• Nenhum resultado encontrado

O ensaio de adorno e a produção social da forma

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "O ensaio de adorno e a produção social da forma"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

o

ENSAIO DE ADORNO

E

A PRODUÇÃO SOCIAL DA FORMA

I n á C a m a rg o C O S TA*

RESUMO: Com o objetivo de participar num debate em tono da forma ensaio em sua relação com a filosofia. discutimos essa opção formal da Esola de Frankfurt a partir do texto de Adono "O ensaio como forma ". Uma vez encontrada sua poposição de que o objeto do ensaio é um conlito detido. tentamos sugerir algumas das ra­ zões sociais que induzem essa escolha.

UNI TERMOS: Marxismo clássico; maxismo ocidental; método dialético; dialética negativa; teoria cnlica; i n ­ te I I i 9 e nts i a; organização poltica.

1 . ADV E RT Ê N C I AS

.. ... intenci o n a l m e nte. ele n ã o fazia n a d a . E s ­ perava ( q u e a l g u m a coisa acontecesse .. . )"

Robert M u sil. L 'homme sans quaités.

1 .1 . As co nsiderações q u e seg uem a pro pósito do texto de Adorno " O ensaio com o fo r­ ma" ( 1 , p. 1 2 -36) só se to rnaram possíveis g raças a o privi l ég i o q u e tivemos de con ­ sulta r a l g u n s dos escritos i n éditos d o P rofesso r P a u l o E d u a rdo A ra ntes, pa rte de u m a exau stiva pesq u isa so b re o processo h istó rico n o q u a l g e r m i n o u a d i a l ética e n ­ q u a nto "espírito d e co ntradição org a nizado", fo r m u lação s u a q u e j á va m os adota n ­ d o (4, p . 37 -70 ) . P o r outro lado, co m o sua pesq u i sa d i z respeito à s peri pécias da vida i nte lectua l na Alem a n h a de fi n s do séc u l o X V I I I e i n ício do sécu l o X I X, as eve ntu a i s i m p ro p riedades e p reci pitações na tentativa de exa m i n a r a reto m a d a do problema do ensaio já em meados do séc u l o XX co rrem evidenteme nte por n ossa conta. A mesma restrição va le p a ra os m a i s p rováveis cu rto - c i rcu itos, i ncom p reensões e ou ­ tras debilida des.

1 .2. A ci rc u n stância em que o texto foi o r i g i n a l me nte e l a bo rado ex pl ica o aspecto m a i s i m ed i ato do s e u i nteresse: tratava - se de i nte rvenção n u m de bate em q ue, a p a rt i r do tema geral " F i l osofia e l iteratu ra", estava m em pauta os ensaios de Sêneca. O elo de l i g ação entre Sêneca e Adorno só pode ser o ensaio e, j á q u e em Adorno enco ntra ­ mos u m a defesa e m pe n h a d a da o pção por essa fo rma, o caso era tenta r re por a

(2)

fo rma ensaio com o problema (e ta m bém exe rcita r o espírito de co ntradição - pa ra n ã o dizer espírito - d e - po rco - posto q u e em situação de debate). Motivos de fo rça m a i o r, entreta nto, obrigaram, meio a toq ue de ca ixa, u m a refo r m u lação ra dical de p l a n os e a q u i l o q u e não passava de um a r razoado em to rno dessa fa m íl i a de e n ­ sa ístas i n iciada p o r Sêneca teve q u e s e tra nsfo r m a r n u m a palestra i n d e pendente e sem a p révia exposição sob re o vel h o fi l ósofo. O resu lta do dessas aventu ras é o texto q u e seg ue.

2. O E s p íR I TO D E C O N TRAD i ÇÃO R E D E S O R G A N I ZADO

N o já referido texto da revista Manuscrito, P a u l o Arantes mostra a l g u mas das razões q u e leva ra m Hegel à tentativa de " o rg a n i z a r o espírito de co ntradição", tra b a l h o q u e re­ su ltou no tão detratado q u a nto pouco con heci d o métod o d i a l ético. Como expl ica o P a u l o, "esp írito de contradição" e ra o traço mais típico da i ntel ectua l idade co ntem porânea de Hegel, a pa rece n d o tam bém so b a fo rma d o n i h i lismo, da d i a l ética negativa, entre o utras. Para Hegel, tratava - se de "pôr nos tril h os" o "espírito de contra dição", ou seja, organ izá ­ lo, da r - l he método. Daí o filósofo ter defi n ido pa ra G oethe a d i a l ética com o espírito de contradição organizado (4, p. 37 ).

Quem co n h ece um pouco da h i stória da descendência hegel i a n a sabe no q u e deu a principa l tentativa de pôr em p rática o "esp írito de contrad ição organ izado". Trata - se, evidenteme nte, do m a rxismo, que tem entre se us créditos (ou débitos, depende do po nto de vista ) a d i reção do m a i s i m po rta nte aconteci mento h istórico do sécu lo XX, a revo l ução de outubro de 1 9 1 7 . No período que vem de H egel à Revo l ução de O utu bro boa pa rte ( pa ra não dizer a m e l h o r) da i ntelectu a l idade eu ropéia foi atraída pelo "espírito de con ­ tra d ição orga n izado" e a l g u ns, a com eça r por M a rx e E n gels, leva ra m - no às ú ltimas co n ­ seq ü ências, isto é , to r n a ra m - se m i l ita ntes do movim ento o perário.

M a s a Revol ução de O utu bro, em seus desdobrame ntos, vai pa rtici p a r sign ificativa ­ m ente de u m a nova situ ação n a q u a l o espírito de contradição volta a se desorg a n iza r, m a s sem q u e se possa seq u e r cog ita r de u m a reed ição do contexto h istó rico dos tem pos de Hegel. O q u e não i m pede o rea pa recimento de m a i s de u m a das facetas daquele a nte ­ pa ssa do. E dentre as novas, a principa l vem a ser p r i m e i ro o a b a n d o n o e depois a crítica da o r g a n ização: a pós as catástrofes q u e o movime nto operário sofreu desde a d éca da de vi nte, prog ressiva m e nte i n telectu ais m a rxistas deixam de ser m i l ita ntes de partidos o pe­ rá rios, sem entreta nto deixa rem de se r m a rx istas e adeptos da d i a l ética. O m a rxismo oci ­ dental e u m a de suas ve rte ntes, a E scola de F ra n kfu rt, são exem plos da p rodução fi losófi ­ ca i n d issoluvelm ente vinculada a esse contexto .

É

essa a expl icação de Perry Anderson pa ra o fe n ô m e n o : " n asci do do m a l o g ro das revo l u ções proletá rias nas zonas desenvo lvi ­ das do capita l ismo eu ropeu a pós a P r i m e i ra G u e rra M u n d i a l , ele desenvo lveu - se no meio de u ma crescente cisão entre a teo ria soci a l ista e a p rática da classe operária ( ... ) Em co n ­ seq üência d i sso, o s teóricos refu g ia ra m - se nas u n iversida des, afasta ndo - se d a vida do proleta riado dos seu s próprios pa íses, e a teo ria a ba n d o n o u a eco n o m ia e a política pela fi losofia" (3, p. 1 20 - 1 2 1 ). Em outra fo r m u l ação q u e res u m e u m pouco o pensa mento de Pe rry A n derso n , o ma rxismo ocidenta l , e n q u a nto exp ressão mais i nte ressa nte do espírito de co ntra d ição redeso rg a n izado, se ca racte riza pelo rom pi mento dos laços q u e l i g a ra m o m a rx i s m o clássico ao movi mento operário e a esse ro m p i m e nto co r responde u m a alte ra ­ ção do foco i ntelectu a l do m a rxismo: e n q u a nto M a rx sai da fi l osofia em d i reção à eco ­ n o m i a po l ítica, os m a rxistas ocide nta is volta m pa ra a fi losofia. I sto i m pl ica u m a outra característica, a g o ra relativa ao discu rso, que põe o m a rxismo ocide nta l em novo co n ­ traste com o clássico: e n q u a nto neste o local do discu rso é o sind icato o u o pa rti do, n a ­ q u e l e é o ce ntro de pesq u isa ou o depa rta mento u n i ve rsitário; o discu rso fi l osófico,

(3)

aco m pa n hado de suas dific u l dades técn icas prog ressiva m ente proi bitivas, por se dese n ­ volve r n u m a l i n g uagem a ltamente especi a l izada, su bstitu i o discu rso de i ntervenção polí­ tica.

Qua nto às facetas rei ntrod uzidas pela redeso r g a n i zação do espírito de contradição, e n u m e remos apenas a l g u m as das que Perry Anderson desenvolve: pessimismo genera l i ­ zado, ecletismo teó rico (tentativas d e com b i n a r o m a rxismo c o m outros sistemas i nte­ lectu a is, como os de Max Weber, H u sse rl/H eidegger, F reud, N ietzsche, Bachela rd, etc.), preocu pação esse ncial com a cu ltu ra b u r g u esa, ta nto co m o fo nte de i n fo rmação q u a nto como objeto de crítica e, pelo menos no n ível das i ntenções, postu ra de n ã o - ca pitu lação ao status quo.

3. O E N SA I O C O M O F O R MA, D E ADO R N O

Dentre o s pa íses que "sobrevivera m" à Seg u nda G u e rra M u n d i a l , ce rta m e nte a Ale­ manha Ocidenta l con heceu a h i stória m a i s sing u l a r: berço da d i a l ética moderna, d o mar­ xismo e do m a i o r pa rtido operário até então con hecido, o p reço q u e pagou (e paga ) pela sobrevi da do ca pita lismo (com di reito à p rese nça pe r m a n e nte das fo rças a rm adas a n g l o ­ a m erica nas) i n c l u i a m a n utenção da o rdem social mais reacioná ria do m u ndo dito l ivre. N ão resistimos à tentação de tra nscreve r a passag e m de Perry Anderson a seu respeito: "A Ale m a n h a Ocidental do pós - g u e rra era a g o ra, soci a l e pol itica m e n te, o mais reaci o ­ n á r i o d o s pa íses ca pita l istas da E u ropa Ocidenta l; a sua tradição m a rxista fo ra exti rpada pe lo cha uvi nismo nazi e pela re p ressão norte - a m e ri ca n a e o se u proleta riado encontra ­ va - se de momento passivo e i nativo ( ... ) o P a rtido Com u n ista seria ba n i d o e o P a rtido Socia l Democrata aba ndona ria ofici a l m e nte q u a l q u e r conexão co m o m a rxismo" (3, p. 48 - 49 ).

É

nesse país e nesse co ntexto q u e a E sco la de Adorno, o I nstituto de Pesq u isas S o ­ cia is de F ra n kfu rt, onde s e refu g i o u o pe nsa mento ma rxista, con hece s e u pe ríodo de maior produtividade. O próprio texto que vamos a p resenta r é do período 1 954 - 58. E é o co n h eci mento profu ndo dessa si n g u l a ridade a l e m ã q u e faz o nosso fi lósofo logo de i n ício defender a fo rma do ensaio por razões ex plicita mente po l íticas (mas de política de i nte­ lectu al, bem ente n d i d o ) : " N a Alem a n ha, o ensaio p rovoca a defesa p o rq u e reco rda e exo rta a l i berdade de espírito, a q u a l , desde o fracasso de u m a tíbia i l u stração j á fracas ­ sada n o s tem pos de Lei bniz, não s e desenvolveu suficientemente nem a i n d a hoje, s o b a s co nd ições da l i berdade fo rmal, m a s ao contrário sem pre esteve disposta a p rocl a m a r co mo sua mais própria aspi ração a subm issão a q u a isq u e r i n stâ ncias" ( 1 , p. 1 2 ) .

Ainda q u e s e u pa no de fu ndo seja a situação a l e m ã esboçada, todos s a b e m o s q u e as setas de Ado rno têm um a lvo bem p reciso: a i ntelectu a l idade alemã a p resentada co m o sem pre disposta à s u b m i ssão. Mas é possível p recisa r u m pouco m a i s esse a lvo, j á q u e o próprio fi lósofo não se l i m ita a fazer- l he a l u sões tão vagas. E sse a lvo m a i s p reciso é a p resentado como feroz i n i m i g o do ensaio.

P a ra co m p reender ao menos superfici a l m e nte as razões do ata q u e de Adorno a essa facção da i ntel ectu a l idade a lemã, é necessária u m a d i g ressão mesmo q u e rápida: a so­ brevida do capita l ismo no pós - g u e rra teve conseqüências m a i s q u e desastrosas pa ra a vida i ntelectu a l de u m modo geral. Além da p roleta rização dos i ntelect u a i s (e, po rta nto, do fim ra dica l de q u a l q u e r i l usão so b re l i berdade), i m p l icou a su pe rfra g m entação do sa ­ ber. O u , pa ra usa r a ex pressão co rre nte, levou a divisão do t ra b a l h o às ú ltimas co nse­ q ü ências. N o ca pita lismo tardio, a palavra de o rdem pa ra a u n ive rsidade é p rod u z i r espe ­ cia l i stas - os profu ndos con h ecedo res de a l g u m m icrocosmo do ca m po do sa be r q u e, entreta nto, são necessa riamente i g n o ra ntes de todos os demais.

É

o fen ômeno q ue tam ­ bém foi chamado de idi otia dos peritos. A própria fi losofia, ca m po q u e nos i nteressa, su ­ cu m b i u à tendência geral. Daí o peso e a i m portâ ncia política assu m i da no pe ríodo po r

(4)

todas as co r rentes da fi losofia a n a l ítica (e eis q u e acaba0s nomeando o a dversá rio de Ado r n o e do ensaio). E rnest M a n dei, q u e res u m i mos acima, encerra com as seg u i ntes pa lavras o seu ca pítu lo so bre a ideo logia no ca pita lismo ta rdio: "O verdadei ro ído l o do ca pita l ismo tardio é o 'es peci a l i sta' cego a todo o contexto g lobal; o equ iva lente fi losófico dessa especi a l ização técnica é o neo positivismo" (9, p. 357 ).

Dada esta dete r m i nação m a i o r da fi losofia a n a l ítica, acom pa n h emos seus traços nos te rmos de Adorno: "só aceita co m o fi losofia aquilo q u e se reveste da d i g n idade do u n i ­ ve rsa l , perma nente e, s e possíve l, orig i n á rio, s e m s e ocu pa r da fo rm a�ão espi ritu a l p a rti ­ cu l a r, a não ser n a medida em q u e seja p reciso exe m p l ifica r nela as categorias gera is, ou, pelo menos, na medida e m q u e o p a rticu l a r se torna tran spa rente através delas" ( 1 , p. 1 2 ). Além de aceita r, m a i s q u e i sso, aspi r a r à s u b m issão, assu me e l uta pelo modelo da m o r a l i l i m itada do tra ba l h o ( a q u e l a exigência de p rodutividade q u a ntificável do tra b a l h o intelect u a l , t ã o p ro pa lada por estas plagas u l ti m a m a nte) , te ndo u m m e d o pãn ico da n e ­ gatividade e d a i nterpretação q u e p rete n de i r a l ém das a pa rências. A l i ás, p roíbe isso q u e co nsidera "exe rcícios p ró p rios de i ntel igências m a l orientadas" e q u e leva m à "i nvenção de fa ntasmas", pondo " i nte r p retativa m ente conteúdos onde não h á n en h u m conteúdo a ser ex p l icita d o através de i nte r p retação ( 1 , p. 1 2 - 1 3 ) . O ra, diz Adorno, " u m a vez que se sucum be ao te r ro r dessa proi bição de pensa r a l é m do q u e j á se enco ntra pensado no d a ­ do, já s e está aceita ndo a fa lsa i ntenção q u e homens e coisas a b rigam de si mesmos" ( 1 , p. 1 3 ) .

O veto à i nte r p retação s e a póia n u m m otivo de peso: trata - se de ex p u l s a r a "esponta ­ neidade d a fa ntasia su bjetiva" em n o m e de u m va l o r m a i o r, a "disci p l i n a objetiva"; deve ­ se, é cla ro, à "te n d ê ncia positivista g e ra l , q u e contra põe rig i d a m e nte ao sujeito todo o b ­ jeto possível como o bjeto de i nvestig ação e pe r m a n ece, neste como em todos os seus momentos, na m e ra sepa ração entre fo rma e co nteúdo" ( 1 , p. 1 3 ). A pa rt i r dessa radical sepa ração entre fo rma e conteúdo, a te ndência positivista pode ta m bém postu l a r a exi ­ gê ncia d o método ( d a í o i m pu l so à " neutra" disci p l i n a d a m etodologia científica ), seja ele obediente a Desca rtes ou à corrente empi rista ( pois, lem b ra Adorno, a i nda que se a p re ­ senta n d o sob a fo rma de ensaio, o e m p i rismo, desde Bacon, sem p re foi sob retudo méto­ do) e sua conseq ü ê ncia necessá ria: a ex igência de organização do pensam ento em siste­ ma o u , como i nsiste Adorno, a fo rma adeq u a d a pa ra a exposição do pensa mento fi losófi ­ co, seg u ndo a vitoriosa co rrente a n a l ítica, seria o tratado.

N ada pode se r m a i s avesso a todas essas exi gências do q u e o ensaio defendido por Adorno. Sua i m pert i n ência, com o vi m os, j á co meça no desa g rádavel fato de exo rta r à l i ­ berdade de espírito e de recusa r - se a a d m iti r q u e p rescreva m s u a com petência. A l é m d o m a is, " o esfo rço do ensaio a i n d a reflete o ócio i nfa nti l q u e s e i nfl a m a s e m escrúpu los co m o que o utros já fizera m ( ... ) Não com eça por Adão e Eva, mas po r a q u i l o de q u e q u e r fa l a r; d i z o q u e l h e ocorre a s e u respeito, term i n a q u a ndo ele m e s m o s e sente chegado ao fi n a l e não o nde n ã o fa lta m a i s nada a dizer" ( 1 , p. 1 2 ) . E tem mais: o ensaio não apenas não se s u b m ete à p ro i bição de i nte r p reta r, mas ainda vai mais longe, pois suas i nterpre­ tações n ã o p rocu ra m fu n d a m e ntos fi lológ icos e são por pri ncípio h i peri nterpretações.

N este p rocesso aca ba reti ra n d o a másca ra do q u e se a p resenta co m o o bjetivi dade. O e n ­ sa ísta sa be, a l é m disso, q u e q u a l q u e r fen ô m e n o espi ritua l (cu ltu ra l ) é sem p re síntese d e i n ú me ras s i g n ificações o bjetivas, de m o d o q u e o recepto r, pa ra desve n d á - Ias, precisa l a n ç a r mão da espo nta neidade da fa ntasia su bjetiva. Como se vê, trata - se de fo rma q u e deve mesmo se r com batida p e l o " g rêmio a n a l ítico".

Ado r n o não i g n o ra entreta nto que h á ensaios e ensaios e, mais g rave, que essas mesmas caracte r ísticas, com binadas com a l g u mas o utras, perm item o cu ltivo do m a u e n ­ sa i o e este p recisa ser criticado, em bora por motivos diferentes d o s a n a l íticos. U m desses aspectos é o seu excessivo envolvi mento com a o r g a n ização cu ltu ra l q u e p resti g i a os produtos do m e rcado, co m o nos casos l a m entáveis de Sai nte- Beuve e Stefa n Zweig, e n ­ sa ístas q u e pa rtici p a m do p rocesso de m itificação das m e rcadorias cu ltu rais. Refe ri ndo­ se especifica me nte a Stefa n Zweig, diz Adorno: " E sta l iteratu ra não critica os co nceitos

(5)

a bstratos fu ndamentais, os dados sem co nceito, os cl ich ês gastos, m a s ao contrário os pressu põe i m p l icita mente e, por isso mesmo, concorda co m p leta m ente com el es" ( 1 , p. 1 4 - 1 5 ) . P a ra ele, Stefa n Zweig a b u sa dos clichês psicolog iza ntes, por exem plo, e por isso fo rnece bons a r g u m e ntos pa ra os i n i m i g os da fo rma. Mas Adorno a rremata: "Os m a u s ensaios não s ã o m e n o s confo rm istas q u e as m ás teses de douto ra m e nto" ( 1 , p. 1 5 ).

Desca rta do o m a u ensaio, voltemos aos mé ritos dos bons. Desenvo lvendo u m de seus traços já i n d icados - põe em d úvida o di reito a bso l u to do m étodo - , Adorno desta ca q u e o ensaio s e recusa a red u z i r t u d o a u m ú n ico pri ncípio, acentua o pa rcial dia nte d o tota l, é frag mentário. E , usando a l g u mas moedas fra ncesas q u e j á ci rcu l a ra m por a q u i , podemos acresce nta r por nossa própria conta : expõe uma co m p reensão prismática dos seu s obje­ tos, o l h a - os de esg u e l h a , muda de p l a n os, não tem nem p rocu ra um solo fixo. Mas vol ­ ta ndo a Ado rno, o ensaio se disti n g u e por reco loca r a i ro n i a co m o fo rma d e a bordagem das coisas e de si mesmo e se i nsu rge co ntra toda doutri n a q u e decl a ra i n d i g no da filoso ­ fi a q u a l q u e r objeto m uta nte ou efêmero: o ensaio prete nde repa ra r u m a vel h a i nj u stiça, pois "não se deixa i nt i m i d a r pelos ataq ues de uma degenerada e medita b u n d a p rofu n d i ­ dade q u e afi rma a contra posição i rreco nci l i ável entre h i stória e verdade" ( 1 , p. 1 9 ). E por­ q u e toma experiência co mo referência à história, porq ue não aceita a disti nção entre fi l o ­ sofia primeira e fi losofia d a cu ltura, porq ue n ã o prete nde bu sca r o ete r n o no efêmero, mas eterniza r o efêmero, no ensaio o pensamento se l i be rta da idéia tradici o n a l de ver­ dade, suspendendo o conceito tradici o n a l de método. Ainda neste ca pítu lo encontra -se a razão por q u e é i n e rente à fo rma do ensaio a sua própria relativização: o ensaio se es­ trutu ra co m o se pudesse i nterrom per-se a q u a l q u e r m o m ento. P o r isso ta m bém o ensaio pensa desconti n u a m e nte. Como a rea lidade é desco ntín u a , o ensaio e ncontra a sua u n i ­ dade através d e ru ptu ras, e n ã o tenta ndo enco b ri - I as*.

É

b o m l e m brar, entreta nto, q u e h á u m a outra razão, m u ito mais i m po rta nte pa ra Adorno, desse pensa m ento desco ntí­ nuo: "a desco nti n u idade é essencial ao ensaio, seu objeto é sempre um conlito detido" ( 1 , p. 27 ). Volta remos a isto logo mais.

De u m modo gera l, mas não exaustivo, reu n i m os boa pa rte da a rti l ha ria em p regada por Ado rno co ntra o co nju nto da fi losofi a a n a l ítica. M as, como se sabe, esta-co nstitui a penas seu pri ncipa l adversário. A teo ria crítica, tam bém dia lética negativa , tem outros, q ue vão se ndo esg r i m i dos a q u i e a l i . Como é i m possível reco nstitu i r todos os se us entre­ veros, l i m item o - nos ao debate com Lu kács. E ste fi lósofo q u a ndo jovem ( 1 9 1 0 ) escreve ra um ensa i o co m o significativo títu l o "Sobre a essê ncia e fo rma do ensaio" (8, p. 1 5 - 39 ) no q u a l , por razões q u e não ca be discuti r a q u i e de ma nei ra a l g o tatea rte, p ro põe q u e se pense essa fo rma co mo gênero a rtístico. Uma outra pro posição sua - q Ue pa rece ter tido m u ito mais co nseq üência - é a de q u e o ensaio aspi ra ao sistema. A l i ás, esta idéia é a p re­ se nta da, a i n d a q u e a poiada em informações problem áticas, seg u n d o Cacci a ri (5, p. 59 -79), n u m a fo rm u l ação ferocíss i m a : "O ensa ísta é u m Schope n h a u e r que escreve os Parerga à es pera de seu (ou de outro) Mundo como vontade e representação; é um Batista que p rega no dese rto a vinda de a l g u é m que h á de vi r, de a l g u é m cujas sa n d á l i a s ele n ã o é d i g n o de a m a rra r" ( 8 , p. 37 ) . O u , em outra fo r m u l ação do p r ó p r i o L u kács, os ensaios esta rão sem p re a ntes do sistema. Seria o mesm o q u e d i ze r, i nte rp reta ndo em uma d i re ­ ç ã o a metáfora do Batista, aspi ra m ao sistema, m a s n ã o t ê m co n d i ções de cheg a r a ele.

E ssas as p ri nci pais pro posições q u e Ado rno vai debater com L u kács. C o m o a q u estão do sistema já está devi damente determi nada (coisa de positivista s), é q u ase red u n d ã ncia

* C o nforme já ficou referido, Perry A n d erso n chama de ecletismo teó rico esse traço do m a rxismo ocidenta l q u e consiste em fazer e m p résti mos teóricos com o a pa rente objetivo de " e n r i q u ecer o pensa m ento m a rxista " . Este é u m bom exe m p l o , pois se trata de e m p résti mo to m a d o d e Bachelard . C o m o n ão temos cond ições de ava l i a r o seu a lca nce, lem bra m os a penas q u e , do po nto d e vista fi ­ na ncei ro, n o rma l m ente q u em sa i g a n h a n d o com u m em p résti mo é o a g i ota . . .

(6)

dizer q u e por essa proposlçao L u kács acaba recebendo a sua meda l h i n ha de h o n ra ao m érito positivista . M a s Adorno n ã o fica n i sso, pois p a ra a l ém dessa discussão ele tem uma p ro posta - a da teo ria (crítica ) que não é sistema. Reu n i ndo, então, os dois proble­ m a s ( a rte e ciência, teo ria e siste m a ) . a p resenta a seg u i nte resposta a L u kács: "o ensaio é ao mesmo tem po mais áberto e mais fechado do q u e gosta ria o pensa m e nto tradicio n a l . É mais a berto po rque nega toda sistem ática e se basta tanto mais a si mesmo q u a nto m a i s r i g o rosa m ente se atém a esta negação ( ... ) E ta m bém é mais fechado porq ue tra b a ­ l h a e nfatica m e nte na fo rma da exposição. A consci ência da n ã o - identidade e ntre a ex po ­ sição e seu o bjeto i m põe u m esfo rço i l i m itado à exposição.

É só nisto que o ensaio se apa renta com a a rte; no mais seu parentesco se dá com a teo ria, por ca usa dos co nceitos q u e nele a pa recem, os q u a i s trazem de fora suas sig n ifi ­ cações e s u a s referências teóricas ( ... ) Assim co m o a bsorve de fora co nceitos e experi ê n ­ cias, a bso rve ta m bém teo rias ( ... ) ( M as) o e n s a i o consome as teo rias q u e l he são próx i ­ m a s ; sua tendência é sem p re a de l i q u i d a r a o p i n ião, i n c l usive a o pi n ião q u e to m a como ponto de pa rtida" ( 1 , p. 29 -30 ). E com essa resposta a L u kács encontram os, nada por aca­ so, boa pa rte da expl icação de Adorno pa ra a sua esco l h a metodo l ógica (se ele nos per­ doa a h e resi a ) : o m á x i m o que se u pensa m e nto a nti - sistem ático to lera em termos de ex­ posição é a teo ria, n u nca o sistema.

Através de P a u l o Ara ntes fica mos sabendo q u e Hegel co nsiderava o ensa io como exe m p l o de dissertação a rbitrá ria. De fato, n a I ntrodução aos Princípios da Filosofia do Di­ reito, encontra mos u m ataq ue aos q u e reivi n d icava m os d i reitos da su bjetividade, a de­ voração de teo rias e a exposição co m p rometida com o objeto: "o modo da consci ência i m edi ata e do senti mento tra nsfo r m a a co nti n g ê ncia, a s u bjetivi dade e o a rbitrá rio em pri ncípios ( ... ) Se este m étodo é o m a i s cômodo, é ta m bém o menos fi losófico" (7, p. 49 ) . Sem g ra n d e su rpresa, encontra mos no mesm o l u g a r a inform ação de q u e este método menos fi losófico veio su bstitu i r o mais ou menos desa pa recido m étodo fo r m a l i sta das defi n ições, silogismos e demonstrações ... M a s voltemos a Adorno a ntes que se crie um i m brog l io.

A d i g ressão aci m a é p rovocada pelo próprio Adorno, uma vez que reivi ndica o ca ráte r d i a l ético de s u a fo rma. C o m o são bem con hecidas as o bjeções q u e vêm desde M a rx ao ca ráter idea l i sta da d i a l ética hege l i a n a e os mais recentes repa ros à dificu ldade q u e teve Hegel - d ificu ldade afi n a l n ã o su perada - na tentativa de e n q u a d r a r sua d i a l ética em sis­ tem a , passemos sim plesme nte a pa lavra a Ado rno: "o ensaio é mais d i a l ético do q u e a d i a l ética q u a ndo se expõe a si m esma, pois esta conti n u o u fa l a n d o em ' m étodo' d i a l ético, seg u ndo o costume ideal ista; o ensaio to m a a lóg ica de H egel ao pé da letra; ( ... ) pa ra sa l ­ va r o pensa m ento da a rbitra riedade assu m i u - a e m seu próprio p roced i m e nto, ao i nvés de m a sca ra r a a rb itra riedade, disfa rça ndo - a de i m ed i aticidade" ( 1 , p. 30 -31 ). I sto não po­ de, em nen h u m a h i pótese, leva r à co ncl u são (tentadora) de q u e o ensaio, assu m i ndo a a rbitra riedade, n ã o tem lógica. Resu m i ndo o a rg u m ento de Adorno, podemos dizer q u e o e n s a i o ta m bém t e m a sua lógica. E stá cla ro q u e não s e trata da ve l h a lóg ica meram ente discu rsiva ou da nova lóg ica das exi gências matem áticas. E stamos fa l a ndo da lógica d i a ­ lética , a q u e n ã o a d m ite meras contrad ições q u e red u n d a ri a m em i nconseq ü ê ncia; o q u e s e encontra no e n s a i o s ã o co ntradições q ue s e fu n d a m e nta m c o m o co ntradições da pró­ p ria coisa. E ence rremos este ca pítul o com as conside rações fi nais de Adorno a m plia ndo o a lcance das co ntradições p resentes no ensaio: "a mais ínti m a lei fo rmal do ensaio é a heresia. P o r violência contra a .o rtodoxia do pensa m ento se to rna visível na coisa a q u i l o q u e a o rtodoxia t e m por fi n a l i dade secreta e o bjetiva m a nter ocu lto" ( 1 , p . 36 ) .

4. A C O N S O LAÇÃO DA TRAG É D I A

Com enta ndo esse texto de Adorno, em nota e com o s e fosse mesmo en passant, P a u l o Arantes apo nta u m deta l h e fu n d a m e nta l : " N otemos de passa gem q u e Adorno mostra -se

(7)

cu riosa mente discreto acerca do p rocesso q u e i n d u z esse ti po de construção fo rmal". De fato, é cu ri oso pois as exigências teó ricas do p ró p rio Adorno passa m por a í. E le trata dis­ so i n ú m e ras vezes, mas basta, pa ra exe m p l ifica r, a seg u i nte passa gem de sua Teoria Es­

tética: "alguém q u e não com p reende o aspecto p u ra m e nte m u sical de u m a sinfonia de Beethoven, com p ree nde-a tão pouco co mo a l g u ém q u e nela não percebe o eco da R e ­ volução F ra ncesa" (2, p. 383 ).

Se Adorno foi discreto ace rca desse processo socia l , não sería m os nós a preencher ta l lacu na, a l ém do q u e fez Perry Anderso n . M a s não cu sta puxa r pelo menos u m fio da . meada q u e vem de Ado rno e de H a bermas pa ra tenta r ligar a lg u m a s coisas que a i n d a estão soltas. P a ra Adorno, " h i sto rica m ente o e n s a i o t e m pa rentesco com a retó rica, q u e a menta l idade científica q u i s com bater, desde Desca rtes e Bacon, até q ue, m u ito conse­ q üentemente, esta aca bou po r rebaixa r - se, na era científica, à categ oria de uma ciência sui generis, a ciência da com u n icação. P o r ce rto a retó rica desde sem p re foi o pensa­

mento adaptado à l i n g uagem co m u n icativa. E ste pensa m e nto a p o ntava pa ra a óbvia e trivial satisfação dos ouvi ntes.

É

p recisamente na auto n o m i a da ex posição, pel a q u a l se dife rencia da com u n icação cie ntífica, q u e o e nsaio co nse rva restos daquele elemento co­ m u ni cativo q u e fa lta à co m u n i cação científica" ( 1 , p. 32-33 ) . H a bermas apo nta mais cl a ­ ramente o q u e s u bjaz a esta defesa d o momento retó rico n o ensa i o : "O ensaio fi losófico pa ga po r suas va ntagens o p reço de se r menos rigo roso, mas essas vantagens, a pesa r de tudo, são reais, em confron·to com as fo rmas m a i s sistem áticas de a p resentação que pre­ dom i n a m hoje na Alem a n ha Federa l , so b a i nfl uência da fi l o sofi a a n a l ítica. G raças a seu ca ráte r l iterário, o ensaio tem acesso mais fácil à co n sci ência p ú b l i ca e, po rta nto, m a i o r eficácia do ponto de vista p u b l icístico" ( 6, p. 68 -69 ). De m o d o q u e tanto A d o r n o como·

Ha bermas, defendendo o retó rico, a d m item ex pl icita mente a i ntenção de i nfl uenci a r u m públ ico.

Po r esse fi o va mos encontra r o que a o mes m o te m po a p roxima e afasta o m a rxismo ocidenta l do m a rxismo clássico, assim como u m dos elementos daquele processo h i stóri ­ co já referido. Qua nto ao m a rxismo clássico, ao i nvés de ensaios temos basica m ente dois tipos de textos. Os menos freq üe ntados, os tratados, co m o O Capital, obras de Lênin, Trotsky, B u k h a r i n , R osa de Luxem b u rgo e os mais acessíveis q u e, à falta de u m nome próprio, podemos c h a m a r de textos de i nte rve nção, tais como a rtigos de jornais e revis­ tas, contri bu ições em debates, pro postas program áticas, etc., que os mesmos auto res aci m a ta m bém p roduz i ra m . Sem q u a l q u e r leva nta m e nto estatístico, o u sa ría mos a posta r que este seg u ndo ti po de textos pred o m i n a na l iteratu ra m a rxista clássica e é co m ele q u e o ensa i o dos fra n kfu rtia nos reivi ndica pa re ntesco, s e leva rmos a s é r i o a q u e l a va ntagem apo ntada por H a bermas - o acesso mais fáci l à consci ência p ú b l ica e po rta nto m a i o r efi ­ cácia do ponto de vista p u b l icístico : os ensaios da E scola de F ra n kfu rt p retendem ser a l ­ g u m a fo rma d e i ntervenção. O utra coisa é sa ber n o q u e pode da r essa i nte rve nção, j á q u e a l i nguagem altamente especi a l izada destes ma rx istas não é a m e n o r das ba r re i ras q u e s e u "pú blico visado" t e m a s u pe ra r pa ra c h e g a r a eles. ( O u s o da ex p ressão típica do j a r ­ gão publ icitá rio é pro posita l : co m o não esta mos p retendendo prod u z i r u m ensaio, não ' precisamos seg u i r a "boa técn ica ensa ística" que, conforme lem bra P a u l o Ara ntes, "re­ co menda a l u sões tácitas, n u nca ex pl ícitas"). A d úvida so b re a "i nte rvenção" deco rre da­ quela sítu ação do m a rxismo oci denta l q u e v i m os com Perry Anderson - sua desvi ncu l a ­ ção d a s organ izações po l íticas operárias. N a medida em q u e o ensaio é escrito p a ra p u ­ bl icação, fa lta - l he o elemento essencial ao caráter do texto de i nte rve nção, isto é , o seu modo de divulgação. Como um texto de i nte rvenção visa a resu ltados p ráticos concretos (políticos em sentido estrito), podemos lem bra r pelo menos dois modos de sua divu l g a ­ ção: circu lação i m ed iata e i nte rna à o r g a n ização com vistas a d a r i n ício o u conti n u idade a u m p rocesso de debates q u e necessa riam ente terá co m o resu ltado u m a decisão pol ítica, o u publ icação em panfletos, m a n i festos, jornais ou revistas de m i l itância com as fu nções de propaga nda e organ ização (de acordo co m Lên i n ) . O ra, todos sa bem q u e os ensaios dos fi lósofos de Frankfu rt, com exceção de a l g u ns textos de Wa lter Benja m i n , n ão têm

(8)

esses modos de divulg ação, até porque, mesmo q u e H a bermas fa le em " m a i o r eficácia do ponto de vista p u b l icístico", n u nca esteve nas cogitações dos fra n kfu rtia n os "orga n i ­ zar" q u a l q u e r te ndência po l ítica : eles n ã o são políticos, m a s fi lósofos e n ã o escrevem textos políticos, mas ensaios fi losóficos que, no dizer de Ha bermas, no m á x i m o podem comunicar-se com o pensa m ento po l ítico. M a s fica , sem dúvida, a nosta l g i a da i nterve n ­ ção ...

E ssa nosta l g i a do es pírito de contrad ição redeso rganizado ta lvez seja assunto pa ra psica n a l i stas, não é po rta nto da nossa com petência exa m i n á - Ia. Mas pa l pite pode- se dar. Dizía m os que pa ra Adorno o o bjeto do ensaio é

ü

m conito detido. P o r confl ito deti do entendemos a conj u ntu ra que se a b r i u com a série de derrotas sofri das pelo proleta riado i n iciada n a Alem a n h a em 1 9 1 8. Derrotas à di reita (ascensão do nazismo, Seg unda G ue rra M u n d i a l ) e à esq uerda (advento do sta l i nismo, p ratica m e nte leva ndo o m a rxismo à l i q u i ­ dação) q u e entreta nto n ã o resolve ra m , no sentido d i a l ético, a contradição fu ndamenta l do modo de p rodução ca pita l i sta, tam bém co n heci da como l u ta de classes. Co nfl ito deti ­ d o porq u e e m 1 958, q u a ndo Ado rno p u b l icou o seu ensaio, princi pa l m ente na Alem a n h a e r a i m possível pensa r em s o l u ç ã o revolucionária: a reação c o m i a solta. N ã o é de a d m i ra r q ue, em tais cond ições, i ntelectuais m a rx i stas po n h a m sob suspeição q u a l q u e r pe rspecti­ va de m i l itância p o l ítica, a b r i g a n d o - se n a u n ive rsi dade.

M a s este recuo tem u m p reço. S u gerido pelas a n á l ises q u e P a u lo Ara ntes faz dos co nte m p o râ neos de Hegel e M a rx dos seu s, faz pa rte do q u a d ro mais a m plo da tragédia. A ce rta a ltu ra, Paulo Ara ntes diz: " O ensaio co mo fo rma e o i ntelectu a l moderno têm a mesma i d a de, de ta l so rte q u e as caracte rísticas estruturais de u m espel h a m - se na índole e nos h u m o res do outro". Já v i m os com Adorno a índole do ensaio. Vejamos co mo M a n n hei m ( dica de Paulo A ra ntes) a l g u n s h u m o res do intelectu a l : " O m e m b ro da intei­ gentsia pode m a i s faci l m ente m u d a r seu ponto de vista e está menos ri g i d a m ente eng a ­ j a d o n u m l a d o do co nfl ito, p o i s e l e é ca paz de expe rimenta r concom ita ntemente várias

abordagens da mesma coisa ( ... ) O fato de esta r exposto a vá rias facetas da mesma q u estão, assi m co m o seu acesso mais fáci l a outras i nterpretações da mesma situação, de um lado faz com que o i ntelect u a l se reco n heça n u m a á rea mais a m p la de uma socied ade pola rizada; m a s de outro, essas m esmas co nd ições fazem dele u m a l iado menos digno de co nfi a n ça do que a l g u é m cujas esco l has se referem a uma seleção menor das vá rias fa ­ cetas sob as q u a i s a rea lidade se a p resenta" ( 1 0, p. 8 1 ) . O passo d ispensa comentá rios, mas conven h a m o s que "esta r menos ri g i d a m ente en gajado num dos lados do co nfl ito" se aco m oda basta nte bem com exa m i n a r de vários â n g u los (ou com o l h a r p rism ático) u m "co nfl ito detido".

É

ainda em M â n n he i m , nos seu s ensaios por sinal, q u e Paulo Ara ntes co l h e os se­ g u i ntes traços e observações sobre o fe nômeno m ó rbido da inteligentsia no sécu lo X I X : ex íl i o dom éstico, d a n d ismo, ceticismo de b o m tom, bova rismo à s avessas, gosto pelo pa radoxo, pela acrobacia i ntelectua l e pela g ratuidade. Em outras pal avras, fa lta de ca rá­ te r e de convicções. P o rq u e, ten d o o se nso refi nado pa ra reco l h e r o q u e fo r co nvenie nte na ava l a nche das idéias postas à sua dis posição, os i ntelectu a i s pa recem sem pre p ro ntos a d a r as boas vindas às idéias novas e, i n stáveis, ta m bém p rontos a m u d a r de idéia tão logo as coisas a n dem m a l ou não satisfaça m suas ex pectativas a bstratas. E m bo ra a tra n s ­ crição de M a n n he i m diga respeito à situação da Alem a n h a no q u a d ro da tra nsição reta r­ datária pa ra o ca pita lismo (estu dado, d i g a - se de passagem, de "menos â n g u lo" por M a rx em o bras co m o I ntrodução à C rítica d a F i l osofia do Di reito de Hegel, A Sagrada Fam/1ia ou A Ideologia Alemã) , o e m p rego dos verbos no p resente não deve se r to mado co mo eq u í ­ voco : a i d é i a é a pontar a possi b i l idade q u e tais traços voltem a s e m a n ifesta r em tem pos de ca pita l i smo tardio.

cla ro q u e esses h u m o res não se a p l icam a Adorno, mas já não tem os tanta certeza q u a nto a seus discípu los). M a n ifesta9ão acom pa nhada do mesmo ti ­ po de o pções fo r m a is - o ensaio é a penas u m a delas. E Massi m o Caccia ri quem a

(9)

senta o ensa i o como consolação da tra g édia (5, p. 75). T ragédia po rq ue sua p ro posição tem algo a ver com O momento do ensaio de Adorno em que a retó rica entrou em ce n a : "A satisfação q u e a retórica q u e r proporcio n a r a o ouvi nte s e s u b l i m a no e n s a i o a t é se tra nsfo r m a r na idéia da fel icidade de u m a li berdade frente ao o bjeto" ( 1 , p. 33). Mas se já sa bemos q u e o o bjeto do ensaio é o confl ito deti do, não seria o caso de perg u nta r se não se está repondo a vel ha il usão do i ntelect u a l sem a m a rras? O u , mais especifica m e nte, as i l u sões do protagonista da Ideologia Alemã?

COSTA , I . C . - A d o rno's essay a n d the socia l production of fo rm o Trans/Fo rml Ação, São Pa u lo , 9/ 1 0 : 41 - 48, 1 986/87.

ABSTRACT: In order to discuss essay as a form in its relationship to philosophy, we take Adono 's text, "Essay as form", to investigate this fomal choice of Frankfut School. Once we find Adono's proposition about the object of essay as a detained conlict, we ty to suggest some of the social motivations to this choice.

KEY-WORDS: Classic maxism; westen maxism; dialectical method; nega tive dialectic; critical theoy; inte l ­ l i g e ntsi a; political organization.

R E FE R Ê N C IAS B I B LI O G RÁ FICAS

1 . A D O R N O , T. - E I ensayo como fo rma. In :--Notas de literatura . B a rce l o n a , Ariel, s.d.

2. A D O R N O , T. - Teoria Estética . Lisbo a , M a rtins Fo ntes, 1 980.

3. A N D E R S O N , P. - Considerações sobre o maxismo ocidental. Lisboa, Afro nta m ento , s/do 4. A R A NTE S , P . E . - Origens do esp írito d e contra d ição o r g a n i z a d o . In : --M a n u scrito.

C a m p i nas, U n ica m p , 1 985.

5. CACC I A R I , M. - Metropolis. R o m a , Offi c i n a E d i z io n i . 1 973 ( C a p o E nsaio e Tra g é d i a , p . 59- 79). 6. H A B E R MA S , J. -P refácio a o leitor bras i l e i ro .

bemas. São P a u l o , Ática, 1 980. In : F R E I TA G , B. & ROVA NETE, S. P., o r g . -

Ha-7. H E G E L, G . W. F. - Principes de la philosophie du droit. Pa ris, G a l l i m a r d , 1 963.

8. LU KÁ C S , G. - S o b re la esencia y fo rma dei ensayo . In: --EI alma y las formas. B a rce l o n a , G r i j a l b o , 1 975.

9. M A N D E L, E . - O capitalismo tardio. São P a u l o , A b r i l C u ltu ra l , 1 982.

1 0. MA N N H E I M , K. - Sociologia da cultura . São P a u l o , Perspectiva , 1 974.

Referências

Documentos relacionados

Face aos resultados obtidos, é importante que a enfermagem desenvolva uma atitude dinâmica e que mostre aos outros profissionais e à sociedade que o enfermeiro é cada vez mais

O terceiro modelo, denominado de "onze titular", não se baseará em estatísticas da equipa (como um todo coletivo) nem em odds antigas, mas sim em estatísticas individuais de

In this essay we seek to gather, organize and integrate in the form of key activities of meta-decision, three major groups of effort that a decision maker or a group of decision

Assim, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade microbiológica da água mineral engarrafada em galões de 20 litros e também da água proveniente

Métodos: estudo retrospectivo de 157 pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma de reto baixo, que foram divididos em dois grupos: Grupo 1, 81 pacientes (52%), submetidos

In the first part of the book the author gives an overview of classical and recent studies of anthropological youth research as well as urban studies and shows their relevance for

NET, S.A., for instance, is the local Business and Innovation Centre (BIC), whose main objectives are to promote the entrepreneurial attitude of the region, support both the

E foi essa situação que me colocou entre as narradoras de memórias, ou melhor, como a registradora de experiências das professoras dessa escola, que me fez pensar sobre