratamento no Fertility – Centro de Fertilização Assistida, obrigatoriamente, assinaram o
realizados, como estabelecido pelas normas éticas para utilização das técnicas de reprodução
assistida (CFM 1992; CNS 1996).
Durante a consulta médica, previamente ao início do tratamento, foram
esclarecidos às pacientes os termos deste estudo, e oferecida a possibilidade de participação
voluntária. Um segundo TCLE específico a este estudo (Anexo 2) foi lido e assinado voluntariamente
pelas pacientes que concordaram em participar.
Vale ressaltar que para participação neste estudo, não foi realizado qualquer
procedimento adicional ao tratamento proposto, já que o material utilizado foi aquele remanescente
dos procedimentos, que seria descartado. Apenas uma coleta de sangue periférico foi realizada.
4.3 Pacientes
As pacientes incluídas no estudo deveriam satisfazer os seguintes critérios de
inclusão e exclusão:
Critérios de inclusão:
Casais inférteis que procuraram o Fertility – Centro de Fertilização Assistida para
realização de tratamento de infertilidade para obtenção de gestação
Realizar técnica de reprodução humana assistida de alta complexidade (ICSI)
Presença de ambos os ovários
Apresentar ciclos menstruais regulares
Índice de massa corporal menor que 35, calculado de acordo com a seguinte fórmula:
peso (kg) / altura (m)2
Dosagens séricas hormonais basais dentro dos limites de normalidade, a saber: E2 70
pg/mL e FSH 14 mU/mL
Ter voluntariamente fornecido o termo de consentimento livre e esclarecido
Critérios de exclusão:
Doença sistêmica clinicamente significativa;
Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), hepatite C ou B;
Endometriose graus III ou IV;
Hidrossalpinge uni‐ ou bilateral;
Sangramento ginecológico anormal, não diagnosticado;
Alergia ou hipersensibilidade a gonadotrofinas humanas ou quaisquer outros
medicamentos utilizados no tratamento;
Conhecido abuso de qualquer substância no período do tratamento.
4.4 Coleta e armazenamento de material e dados clínicos
Amostras de soro e FF foram coletados no dia da punção folicular. Durante o
procedimento de punção folicular, o maior folículo da coorte, ou um pool de dois a quatro folículos
com maiores diâmetros foram inicialmente aspirados, e após a recuperação dos oócitos, o FF