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1Artigo elab orado a p artir da dissertação de A.M.G.C.C.V. AZÔR, intitulada “Ab rigar... desab rigar: conhecendo o p ap el das fam ílias no p rocesso de
institucionalização”. Program a de Mestrado em Psicologia Aplicada, Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia. 2005.
2Universidade Federal de Ub erlândia, Instituto de Psicologia. Av. Pará, 1720, 38405-320, Ub erlândia, MG, Brasil. Corresp ondência p ara/ Correspondence to:
C. VECTORE. E-m ail: < vectore@ufu.b r> .
Ab rigar/ desab rigar: conhecendo o p ap el
d as fam ílias nesse p rocesso
1Providin g sh elt er/ deprivin g sh elt er: fin din g out
about t h e role of fam ilies in t h is process
Ana Mafalda Guedes Cabral Courinha Vassalo AZÔR2
Celia VECTORE2
Resumo
A pesquisa objetivou conhecer o papel desem penhado pelas fam ílias de adolescentes ex-abrigados em um a instituição do m unicípio de Uberaba (MG), durante o processo de institucionalização/ desinstitucionalização que viveram . Participaram do estudo cinco fam ílias que haviam recuperado a guarda dos filhos. Os m ateriais utilizados para coleta dos dados foram entrevistas sem i-estruturadas com o pai ou a m ãe dos adolescentes, com os próprios adolescentes e com a diretora do abrigo; fichas de identificação socioeconôm ica; verificação de livros de registros do abrigo e das pastas arquivadas com inform ações dos adolescentes; e diários de cam po da pesquisa. Os resultados apontaram que as causas que levam ao abrigo são m ultifatoriais, associadas à pobreza, carência de rede de apoio sócio-psicológica para a fam ília, ausência da figura paterna e desestruturação fam iliar. O período de institucionalização apresentou-se com o doloroso para filhos e genitores. O trabalho das instituições envolvidas, o desejo dos adolescentes de sair do abrigo e a reestruturação financeira das fam ílias foram fatores que auxiliaram no deslig am ento dos abrigados. Contudo, o estudo evidencia a necessidade de um acom panham ento m ultiprofissional pós-desligam ento.
Unitermos: Abrigos. Adolescentes. Desinstitucionalização. Estrutura fam iliar. Fam ília.
Abstract
Th is research aim ed t o evaluat e t h e role exercised by fam ilies of adolescen t s experien cin g t h e process of in st it ut ion alizat ion /
deinstitutionalization, in an entity in the city of Uberaba, Minas Gerais. It studied five fam ilies w ho had regained custody of their children. The m aterials used to collect the data included sem i-structured interview s w ith the parent(s), the adolescents them selves and the director
of the institution; socioeconom ic identification records; exam ination of the institution’s record books; adolescents’ inform ation files; research
field diaries. The results show ed m ultifactorial reasons for the sheltering, associated w ith poverty, lack of socio-psychological fam ily support
from the com m unity health centers, absence of the father figure and a poor fam ily structure. The sheltering period w as painful for both
children and parents. The w ork of the institutions involved, the adolescents’ desire to leave the institution and the financial restructuring of their fam ilies helped w ith the process of deinstitutionalization. How ever, the study show ed the need for subsequent m ulti-professional
m onitoring.
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Co m p reen d er e t rab al h ar co m f am íl i as
ap resen t a-se co m o u m d o s m aio res d esafio s d o s
p ro fissio n ais d as m ais d iversas áreas n a co n t em -poraneidade. Nos anos 30, deflagrou-se a inadequação
da Instituição da Roda de Exp ostos3 e a necessidade de
se investir na fam ília, por m eio do reconhecim ento do papel fundam ental da m ãe no desenvolvim ento físico,
psicológico, social e afetivo da criança (Marcílio, 1998).
A despeito da am pla abrangência do conceito “fam ília”, um fator que cham a atenção é a constatação de que
esta, especificam ente no Brasil, apesar de estar presente
nas políticas getulistas desde os anos 30, som ente no final do século passado (m ais precisam ente a partir da
década de 90) passou a ganhar um m aior realce, devido
à p luralidade de suas p ossíveis configurações, à sua indiscutível im p ortância p ara o desenvolvim ento
hu-m ano e, conseqüentehu-m ente, para o desenvolvihu-m ento
da sociedade. A fam ília é “um espaço indispensável pa-ra a gapa-rantia da sob revivência, do desenvolvim ento e
da proteção integral da criança, independentem ente
do arranjo fam iliar” (Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef, 2005, p.109).
Carvalho (2000), ao discorrer sobre a questão da
inserção das fam ílias nas políticas públicas, aponta um a
m udança no que se refere ao papel do Estado no pano-ram a internacional do século passado, que passou do
predom ínio do Welfare State (Estado do Bem -Estar Social)
para a com preensão de que o Estado não supre todas as necessidades do indivíduo. Enquanto no Estado do
Bem -Estar Social o desenvolvim ento do indivíduo e a
su a p ro m o ção so cial se an co ram est rit am en t e n a estrutura estatal, nesta outra visão, entende-se que o
Estado deve com partilhar a m issão de suprir as
necessi-dades do indivíduo com a sociedade civil e a iniciativa privada.
No Brasil, a Constituição Federal (1988), o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei Federal n. 8069 de 13 de julho de 1990) e a Lei Orgânica de Assistência
Social (1993), além de alguns projetos governam entais, entre eles o Program a de Atenção Integral à Fam ília
(PAIF) e o Program a de Saúde da Fam ília (PSF), foram criados com o ob jetivo de p rop iciar um atendim ento
de qualidade às crianças e suas fam ílias, pelo m enos
em nível jurídico. Dim enstein (2004) aponta que tais
p ro g ram as so ciais freq ü en t em en t e ap resen t am -se fragm entados em suas ações e desconexos nos vários
níveis de adm inistração p úb lica, com p rom etendo os
seus objetivos.
Dentro desse contexto, em bora o Estatuto da Criança e do Adolescente já tenha m ais de quinze anos
de existência, é possível constatar situações bastante
diferenciadas das previstas pelo docum ento. A popu-lação infant o-juvenil b rasileira alcança a cifra d e 61
m ilhões, representando 35,9% do total da população
do país. No que se refere à população adolescente, os dados apontam que 11,6% são analfabetos e que 14,8%
têm b aixa escolaridade, sendo que apenas 10,4% dos
jovens entre 18 e 24 anos encontram -se na faculdade (Instituto de Pesquisa Econôm ica Aplicada - IPEA, 2003).
Tais dados, indiscutivelm ente, rep ercutirão
negativa-m ente no futuro desses jovens, que terão negativa-m uito negativa-m enos chances de acesso a um a vida digna. E, finalm ente, o
recente relatório do Unicef, Situação Mundial da Infância
2007,m ostra que o Brasil, em bora tenha reduzido a taxa
de m ortalidade infantil, foi ultrapassado em duas
posi-ções no ranking por países com políticas m ais eficientes,
evidenciando a necessidade de o país m elhorar o seu atendim ento à infância.
Neder (2000) enfatiza que, ao longo dos séculos
d a h ist ória b rasileira, as p olít icas p úb licas, q uan d o
existiam , eram fortem ente influenciadas p elo p ensa-m ento vigente, não valorizando as diferenças étnicas e
culturais das fam ílias, principalm ente quando as
condu-tas de intervenção tinham com o foco a infância e juven-tude desvalida, oriundas de estratos m enos favorecidos
da população. Arantes (1995) e Rizzini (1997) apontam ,
ainda, a carência de trab alhos efet ivos com fam ílias, sendo curioso observar a escassez de produções
cien-tíficas acerca da problem ática referente à perda do pátrio poder (Alves, 2000) e as conseqüências na vida dos que se encont ram inst it ucionalizad os. Cont ud o, d eve-se m encionar que, no Brasil, a partir dos anos 80, iniciativas
com o a fundação do Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância (CRAMI), em 1985, no m unicípio
3 A Roda de Expostos era um m ecanism o giratório, no form ato de um cilindro oco de m etal ou m adeira, com duas portas, um a que se abria para fora e outra
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de Cam pinas, e da Associação Brasileira Multiprofissional
de Proteção à Adolescência (ABRAPIA), fundada em 1988, no Rio de Janeiro, contrib uíram p ara dar visib ilidade à questão das crianças vítim as de violência e suas fam ílias.
No entanto, apesar de um a ap arent e sensib
i-lização acerca da infância desvalida em várias esferas
da sociedade, observa-se que, nessa prim eira década do século XXI, as práticas adotadas ainda restringem -se
à in st it u cio n alização d a crian ça e d o ad o lescen t e,
reforçando a concepção da incapacidade da fam ília em cuidar e, portanto, sublinhando a necessidade de m
an-ter o afastam ento dos filhos, via inan-ternação em
insti-tuição ab rigo. Assim , ab rigar a criança ou adolescente apresenta-se
... no Estatuto da Criança e do Adolescente, com o
m edida de p roteção (Art. 101, VII) e deve ocorrer
quando se verificar um a situação de risco social ou
pessoal, definida na lei em razão da: a) ação ou om issão
da sociedade ou do Estado; b) por falta, om issão ou
ab uso dos p ais ou resp onsável e c) em razão da
conduta da criança ou do adolescente (Ferreira, 2004,
p.2).
Em 2003, foi realizado um Levant am ent o
Na-cional de Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede
d e Serviço d e Ação Co n t in u ad a, p elo In st it u t o d e
Pesquisa Econôm ica Ap licada. Foram investigados 589
abrigos, sendo que 49,1% deles estão na Região Sudeste.
É interessante constatar que estão em abrigos cerca de
vinte m il crianças e adolescentes que, em sua m aioria
absoluta, têm fam ília (86,7%), e o m otivo m ais citado
para o abrigam ento foi a pobreza. Entretanto, apenas
14,1% dos abrigos desenvolvem trabalhos voltados à
reestruturação fam iliar, com o visitas dom iciliares, acom -panham ento social, reuniões ou grupos de discussão e
apoio e encam inham entos para inserção em program as de auxílio/ proteção à fam ília (IPEA, 2003).
Tavares (2001) afirm a que as crianças e
adoles-centes abrigados em instituições tendem a ser popu-lação de risco, em virtude, principalm ente, da pobreza
das fam ílias de que são oriundos; do afastam ento da
convivência fam iliar a que são subm etidos; por terem sid o vít im as d e m aus-t rat os d om ést icos; e p or não
usufruírem de um a rede social de apoio. Além disso, de
acord o com Goffm an (1987), a p róp ria inst it uciona-lização não favorece o desenvolvim ento bio-psico-social
da criança.
Weber e Kossobdudzki (1996) constataram que a
realidade de crianças e adolescentes abrigados é
bas-t an bas-t e d o lo ro sa, visbas-t o q u e o s p ais b io ló g ico s d esa-parecem e os jovens ou crianças ficam anos
instituciona-lizados, esperando a fam ília biológica ou adotiva, que
dificilm ente aparece. Tal situação revela a necessidade de construção de práticas especialm ente focadas para
as p ossib ilid ad es d e d esenvolvim ent o hum ano em
contextos (Bronfenbrenner, 1996), nos quais se configura o abrigam ento tem porário, conform e apresentado no
Estatuto da Criança e do Adolescente, ou o perm anente,
levando-se em cont a a crist alização do p rocesso de in st it u cio n alização q u e, in felizm en t e, p arece ser o
destino de um grande contingente de crianças que
ad en t ram e viven ciam o cot id ian o d as in st it uições voltadas p ara esse fim .
Vale constatar que, em b ora os avanços
cientí-ficos tenham realçado a im p ortância da fam ília p ara o
desenvolvim ento hum ano, em especial os estudos da p sico lo g ia relacio n ad o s a est e t em a, eles t am b ém
revelam a necessidade de se em preenderem esforços
no sentido de adequar suas contribuições às práticas inst it ucionais. Winnicot t (1999) ap ont ou que os m
aus--tratos na infância são m uito p rejudiciais, acarretando
sentim entos de insegurança e atrasos no desenvolvi-m ento. Bow lby (1981) enfatizou que é essencial à saúde
m ental e ao desenvolvim ento da personalidade do bebê
e da criança pequena a vivência de um a relação calorosa, íntim a e contínua com a m ãe b iológica ou sub stituta
perm anente. Todavia, as instituições de abrigo, norm
al-m ente coal-m suas p ráticas p rioritariaal-m ente discip lina-doras, parecem carecer de um a estrutura capaz de
propi-ciar condições p rom otoras de um adequado
acolhi-m ento. Ao contrário, ob serva-se a ausência de figuras de referência para a consecução de um vínculo afetivo
e efet ivo en t re aq u ele q u e est á ab rig ad o e o s
p rofissionais atuantes na instituição.
O objetivo deste estudo foi conhecer o papel
desem p en h ad o p elas fam ílias d e ad o lescen t e s
ex--abrigados em um a instituição do m unicípio de
Ubera-b a, MG, d urant e o p rocesso d e inst it ucionalização/
desinstitucionalização que viveram . Para tanto,
buscou--se identificar os aspectos que contribuíram para a
insttucionalização; as alterações ocorridas na estrutura fam i-liar, durante o período de abrigam ento da criança/
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saíram do abrigo na adolescência e início da vida adulta);
os aspectos que contribuíram para reinserção do
adoles-cente na fam ília biológica; e a situação das fam ílias após a desinstitucionalização do adolescente.
Método
Participantes
O estudo foi realizado com cinco fam ílias que
t iveram seus filh os ab rig ad os e q ue recup eraram o
direito de inseri-los no contexto fam iliar4.A fam ília 1
constituiu-se da m ãe e de seus dois filhos, Antônio e
João, abrigados por um período de 14 e de 16 anos,
respectivam ente. A fam ília 2 constituiu-se da m ãe e de
seus três filhos, Pedro, Francisco e Adriana, abrigados
durante 4 anos. A fam ília 3 constituiu-se do pai e de
seus três filhos, Mário e Jennifer, abrigados durante 8
anos, e Mart a, ab rigada durant e 4 anos. A fa m ília 4
constituiu-se do pai e de suas duas filhas, Alessandra e
Maria, abrigadas durante 11 anos. A fam ília 5
constituiu--se da m ãe e de um filho, Alberto, abrigado durante 9
anos. Todas as fam ílias residiam na cidade Uberaba (MG).
As fam ílias p art icip ant es foram escolhidas de
acordo com os seguintes critérios: a) presença de genitor (pai ou m ãe) que recuperou o direito à convivência com
o(s) filho(s); b) filho(s) institucionalizado(s) por um período
igual ou superior a 12 m eses; c) desligam ento do filho ocorrido há pelo m enos 12 m eses; d) filho(s) com idade
igual ou superior a 12 anos.
O prim eiro critério justifica-se pela necessidade de se ter dados oriundos do responsável pela retirada
do(a) filho(a) do abrigo, de m odo a se conhecer todos
os fatores que estão presentes no m om ento da tom ada d e d ecisão p ela inst it ucionalização, e t am b ém p ela
desinstitucionalização. Quanto ao tem p o de ab
riga-m ento, acredita-se que cerca de pelo riga-m enos doze riga-m eses p ossib ilita um m elhor conhecim ento da rotina
institu-cional, o m esm o podendo ser dito em relação ao critério
de pelo m enos doze m eses pós-abrigam ento, no que se refere às exp eriên cias vivid as fo ra d o co n t ext o
institucional. Em relação à idade igual ou sup erior a 12
an o s, d eveu -se à acessib ilid ad e ao s in st ru m en t o s
p revistos p ara a coleta, visto que, com crianças, seria
n ecessária a elab o ração d e o ut ro s m at eriais p ara a
investigação, o que certam ente dem andaria um trabalho m ais long o, ext rap oland o o p eríod o exig id o p ara a
conclusão do estudo.
Instrumentos
Os instrum entos utilizados no trab alho foram :
1) Análise do livro de registros do abrigo, para a seleção da am o st ra est u d ad a; 2) Fich as d e id entificação sócio--econôm ica dos genitores e adolescentes; 3) Entrevistas sem i-estruturadas gravadas em áudio com os
adoles-centes, contendo dados sobre a situação da fam ília no m om ento da institucionalização (ressalta-se que, por serem bastante jovens no m om ento do abrigam ento, tais dados se referem tanto às suas próprias lem branças
q uan t o a in form ações t ran sm it id as a eles sob re as experiências durante e após o abrigam ento); 4) Entre-vist as sem i-est rut uradas gravadas em áudio com os genitores, contendo dados sobre a situação da fam ília
no m om ent o d a inst it ucionalização, d o p eríod o d e abrigam ento e do período pós abrigam ento; 5) Pastas
arquivadas dos adolescentes, para a confirm ação dos
d ad os oriund os d as ent revist as (int ercorrências no período de abrigam ento); 6) Entrevista com diretora da
instituição; 7) Diários de cam po.
Procedimentos
Inicialm ente, a pesquisadora, que é funcionária
da instituição há m ais de um a década, estabeleceu um
contato pessoal com a diretora do abrigo, o qual foi d evid am ent e form alizad o, d e acord o com t od os os
p roced im ent os cont id os na Resolução n. 196/ 96 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata da pesquisa com hum anos, ob jetivando a p erm issão p ara a
utili-zação do livro de registros contendo os nom es de todas
as crianças/ adolescentes ab rigados; as datas de
nasci-m ento, de entrada e saída do abrigo; as pessoas
respon-sáveis pelo desligam ento, com o grau de parentesco
an ot ad o; e os en cam in h am en t os p ara out ras in st
i-tuições. Nessa etapa, a pesquisadora selecionou sete fam ílias.
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A segunda etapa foi definida pela localização
d as m orad ias d as fam ílias, q ue foi realizad a, p
rinci-palm ente, pelos endereços obtidos junto ao Program a Bolsa-Escola e p elos funcionários da inst it uição, que
continuam a receber notícias sobre os adolescentes de
m odo indireto, ou seja, por m eio de vizinhos, parentes, outras fam ílias de abrigados, entre outros. Foi possível
contatar cinco fam ílias (1, 2, 3, 4 e 5), as quais constituíram
a am ostra estudada.
A terceira etap a foi relativa à ap roxim ação da pesquisadora com as fam ílias, que foi bastante facilitada
pelo fat o d e ser co n h ecid a p o r seu s m em b ro s.
Ain-da assim , h o u ve resist ên cia p o r p art e d os p art ici-pantes - pais e/ ou m ães dos adolescentes, e os próprios
adolescentes - observada nos atrasos, no fato de m arcar
e não com parecer às entrevistas, entre outras ocorrên-cias, que, m ostraram que um a pesquisa nesses m oldes
não é um a tarefa fácil, exigindo constantes reform
u-lações. Esclarece-se q ue t od as as ent revist as foram realizadas nos finais de sem ana, sendo que, n orm
al-m ente, ual-m a era feita no sábado e a outra no doal-m ingo.
- A fa m ília 1 fo i p ro cu rad a in icialm en t e p o r
telefone, e o contato foi m arcado para um dom ingo, às 15 horas, em sua casa, com o ob jet ivo d e fornecer
esclarecim entos sobre o trabalho (rapport). A prim eira
entrevista foi feita com João (ex-abrigado), no sábado seguinte, e t eve a duração de ap roxim adam ent e 40
m inut os. A ent revist a com a m ãe foi feit a na out ra
sem ana, e a duração foi de cerca de 50 m inutos. A últim a entrevista foi realizada com Antônio (ex-abrigado), com
duração de 55 m inutos, perfazendo um total de 2h25m in
de gravação com a fam ília.
- A fam ília 2 foi procurada pela pesquisadora no
local de residência dos participantes, a fim de
estabe-lecerem os dias e horários para a realização das
entre-vistas. A prim eira entrevista foi com Pedro (ex-abrigado), e a duração foi de ap roxim adam ent e 35 m inut os. A
segunda entrevista foi feita com Francisco (ex-abrigado), e a duração foi de ap roxim adam ent e 35 m inut os. A terceira entrevista foi realizada com a m ãe, e durou cerca de 50 m inutos. A últim a entrevista foi realizada com
Adriana (ex-ab rigada), e durou ap roxim adam ente 40 m inutos, perfazendo um total de 2h40m in de gravação com a fam ília.
- A f a m ília 3, ap esar d e alg u m as t en t at ivas
fracassadas de contato, foi encontrada em um dom ingo
à noite, quando foram agendadas as entrevistas para o
estudo. A prim eira entrevista foi realizada com Marta
(ex-abrigada), e durou cerca de 40 m inutos. A segunda entrevista foi feita com Mário (ex-abrigado), e durou
aproxim adam ente 40 m inutos. A terceira entrevista foi
realizada com Jennifer (ex-abrigada), em seu local de trab alho, e durou cerca de 50 m inutos. A quarta e últim a
entrevista foi realizada com José (genitor), com duração
de cerca de 50 m inutos, perfazendo um total de 3h de gravação com a fam ília. Todas as entrevistas, com
exce-ção da terceira, foram realizadas na m oradia da fam ília.
- A fam ília 4 foi procurada pela pesquisadora no
local de residência dos p art icip ant es, a fim de est a-b elecerem os d ias e horários p ara a realização d as
entrevistas. A prim eira entrevista foi realizada com Walter
(pai), e teve duração de aproxim adam ente 45 m inutos. O seg u n d o en co n t ro fo i realizad o co m Alessandra
(ex-abrigada), e durou aproxim adam ente 40 m inutos. O terceiro encontro foi com Maria (ex-abrigada), com duração de aproxim adam ente 45 m inutos, perfazendo um total de 2h10m in de gravação com a fam ília.
- A fam ília 5 foi procurada pela pesquisadora no
local de trabalho de Joana (m ãe), que a recebeu com com portam entos que denotavam hostilidade, com o:
dirigir-se à pesquisadora de m aneira abrupta: O que você
quer?; m anutenção de pouco contato visual; e atitudes
evasivas, m inim izando qualquer proxim idade física com
a m esm a. Após várias tentativas fracassadas de contato com a m ãe, a entrevista foi realizada na m oradia desta,
e durou cerca de 50 m inutos. A entrevista com Alberto (ex-abrigado) teve a duração de cerca de 30 m inutos e, ao contrário dos dem ais adolescentes participantes, foi difícil de ser realizada, devido à baixa m otivação deste
para participar, o que pôde ser observado por sua recusa verbal inicial em auxiliar no trabalho. As duas entrevistas perfizeram um total de 1h20m in de gravação. Esclarece--se que Alberto só concordou em participar devido ao
pedido de sua m adrinha, em cuja casa a entrevista foi realizada.
Fin alm en t e, fo i realizad a a en t revist a co m a diretora do ab rigo, que acom p anhou a inserção das crianças na instituição e o seu período de abrigam ento, visando conhecer e com plem entar dados referentes a
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Resultados
As entrevistas foram transcritas e os dados ob
ti-dos foram categorizati-dos e organizati-dos de m aneira a
perm itir a com preensão do processo de inserção de
um filho em um a instituição ab rigo e de sua retirada
para o retorno ao lar, pelo prism a da fam ília. As categorias
e su b cat eg o rias fo ram elab o rad as co n sid eran d o a
exp eriência da p esquisadora na área e ident ificadas
com o: I. Sobre o processo de inst it ucionalização: m ot ivo
da institucionalização e reações e sentim entos
susci-tados p or ela; II. Período de abrigam en t o: ad ap t ação;
exp eriên cias sig n ificat ivas d o p erío d o (facilitadoras
e/ ou dificultadoras); visitas; m udanças ocorridas na fam
í-lia durante o abrigam ento; III. Período de desligam ent o:
fatores desencadeantes do processo de
desinstituciona-lização; exp ectativas; dificuldades p ós-desligam ento;
esforços em preendidos; representação da instituição,
ou seja, o m odo com o os participantes se referiam ao
ab rigo; situação atual da fam ília.
Com o ob jetivo de clarificar o p rocesso acim a
aludido, traçou-se um breve perfil referente a cada um a
das fam ílias que o vivenciaram .
- Fam ília 1: Margarida (m ãe) nasceu em 19/ 03/ 47,
é solteira, analfabeta, reside com os dois filhos, João e
Antônio, em um a m oradia p róp ria, em um b airro de
nível socioeconôm ico baixo. Teve cinco filhos; abrigou dois na instituição pesquisada e três em outra instituição.
A renda m ensal da fam ília é de R$350,00, advinda do
trabalho de Antônio, que parou de estudar no prim eiro ano do Ensino Médio; João está finalizando o curso de
Odontologia. O m otivo do abrigam ento deveu-se ao
fato de ter sido abandonada pelo m arido e se sentir im p ossib ilit ad a d e cuid ar d as crian ças, p or t er q ue
trabalhar. Os sentim entos no m om ento do abrigam ento
foram am b íg uos, p ois, ao m esm o t em p o em que o
abrigo representava um local seguro para os filhos, havia
a tristeza pela institucionalização das crianças, conform e
sua fala: “Eu senti m uita falta, m as eu quero ver m eus filhos
a ssim b em est u d a d o... Nã o t en h o von t a d e d e ver eles
jogados pelas ruas, m exen do com p ro b lem a d e d ro g a
(Margarida)”.
Antônio e João referem -se às regras e norm as
inst it ucionais com o d ificult ad oras d o ab rig am ent o,
assim com o as agressões físicas sofridas no ab rigo: “A
dificuldade m aior lá den t ro era t er que aceit ar t udo, t udo
que era im posto pra gente, por que eles já tinham as regras,
ent re aspas, est abelecidas lá dent ro e a gent e t inha que
a d a p t a r (João)”. “A gente apanhava... Apanhava m ais que
a geração que est á lá h oje (Antônio)”.
A m ãe visitava quinzenalm ente os filhos.
Con-tudo, para Antônio, que foi abrigado com apenas um
ano de idade, a m ãe era ap enas um a m ulher que o visit ava e, som ent e p or volt a de dez anos ele com
-preendeu que aquela pessoa era a sua m ãe. Durante o
ab rig am ent o d os filhos, a m ãe t rab alhou na roça e adquiriu um a casa. A m ob ilização p ara o desab
riga-m ento eriga-m ergiu do ab rigo; Antônio saiu devido a uriga-m a
b riga com agressões físicas e de difícil contenção com outro adolescente abrigado; João queria perm anecer
no abrigo até o térm ino da Faculdade, m as a direção
avaliou que, garantida a continuidade do estudo, não se just ificava a p rolong ação d e seu ab rig am ent o. O
aspect o m at erial f o i u m d if icu lt ad o r d o p ro cesso
pós-abrigam ento. Pelos relatos, a instituição represen-t ou um a p ossib ilid ad e d e esrepresen-t ud o e op orrepresen-t un id ad es,
conform e se depreende da fala dos jovens e da m ãe:
“Pelo fat o de eu t er sido ajudado, prat icam en t e ajudado,
essa tam bém é um a das m inhas m issões, poder ter um curso,
m e ofereço a ajudar alguém ... Graças a Deus eu tô até hoje
e t ô bem , t ô adoran do a Odon t ologia, t ô t ran qüilo at é
a g o ra ” (João). “Lá era grande dem ais, espaçoso, tinha lugar
para brincar, estudar, essas coisas assim ” (Antônio). “Onde
ficou eles? É bom né, de ter guardo eles, a satisfação que a
gente tinha conversado, satisfação de ter dado educação
para eles, aquela grande paciência com eles sabe, de chegar
e conversar... (Margarid a)”.
- Fam ília 2: Carm en (m ãe), nascida em 26/ 05/ 72,
concluiu a prim eira série do Ensino Fundam ental e teve
quatro filhos, tendo abrigado três na instituição
pesqui-sada e dado um para adoção; atualm ente, trabalha com o em p reg ad a d o m ést ica. O m o t ivo d o ab rig am en t o
d eveu-se aos m aus-t rat os sofrid os p elos filhos, que
residiam na casa da avó. Na ép oca do ab rigam ento, Carm en m orava com outro com panheiro, que se
recu-sava a viver junto com seus filhos, e o genitor era ausente,
alcoolista, doente e não auxiliava financeiram ente. Além disso, a genitora desejava que os filhos tivessem estudo
e boa alim entação. Um sentim ento com um tanto à m ãe,
quanto aos seus filhos, foi o m edo da adoção: “Tive, tive
m edo de eles serem adotados, de ir pra adoção...” (Carm en).
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som ente duas vezes durante todo o abrigam ento. Os
fatores desencadeantes da desinstitucionalização foram
o desejo, as pressões do advogado, os contatos com a instituição judiciária e o esforço da m ãe, que trabalhou
e adequou-se às exigências m ateriais. Ela explica: “Fu i
no advogado... Falou pra m im assim , você tá entre a cruz e
a espada, você vai ter que escolher, ou o seu m arido, ou os
seus filh os, en t en deu? A von t ade de t er eles com igo... A
vont ade de ver eles livres... Dinheiro, junt ei dinheiro p ra
com prar os m óveis, as cam as deles, lençóis, essas coisas, né?
Fu i t ra b a lh a n d o b a st a n t e p ra d a r co n t a ... M a rca n d o
audiência com o juiz, com a psicóloga... Passando por um
tipo de teste...” (Carm en).
O p eríodo p ós-ab rigam ent o foi m arcado p or dificuldades de relacionam ento dos filhos com o com
-panheiro e problem as financeiros. Para a m ãe e os filhos,
a instituição representou a possibilidade de estudo e
várias aprendizagens: “A Adriana sabe costurar, sabe fazer
um a com ida, sabe arrum ar um a casa, entendeu?
Apren-deu a m exer em consultório...” (Carm en). “Lá onde você ia,
tinha um a pessoa pra te ajudar, aqui você não tem , m eu
irm ão tem que estudar, eu tenho que est udar, aí n ão dá
cert o p a ra n d o e en sin a n d o , lá a “N.” m e en sin a va ”
(Francisco).
Entretanto, a m ãe se ressente por não ter acom
-panhado os filhos por um período longo de suas vidas.
Os adolescent es consideram o ab rigo fechado, sem
p ossib ilid ad e d e p art icip ação na com unid ad e (não
poder ir às festas, a existência de horários rígidos etc.).
Atualm ente, Carm en m ora com os filhos Pedro e Adriana
e com o com p anheiro; Francisco m ora e trab alha com
o pai, não estuda e avalia que sua vida parou pelo fato d e d eslig ar-se d a in st it u ição , p ed in d o in clu sive à p esquisadora p ara retornar ao ab rigo. A fam ília p arece
estar se reestruturando adequadam ente, com exceção
de Francisco, que não se adaptou à estrutura fam iliar,
perguntando inclusive se o abrigo o aceitaria de volta:
“Se eu pudesse voltar para lá, para o abrigo, será que eles
aceit ariam ?”. Tal situação pode ser vislum brada a partir
de algum as considerações, com o relação insatisfatória
co m o p ad rast o e m an t er am izad es co m p esso as
drogadas. Além disso, Francisco, em suas falas, dem
ons-trou sentir a ausência da disciplina existente no abrigo,
principalm ente, no que se refere aos estudos.
- Fam ília 3: José (pai) n asceu em 3/ 5/ 62, é solteiro,
t em o Ensino Fund am ent al com p let o. Trab alha em
fazenda, ganhando R$460,00 por m ês. A fam ília reside
em m oradia própria; entretanto, som ente Jennifer m ora
com o pai. Na época do abrigam ento, os filhos residiam com a m ãe (já falecida). Os m otivos da
instituciona-lização não são claros, já que as crianças chegaram ao
ab rigo p or m eio do Conselho Tutelar; um dos filhos inform a que foram abrigados em virtude de José ter
abandonado a m ãe e esta não ter condições financeiras
para sustentá-los. O pai soube casualm ente do abriga-m ent o d os filhos e, eabriga-m b ora t enha ficad o chocad o,
sentiu-se tranqüilo, p ois os filhos estavam b em
cuida-dos, tinham boa educação e ele poderia trabalhar sem
preocupações. Conform e suas palavras: “Eu n ã o t in h a
condições de ficar com eles... Eles ficando lá, eu poderia
t rabalh ar m ais t ran qü ilo, sabia qu e n ão t in h a aqu ela
p reo cu p a çã o d e m a n d a r eles p ra esco la , p o rq u e eles
estavam sozinhos, né? Então eles tava lá, nessa parte aí, ter
um a boa educação, eles tavam tendo, coisa que eu não
poderia dar, n é? Um a boa educação escolar n a época”
(José).
Contudo, as filhas relatam que as saudades e a
d or d ecorrent e d a ausência d e convivência fam iliar acom panharam -nas em todo o período de abrigam ento.
O p ai visitava os filhos com freqüência, e a m ãe nunca
os visitou. O desab rigam ento ocorreu devido à insis-tência do judiciário para que José retirasse os filhos do
abrigo. O genitor adequou-se às exigências m ateriais
do judiciário e p art icip ou das reuniões com os p
ro-fissionais do abrigo de m aneira freqüente. Explica: “Fo i
através de acom panham ento de psicóloga, a gente passou
a fazer entrevista, aí o conselho entrou na m inha vida, aí
foi, explican do algum as coisas, m e dan do coragem ...”
(José).
O período pós-abrigam ento foi bastante difícil
p ara t o d o s. Os ad o lescen t es relat am q ue sen t iram saudades do abrigo, devido ao cuidado e à atenção que
tinham na instituição, confirm ados p elo relato: “A gente
acordava com alguém , a t ia “I.” arrum ava a n ossa roupa,
agora não t em isso m ais; t inha gent e para dar at enção
para a gente...” (Jennifer).
Além disso, os jovens tiveram atritos com o p ai.
Por outro lado, o pai se queixou da desobediência dos filhos, que culm inou com a desestruturação fam iliar,
haja vista a saída dos m esm os para m orarem em outros
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Esclarece: “Eu tinha um a outra expectativa, não esperava
que fosse dessa m aneira não. Eu esperava que eles fossem
m e obedecer sem pre, né?... E ia desconcordar nada com igo,
aí então foi a decepção m ais tarde... Com certeza não tinha
trazido eles de volta não” (José).
- Fam ília 4: Walter (pai) nasceu em 12/ 03/ 56, tem
a segunda série do Ensino Fundam ental, teve cinco filhos, sendo que três foram abrigadas na instituição
estudada e dois perm aneceram com a m ãe; é separado
e trabalha com o zelador, ganhando R$330,00 por m ês. De suas três filhas que foram institucionalizadas, a m ais
nova delas, Cristina, foi adotada. Atualm ente, Maria e
Alessan d ra resid em com o p ai. Na ép oca d o ab ri-gam ent o, os p ais est avam sep arados e a m ãe havia
ab and onad o as filhas, que ficavam na rua, p ed ind o
esm olas. As crianças foram encam inhadas à instituição pelo Conselho Tutelar e, segundo inform ações do abrigo,
chegaram descuidadas e m altratadas. No que se refere
às experiências significativas dentro do abrigo, Walter aponta as agressões físicas sofridas pelas filhas. Ele relata:
“Inclusive a Alessandra tem na perna assim , a m ordida de
um cach orro. Foi D.A. que deixou o cach orro m order a
Alessandra... . Com o é que pode, na creche, no abrigo, um
cach orro bravo daqueles lá?” (Walter).
Walter tam b ém ap onta os m aus-tratos m orais
que sofreu oriundos de profissionais do judiciário. Maria relata que as saudades do pai e a adaptação às regras
institucionais foram um dificultador no período de
abri-gam ento. Walter visitava sem pre as filhas, e conta que o fator desencadeador do desabrigam ento foi que parou
d e b eb er, in sist in d o co m o j u iz n a ret irad a d as
adolescentes do abrigo. Ele conta: “Fui at é m eio carudo,
cheguei no juizado. O senhor que é o doutor “L.”? Eu queria
falar com o senhor um m om entinho... . É sobre o quê? As
m eninas estão lá no abrigo... Ele falou: se o senhor quiser
que libere as m eninas é só falar, que eu m ando um a carta
para o abrigo. Eu pedi pra ele m e dar dois m eses de prazo...
Quando foi em agosto, tirei elas de lá... . No final a pessoa
tem que abandonar, enquanto eu bebesse ele não ia liberar.
Se eu parasse, ele liberaria...” (Walter).
O p erío d o p ó s-d eslig am en t o fo i e co n t in u a
send o d ifícil p ara o p ai e as filhas, d evid o t ant o às dificuldades de relacionam ento entre eles, quanto aos
problem as econôm icos. Todos acreditam que o abrigo
p rop orcionou ap rendizagem e op ortunidades. Maria
aconselha aos adolescentes abrigados: “Que aproveite,
que estude, que saiam de lá form ados e que tenham a sua
casa. Tudo isso. Aproveitar enquanto estão lá (sic)”.
- Fam ília 5: Joana (m ãe) nasceu em 18/ 09/ 74,
con cluiu a t erceira série d o En sin o Fun d am en t al, é solteira, m ora com o filho e trab alha com o faxineira,
obtendo um a renda m ensal de R$320,00. Seu filho Alberto
nasceu em 05/ 08/ 91, cursa a quinta série e não gosta de estudar. Os m otivos do ab rigam ento foram a
inexis-tência de um lugar adequado para m orar, falta de apoio
fam iliar, dificuldade de encontrar trabalho com um filho pequeno, e por ser m uito nova (15 anos). A m ãe relata
que, inicialm ente, apresentou indiferença em relação
ao abrigam ento de seu filho, e que desejava tê-lo deixado
m ais tem p o na instituição, visando p rotegê-lo das
drogas e estruturar m elhor a sua vida financeira. Ela relem
-bra: “Eu era t ão crian ça que eu n ão ligava pra n ada n ão,
p ra m im est a va t u d o b em . Sa b e, a g en t e n ã o p en sa ...
Pen sa va em a rru m a r m i n h a ca sa p ró p ri a p ri m ei ro ,
esperava e pensava nele crescer lá, m as não deu certo, tive
que tirar ele de lá... As coisas que eu tenho m edo aqui fora
agora, lá dent ro eu t enho cert eza que não t eria. Por que
pode se envolver com drogas, com pessoas que pode passar
coisas ruins pra ele, disso que eu tenho m edo” (Joana).
O período de abrigam ento possibilitou à m ãe
trab alhar. Quanto ao adolescente, p erceb e-se que o
ab rigam ent o lhe t rouxe algum as exp eriências
agra-dáveis, referindo-se som ente aos colegas, às visitas e às
brincadeiras com o algo gratificante e ressaltando o fato
de sentir-se preso, de apanhar e de dorm ir m uito cedo,
com o exp eriências ruins. A m ãe sem p re visitou o filho,
qu e ap ro veit ava p ara p ed ir-lh e a saíd a d o ab rig o. O
pós-desligam ento tem sido um a experiência difícil para
m ãe e filho, em virtude do não entrosam ento entre eles.
O adolescente passa o m aior tem po na casa de um a
vizinha e na rua, não fazendo referência à m ãe ou à
própria casa. A m ãe considera que deveria ter tido um a
preparação psicológica e não som ente ajuda financeira.
É interessante observar que tal suporte psicológico foi
oferecido por estagiários do curso de Psicologia, sendo
recusado por ela. Por m eio dos relatos da m ãe e de seu
filho, com preende-se que a institucionalização parece
ter sido algo doloroso e que o abrigam ento, por um
período de nove anos, foi prolongado dem ais, gerando
um grande distanciam ento entre m ãe e filho, e um a
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“Eu não teria deixado ele lá nove anos. Porque com a cabeça
que eu tenho hoje, e com o apoio que eu tenho, eu não teria
deixado ele lá dia nenhum , nem um ano” (Joana).
Discussão
Com preender o processo de institucionalização/
desinstitucionalização sob a ótica das fam ílias, da
insti-tuição abrigo e dos próprios abrigados, foi o objetivo perseguido por este estudo que, apesar de suas m
o-destas proporções, parece lançar algum a luz no
intrin-cad o q ueb ra-cab eça q ue const it ui t ão cont roversa realidade.
Com o ocorre o p rocesso de institucionalização
da criança? Prelim inarm ente, cham a a atenção que tal
p rocesso caracteriza-se com o um a som atória de um
grande núm ero de variáveis, que p odem ser ident
i-ficadas desde o pertencim ento das fam ílias aos estratos
m ais inferiores da sociedade, até fatores de adoecim ento
psíquico (alcoolism o e drogas, por exem plo, observados
nas fam ílias 3 e 4) que, em algum m om ento da trajetória
das fam ílias, se inter-relacionam e desestruturam a frágil
organização fam iliar, culm inando com um a m edida
extrem a, representada pelo afastam ento do m em bro
m ais suscetível, ou seja, a criança pequena.
Nas cinco fam ílias estudadas, observa-se que o
baixo nível socioeconôm ico foi predom inante na
defla-gração do processo de institucionalização, gerado pela
falta de m oradia, trabalho, entre outros fatores. Outros
estudos corrob oram o resultado acim a m encionado,
com o os de Weber e Kossobdudzki (1996), Alves (2000) e
os dados da pesquisa coordenada por Silva (2004).
Todavia, o aspecto socioeconôm ico não aparece
isolado em nenhum a fam ília, m as reforçado com outros
indicadores: m austratos, m aternidade precoce, com
-prom etim ento psíquico, história de vida dos genitores
e núm ero elevado de filhos, conform e pode ser com
-provado pelo perfil apresentado das fam ílias. Segundo
Saw aia (2002), a po p u lação , q u an d o su b m et id a a
situações adversas por longo período, desenvolve um
sentim ento contínuo de desam paro e desesperança.
Out ro fat or p red om inant e nas cinco fam ílias
estudadas diz respeito à ausência da figura paterna. De
fato, dos cinco genitores do sexo m asculino, quat ro
estavam ausentes e não participaram do processo de
abrigam ento dos filhos, por terem abandonado a fam ília
e, d ent re as p ossíveis im p licações d esse ab and ono, ressaltam -se a falta de respaldo financeiro e a ausência
de ap oio p sicológico, necessários p ara a criação dos
filhos.
Em relação à questão dos m aus-tratos ou violên-cia, Azevedo e Guerra (2000) apontam que existem dois
processos fundam entais que resultam no aparecim
en-to das crianças-vítim as. São eles: o processo de vitim
a-ção, gerador de “crianças de alto risco”, isto é, vítim as da
violência estrutural característica da sociedade brasileira,
p erversam ente desigual na distrib uição de riquezas, perm itindo a contínua violação dos seus direitos, com o
o d ireit o à vid a, saú d e, alim en t ação , ed u cação . O
seg u n d o p ro cesso , d en o m in ad o d e vit im iza çã o,
desencadeia o aparecim ento das “crianças em estado
de sítio” e im plica, necessariam ente, em abuso físico ou
p sicológico à criança.
A m aternidade precoce foi identificada em duas fam ílias com o um indicador p ara a inst it ucionalização
da criança, e não se apresenta com o um fato isolado,
p ois, de acordo com Oliveira e Flores (1998), a negli-g ência ap arece com m aior freqüência em m ães d e
pouca idade, aum entando significativam ente quando
necessitam criar os filhos sozinhas. Vale apontar que, no estudo em questão, tal fator não foi identificado.
Em relação às reações e sentim entos dos
geni-t ores, no m om engeni-t o d o ab rig am en geni-t o d os filh os, foi
possível constatar, por m eio de seus relatos, a vivência
de um a experiência extrem am ente sofrida e difícil. Não
obstante um a das m ães participantes ter relatado
indi-ferença, todos os dem ais sentiram m edo de que os filhos
fossem adotados, além de tristeza e revolta por terem
que se afastar deles.
Segundo Weber e Kossobdudzki (1996) é prática
com um , ap ós um longo p rocesso de ab rigam ento, o
afastam ento dos p ais em relação aos filhos. Todavia,
neste estudo, os cinco genitores, representados por três
m ães e dois pais, em preenderam esforços para que tal afastam ento não se concretizasse, e a instituição foi
co n ceb id a co m o a ú n ica o p ção p ara g aran t ir u m atendim ento de m elhor qualidade para os filhos.
Por m eio do relato das m ães e pais participantes
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presença de três aspectos considerados facilitadores no
período relativo ao abrigam ento dos filhos. São eles: a)
possibilidade de reestruturação econôm ica da fam ília; b ) p ossib ilidade de auxílio dos p rofissionais vinculados
às instituições abrigo, Judiciário e Conselho Tutelar, o
que, infelizm ente, parece depender da sensibilidade dos p rofissionais envolvidos, p ois não se trata de um a
con-duta institucionalizada de efetivo apoio às fam ílias; e c)
p ossib ilidade de acesso à educação form al ou inform al p ara os filhos, p rop iciada p ela instituição.
O que pensam hoje os que efetivam ente
passa-ram p elo p rocesso de inst it ucionalização/ desinst it
u-cionalização, sobre esse período de suas vidas? De acordo com os dados coletados, os atuais adolescentes e jovens
consid eraram q ue a ad ap t ação foi um a exp eriência
p articularm ente difícil, devido p rincip alm ente à exis-t ên cia d e ag ressõ es físicas, à rig id ez d as reg ras
in st it u cio n ais, à au sên cia e sau d ad e d a fam ília e,
especialm ente, ao m om ento de dorm ir, em que é fre-qüente o sentim ento de m edo. Guirado (1986) e Altoé
(1993) m encionam que a agressão física é um a prática
p rim it iva d iscip lin ad o ra e freq ü en t e n o co n t ext o inst it ucional.
As regras, as norm as e m udanças institucionais,
além da ausência de liberdade e da fam ília, deflagram a
im p ossib ilid ad e d e se p reservar no ab rig o um “eu” desejoso e pensante. Assim , o singular dá lugar ao
colet ivo, p or in colet erm éd io d e um a colet ran sform ação d esen
-cadeada por hierarquias e autoridades. O despojam ento da identidade insere-se na caracterização de “instituição
total”, elucidada p or Goffm an (1987), ao com entar a
“m ort ificação do eu” - p ois os indivíduos, ao serem abrigados, passam por um processo de “m utilação” de
sua identidade, que se inicia com a b arreira colocada
entre abrigados e m undo externo, seguindo-se com o processo de adm issão que im plica, entre outras m edidas,
em guardar os objetos pessoais, cortar os cabelos, vestir
roupas da instituição e receber instruções quanto às regras; e, finalm ente, com a im posição de um a rotina
de vida estranha à sua singularidade. Para Bow lby (1981),
a constituição de tal panoram a opõe-se à possibilidade
de um desenvolvim ento saudável na infância e
juven-tude. As m udanças típicas da adolescência parecem
dificultar o abrigam ento. Segundo Winnicott (1999), há
necessidade de se ter um “am biente facilitador”, com a
presença de adultos capazes de perm itir o confronto e,
assim , m anter os dados da realidade. Esses m esm os
fatores, p resentes na situação de institucionalização,
podem explicar o desejo de voltar/ perm anecer no abri-go, expresso por alguns dos adolescentes pesquisados.
A relação com as cuidadoras é ap ontada com o
um a experiência facilitadora por alguns adolescentes,
devido ao contato m antido com os abrigados. É fre-qüente tornarem -se figuras de referência, quer seja de
m odo adequado ou inadequado. Em relação às visitas,
depreende-se que se tratava de um m om ento prazeroso, no qual se t inha not ícias “lá d e fora” e era p ossível
expressar o desejo de sair do abrigo, m obilizando os
pais na busca de alternativas para retirada da instituição.
No q ue se refere às m ud anças ocorrid as na fam ília, no período de abrigam ento, constata-se que a
reestruturação financeira foi com um a todas elas, e o
“divisor de águas” que viab ilizou o desab rigam ent o. Entretanto, o desejo ter os filhos de volta ao lar parece
ter sido a m ola p rop ulsora de tal iniciativa.
Qual ou quais os sentim entos das fam ílias, ap ós
os anos d e ab rig am ent o d os filhos? Quant o a essa
questão é interessante observar o relato de Carm en, da
fam ília 2, dem onstrando arrependim ento pela
interna-ção dos filhos: “Perdi as m elhores partes do crescim ento
dos m eus filhos, aproveitei m uito pouco... . Hoje eu não faria
isso de novo, hoje eu ia pra debaixo da ponte com eles, m as
não faria isso. Não dou eles pra sicrano nem para fulano”
(Carm en).
Os ad o lescen t es p art icip an t es d est e est u d o
apresentam indicadores de risco, conform e os
apon-t ad os p or Anapon-t oni e Koller (2000), levan d o ao q
ues-t ionam enues-t o: p or q ue alg uns, d ianues-t e d e um m esm o contexto, ap resentam vulnerab ilidade e outros não? Um a das respostas pode ser a constatação de que a existência do indicador de risco não im p lica
necessa-riam ente vulnerabilidade, pois há aspectos inerentes à
resiliência ind ivid ual q ue p rot eg em o ind ivíd uo d e
desencadear um distúrbio perante um fator de risco,
conform e dem onstrou João, que conseguiu concluir o
curso d e Od ont olog ia. Por resiliência, ent end e-se a
b usca “... de com preender os processos e condições que
p ossib ilit am a “sup eração” d e sit uações d e crises e
adversidades” (Yunes, 2003, p. 83).
É int eressant e ap ont ar as iniciat ivas int
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et al. (2005), que enfatizam o papel do treinam ento, da
pesquisa e da prática de intervenções psicológicas na
organização de p olíticas p úb licas visando a p rom oção da saúde m ental em crianças e fam ílias em situação de
risco, por m eio do oferecim ento de serviços
cultural-m ente cocultural-m petentes para as cultural-m escultural-m as.
A partir do estudo ora apresentado e das tendên-cias observadas na literatura pertinente, algum as
suges-tões podem ser oferecidas, de m odo a favorecer um
ab rigam ento com m ais qualidade. Ei-las:
1) A recepção da criança/ adolescente no abrigo deve ser acolhedora e educada, incluindo a apresentação
do esp aço físico, das norm as, das rotinas institucionais
e das pessoas. Paulatinam ente, no decorrer dos dias, é im portante esclarecer-lhe os m otivos do abrigam ento
e, a p riori, enfatizar que o abrigo é um a condição
pro-visória, sem atribuir à fam ília qualquer conotação nega-tiva, respeitando o tem po da criança para falar sobre o
assunto.
2) A hora d e d orm ir, p rincip alm ent e p ara as
crian ças p eq uen as ab rig ad as, ap resen t a-se d ifícil e dolorosa, por desencadear saudades da fam ília, m edo e
solidão. Assim , é desejável a presença de um adulto em
condições de com preender esse m om ento e de assum ir um a referência segura e firm e, por m eio de conversas
sob re as at ivid ad es d o d ia, orações, hist órias, ent re
outros.
3) O m om ent o d as visit as d a fam ília ap
resenta--se com o um dos m elhores m om entos do período de
abrigam ento das crianças/ adolescentes. Sugere-se que essas ocorram com um a freqüência sem anal, no m ínim o,
e que sejam acom panhadas por profissionais, atentos à
interação fam ília/ criança, com posteriores intervenções com os genitores, sem pre que necessário.
4) A relação abrigo/ fam ília apresenta-se com o
um dos m aiores desafios da instituição, e a possibilidade
d e o ab rig o cont rib uir com o d esenvolvim ent o d a criança/ adolescente im p lica, necessariam ente, no
re-conhecim ento de que não pode substituir a fam ília e,
por tal razão, deve investir no trabalho com ela, visando
ao desabrigam ento rápido, sem pre que possível.
5) O ab rig o p od e e d eve favorecer o d
esen-volvim ent o d a infância e juvent ud e à m ed id a q ue
propicia, além da educação form al, espaços visando à preservação dos vínculos de irm andade e atendim entos
individualizados não p sicot erap êut icos, ob jet ivando
oferecer à criança/ adolescente um a escuta
individuali-zada, que favoreça a possibilidade de preservar o “eu” d ent ro d e um a est rut ura colet iva com t end ência a
oprim i-lo (Goffm an, 1987). Os atendim entos
psicotera-pêuticos podem apresentar-se de grande valia para a infância/ juvent ud e ab rig ad a, ent ret ant o, d evem ser
realizados na com unidade, com p rofissionais não
liga-dos ao abrigo.
6) A cap acit ação cont ínua d os funcionários é im p rescindível p ara viab ilizar qualquer p rojeto
institu-cional. Assim , alternativas com o a técnica de Grup os
Operativos de Pichon-Riviére (2000), e/ ou a utilização de estratégias de m ediação em contextos de abrigo,
conform e sugere Vectore (2005), podem ser adequadas
para esse perfil de atendim ento.
Considerações Finais
Na sua totalidade, as fam ílias estudadas tinham as m elhores expectativas quanto ao desabrigam ento
dos filhos, em bora os m otivos fossem diferentes. Vale
m encionar que, m esm o na fam ília 5, na qual se observa
certa pressão do judiciário e um desejo, por parte do
m enino, de sair da instituição, havia a esp erança de
poder ter um a convivência harm ônica entre m ãe e filho,
conform e as palavras da m ãe: “Esperava um a convivência
diferente, m ãe e filho am igos, com panheiros; não esperava
essa coisa doida não” (Joana).
To d avia, o p erío d o ap ó s o d esab rig am en t o apresentou-se repleto de dificuldades, principalm ente
devido às questões de ordem m aterial (falta de conforto
das m oradias, despesas com alim entação, entre outras).
Sofrer a experiência de abrigam ento constituiu--se com o p aradoxal p ara a grande m aioria dos
adoles-centes entrevistados. Por m eio de seus relatos, é possível
com preender que o abrigo, seja em função de outros
colegas abrigados, dos funcionários, da oportunidade
d e est u d o , o u d o lon g o p eríod o d e ab rig am en t o, favorece o est ab elecim ent o d e um vínculo afet ivo,
representando a fam ília, o que pode explicar a dificuldade
de alguns para se desligarem da instituição. Entretanto,
os adolescentes tam bém apontam aspectos negativos
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que os envolvem ; em conseqüência, a com unidade
apresenta-se distante, o “lado de fora”, e a fam ília p arece
rep resentar o elo de conexão desses dois contextos sociais.
Finalm ent e, conseg uir ret irar o filho d e um a
sit uação d e inst it ucionalização e t razê-lo d e volt a à
fam ília é, na verd ad e, um ind icad or d e um a efet iva reestruturação fam iliar? Em bora o presente trabalho não
tenha o objetivo de responder a essa questão, os dados
obtidos perm item constatar que a questão do abriga-m ento das crianças/ adolescentes é abriga-m ultifatorial,
confor-m e já confor-m encionado. Desse confor-m odo, a reestruturação faconfor-m
i-liar é ap enas um elo d essa g rand e corrent e, send o necessárias out ras m edidas que garant am a p erm
a-nência na fam ília.
Assim , h á n ecessid ad e d e p olít icas p úb licas
eficazes, quer seja em nível federal, estadual ou m uni-cipal, atreladas à intervenção de um a equipe m
ultipro-fissional, m axim izando e otim izando o atendim ento,
resgatando a auto-estim a das fam ílias e pautando-se na com preensão reflexiva das causas e no
reconheci-m ento dos recursos de natureza externa e interna de
que dispõe a fam ília, não se fixando apenas no aspecto financeiro, m as tam bém com preendendo o peso de
variáveis afetivas e sociais, na tão alm ejada reconstrução
fam iliar.
Desse m odo, o desab rigam ento de crianças e adolescentes não é o final de um processo de
deses-t ru deses-t u ração / reesdeses-t ru deses-t u ração fam iliar b io ló g ica, m as
ap en as u m a et ap a d o p ro cesso , q u e d em an d a aco m p an h am en t o p ó s-ab rig am en t o sist em át ico e
bastante criterioso.
Um a palavra final pode ser dada ao apontar que os participantes desse estudo, em sua m aioria, foram in st it u cio n alizad o s an t es d o s seis an o s d e id ad e.
Considerando-se a im portância do período de zero a seis anos de vida para um adequado desenvolvim ento hum ano, sugere-se que estudos m aciços devam ser continuam ente em preendidos, no sentido de oferecer
a prestação de um serviço de qualidade, tanto a essas crianças, quanto às suas fam ílias. Para tanto, há a ne-cessidade da com p reensão do fenôm eno em t oda a
sua extensão e sutilezas, bem com o de fom entar, em
últim a instância, um espaço de saúde m ental, capaz de contrib uir com a construção de um ser hum ano m ais
solidário e p articip ante no seu contexto social.
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Recebido em : 6/ 1/ 2006
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