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Alfabetização de jovens e adultos no MST na perspectiva das variedades lingûísticas

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Academic year: 2017

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Giovana de Sousa Rodrigues

A ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS DO MST, NA PERSPECTIVA DAS VARIEDADES LINGÜÍSTICAS

Belo Horizonte

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Giovana de Sousa Rodrigues

A ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MST,

NA PERSPECTIVA DAS VARIEDADES LINGÜÍSTICAS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Espaços Educativos, Produção e Apropriação de Conhecimentos. Orientadora: Professora Maria das Graças Rodrigues Paulino.

Belo Horizonte

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Dissertação defendida e aprovada, em 25 de abril de 2003, pela banca examinadora constituída pelos professores:

________________________________________________________

Maria das Graças Rodrigues Paulino – Orientadora

________________________________________________________

Marco Antônio de Oliveira

________________________________________________________

Leôncio José Gomes Soares

________________________________________________________

(4)

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,

por sua pedagogia e sua coragem na luta contra as desigualdades sociais,

no campo e na cidade.

À Ângela Andrade, alfabetizadora da construção civil,

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Ângela e Getúlio, à minha vó Cica (in memoriam), ao meu companheiro, Alex Magno, aos meus irmãos, Rejane e Túlio, à minha sobrinha, Carol. O amor de vocês está em tudo que eu faço.

À Graça Paulino, pela disponibilidade, pelo respeito às minhas reflexões e pelo diálogo imprescindível a esta dissertação.

À Bel e à Edna, pela amizade e pela cumplicidade desenvolvidas a partir do Mestrado.

À Rose e à Gláucia, da Secretaria da Pós-Graduação, pela boa-vontade de toda hora.

À Geísa, à Elaine, à Joana Rosa, à Dalila Andrade, ao Antônio Júlio e à Aparecida Paiva, pelas contribuições na fase de elaboração do projeto desta pesquisa.

À Nila, à Ivanete, à Matilde, à Elza, ao Rafael, ao Marcelo, à Nena, ao Josiel, ao Jorge, à Juliana, à Paulinha, ao Mauro, ao Alisson, à Aparecida, ao Olavo, à Elizane, à Sônia, ao Ely, ao Waldomiro, ao João Flor, à Bida, à dona Maria de Lourdes, ao “seu” Zé Porfírio, à dona Adelice, ao Flor da Noite, ao “ti” Tonho, à Cida e família, amigas e amigos do MST, pelas contribuições na pesquisa de campo e pela acolhida amável.

À Rosângela Costa, pela transcrição das fitas.

À Francisca Maciel, à Simone, à Daniela e ao Márcio, pelo auxílio na consulta ao acervo da ABEC.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 1

CAPÍTULO 1 VARIEDADES LINGÜÍSTICAS: REFERENCIAL TEÓRICO... 8

1.1 Termos e conceitos... 10

1.2 Fala e escrita... 15

1.3 Coesão social e sociedade nacional... 18

1.4 Linguagem, identidade e subjetividade... 20

1.5 Aspectos cognitivos... 24

1.6 Classes sociais e dominação... 27

CAPÍTULO 2 PROCEDIMENTOS DE ABORDAGEM E DE ANÁLISE... 38

2.1 Pesquisa documental... 38

2.2 Os sujeitos pesquisados... 40

2.3 Observação direta intensiva... 40

2.3.1 A observação propriamente dita... 41

2.3.2 As entrevistas... 43

2.4 Ordenação e análise dos dados... 43

CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS DADOS... 46 3.1 Termos e conceitos... 47

3.1.1 Cadernos de Educação... 47

3.1.2 Dados a partir de ICN... 51

(8)

3.1.4 Dados a partir de AAc... 53

3.2 Fala e escrita... 56

3.2.1 Cadernos de Educação... 56

3.2.2 Dados a partir de ICN... 59

3.2.3 Dados a partir de ICE... 60

3.2.4 Dados a partir de AAc... 60

3.3 Coesão social e sociedade nacional... 61

3.3.1 Cadernos de Educação... 61

3.3.2 Dados a partir de ICN... 62

3.3.3 Dados a partir de ICE... 63

3.3.4 Dados a partir de AAc... 64

3.4 Linguagem, identidade e subjetividade... 64

3.4.1 Cadernos de Educação... 64

3.4.2 Dados a partir de ICN... 69

3.4.3 Dados a partir de ICE... 72

3.4.4 Dados a partir de AAc... 73

3.5 Aspectos cognitivos... 81

3.5.1 Cadernos de Educação... 81

3.5.2 Dados a partir de ICN... 84

3.5.3 Dados a partir de ICE... 85

3.5.4 Dados a partir de AAc... 86

3.6 Classes sociais e dominação... 90

3.6.1 Cadernos de Educação... 90

3.6.2 Dados a partir de ICN... 92

3.6.3 Dados a partir de ICE... 92

(9)

3.7 Análise metalingüística dos dados... 95

3.7.1 Cadernos de Educação... 95

3.7.2 A fala de ICN... 96

3.7.3 A fala de ICE... 97

3.7.4 A fala de AAc... 98

A TÍTULO DE CONCLUSÃO: TRATAMENTO DIVERSIFICADO DAS VARIEDADES LINGÜÍSTICAS NO MST... 100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 107

ANEXO I - CADERNOS DE EDUCAÇÃO DO MST NºS 3 E 4... 114

ANEXO II - ENTREVISTA COM ICN... 169

ANEXO III - ENTREVISTA COM ICE... 176

ANEXO IV - ENTREVISTA COM AAc... 181

ANEXO V - NOTAS DE OBSERVAÇÃO... 187

(10)

RESUMO

(11)

ABSTRACT

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação é a face escrita da pesquisa sobre os posicionamentos acerca das variedades lingüísticas1 em materiais impressos e na prática docente da Alfabetização de Jovens e Adultos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST -, a partir de dados coletados em materiais destinados à formação dos alfabetizadores do MST, em entrevistas com uma integrante do Coletivo Nacional de Educação do MST, com uma integrante do Coletivo Estadual de Educação do MST e com a alfabetizadora do Acampamento 2 de Julho, vinculado ao Movimento e localizado no município de Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte, e, ainda, a partir de dados coletados na observação de campo e na gravação de aulas.

A tentativa de recompor as origens desta pesquisa remonta-me ao período em que, participando como integrante de base das atividades de formação política do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região - SEEB-BH e Região -, desenvolvi o interesse pela formação que os trabalhadores vinham elaborando para si. Ao mesmo tempo, graduando-me em Letras com interesse pela didática da produção de texto em língua portuguesa, pensei em unir esses dois campos e fazer disso um projeto de trabalho.

A minha participação em atividades conjuntas com outras categorias, sobretudo de trabalhadores de baixa renda, e também as minhas “descobertas” sobre a pedagogia de Paulo Freire, na Universidade e em encontros sobre a Educação Popular, trouxeram-me para o campo da Alfabetização de Jovens e Adultos. O MST e sua pedagogia passavam a se afirmar para mim como objeto de estudo à medida que os vim conhecendo mais de perto, por meio de suas muitas publicações e em congressos de Educação,

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manifestações populares e outros espaços. Seus princípios e suas práticas indicavam estar sendo desenvolvido ali um processo pedagógico com potencial transformador.

O MST se propõe a ser um movimento de massas, de caráter sindical, popular e político e a lutar pela terra, por reforma agrária e por mudanças na sociedade (MST, 1995). Em sua trajetória histórica de mais de vinte anos, o Movimento tem reunido não apenas trabalhadores estabelecidos em áreas rurais, como também trabalhadores - na maioria migrantes de origem rural - estabelecidos nas periferias de formações urbanas. O MST organiza-se, sobretudo, em torno da ocupação da terra e da mobilização de recursos para o seu cultivo, mas, entendendo que, para isso, outras dimensões devam ser trabalhadas, organiza-se também em torno da conquista de direitos civis, sociais e políticos. Deste modo, associa-se, nos níveis locais, nacional e internacional, a outras organizações e pessoas que se comprometem na luta por esses direitos.

O MST enumera seus objetivos gerais da seguinte forma:

1. Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital;

2. A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda a sociedade; 3. Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas;

4. Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais;

5. Difundir os valores humanistas e socialistas nas relações sociais;

6. Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher (MST, 1995, p.29).

Segundo Vendramini (2000), o MST é um fenômeno político inovador, na medida em que “busca enfrentar os problemas do campo atacando as causas estruturais” (p.50):

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E, nas palavras de Menezes Neto (2000):

Com avanços e recuos, entre diversos problemas referentes à sua proposta, o MST busca organizar a produção de forma coletiva, caminhando na contramão de idéias globalizantes e neoliberais. Busca ainda propiciar melhores condições de vida nos assentamentos, como demonstra sua preocupação com a educação.

A proposta política do MST, apesar de ter por base a reforma agrária, procura ir além, tentando organizar o trabalhador rural também na luta por melhores salários e na luta contra os grandes grupos que monopolizam a terra e o capital. Busca apoio dos trabalhadores urbanos para a sua causa, reafirmando sempre que a luta pela terra não é exclusiva dos trabalhadores do campo (p.30).

Fernandes (2000) menciona o MST por seu caráter multidimensional da seguinte forma:

o MST atua intensamente em todas as dimensões da vida humana: política, econômica, social, cultural, etc., procurando desenvolvê-las. Esse multidimensionamento da estrutura e das ações faz do MST uma ampla organização social. Todavia, a principal referência à sua existência está diretamente vinculada à luta pela terra, à resistência na terra, ao trabalho familiar, o que faz do MST um movimento camponês com as questões do nosso tempo. Como afirmei, os sem-terra não lutam só pela terra, mas por todas as condições básicas de existência. E por essa razão vão dimensionando o Movimento. Dessa forma, construíram essa estrutura organizativa por meio de suas experiências e reflexões. Na consolidação dessa ampla estrutura os sem-terra se utilizaram de dois princípios fundamentais e indissociáveis, que são a organicidade e o coletivo. Esses princípios articulam as dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, constituindo-se numa concepção interativa, que se expressam na identidade e na diversidade de suas práticas, nos processos de luta e resistência desenvolvidos na formação e na territorialização do MST (p.248).

O Movimento assume como princípios de sua Educação os seguintes:

Princípios filosóficos:

1º) Educação para a transformação social.

Educação de classe, massiva, orgânica ao MST, aberta para o mundo, voltada para a ação, aberta para o novo.

2º) Educação para o trabalho e a cooperação.

3º) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana. 4º) Educação com/para valores humanistas e socialistas.

5º) Educação como um processo permanente de formação/ transformação humana (MST, 1996b, p.10)

Princípios pedagógicos:

1º) Relação entre prática e teoria.

2º) Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação. 3º) A realidade como base da produção do conhecimento.

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5º) Educação para o trabalho e pelo trabalho.

6º) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos. 7º) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos. 8º) Vínculo orgânico entre educação e cultura.

9º) Gestão democrática.

10º) Auto-organização dos/das estudantes.

11º) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras.

12º) Atitude e habilidades de pesquisa.

13º) Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1996b, p.23).

Menezes Neto (2000) identifica em tais princípios

uma proposta educacional que não aparece como direcionada para um público camponês tradicional, apesar de buscar ser uma escola pensada no campo e não para o campo, valorizando dessa forma a vida, a cultura e o trabalho camponês. Mas as propostas apresentadas pelo movimento para o seu projeto educativo inserem-se nas propostas da escola unitária. O modelo escolar está próximo da educação voltada para o mundo do trabalho cooperativo e agroindustrial do MST. (...) o projeto educativo do MST busca romper com a milenar separação teoria/prática, manual/intelectual. Propõe que a educação seja integral, múltipla, reintegrando as várias esferas da vida humana (p.31-32).

Ao entrevistar João Pedro Stedile (liderança nacional do MST), Bernardo Mançano Fernandes faz o seguinte comentário a respeito da escola no meio rural que o Movimento defende:

O MST vai contra toda uma corrente que existe no mundo inteiro hoje, que defende que o campo vai acabar. Ao criar uma outra política, cria, conseqüentemente, uma nova concepção. O Setor de Educação [do Movimento] passa a ter uma grande responsabilidade, porque o professor daquela escola rural é um trabalhador rural. Os pesquisadores que vão trabalhar em determinado assentamento também são trabalhadores rurais. Essa escola rural desenvolve conhecimentos voltados para o benefício e o bem-estar dos trabalhadores a partir de uma nova concepção de vida rural (Stedile e Fernandes, 2000, p.77-78).

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sentido, mais uma vez, o MST se afirmou para mim como universo de pesquisa, pois muitas de suas práticas pareciam romper com as relações de discriminação desenvolvidas pelos usos dominantes da variedade lingüística oficial. Exemplo disso é o uso afirmativo, tanto na fala quanto na escrita, de variedades lingüísticas não oficializadas, por lideranças e militantes de base do Movimento, em situações nas quais é exigido, tácita ou implicitamente, o uso da variedade oficial, como debates em universidades, programas de entrevista na televisão, conferências e seminários oficiais. Também me intrigou a seguinte citação de Caldart (2000):

No Brasil, a luta pela terra e mais recentemente a atuação do MST acabaram criando na língua portuguesa o vocábulo sem-terra, com hífen, e com o uso do s na flexão de número (os “sem-terras”), indicando uma designação social para esta condição de ausência de propriedade ou de posse da terra de trabalho, e projetando, então, uma identidade coletiva.

O MST nunca utilizou em seu nome nem o hífen, nem o s, o que historicamente acabou produzindo um nome próprio, Sem Terra, que é também sinal de uma identidade construída com autonomia. O uso social do nome já alterou a norma referente à flexão do número, sendo hoje já consagrada a expressão os sem-terra. Quanto ao hífen, fica como distintivo da relação entre esta identidade coletiva de trabalhadores da terra e o Movimento que a transformou em nome próprio, e a projeta para além de si mesma.

[E, em nota de pé-de-página:] O dicionário Luft, por exemplo, incluiu em sua edição de 1998 o verbete sem-terra, com a seguinte definição: substantivo de dois gêneros e dois números, designação sócio-política de indivíduo do meio rural sem propriedade e sem trabalho (1998, p.601). Sobre isto brincou um jornalista português: os sem-terra dobraram a gramática, fizeram os acadêmicos engolir um precioso “s”, mas ainda não conseguiram acabar com o latifúndio. Cai a gramática e o latifúndio fica? (Jornal Papagaio, fev/mar 1998, editado por portugueses que moram na Holanda.) (p.17).

Daí pressupor que isto pudesse estar refletido nos cursos de alfabetização do Movimento, sob a forma de novas práticas escolares de linguagem, as quais precisariam, então, ser estudadas e reveladas para o campo da Educação, de forma a contribuir para outros cursos de alfabetização. As primeiras incursões naquele universo apontaram mais uma perspectiva para esta pesquisa, qual seja, a de poder apresentar subsídios à reflexão teórica da Pedagogia Sem Terra, em consonância com o que vem sendo um princípio e uma prática do Movimento: o diálogo com o pensamento acadêmico.

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SINDUSCON-MG. Pretendia, assim, uma análise comparativa entre um projeto de alfabetização elaborado por um movimento de trabalhadores e um projeto de alfabetização elaborado por uma entidade patronal.

Cheguei a coletar os dados relativos às duas organizações. No entanto, diante da relação entre o tempo disponível para a conclusão do Mestrado e o interesse de dedicar mais tempo à análise dos dados coletados no primeiro universo (interesse este proveniente das contribuições para o campo da Educação que tais dados pareciam apontar), acatei a orientação de preterir aquela análise comparativa.

Cabe ressaltar que a coleta de dados na Alfabetização de Jovens e Adultos do SINDUSCON-MG teve um papel muito importante neste meu processo de formação, seja por representar mais uma oportunidade de observação, seja por permitir o realce, por contraste, de aspectos transformadores da Alfabetização do MST, seja também por me fazer compreender, na prática, que, apesar dos antagonismos comumente observados no confronto de projetos de Educação fundados em princípios políticos e pedagógicos opostos, a interação entre trabalhadores docentes e educandos trabalhadores pode, em algumas situações, subverter aqueles princípios.

Seguem-se a esta introdução três capítulos. O Capítulo 1 contém, inicialmente, um relato sobre a construção do referencial teórico acerca das variedades lingüísticas e, posteriormente, apresenta este referencial por meio de seis seções secundárias, distribuídas de modo a constituírem as categorias teóricas de análise. O Capítulo 2 descreve a trajetória e os procedimentos da abordagem do universo pesquisado e da análise dos dados. O Capítulo 3 traz a análise dos dados. Em seguida, a título de conclusão, apresenta-se uma visão do conjunto dos dados.

No final desta introdução e de cada capítulo, encontram-se relacionadas as respectivas referências bibliográficas, reunidas todas posteriormente em seção específica.

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Referências bibliográficas

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Programa de Reforma Agrária. São Paulo: MST, 1995. (Cadernos de Formação, 23).

FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000.

MENEZES NETO, Antônio Júlio. Trabalho e educação: a proposta do MST. Presença pedagógica. Belo Horizonte, v.6, n.33, p.28-37, maio/jun. 2000.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Princípios da educação no MST. São Paulo: MST, 1996b. (Cadernos de Educação, 8).

STEDILE, João Pedro, FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente; a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 1ª reimp. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

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CAPÍTULO 1 - VARIEDADES LINGÜÍSTICAS: REFERENCIAL TEÓRICO

Optei, na fase de realização do projeto desta pesquisa, por trabalhar nos cruzamentos entre os campos teóricos da Sociologia da Educação, da Sociolingüística e da Sociologia da Linguagem. Tiveram peso aí os estudos de Magda Soares e de Luiz Carlos Travaglia sobre a língua na escola, a economia das trocas lingüísticas de Bourdieu, as reflexões de Maurizio Gnerre sobre as relações entre linguagem, escrita e poder, e os estudos de Luiz Antônio Marcuschi sobre a fala e a escrita. Estes autores foram imprescindíveis para a formulação de conceitos sobre a linguagem e para uma problematização sobre a linguagem na escola.

A primeira olhada para o conjunto dos dados coletados, no entanto, salientou a necessidade de um referencial teórico firmado especificamente no campo da Alfabetização. Fui, então, orientada a recorrer ao acervo da pesquisa Alfabetização no Brasil: o Estado do Conhecimento - ABEC -, desenvolvida pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita - CEALE -, desta Faculdade, ao qual está vinculada também esta pesquisa.

A consulta ao acervo da ABEC quase se transformou em uma pesquisa à parte2 e foi determinante para este trabalho. Isso, aliado à intenção de ressaltar a importância do acervo para o campo da Alfabetização e de um banco de dados dessa natureza para o

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universo acadêmico, faz com que seja descrito, nesta dissertação, o percurso de minha abordagem ao acervo. 3

Minha incursão no banco de dados da ABEC se deu nos meses de outubro a dezembro de 2001, quando ali constavam cerca de oitocentas peças acadêmicas - dissertações e teses - produzidas nas universidades brasileiras. Os textos encontravam-se catalogados nos padrões das outras obras constantes da Biblioteca da FAE, mas agrupados em uma sala específica e distribuídos nas prateleiras de acordo com as décadas em que haviam sido produzidos. Além desta classificação, cada volume continha a expressão “pertinente” ou “não-pertinente”. A primeira referia-se a trabalhos sobre a alfabetização infantil nas séries iniciais do ensino fundamental - objeto específico da ABEC -, e a segunda, a trabalhos que ali não se encaixavam, mas que haviam chegado ao acervo por meio de doações, ou em virtude de não ter sido possível apreender sua “não-pertinência” a partir da consulta remota a fontes de dados sintéticas.

Assim, entre os textos, havia pesquisas sobre formação de alfabetizadores e de professores de língua portuguesa, relação professor/aluno, alfabetização de menores marginalizados, leitura e escrita na escola e fora desta, educação infantil, educação especial, o pensamento educacional, alfabetização de jovens e adultos, produção de texto em língua portuguesa, teorias do conhecimento, teorias lingüísticas, sistemas de ensino, recursos didáticos, métodos de ensino, representações sociais no universo escolar, o trabalhador e o trabalho docente, evasão e repetência, mães e pais de educandos, escolarização das camadas populares, fonologia e alfabetização, análise comportamental, teorias semióticas, processos de avaliação, currículos, trajetórias escolares, entre outros temas fundados, sobretudo, nos campos da Pedagogia da Linguagem, da Psicopedagogia, da Sociologia da Educação, da Lingüística Aplicada, da Sociolingüística, dos Estudos Culturais e da Filosofia das Ciências.

Iniciei a abordagem das dissertações e teses a partir de uma listagem fornecida pelas estagiárias da ABEC, que continha os dados catalográficos dos trabalhos reunidos no acervo defendidos nos anos noventa e de alguns poucos defendidos em 1989 e 2000. Ao perceber que era numericamente pequena a referência ao fenômeno das variedades lingüísticas nos títulos constantes na listagem e a existência, no acervo, de outros muitos

3 Na dissertação Variação lingüística e alfabetização no Brasil: o estado da arte de 1980 a 1994,

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trabalhos não incluídos na listagem, optei por consultar uma a uma as dissertações e teses, obedecendo à ordem de exposição nas prateleiras.

Cerca de cem trabalhos foram preteridos apenas mediante a leitura dos seus títulos, em virtude de estes apontarem investigações muito específicas sobre educação infantil, educação especial, informatização de processos pedagógicos, aspectos neurolingüísticos da aquisição da escrita, psicomotricidade e teorias pedagógicas que notoriamente não perpassam os campos disciplinares eleitos para esta pesquisa, como é o caso do pensamento piagetiano. A abordagem dos outros cerca de setecentos trabalhos incluiu a leitura atenta dos sumários e resumos e uma leitura seletiva das conclusões, avançando-se daí, conforme o caso, para a leitura avançando-seletiva de outros capítulos. Isso resultou na reunião de 67 dissertações e teses, as quais, implícita ou explicitamente, compõem o referencial teórico desta pesquisa.

As referências bibliográficas, inclusive obras citadas no projeto desta pesquisa, aparecem freqüentemente na forma indireta, de modo a deixar, na formulação teórica ora apresentada, as marcas de seu processo de constituição. Aparecem aí também algumas outras fontes bibliográficas, que não as recolhidas da ABEC, incluídas no sentido de acrescentar subsídios para a compreensão das relações entre fala, escrita e variedades lingüísticas, das relações entre língua e identidade e de elementos teóricos fundados na perspectiva do materialismo histórico.

1.1 Termos e conceitos

Muitos são os termos e os conceitos a eles associados que aparecem relacionados ao fenômeno das variedades lingüísticas. Possari (1996) observa que essa multiplicidade ocorre já no uso do termo linguagem, que, muitas vezes, associa-se apenas ao conceito de linguagem verbal ou de língua, excluindo outras formas significativas não verbais que possibilitam a produção e a atribuição de sentidos.

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transformações históricas daí decorrentes. Toma-se como elemento constituinte da língua o fenômeno da interação verbal, sua natureza social, seu caráter processual e coletivo.

A língua é, assim, produto da atividade de linguagem de sujeitos sociais em ação em determinado grupo, num determinado período histórico, e, por isso, é formada por conflitos, reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidades, entre outros elementos, que a definem para além de suas estruturas e para além de formas herdadas.

As divergências conceituais aparecem, no conjunto de dissertações e teses consultadas, quando se parte a observar, no interior de uma língua, as variedades, também internamente heterogêneas, que a constituem. Daí surge uma profusão de termos: dialetos, variações, variantes, variedades lingüísticas, dialeto de prestígio, língua nacional, língua oficial, língua comum, língua padrão (com e sem hífen), linguagem formal, língua culta, língua de cultura, norma culta, código elaborado, linguagem coloquial, dialetos considerados não-padrão, linguagem popular, código não-elaborado, entre outros. Destacam-se, a seguir, alguns posicionamentos que parecem contribuir para a compreensão do fenômeno lingüístico e de sua heterogeneidade.

A sistematização da produção lingüística nos contornos de uma determinada língua reflete tanto regularidades, quanto diferenças - de ordem fonológica, léxica e sintática - percebidas em um espaço geográfico, um grupo ou uma classe social, em determinados contextos de produção. As variedades lingüísticas entrecruzam-se à medida que se entrecruzam esses universos socioculturais.

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Souza (1983) faz uma distinção equivocada entre linguagem formal e linguagem coloquial. A primeira seria depurada, identificada com a “língua geral”, provida de correção, coerência, constância das formas gramaticais, sutileza e precisão de vocabulário, e a outra, distanciada das normas de correção, marcada por fatores emocionais e inconstância na sua estrutura lógica. Tais adjetivações, no entanto, não são definidas, nem exemplificadas. Ao mencionar a depuração como fato positivo, a autora não considera que a depuração de conflitos, reconhecimentos, identidades, relações de poder e emoções pode ser prejudicial para a força elocutória de determinados discursos. Fala-se também de uma “língua geral”, sem que essa seja definida. O que é a “língua geral”? Parece que se associa à “língua-padrão”. A avaliação de que há constância de formas de um lado e inconstância na estrutura lógica de outro faz imaginar que um tipo de linguagem é estático e o outro, imprevisível, indescritível; mas a mesma autora, em outra passagem, afirma que a fonética, a fonologia e a gramática de dialetos considerados não-padrão são passíveis de descrição e que “não há motivo para crer que um código seja superior ao outro”.

Essa contradição aparece em vários discursos sobre variedades lingüísticas: ao mesmo tempo que parecem querer afirmar a legitimidade de todas as variedades, recorrem a adjetivações que desautorizam algumas variedades. É o caso também de denominações que qualificam uma variedade de prestígio social como elaborada, culta ou de cultura e, assim, não fazem mais que estigmatizar as outras variedades daí excluídas, pois trazem implicitamente a noção de que essas variedades são desordenadas ou incapazes de realizar um ato lingüístico eficaz e, ainda, que as pessoas ou os meios produtores dessas variedades são desprovidos de cultura, ou, quando muito, produzem uma cultura inferior, pior.

Oliveira (1984) indica dois níveis da norma, ou, por extensão, dois tipos de norma: um como fator de coesão social e outro como usos e aspirações da classe dominante. Em todos os casos, a norma é definida a partir de condições externas à linguagem. Considerando-se o primeiro tipo, pode-se estender a noção de norma para além das variedades de prestígio social, ou seja, pode-se considerar que toda variedade lingüística possui sua norma, pois pretende a coesão social de determinada comunidade lingüística.

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uma variedade lingüística. Tal noção distancia-se fortemente da noção de norma própria do “gramático escolar”, ou seja, a norma correspondendo a um suposto “bem falar” ou “falar exemplar”, capaz de satisfazer o imposto como padrão, e colocada em oposição ao incorreto.

Para Gallo (1989), a normatização é algo subjacente à prática lingüística; ou seja, a norma não é um dado prévio ao qual a prática lingüística se adapta, é uma construção.

Reduzir a norma lingüística a um dado prévio produz uma visão homogênea, arbitrária e a-histórica de língua. As normas transformadas em regras prévias pela gramática tradicional são apenas uma representação lingüística entre as inúmeras possíveis e não a própria realidade lingüística; são apenas o conjunto de regras pertinentes às variedades de prestígio, identificadas, equivocadamente, com o “bom português”.

Se, por um lado, reconhecer a heterogeneidade da língua não implica negar seu caráter sistemático, por outro, admitir que a língua é uma construção, fundada na interação verbal - o que, a cada momento, cria novas configurações lingüísticas -, é não admitir os enquadramentos e o aprisionamento veiculados pela visão formalista da língua. É considerar o sujeito lingüístico não um consumidor de uma única variedade, mas como afirma Frigotto (1990), o produtor de sua linguagem.

Existe, sim, uma variedade lingüística constituída historicamente, junto com os sujeitos que a produzem, como portadora dos valores oficiais, legitimada, então, pelas esferas oficiais de poder. A língua nacional, no entanto, não se reduz a isso. A língua nacional é o conjunto de todas as variedades que “o real teima em produzir” (Frigotto, 1990, p.129). Concepção semelhante é encontrada em Luchese (1992), na afirmação de que a língua materna deve representar “o marco de uma cultura florescente e forte, em função de etnias que se mesclaram para formar este País” e na negação de uma concepção de língua materna como elemento cultural herdado (p.73).

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variedade registrada como “padrão” a imagens produzidas pelos falantes dá origem a outras variedades. Daí notar-se que nem mesmo a variedade oficial pode ser considerada homogênea, unificada.

A tentativa de unificação da língua é atribuída, por Kramer (1992), à “civilização industrializada”. Segundo a autora, essa civilização cria uma linguagem própria - instrumental, comunicativa, burocrática, tecnicista e monótona -, que resulta em uma falsa unificação lingüística. É uma linguagem que privilegia a informação, em detrimento do conhecimento.

De outra forma, sem propriamente negar o esvaziamento cultural da linguagem dos meios oficiais ou de outros meios por estes reconhecidos, Labov (apud Villela, 1994) afirma existir uma certa diversificação no comportamento verbal da classe média, marcado por contemporizações, qualificações e argumentações, cuja intenção é transmitir a impressão de que o falante é competente, quando é apenas socialmente privilegiado. Para o autor, essa peculiaridade - vista muitas vezes como flexibilidade, riqueza vocabular e sintática, ou domínio de uma linguagem supostamente racional e inteligente - caracteriza-se mais como um estilo do que como um dialeto; estilo que “dissimula o pensamento que fica escondido atrás de palavras” (p.22).

A opção pelo termo variedade (ou variedades, no plural) vem de “reconhecer a existência de um ou de vários conjuntos de diferenças, de uma ou de várias variedades e recusar estabelecer entre elas uma dada hierarquia” (Villela, 1994, p.23); daí recusa-se também o termo “variante”, pois esse “parece dar a idéia de que existe uma forma da língua que é central, típica, melhor e que as demais são variações dela” (Travaglia, 1995, p.42). A definição da fronteira entre estilo e dialeto torna-se difícil na medida em que não se tem uma descrição comparativa, e exaustiva, das variedades lingüísticas existentes no território nacional4 - e, lembrando, tal descrição seria uma abstração com interesses específicos, visto que

as linhas que porventura possam delimitar as variedades ou dialetos sociais revelam-se, por vezes, bastante tênues, porque os grupos, não obstante sua diversidade cultural, coexistem na comunidade e seus membros

4

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desempenham diversos papéis sociais em grupos distintos, naturalmente heterogêneos e, por vezes, contraditórios (Villela, 1994, p.34).

Interessa mais a esta pesquisa a dinâmica de aceitação ou estigmatização de variedades lingüísticas - caracterizadas por peculiaridades fonológicas, sintáticas e lexicais - não incorporadas pelos meios oficiais do que propriamente a delimitação de fronteiras dialetais, sejam essas geográficas, etárias, de gênero ou de outras formas.

1.2 Fala e escrita

As relações entre fala e escrita interessam à reflexão sobre variedades lingüísticas, sobretudo, porque, muitas vezes, a escrita aparece equivocadamente identificada apenas com as variedades lingüísticas legitimadas, de prestígio social, ou oficiais, e a fala, identificada com variedades não legitimadas. É necessário lembrar que aquelas variedades atingem o status da escrita não por características que lhes sejam imanentes, mas pelo prestígio e pelo poder dos grupos que as produzem. Se, por um lado, muitas são as ocorrências que atestam a possibilidade de as variedades não legitimadas pelos meios oficiais serem escritas, como no caso da literatura de cordel, da poesia popular em livros (um exemplo expressivo disso é a poesia de Patativa do Assaré), de letras de rap, entre outros, por outro lado, segundo Lemle (apud Souza, 1996), o padrão lingüístico no qual se embasa a escrita convencional não encontra correspondência perfeita em nenhum falante, por mais erudito que este seja.

Equívocos à parte, pode-se compreender a relação entre produto e processo, na fala e na escrita, como “o movimento entre o processo que gera o produto que se repõe enquanto processo” (Gallo 1989, p.43). Em outras palavras, a escrita alfabética constitui-se tanto a partir da fala, sendo um resultado desta, quanto a partir do processo que ela - a escrita - engendra, em parte, independentemente da fala.

Kato (apud Geraldi, 1990) observa que:

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Marcuschi (2001), dialogando com estudos sobre fala e escrita, oralidade e letramento, acrescenta contribuições importantes para a compreensão de que fala e escrita “não são propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua” (p.32). Uma síntese dessas contribuições é apresentada a seguir.

Fala e escrita são apresentadas como o contraponto formal da oralidade e do letramento, entendidos estes dois como “atividades interativas e complementares no contexto das práticas sociais e culturais” (p.16). Daí, o autor reafirma que a língua e as variedades lingüísticas se fundam nos usos que se fazem delas (e não o contrário) e rejeita a perspectiva teórica dicotômica (para a qual a fala é tipicamente contextualizada, dependente, implícita, redundante, não-planejada, imprecisa, não-normatizada, fragmentária, e a escrita, tipicamente descontextualizada, autônoma, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada, completa). Tal perspectiva, segundo Marcuschi,

conduz a seleções aparentemente fundadas em algum valor intrínseco aos signos lingüísticos, mas, na realidade, as decisões fundam-se em critérios e mecanismos socioculturais não-explícitos (...) e tem o inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da norma e do bom uso da língua (p.28).

Marcuschi rejeita também o que denomina “tendência fenomenológica de caráter culturalista”, que, na sua formulação mais contundente, associou à cultura oral o pensamento concreto, o raciocínio prático, a atividade artesanal, o cultivo da tradição e o ritualismo e, em contraposição, associou à cultura letrada o pensamento abstrato, o raciocínio lógico, a atividade tecnológica, a inovação constante, a analiticidade. Apoiado em Gnerre, o autor aponta como problemas desta tendência: o etnocentrismo, uma vez que as culturas alienígenas eram analisadas dentro da perspectiva cultural do pesquisador; a supervalorização da escrita, sobretudo da escrita alfabética; a forma globalizante com que uma sociedade era tomada como letrada, quando, na realidade, apresentava apenas grupos de letrados.

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fenômeno da variação lingüística se dá em uma e outra, “o que evitaria o equívoco de identificar a língua escrita com a padronização da língua” (p.32).

O autor considera também relevante a perspectiva sociointeracionista, em virtude de esta “perceber com maior clareza a língua como fenômeno interativo e dinâmico” ao considerar que tanto fala quanto escrita apresentam dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade. Mas tal perspectiva, segundo Marcuschi, possui “um baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua, bem como das estratégias de produção e compreensão textual” (p.33).

Na conclusão da análise dessas perspectivas, o autor observa:

O curioso é que, no geral, quem se dedica aos estudos da relação entre língua falada e língua escrita, sempre trabalha o texto falado e raramente analisa a língua escrita. No entanto, suas observações são muitas vezes sob a ótica da escrita. Por outro lado, as afirmações feitas sobre a escrita fundam-se na gramática codificada e não na língua escrita enquanto texto e discurso. Em suma, o que conhecemos não são nem as características da fala como tal nem as características da escrita; o que conhecemos são as características de um sistema normativo da língua.

E, em seguida, desenvolve a “teoria do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita”, partindo do princípio de que tanto fala quanto escrita são fenômenos heterogêneos, com bastante variação, e se dão em dois contínuos - dos gêneros textuais e das características específicas de cada modalidade (p.33). Há o domínio do tipicamente falado (conversas espontâneas, por exemplo) e o domínio do tipicamente escrito (certos documentos oficiais); não obstante, os textos de uma modalidade e de outra “se entrecruzam sob muitos aspectos e por vezes constituem domínios mistos” (p.38). A título de exemplo, são citados o texto de um noticiário televisivo (originariamente escrito, mas recebido oralmente pelo espectador) e o texto de cartas íntimas (mais próximo da fala, pelo tipo de linguagem empregada).

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de uma modalidade específica; tanto fala como escrita são normatizadas e “não operam nem se constituem numa única dimensão expressiva, mas são multissêmicas” (p.46).

E, novamente, volta-se ao aspecto social do fenômeno lingüístico:

uma das características mais notáveis da escrita está na ordem ideológica da avaliação sociopolítica em sua relação com a fala e na maneira como nos apropriamos dela para estabelecer, manter e reproduzir relações de poder, não devendo ser tomada como intrinsecamente “libertária” (p.46).

1.3 Coesão social e sociedade nacional

Há consenso entre determinados discursos, acadêmicos ou não, sobre a importância da unidade lingüística para a coesão social, esta concebida como imprescindível à Nação. Isso significa a defesa da fundação e manutenção, pelo Estado, de uma variedade lingüística nacional. Esses discursos, ainda que em certos momentos assumam a sociedade e a atividade lingüística como realidades históricas, contraditórias e conflituosas, paradoxalmente, acabam por reafirmar a possibilidade de uma variedade lingüística neutra e de um sentimento de Nação comum a todas as camadas sociais, e negar a possibilidade de o exercício da diversidade lingüística ser um elemento de interação de indivíduos, grupos e povos.

Figueiredo (1990) aponta que o reconhecimento de uma língua como nacional não é espontâneo, pois a língua assim pretendida é expressão política de uma determinada classe social e necessita das instituições do Estado e de outros meios materiais (dicionários, gramáticas, mass media), controlados por essa classe, para difundir-se. O sistema oficial de ensino é uma instituição na qual tal difusão acontece de forma privilegiada, na medida em que cada vez mais se afirma como meio para a empregabilidade.

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Por outro lado, conceber a unidade lingüística como indispensável à identidade de um povo, como fator de diferenciação e de autonomia deste com relação a outros povos, é geralmente esquecer que, nos países marcados pela condição de (ex-)colônia, a oficialização de uma variedade lingüística acontece mediante a apropriação do código lingüístico do colonizador.5 É não considerar que vários países adotam mais de uma língua como oficial e nem por isso deixam de constituir uma Nação.

Costa (1988), ao estudar a situação sociolingüística do Canto, povoado localizado no interior do estado do Piauí, revela a possibilidade de interação entre indivíduos e famílias cujas variedades lingüísticas são distintas entre si, ou seja, a possibilidade de uma comunidade multidialetal e, ainda, ressalta o caráter político da lealdade lingüística. A escolha de determinada variedade lingüística representa mais um posicionamento social que propriamente a afinidade com certas estruturas lingüísticas.

O multidialetismo, no caso do Canto, decorre, internamente, do antagonismo político e social entre famílias ou grupos de famílias e, externamente, de uma dimensão política mais ampla, caracterizada pelo fato de todas essas famílias constituírem um só povo, que, em certa medida, resiste à penetração da ordem social regional (e nacional).

Costa ressalta que, “embora cada falante só fale seu próprio falar, todos os falares são inteligíveis para todos os habitantes do povoado” (p.206) e, ainda:

Apesar de todas as variedades de fala do Canto se confrontarem dentro do povoado, a separação entre elas é mantida com muita nitidez, muito embora essa nitidez não seja perceptível para um observador comum e, em certos casos, até mesmo para um especialista (p.197).

A intenção de incorporar, em nível nacional e oficial, a diversidade lingüística é vista, no Brasil, ora como ingenuidade (muitas interpretações a respeito do Romantismo evidenciam isso), ora como corrupção de uma suposta língua maior (o que se tornou uma tradição em colunas de jornais assinadas por professores de Língua Portuguesa com projeção nacional), ora como o reconhecimento do processo formador e transformador a que todo sistema lingüístico está sujeito. No último caso, a

5

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incorporação da “novidade” lingüística é admitida em um tempo histórico muito posterior ao seu surgimento como fenômeno social.

A problematização aqui colocada pode ser resumida pela preocupação com a necessidade de a reflexão sobre a variedade lingüística oficial ser precedida do reconhecimento de seu caráter político, do fato de ela funcionar como elemento na constituição e manutenção de um modelo de Estado, Nação e sociedade, e, ainda, de ser objeto de lutas constantes entre grupos representantes de interesses diversos.

1.4 Linguagem, identidade e subjetividade

Apresenta-se, nesta seção, uma reflexão sobre a relação entre linguagem e identidade e subjetividade. É necessário, inicialmente, esclarecer a acepção dada a esses últimos termos. Começando pela identidade, recorre-se a Penna (2001) para compreender que:

longe de um “dado” da natureza das coisas (cf. Brandão, 1986:110), a identidade social é uma construção simbólica que envolve processos de caráter histórico e social, que se articulam (e atualizam) no ato individual de atribuição. Consideramos, assim, que a identidade social é uma representação, relativa à posição no mundo social, e portanto intimamente vinculada às questões de reconhecimento. Concebemos a possibilidade de múltiplas identidades, com base em referenciais distintos - como a origem territorial, a condição de gênero, a etnia, a atividade profissional etc. -, pois, enquanto uma construção simbólica, a identidade não é decorrência automática da materialidade (p.92-93).

Assim, adota-se uma concepção de identidade que ultrapassa a visão de identidade como inerente e constitutiva. Quanto às questões de reconhecimento, Penna aponta duas direções para elas - uma, do auto-reconhecimento e outra, da alter-atribuição de identidade -, articuladas dinamicamente entre si, mas nem sempre coincidentes. Em cada uma dessas direções, as práticas culturais podem vir ou não a fundamentar uma atribuição de identidade; isso dependerá do modo com que tal prática é apreendida e elaborada simbolicamente pelo indivíduo ou grupo.

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serem preenchidas pelos participantes de uma interação social, e os significados aí implícitos podem ser subvertidos.

Não obstante, a ênfase na atribuição de significados negativos à condição de um indivíduo ou grupo social pode vir a anular a percepção de diferenças internas no grupo e levar à constituição de uma identidade estática, estereotipada. A subjetividade, nesse processo, também se abala e fica marcada por uma auto-estima negativa, pois:

A subjetividade não é passível de totalização ou de centralização no indivíduo. Uma coisa é a individuação do corpo. Outra coisa é a multiplicidade dos agenciamentos da subjetivação: a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro social (Guattari, apud Chnaiderman, 2001, p.49).

Para Kramer (1992), poder tomar a palavra significa ser autor,

cunhar nela sua marca pessoal e marcar-se a si e aos outros pela palavra dita, gritada, sonhada, grafada... Ser autor significa resgatar a possibilidade de “ser humano”, de agir coletivamente pelo que caracteriza e distingue os homens... Ser autor significa produzir com e para o outro...”

Somente sendo autor, lido e ouvido pelos outros, o indivíduo interage com a língua, penetra na escrita viva e real, identifica-se e diferencia-se. Parafraseando Souza (1996), o resgate da linguagem do indivíduo ou de um grupo é o resgate de sua trajetória histórica e de sua classe.

A estereotipia pode ser transposta mediante uma busca da constituição de outras identidades e subjetividades, anteriormente perdidas ou não, que seja fundamentada na reflexão crítica das relações sociais e em ações de resistência contra a tendência de reduzir a cultura a uma questão de adaptação às leis do capital. Conforme se apreende da leitura de Mey (2001), os conflitos culturais e a discriminação cultural precisam ser examinados em um contexto mais amplo, qual seja, o da dominação econômica. A discriminação explicita essa dominação e é perpetuada nas sociedades que se organizam em função do acúmulo de riquezas. A afirmação de uma identidade não se deve dar à custa do esquecimento de suas origens.

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com os grupos sociais nos quais se insere as experiências de vida e concepções de mundo que constituirão suas identidades de grupo.

Sobre a palavra recai, também, a função da constituição da identidade do sujeito, vez que faz a mediação do homem com o mundo e como tal constitui seu modo de olhar este mundo. Assim, pela palavra, o falante identifica-se, mostra-se aos outros, já que nenhuma palavra é vazia, ao contrário, repleta de conteúdo vivencial ou, nas palavras de Bakhtin (1981), a palavra “constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão de um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade (Ferreira, 1991, p.31-32).

Isso não quer dizer que a incorporação de outras variedades lingüísticas, ou mesmo da modalidade escrita da língua, signifique automaticamente a incorporação de novas identidades. Essa relação será determinada pelos modos como tal incorporação se dá.

Paniago (2000), ao analisar o que, para a economia das trocas lingüísticas de Bourdieu, seriam quatro casos improváveis de aquisição de capital lingüístico (pois os sujeitos objeto da pesquisa são provenientes de família com baixo capital cultural, mas mantêm “uma relação desenvolta com a língua”), conclui que os fatores que interferiram no processo de aquisição de capital lingüístico por esses sujeitos foram: uma mobilização e uma ética familiar em torno da valorização da escolarização, e, quanto aos sujeitos pesquisados, sua mobilização pessoal, a realização de uma escolarização bem sucedida e, marcadamente, o desejo de distinção.

Para Villela (1994), a pessoa de classe social desfavorecida que passa a dominar o “dialeto padrão” e, ao perceber o prestígio a ele intrínseco, passa a utilizá-lo em todas as situações, sem o estabelecimento de uma consciência político-ideológica sobre as relações entre linguagem e classe social, opera uma renúncia das próprias raízes culturais e das identidades correspondentes, para assimilar a cultura e a identidade constitutivas daquele dialeto. Mas a autora corrobora a possibilidade de subversão da ordem dominante ao admitir que

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Um pouco antes, Villela havia ressaltado que

Outro ponto a ser considerado é que podemos perceber, no contato social de diferentes épocas, indivíduos que sempre pertenceram à classe de prestígio lutando por mudanças sociais ao lado de outros, de classes populares, que buscam as mesmas conquistas.

Este fato nos leva a pensar que não é o dialeto padrão que permitiu que isso acontecesse, mas a consciência crítica desenvolvida a partir de experiências de vida muito particulares e ricas (p.51-52).

Forçoso é perceber que a discriminação de variedades lingüísticas ou das formas orais de intervenção social fomentam a negação de indivíduos e grupos e deixam marcas profundas na constituição de sua identidade, subjetividade e auto-imagem, reforçando a submissão, a passividade e a dependência (parafraseando Balarini, 1987). Vários são os autores que, de uma forma ou de outra, corroboram esse entendimento:

O rechaço lingüístico é um dos mais profundos e provavelmente um dos rechaços com maiores conseqüências afetivas. Não se muda o modo de falar pela vontade. Quando se rejeita o dialeto materno de uma criança, rejeita-se a mesma por inteiro, a ela e com toda a sua família, com seu grupo social de pertinência (Ferreiro e Teberosky, apud Burin, 1988).

[considerar errada a fala que não corresponde à escrita é, além de um equívoco lingüístico,] desrespeito humano, pois humilha e desvaloriza a pessoa que recebe a qualificação de que fala errado. Um erro político, pois ao se rebaixar a auto-estima lingüística de uma pessoa ou de uma comunidade contribui-se para achatá-la, amedrontá-la e torná-la passiva, inerme e incapaz de manifestar seus anseios (Lemle, apud Santos, 1989, p.131).

O trabalho realizado por Costa (1988), de descrição e análise da situação sociolingüística do povoado Canto, localizado no interior do Piauí, é também especialmente interessante para esta pesquisa pelo fato de dar a conhecer uma comunidade, no Brasil, na qual as diferenças lingüísticas internas e externas são cultivadas como marca de pertinência a um grupo de parentesco específico, por um lado, e marca de pertinência à comunidade, por outro.

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localidades diferentes daquela onde residem, ou estudem com professor cujo falar seja diferente do falar deles. Alegam que, do contrário, os filhos “vão querer ser diferentes de nóis”. Foi relatado, porém, caso de pessoas originárias do Canto que, mesmo tendo-se mudado para Teresina, capital do estado, mantiveram o “jeito de falar” de tendo-seus parentes e, em alguns casos, acentuaram as características principais desse “jeito de falar”.

Costa analisa que tal preservação de identidade só é possível por resultar em usufruto de direitos - no caso, o direito à terra e ao desenvolvimento de determinadas atividades produtivas - e pode, como acontece no Canto, gerar um modo de vida, de pensamento e de ação conflitante com as normas da sociedade na qual o povoado se insere, ou seja, a sociedade brasileira. Um exemplo disso é o ordenamento interno de posse da terra, que confronta com as leis do Brasil, ou, em outras palavras, essas leis não são suficientes para a definição daquele ordenamento:

No Canto, a rigor, quem vive na terra são as mulheres; sua permanência na terra é assegurada pela regra de residência matrilocal. Assim, quem necessitar ter acesso à terra, o fará através do acesso às mulheres, ou demonstrando de alguma forma que se está ligado a elas. Nesse respeito, a fala tem-se constituído no meio mais eficiente de se demonstrar essa ligação (p.204-205).

Não é possível, no entanto, determinar até que ponto a ordem interna da comunidade resiste ou resistirá à ordem nacional.

1.5 Aspectos cognitivos

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Nesse sentido, contribui sobremaneira a reflexão teórica elaborada por Sawaya (1999), cujas passagens de interesse para esta seção são sintetizadas a seguir.

A autora retoma Goody e Olson, e Toirance para ressaltar o fato de a oralidade, ou a “ausência” de escrita, ser considerada inferior (à escrita) devido a práticas, constituídas historicamente, que associaram a escrita ao pensamento científico e criaram, assim, a ilusão de que essa seria a responsável por um pensamento mais abstrato, mais reflexivo, mais evoluído. Observa, no entanto, que muitos dos fatos cognitivos atribuídos à aquisição da escrita foram percebidos, por lingüistas e antropólogos, também entre membros de sociedades ágrafas, como a existência de um sistema de recitação, memorização e acumulação de textos, a criação de instituições para usos dos textos, a evolução e aquisição de uma metalinguagem para a interpretação e explicação dos textos, racionalização, capacidade de abstração.

As mudanças advindas da escrita não são, pois, apreendidas com base em uma suposta evolução do pensamento concreto-oral para o abstrato-escrito e, sim, com base nos usos da escrita e suas implicações sociais - a constituição de novos modelos de interação e a existência de instituições sociais -, ou seja:

nos seus diferentes usos e práticas, nas diversas apropriações que os diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos fizeram dela e, servindo-se dela, provocaram mudanças nas formas de percepção e ação social, bem como nas formas e relação de poder, constituindo uma cultura escrita (p.63).

Dialogando com Certeau, Sawaya ressalta que, no mesmo sentido em que os mapas urbanos

tornaram invisíveis as operações de ir, de errar, ou seja, as atividades dos passantes que tornaram o mapa possível “metamorfoseando o agir em legibilidade e fazendo esquecer uma maneira de estar no mundo” (...), a “leitura do mundo” foi dando lugar à leitura da palavra escrita, aos discursos escritos que “explicam” o mundo e nos “ensinam a vê-lo”, ou a “lê-lo” e passaram a guiar as nossas formas perceptivas e as nossas formas de “leitura”, tornando invisíveis as práticas quotidianas de leitura dos textos, seus usos, etc.” (p.101).

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O discurso escrito, ao ser apropriado por determinados segmentos sociais como um dispositivo de poder, procurou impor formas de compreensão e apropriação do mundo social, e passou a organizar, estruturar, codificar e prescrever determinados tipos de relação social, definindo campos simbólicos, saberes autorizados e difundindo, de diferentes maneiras na cultura (não só a do texto escrito, a posse dos livros), uma mentalidade e uma lógica escrita (p.132).

Para a autora, o desenvolvimento do pensamento científico não se vincula diretamente à escrita, mas ao uso técnico que dela se fez e aos paradigmas físicos e matemáticos, que,

ao se servirem da notação gráfica e da codificação, vieram potencializar as formas do pensamento e o tipo de racionalidade subjacente ao pensamento científico moderno, prestando-se ao desenvolvimento de certas modalidades do raciocínio e de certas formas de poder (p.175).

Esse processo, de alienação e submissão, é reforçado quando se admite existir uma irrestrita interdependência entre a escrita de prestígio, o acesso ao conhecimento dito (mais) elaborado - ou à experiência histórica acumulada - e a variedade oficial da língua, o que, de forma circular, reforça o poder dessa variedade. Admitir essa interdependência é, em última instância, corroborar a “teoria do déficit lingüístico”6 e deixar de considerar que:

as relações assimétricas entre classes e grupos sociais atuam para valorizar um determinado tipo de conhecimento e desvalorizar o de outros, para incluir as tradições culturais dos grupos e classes dominantes entre os tipos de conhecimento dignos e válidos de serem transmitidos e para excluir as tradições culturais de classes e grupos subordinados. A definição daquilo que é considerado como sendo o conhecimento (...) nunca é um ato desinteressado e imparcial. É sempre o resultado de lutas e conflitos entre definições alternativas, em que uma delas conseguiu se impor (SILVA, apud BEREMBLUM, 1996, p.30).

Elege-se, pois, um tipo de conhecimento como sendo “o mais elaborado”, e as variedades lingüísticas oficiais como sendo suas legítimas portadoras, observando-se, muitas vezes, a preocupação com que esse tipo de conhecimento seja, inclusive, traduzido para variedades oficiais estrangeiras, mas não para variedades nacionais não

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oficiais. Assim, o direito à escrita do vivido, do experimentado, fica restrito aos grupos e classes sociais detentores das variedades lingüísticas oficiais.

Porém, da mesma forma que a linguagem da classe dominante não é puramente uma produção burguesa, a escrita é uma construção social e pode deixar de estar a serviço dos interesses particulares dessa classe, tornando-se, a partir da recriação de seus usos e funções, um elemento a mais para construção do conhecimento capaz de subsidiar a emancipação da classe trabalhadora.

1.6 Classes sociais e dominação

Esta seção aborda relações entre variedades lingüísticas e classes sociais, partindo do entendimento de que a clivagem entre as classes sociais, manifestada em períodos históricos passados com uma clareza que possibilitou a própria fundação do conceito de classe social, exige, na atualidade, em decorrência de mudanças no modelo econômico em nível nacional e no plano mundial, um extenso instrumental teórico para ser cientificamente definida, o que, se apresentado aqui, desfiguraria o problema central proposto para esta pesquisa, qual seja, a questão das variedades lingüísticas. Contudo, tomando a estratificação social como uma dos principais determinantes do problema colocado, são necessários, primeiramente, alguns esclarecimentos acerca do conceito de classe social que norteia esta pesquisa, conceito fundado no materialismo histórico.

Para Thompson (apud Rummert, 2000, p.34), “o real elemento definidor de uma classe é a ação dos homens [e das mulheres] no decorrer de sua própria história” e, portanto, uma classe não é uma “coisa”, algo pré-estabelecido e rígido. Em outras palavras, são as ações humanas que historicamente definem a situação que um grupo humano ocupa num sistema de produção social, as relações desse grupo com os meios de produção, seu papel na organização social do trabalho e a parte da riqueza social que lhe cabe. A concepção de trabalho aqui adotada coincide com a de ações humanas, ou seja, o trabalho é entendido como práxis humana, como as atividades por meio das quais o ser humano “cria (faz, produz) e transforma (conforma)” o mundo e a si mesmo (Bottomore, 1988, p.292).

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produção - seja pelo controle do Estado ou pela acumulação das riquezas socialmente produzidas, o que normalmente acontece em simultaneidade -, fica configurada a sociedade de classes, da classe incluída de forma privilegiada no sistema de produção e da classe nele incluída de forma precária. As classes assim concebidas apresentam clivagens, dependendo das nuances da distribuição, no seu interior, das riquezas e de poder.

As relações entre classes, marcadas não só por dominação e submissão, mas também pela resistência - visto um modo de produção não ser um sistema total, apesar de pretender-se totalizante -, nem sempre se dão pela coerção direta, pela força física; elas ocorrem pela legitimação-deslegitimação e apropriação-desapropriação de elementos da cultura, entre os quais se encontram certas configurações de linguagens e, de um modo particular, da língua.

No Brasil, conforme lembra Gallo (1989), a relação de dominação pela língua torna-se facilmente observável na medida em que a língua materna é atravessada pela presença simultânea da língua portuguesa e da língua brasileira, identificadas pela autora como sendo a língua do colonizador e a língua do colonizado, respectivamente.

Figueiredo (1990), retomando Bourdieu e Gnerre, aponta que, na sociedade capitalista, as trocas lingüísticas, entendidas como trocas de bens simbólicos, realizam-se a partir de relações de poder, de força simbólica, nas quais são confrontadas variedades lingüísticas que possuem ou não valor de troca no mercado lingüístico. A atribuição de valor de troca a determinadas variedades lingüísticas faz com que essas, e não outras, sejam associadas à escrita e tenham seus processos de elaboração e sistematização reconhecidos oficialmente pelas estruturas de poder dominantes. É importante observar que isso acontece de forma quase circular, pois as variedades lingüísticas que da forma descrita alcançam prestígio social são as variedades próprias de grupos sociais que controlam as estruturas políticas e econômicas hegemônicas.

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um tipo tautológico de explicação; já que existe uma norma a ser ensinada, é bom que todo mundo aprenda esta norma. Da mesma forma, muitos rituais são “explicados” pelos nativos de forma tautológica: fazemos isto porque isto sempre foi feito (apud Villela, 1994, p.31).

Esse processo cria mecanismos de coerção e de discriminação lingüística, que reforçam os mecanismos de coerção e de discriminação socioeconômica, pois são discriminados, no nível lingüístico, os grupos sociais não detentores das variedades lingüísticas de prestígio, os quais, na sua maioria, são também os grupos desfavorecidos socioeconomicamente. Discorrendo sobre esses mecanismos, Souza (1996) lembra que

Cagliari aponta a relação dominador/dominado na sociedade como geradora de uma série de preconceitos, sendo um deles a discriminação do status social através do modo diferente de falar dos diferenciados segmentos da sociedade. Para o autor, a sociedade marca e estabelece as classes e pessoas e posteriormente procura justificativas para o que fez. Nesse sentido entram as diferenças lingüísticas que são utilizadas como argumentos, mesmo porque a discriminação lingüística não é proibida por lei [ela é, inclusive, corroborada pela lei, que, por princípio, só admite para si as variedades oficiais da língua], como a discriminação racial ou religiosa. Ainda, a discriminação lingüística tem sido reforçada por uma série de trabalhos que se dizem científicos, que colocam a deficiência lingüística como proveniente das pessoas carentes, marginalizadas, empobrecidas (p.50).

Frigotto (1990) cita Gnerre para explicar que, por meio de um processo que busca deslocar as variedades lingüísticas dominantes de seu contexto social (e histórico), essas são repassadas como se desvestidas de seu conteúdo ideológico e definidas como portadoras da tradição e da cultura nacionais:

Assim como o Estado e o poder são apresentados como entidades superiores e “neutras”, também o código aceito oficialmente pelo poder é apontado como neutro e superior. (Gnerre, apud Frigotto, 1990, p.126).

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de realimentação de seu poder de discriminação, como é o caso da renovação incessante do léxico e de seu quadro de referências, tão logo estes tenham passado ao domínio de um estrato maior da população.

Beremblum (1996), admitindo ser a imposição da “língua oficial” conseqüência de complexos processos políticos associados à constituição do Estado, explica o acesso desigual a essa “língua” como decorrente da posição ocupada pelos falantes na estrutura social. Segundo a autora, as diferentes classes, ou frações de classe, mantêm uma luta simbólica para impor a definição de mundo social em acordo com seus interesses. Os detentores de um sólido capital simbólico têm condição de impor a escala de valores mais favorável a seus produtos, especialmente porque quase detêm, de fato, o monopólio das instituições que os estabelecem e os garantem oficialmente:

os mecanismos mediante os quais uma variante de língua se impõe como legítima são extremamente complexos e implicam tanto em processos objetivos de unificação nacional quanto em processos subjetivos de institucionalização da língua oficial, relativos ao reconhecimento de sua legitimidade (p.143).

A partir da noção de correção e erro fundada nesse contexto, estabelece-se a dicotomia entre quem fala certo e quem fala errado, sendo que

Quem pode falar é quem fala certo, por isso, o ler e o escrever ficam restritos a uma parcela da sociedade que possui prestígio social e poder econômico. Instaura-se no trabalho lingüístico, assim como no trabalho produtivo, a propriedade privada... da língua (MELO, 1991, p.109).

Referências

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