• Nenhum resultado encontrado

Uma leitura generificada da (re)inauguração de um fazer para mulheres: da Inglaterra ao Brasil.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Uma leitura generificada da (re)inauguração de um fazer para mulheres: da Inglaterra ao Brasil."

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

REVISAo

UMA LEITURA GENERIFICADA DA (RE)INAUGURACAO DE UM FAZER PARA

MULHERES: DA INGLATERRA AO BRASIL

A G E N D E R READ I N G ABOUT T H E (RE)I NAU G U RATI O N O F A F E MALE PRACTICE:

F RO M E N G LAN D TO B RAZ I L

U NA LECTU RA G E N E R I F I CADA D E LA (RE ) I NAU G U RAC I O N D E U N Q U E HACER PARA

M UJ E RE S : D E S D E I N G LATE R RA HASTA B RAS I L

Rosa M a ria Godoy Serpa d a Fonseca1

R E S U M O : Trata-se d e u m a le itu ra generificada de Florence N ightingale de s u a obra principal , "Notas sobre

e nfermagem : 0 q u e e e 0 q u e nao e", livro q u e com p i l a os pri n c i p i os e elementos essenciais da e nfermagem

moderna, profissionalizada na Inglaterra da segunda metade do seculo XIX e a maneira como a profissao constituiu­

se no Bras i l , explicitada principal mente na obra de Glete de Alcantara , "A enfermagem m oderna como categoria

profissional: obstacu los a

sua expansao na sociedade brasileira", pri m e i ra tese p rod uzida no pais, defendida em

1 96 3 . Verifica-se que em ambas as situa:oes, que as especificidades d a profi ssao entrecruzam-se com as do

mundo do trabalho fem i n i n o .

PALAVRAS-CHAVE: genero, e nfermagem , hist6ria da enfermagem

ABSTRACT: It is a gender read ing of Florence Nightingale's main work, " Notes on N u rsing: what is and what isn'" ,

a book which brings together the principles and essential elements of modern n u rsing, professionalized i n England

in the second half of the XIX centu ry and the way the profession was constituted i n Brazi l , as expl icited in the work

of Glete de Alcantara : "Modern n u rsing as a professional category: obstacles to its expansion in Brazilian society",

the fi rst n u rsing d issertation prod uced i n the cou ntry, i n 1 963 . lt ve rifi ed that i n both situations the specificities of

the n u rsing profession i ntermixes with that of the female working worl d .

KEYWO R D S : gender, n u rs i n g , h i story o f n u rsing

RES U M E N : Se trata de una lectura de genero de Florence Nightingale de su obra principal " Notas sobre enfermeria:

10 que es y 10 q u e no es", l i b ro q u e recoge los principios y elementos esenciales d e l a enfermeria moderna, cuya

profesionalizaci6n se d i o e n I n glaterra en la segunda m itad del siglo XIX y de a h i , como se constituy6 1a profesi6n

en Brasil, med iante

10

expuesto , principal mente , en la obra de Glete de Alcantara , " A enfermagem moderna como

categoria profissio n a l : o bstacu los a sua expansao na socied ade brasileira". Dicho l i b ro representa la primera

tesis sobre el asu nto prod ucida e n el pais y d efend ida e n 1 96 3 . Se verifica q u e en sendas situaciones las

especificidades d e la profesi6n se e ntrecruza n con las del mundo del trabajo fem e n i n o .

PALAB RAS C LAV E : genero , enfermeria, historia de la enfe rmeria

Recebido em 05/08/200 1

Aprovado em 06/02/2002

(2)

FLOREN C E N IGHTINGALE E " N OTAS SOBRE E N F E R M AG E M " : C R I A D O RA E C R I AT U RA (RE)INAUGURANDO UMA PROFISsAo E UM FZER PARA AS MULHERES

Q u a s e um s e c u l o e m e i o d e p o i s d e s u a

produ:ao, e instigador analisar 0 trabalho de Florence

Nightingale. Tentar compreende-Io e a autora signifi ca

tambem tentar compreender as origens da enfermagem

moderna como traba lho fem i n i n o , cu nhado com as

mesmas marcas d o trabalho d e mais da metade da

popul a:ao (a das m u l h eres ) , a i n d a h oj e alvo d e

i nte nsas d e s i g u a l d a d e s . A q u estao m ote p a ra a

presente analise foi : "Qual teria sido a contri bui:ao

da fu ndadora d a enfermagem moderna e de suas

seg u idoras, n o que concerne a com pree nsao d a

situa:ao social da m u l her " U m a leitu ra generificada

dessa prod u:ao poderia responder a essa indaga:ao.

"Notas sobre enferm a g e m : 0 q u e e e 0 q u e nao e"

°

primeiro paragrafo do livro, de autoria de leda

Barreira e Castro , i nstiga conhecer 0 seu conteudo,

no q u e ele revel a das i d e i a s d a autora sobre as

mulheres.

F l orence N i g h t i n g a l e ( 1 820- 1 9 1 0 ) , c o n s i d e ra d a a fu n d a d o ra d a a s s i m c h a m a d a e nfe r m a g e m m o d e rn a , torn o u -s e a p 6 s q u a s e u m s e c u l o e m e i o , u m a p e rs o n a g e m c o n t ro v e rt i d a . A s referencias feitas a sua pessoa e a s u a obra sao polarizad as ou pela exaltayao d e suas excelsas virtudes d e criatu ra p red esti nada por Deus, q u e ela mesma se acred itava , ou p e l a rep rovayao ao s e u a p o i o a p o l i t i c a i n g l e s a , e x p a n s i o n i sta e domi nadora . U m a visao mais j u sta seria ta lvez a de u m a fig u ra extraord inaria. q u e ousou negar 0 fru strado destino entao res e rvad o as m u l heres, mesmo as d e s u a alta cond iyao soci a l , lanya ndo­ se a uma vida d e ayao. Mas q u e , a pesar d e haver destoado do seu genera , foi a ntes d e tudo u m a representante d e sua e poca (CASTRO , 1 98 9 , p . 3 ) .

Florence nasceu e v i v e u 0 seu processo de

reprodu:ao social n o secu lo e m q u e se constata m

cond i:oes h i st6rico-socia i s ( Revo l u :ao I n d u stri a l ,

a v a n : o n o p r o c e s s o d e c o n h e c i m e n t o , d o

desenvolvimento das for:as produtivas e das rela:oes

de prod u:ao capitalistas) que permitiram 0 movimento

de resistencia ao a m b iente sombrio e triste , a ustero

e restritivo para as m u l heres, p ropiciado pela am pia

d o m i n a : a o m a s c u l i n a e s u b m i s s a o fe m i n i n a ,

constru idos anteriormente e q u e persistiram d u rante

boa parte desse . A partir de 1 830, nasce 0 femi n ismo,

provocando m u d an:as i m portantes n o mundo das

mulheres (trabalho assalariado, autonomia do individuo

civil , direito a instru:ao) e seu aparecimento no cenario

pol itico.

E

0 m o m e nta h i st6rico em q u e m u d a a

perspectiva de vida das m u l h e res, com 0 s u rg i me nto

da p o s s i b i l i d a d e de t o r n a r e m - s e p rota g o n i stas

politicas, futuras cidadas (FRAISSE; PERROT, 1 993).

N ao se pode d izer que Florence tenha militado

em favor dos direitos das mulheres, nem que ela tenha

se i dentificado com 0 fem i n ismo e seus prop6sitos ,

da maneira como 0 com p reendemos na atualidade.

Sua meta era tornar a enfermagem u m ca mpo de

pratica fem i n i n a reco nhecido social mente, l ivre dos

estere6tipos que cercavam as mulheres que cuidavam

dos doentes ate entao. E isso s6 poderia ter ocorrid o

em u m contexto s6cio-pol itico favoravel , em bora

bastante restritivo as m u l heres.

Na reconstru:ao da hist6ria das mulheres, para

Genevieve F raisse e M ichelle Perrot 0 secu lo XIX

con stitu i u u m a especie de n exo nessa hist6ria, com

red i stri bui:ao das cartas trad icionais entre 0 trabalho

e a fam ilia, em casa e nos locais de trabalho (fabricas,

ofici nas, escrit6rios, etc . ) .

I d e a l d e vida domestico e valor util para 0 serviyo socia l , e ntre 0 m u ndo d a s aparencias. 0 adorno e 0 p ra z e r, e 0 m u n d o da s u b s i st e n c i a. a a p rend izage m e 0 exercicio de u m oficio, entre 0 l u g a r d a pratica re l i g iosa , exercicio espi ritu a l e reg ra soci a l , e 0 novo espayo da e d u cayao, a e s c o l a l a i c a . ( .

.

. ) C o m m a i o r o u m e n o r ingenuidade ou com maior o u menor consciencia . as m u l heres rechayaram a normal izayao de u ma existe ncia q u e , sem d uvid a , se apresentava sob a forma d e um idea l ; e ainda quando acred itaram nesse i d e a l , e tratara m d e a p roxi m a r-se d e l e , t a m b e m 0 transformara m ( F RAI S S E ; PE RROT,

1 99 3 , p . 1 4- 1 5 ) .

S e m a b d i ca r de v a l o re s re l i g i o s o s e

h u m a n itarios, Florence participou desse movimento .

Seg u n d o 0 bi6g rafo Wood h a m - S m ith ( 1 95 1 ), ela

i m p l o rava p o r fazer algo util ao i nves de gastar

i nuti l m ente 0 d i n he i ro dos pais.

A formidavel tarefa real izada por Florence foi a

de logra r i mi scu i r-se n o restrito mundo dos neg6c

i

os

publ icos do seu poderosissimo pais, i nfl u indo em

assu ntos m i l ita res e legislativos. E o fez com g rande

sucesso: reformou nao s6 os hospitais m i l itares de

cam pa n h a , mas, tam bem , e de modo considerave l , a

a d m i n i stra:ao san itaria do exercito ; participou da

elabora:ao d e pol iticas i nternas e externas, atu ou

como

expet

em assu ntos sanitarios tornando-se uma

autoridade em problemas indianos, e lan:ou as bases

da enfermagem como p rofissao para todo mundo

(CASTRO, 1 989, p . 3-4 ) .

Corporificando e retransmitindo os valores da

sociedade i n g lesa d a epoca , Florence encarnou a

dama burg u esa q u e veio d isciplinar a enfermagem na

ordem socia l vigente, m i litando, a seu modo, pela

ca u s a fe m i n i sta . S u a e strate g i a fo i oferecer as

m u l heres d e entao , uma op:ao ao casamento e a

matern i d a d e , negando a com p u l soriedade de tais

pratica s . Fe-Io com as ferramentas que conhecia :

d isci p l i n a n d o rig i d a m e nte as m u l heres no espa:o

(3)

publico, tanto quanta isso era feito n o espayo privado.

A Escola funcionou como clausura, mesclando controle

da sexu a l i d a d e e rel i g i o s i d a d e com ta refas q u e ,

embora historicamente femininas, representavam uma

saida para a cl assico fazer das m u l heres de cuidar.

A partir do secu lo XV I I I , a I ng l ate rra passou par u m

period a de refo rm a s , d eterm i n ad o p e l a Revoluyao

I n d ustri a l , que criou uma n ova socied ade, com as

p ro c e s s o s de i n d u s t ri a l i z a y a o e u rb a n i z a y a o

provoca ndo a apareci m ento e a d issemi nayao de

doenyas . Por outro lado,

A to m a d a d e c o n s c i e n c i a d a s c o n d i y o e s sanitarias i nsatisfatorias em q u e vivia a popu l ayao fez d e s e n c a d e a r u m a c a m p a n h a d e s a u d e p u b l i c a , c o n s i d e r a d a p o r W i n s l o w, c o m o movi m e nto p re c i p u a m e nte s o c i a l e d e c a rater h u ma n itario. A reforma d a s p risoes , i n i ciada par J o h n H ow a rd s , s e g u i u - s e a refo r m a de Lord S h aftes b u ry, visa n d o a m e l horia d a s condiyoes de tra b a l h o nas fa b ri c a s . As m o d i fi c a yoes d a l e g i s l a y a o s a n i t a r i a fo ra m i n trod u z i d a s a p o s r e l a t o r i o a p re s e n t a d o p o r E d w i n C h a d w i k a C o m i s s a o d a L e i d o s P o b re s . A refo r m a d a e nfe rm a g e m , i n i c i a d a por F l o rence N igth i n g a l e , em 1 86 0 , n a o fo i porta nto u m fe n6meno isolado, p o re m , p a rte de um m o v i m e nto g e r a l p a ra a m e l h o r i a d a s c o n d i y o e s d a v i d a h u m a n a (ALCAN TARA, 1 96 3 , p . 1 5 ) .

Esco l h e u faze- I o , resg ata n d o 0 valor mais

cu ltivado n a I n g l aterra Vitori a n a - a mora l e os bons

costu mes . Tod a a s u a o b ra esta i m p reg n a d a d a

preocu payao em tornar a enfermagem d i sci p l i n a r,

atrativa para moyas de boa fam i l i a , de classes sociais

m a i s a l tas q u e a s e x e r c e n t e s da e nfe rm a g e m

tradicional (bebadas, prostituta s , pobres, "bruxas") .

S u a s i d e i a s e r a m c o n te m p o r a n e a s a e x p l o s a o

d

i

scu rs i va s a b re a s exo , e m b a s a d a n o g ra n d e

m o v i m e nto d e m o ra l i d a d e , a p u ri ta n i s m o , q u e

comeyou a tra n sformar a "ve l h a e alegre I ng l ate rra"

em u m m u n d o mais s6brio e fi rm e . Par d ecorrencia,

de uma moralidade aberta , l ivre e permissiva, passou

a ser rea lidade a demanda par uma constancia moral

e emocional mais s6bri a , e m p ratica mente todas as

areas da vida social ( M I RANDA, 1 992).

Mandada a Base M i l ita r de Scutari , no Estreito

de B6sforo, para reorganizar a Hospital Militar, Florence

contratou 38 enfermeiras q u e assinaram u m termo de

com p ro m i sso s u b m ete n d o-se i ntei ra m e nte

as suas

ordens. Os comportam entos con s i derados maus na

relayao com as soldados seriam punidos severamente,

com imediata dem issao. J ovens m u l heres nao foram

aceitas por rep resenta rem tentayao ao peca d o . A

maioria das contratadas e ra com posta d e m u l heres

fortes e mais vel h a s . Isso porq u e as enfermeiras nao

preparadas ( m u l h e res d o povo) e stava m sempre

p rontas a b e b e r e ca u s a r a b o rreci m e n to s , p a r

considerarem q u e sua fu nyao era somente cuidar do

F O N S E CA, R. M . G . S . d a

corpo dos seus pacientes a seu bel prazer. Ja as

re p r e s e n t a n t e s d e o rd e n s re l i g i o s a s estava m

inclinadas a c u i d a r m a i s d a a l m a , deixando seus

corpos sujos e n eg l igenciados. Algumas enfermeiras

recu savam-se a fazer d eterm inados serviyos q u e

j u lgavam degradantes . P a r isto, Florence recusou-se

a a d m itir

ladies em seu serviyo . Todas deveriam ser

enfermeiras, comendo 0 mesmo alimento e usufruindo

das mesmas acomodayoes . Q u a nta as vesti mentas,

as freiras e irmas d everia m usar as seus habitos e as

enferm e i ras um u n iforme, uma p roteyao necessaria

e m Scutari , l u g a r c h e i o de s o l d a d o s bebados e

desocu pados (WOODHAM-SM ITH, 1 95 1 ).

N a verd a d e , Florence estava resgatando as

bases dos movimentos a nteriores d e reforma da

e nferm age m , ten d o par fin a l i d a d e , u n s , a elevayao

moral e profissional d o pessoal hospitalar e, outros, a

secularizayao da profissao. Em 1 836, em Kaiserwerth ,

Alem a n h a , a pastor l utera n o Theodor Fl iedner e sua

mulher Frederi ka fundaram 0 I nstituto das Diaconisas,

visando 0 ren a sci m e nto d o espirito de serviyo das

d i acon isas dos pri me i ros tempos da era crista , mu ito

semel hante a organ izayao das I rmas de Caridade de

Sao Vice nte de P a u l o .

I n fl u e n c i a d o s p e l a s i d e i a s i n ov a d o ra s s o b re e d u cayao, d ifu nd i d as na Alemanha·nas primeiras d e ca d a s d o S e c u l o X I X , os F l i e d n e rs estava m m a i s p reocu pados c o m a formayao do ca rater d e s u a s a l u n a s d o q u e e m m i n i s t r a r- I h e s c o n h e c i m e ntos . I g u a l m e nte , a i n stitu iyao d a s d i a c o n i s a s , e m s e u s p r i m e i ro s t e m p o s , oferecendo oport u n i d a d e de trabalho para jovens d e classe med i a , rep resentou um passo a frente p a r a a e m a n c i p a y a o d a m u l h e r a l e m a (ALCAN TARA, 1 96 3 , p . 1 4 ) .

Essa i n stitu i y a o i n fl u e n c i o u s o b re m a n e i ra

Florence N i g htingale , q u e cum priu la a seu primeiro

treino

fora de u m a m biente estritamente hospitalar,

period o consid erad o por ela como aquele no q u a l

n u nca ti n h a encontrado dedicayao mais pura e em

seu mais alto grau (WOO DHAM-SM ITH , 1 95 1 ).

Como se pod e perceber, as bases da reforma

da e nfe rmagem asse ntaram-se sobre 0 controle da

mora l , i n icial mente das m u l h eres das classes sociais

medias para , anos depois, i nvad i r as classes mais

abastadas, quando Florence finalmente aceita admiti­

las na Escola d e Enfe r m a g e m d e st. T h o m a s .

(4)

obrigadas a ganhar a vida. Entretanto , a s 'ladies' nao

devem ser exclu idas; pelo contrario , se provarem sua

capacidade profissional e tiverem qualida

_

des exi�

!

das

para a funyao de superintendentes , serao a

m ltldas

na escola e apos

0

cu rso poderao, ocupar facll mente,

cargos administrativos'. Em outra ocasiao, referindo­

se as ' ladies' d isse ter sido sua i ntenyao: 'preparar

enfermeiras pertencentes a qualquer camada social,

a qualquer seita rel i g iosa, habituadas ou n

o ao

trabalho rem u nera d o , contanto q u e poss u i ssem

q u a l idades mora i s , i ntel ectu a i s e fisicas para a

vocayao. Sem duvida, aquelas q u e forem educadas,

terao mais oportunidades para ocu par cargos de

superintendencia, nao por serem ' ladies ' , mas por

serem educadas . Em 1 87 1 , u m artigo foi publ icad o

n u ma revista i n g l esa sob

0

titu l o : N u rs i n g as a

profession for ladies. (ALCANTARA, 1 963, p . 1 7 -1 8 ) .

Ainda com

0

intuito de red imir a enfermagem, atraves

da formayao profissional na Escola de St. Thomas,

A sel e:ao das cand id atas , as q u a l idades morais t i n h a m priori d a d e ; d u ra nte 0 c u rso , a d i sci p l i n a era rigorosa . ° rigor da escola era j u stificado, u m a vez q u e a imora l i d a d e e ra carlter p roverb i a l d a p rofi s s a o . Q u a l q u e r d e s l ize , p o r p e q u e n o q u e fo sse, q u a l q u e r passo e m fa l s o , fa r i a m c a i r a e s p e ra n : a d a refo r m a d a e n fe r m a g e m e a eleva:ao do seu status social seria retardado por m u itos anos . ° futu ro da p rofissao dependia das a l u n a s , d a s fu t u r a s e n fe r m e i ra s . ( . . . ) 0 z e l o re l i g i o s o d o I n s t i t u t o d a s D i a c o n i s a s d e Kaiserswert h , a d i s ci p l i n a m i l itar dos h o s p i t a i s de Scutari , 0 esti lo d e vida d a fa m i l i a N ightingale, tudo isso foi amalgamado e i m posto as primeiras a l u nas da Escola d e st. Thomas. (ALCANTARA, 1 963, p

.

1 7) .

E

i nteressa nte n ota r q u e , se d e u m l a d o ,

Florence ousou, a o recusar-se a permanecer n o mundo

privado , de outro, sua obra mais importante "Notas

sobre enfermagem" foi escrita com

0

proposito de

refo rya r p a p e i s h i s t o r i c a m e n t e fe m i n i n o s ,

extremamente valorizados n o secu lo que constitu iu a

base historica para a consolidayao do capitalismo,

para

0

qual

0

trabalho das m u l h eres , d e prod uyao e

reproduyao da fo:a de trabalho, constitu ia a base

mate

rial.

No Prefacio, cita qu e atraves do livro pretende

oferecer sugestOes as senhoras que tem a seu cargo

pessoal a saude de outras pessoas , j ustificando que

"todas as m u lheres , ou pelo menos q u ase todas, na

I nglaterra , assu mem, e m algum periodo da vida, a

responsabilidade pessoal pela saude d e a l g u e m ,

crianya ou invalido -

0

que significa que todas exercem

a enfermagem" (N IGHTI N GALE, 1 989, p . 1 1 ).

E n s i n a

0

que co n s i d e ra a base d o cuidar

atraves da higienizayao d o ambiente e do proprio

p a c i e n t e , e n fa t i z a n d o a a t e n ya o as s u a s

manifestayoes psico-emocionais.

Ass i m , e l a evi d e n c i o u '0 q u e e e 0 q u e n a o e' e n fe rm a g e m , m o s t ra n d o a p o s s i b i l i d a d e e a n e c e s s i d a d e d e u m a p re p a ra : a o fo r m al e s i s t e m a t i c a p a r a a a q u i s i : a o d e u m c o n h e c i m e n t o d e n a t u reza d i s t i n t a d a q u e l e b u s c a d o p e l o s m e d i co s , e cujos fu n d a m e ntos permitiriam m a nter 0 o rg a n i s m o em condi:6es d e nao adoecer ou d e se recu perar das doen:as. S u a percep:ao d a doen:a como u m esfor:o da natu reza para resta u ra r a saude mostrou-se uma i d e i a fe c u n d a , d a n d o a e n fe r m a g e m u m a d i mensao ori g i n a l , q u a l seja a de favorecer esse processo re parativo, med iante 0 uso do ar p u ro, d a l u z e d o calor, d a l i m peza , do repouso e da d ieta , com um m i n i ma d i s p f m d i o d a s energ i a s v i t a is d o p a c i e n t e , d e m o d o a m a n t e - I o n a s m e l h o res cond i :6es p a ra q u e a natu reza n e l e p u d esse a g i r (CASTRO, 1 989, pA

-

5)

.

H a que se compreender que

0

conhecimento

epidemiologico da epoca provocava

0

debate entre os

d efensores do parad i g m a da Teoria M i asmatica ,

dominante e, portanto, defendida pelos conservadores,

versus os q u e atribu iam a d oenya a pobreza ou a

outras condiyoes sociais adversas. Naquele momento,

como conseq Oencia da Revo l u yao I n d ustri a l , as

cidades cresciam desordenadamente e as condiyoes

de vida se agravavam . Os movimentos sociais e

revo l u cionarios bu scavam sol u yoes para a crise,

propiciando

0

desenvolvimento de estudos sobre as

condiyoes de vida da popu layao. Por esta razao ,

deli neavam-se as correntes q u e iriam subsistir na

epidemiologia mais tarde: a miasmatica, a microbiana

e a social, com a seg u n d a , apesar de incipiente , ja

identificada e aceita como uma vi sao moderna da

epidemiologia.

E m 1 8 5 4 , S n ow p u b l icou estudo sobre a

epidemia de colera i ntitulado "Sobre a maneira de

transmissao do colera". Pela primeira vez, foi realizada

uma pesquisa epidemiologica com 0 fito de determinar

a causa d e um s u rto epidem ico, refutando a teoria

miasmatica , afirmando a origem h id rica da doenya e

relacionando-a a "alguma su bstancia que passa do

enfermo ao sadio e que tem a propriedade de crescer

e se m u ltiplica r no organismo da pessoa" (SNOW,

1 99 1 , p. 44) . Lanyava-se a teoria microbiana.

Foi ta m b e m a e poca e m que a " patologia

s o c i a l " , e n q u a n t o c o r r e n t e de p e n s a m e n to ,

fu n d a m e ntou n a F ra n y a , e m 1 848,

0

projeto d e

intervenyao denominado por Guerin, "Medicina Social",

designando uma dada concepyao de pratica medica

fundamentada na analise dos problemas sociais

e

da

s u a rel ayao com as doenya s . Essa corrente era

tambem designada, generica mente, como "mod os de

tomar coletivamente a q uestao da saude" (ALME

I

DA

F I LHO; ROU Q UAYROL, 1 992, p . 1 6).

0

foco principal

dessa pratica eram as medidas para a promoyao da

s a u d e e a p re v e n : a o das p a to l o g i a s s o c i a i s

( FONSECA; BERTOLOZZ I , 1 997).

(5)

o movimento foi i niciado Fran�a , por Villerme,

que estudou as condi�6es existentes nas fabricas

texteis, demonstra n d o a rela�ao entre a situa�ao

econ6mica e a mortalidade. Em 1 826, sua obra acerca

da morta l i d a d e n o s d iferentes setores de Paris,

vinculou a pobreza as d oen�as. N a I nglaterra , Farr

seg u i u Vi l l erme , d e screven d o a m o rta l i d a d e e m

diferentes classes sociais (NAJ E RA; TERRIS; LOPEZ,

1 991 )

.

Estes trabalhos inspirara m-se nas condi�6es

criadas pel a Revolu�ao Francesa que incorporava, pela

p ri m e i ra vez, os i ntere s s e s da coletivi d a d e n a

organiza�ao social d o Esta d o . Mais q u e pesq uisar

as causas das doen�as, os revolucionarios realizavam

uma verdadeira tarefa de saude publica, trazendo para

toda a coletividade, algumas medidas que antes eram

pr

i

vilegio da n obreza ( B U C K , 1 99 1 ) . Afi n a l , nao

podemos esquecer que

0

seculo XIX, nas palavras de

Victor Hugo, "tem uma a u g u sta fig u ra materna na

Revolu�ao Francesa" que Ihe inspirou todas as ates

( H UGO citado por BLOO M , 1 996, p . 1 2 ) .

O u tro m a rco i m po rt a n te d a e po c a fo i a

Revolu�ao I nd u stri a l , q u e trouxe em sua economia

pol ltica a no�ao de

for;a de tabalho.

N ecessitando

au menta-Ia para a sua con s o l i d a�ao atraves d o

aumento da industrializa�ao, propiciou a emergencia

de varias medidas sociais para a sua consecu:ao.

Na Ing laterra , por exemplo, a "N ova Lei dos Pobres"

rezava que os trabalhadores recebessem assistencia

medica no local de trabalho e nao mais nas par6q uias,

tentando proteger a for�a de trabalho do setor produtivo

e

0

exe rcito de reserva em fo rm a�ao ( N AJ E RA;

TERR I S ; LOPEZ, 1 99 1 ).

o pensamento dos revolucionarios do fi nal do

seculo XVI I I e d o i n icio d o XIX, l igados a d iversos

movimentos pol iticos, tambem apontava para

0

objeto

da ciencia med ica como sendo

0

coletivo (concebido

sob

0

recorte d a pobreza) e nao

0

indivi d u a l . Pela

primeira vez, a explica�ao das epidemias adquiria uma

d i mensao soci a l l i g a d a as condi�6es d e vida da

p o p u l a : a o , a m p l i a n d o a tese da d o e n�a c o m o

e x p r e s s a o d a v i d a i n d i v i d u a l s o b c o n d i � 6 e s

desfavoraveis, no sentido d e a rticu la-Ia a vida das

popu la:6es e as d eficiencias d a socied ade. Para

Vi rchow, medico e e p i d e m i o l o g i sta d a epoca , as

co n d i :6es soci a i s da p o b reza s o m avam-se a s

con d i :6es atmosfericas , as m u d an�as cos m i cas

gerais e coisas parecidas na produ�ao das epidemias

e nao apenas tais condi�6es ambientais poderiam ser

responsabilizadas pelo aparecimento das epidemias

(FONSECA; BERTOLOZZ I , 1 997).

I nfluenciada pelo espirito d a epoca , Florence

constru iu a enfermagem visando a manuten:ao de

condi�6es 6ti mas para a recupera�ao d a saude,

enfatizando a aten�ao ind ivid u a l , em bora desde a

Crimeia tenha baseado suas a�6es na observa:ao do

F O N S E CA, R. M . G . S . da

coletivo, ao estudar as condi�6es em que viviam os

soldados feridos q u e , seg u ndo ela, matavam muito

mais que os pr6prios ferimentos da guerra. Na Crimeia,

73% d e 8 regi mentos morreram em 6 meses, em

conse q O e n c i a de d o e n �as (WOO D HAM-S M IT H ,

1 951 )

.

Sua visao de saude-doen�a e de enfermagem

embasava-se n u m a mescia de varias teorias. Essa

foi a razao pela q u a l algu mas das suas

Notas

foram

c o n s i d e ra d a s u l t ra p a s s a d a s , s e m q u e i s s o

p rej u d i ca s s e a b o a recepti v i d a d e d o l i vro . O s

comentarios feitos em N ota d o Ed itor d a edi�ao de

1 86 1 , revelam

0

embate vigente na epidemiologia :

N otas sobre E nfermagem ( . . . ) foi imediatamente reco n h e c i d o p e l o s l i d eres da c i e n c i a m e d i co­ s a n i t a r i a c o m o u m t ra b a l h o de i m p o rta n c i a c a p i ta l , u m d es s e s raros l iv ros a o s q u a i s , e m s u a c a t e g o r i a , 0 t e r m o fa z e r e p o c a p o d e j u stifica d a mente s e r a p l icado. ( .. . ) Aq u i e a l i u m o b iter d ictu m d e m i s s N ig htingale foi deixado a m a rg e m p e l a c i e n c i a m o d e rn a . D e v e m o s t e r cuidado em nao i nfe rir sobre a cren:a na gera:ao espontanea da doen:a ou no seu aparecimento em v i rtude da 'sujeita' ( . . . ) passagens antiq uadas como essas nao afetam em absoluto 0 valor dos seus e n s i n a m e ntos e m seu p roprio ca m p o . ( . . . ) o q u e conti n u a verdadeiro e atual e a essencia d o l ivro - a visao d a autora sobre as necessidade d e l i m peza no a r, na agua, nas pessoas , roupas e nos a m b ie ntes ; d e i l u m i na:ao, silencio e ordem no q u a rt o do d o e n t e ; e, na e n fe rm e i r a , d e i ntel ig e n c i a , racioc i n i o , sensibil idade e decencia , c a p a c i d a d e d e d e m o n stra r rea l i nteresse p e l o paciente. I sso n u nca sera u ltrapassado (L . H . S . N . , 1 98 9 , p . 1 57 ) .

o

q u e " n u nca s e ra u ltra passado" sao a s

q u a l idades e a normatiza�ao do cuidado atraves da

normatiza�ao das atitudes e comportamentos da

enfermeira na sua rela�ao com

0

paciente, sua familia,

amigos, medico , etc, ideias que perpassam

0

livro e

q u e e r a m d e s u m a i m p o rta n c i a p a ra F l o re n ce

N ightingale no seu projeto de reforma da enfermagem .

N o capitu lo

"0

que significa ser enfermeira" fala sobre

os atributos d a enfermeira :

(6)

( N I G HTI N GALE , 1 98 9 , 1 68 ) .

A l e m d e v a l orizar v i rt u d e s e q u a l id a d e s subjace ntes ao p u rita n i s m o , a a utora valoriza a rel i g i o s i d a d e q u e deve p e rpassa r a p ratica d a enferm age m , revel a n d o u m conteudo ideologico p r o p r i o d a s re l i g i o e s j u d a i co - c r i s t a s ( e l a e ra protestante) para as q u a i s a m u l he r, ao a p roximar­ s e d e D e u s , 0 f a z e m u m a s i t u a : a o d e s u b a l t e r n i d a d e . 0 a rq u et i p o r e l i g i o s o d a enfermagem seria a m u l h e r divinizad a , jamais a D e u s a , s e m p re n u m a s i t u a : a o s u b a lterna e m rel a:ao ao D e u s u n ico, masc u l i n o .

Uma leitura generiicada da ultima parte do livro,

q uando Florence responde a duas obje:oes acerca

d a c o n ve n i e n c i a d a s m u l h e r e s a d q u i ri re m

conhecimentos sobre a preven:ao d e doen:as, revela

uma postura que pode ser tida como preconceituosa ,

embora travestida d e u m a visao transformadora d a

situa:ao social d a m u l her, atraves d o exercicio d a

enfermagem moderna, cientffica . Refuta a pratica

amadora e i mprudente da medicina por m u lheres ,

alegando que "somente

0

conhecimento rea l das

n o rm a s de s a u d e p o d e a c a b a r com i s s o "

(N I G H T I N GAL E , 1 989, p . 1 44 ) . Para ela, no entanto,

con h ecime nto real s i g n ifica a q u e l e reco nhecido

cientificamente no cam po da medici n a , aquele q u e

s e contrapoe a o saber popular (empirico) sobre a arte

do cuidar, historicamente exercida pelas m u lheres .

Entre esses con h ecimentos nao cientfficos situa

inclusive a homeopatia:

A homeopatia i ntrod uziu melhora consideravel n a p ratica d e p rescrever re m e d i o s p o r m u l h e re s amadoras, p o i s suas reg ras s a o exce lentes , seus remed ios p raticamente i n ofe nsivos

-

0 " g l o b u lo"

e u m g rao d e tol ice que p a rece ser necessario p a ra t o r n a r a c e i t a v e l q u a l q u e r c o i s a b o a . D e i x e m o s e n t a o q u e a s m u l h e r e s m i n i s t r e m medicamentos homeopaticos . S e e q u e t e m q u e a d m i n i stra r a l g u m m e d i c a m e nto, nao c a u s a rao n e n h u m m a l ( N I G HT I N GA L E , 1 98 9 , p . 1 4 5 ) . o que ela estava refutando era

0

conhecimento

acumu lado d u rante secu los, q u e fez das m u l heres

c u i d a d o ra s p o r exce l e n c i a , p o rta d o ra s de u m

conhecimento q u e a ciencia moderna necessitou

expropriar para ganhar espa;o e reconhecimento

social . S u bordinando

0

con hecimento popular ao

c i e n t ffico , F l o re n ce o bj et i v a v a m o d e rn i z a r a

enfermagem ainda que subalternizando-a a medicina,

rompendo com a tradicionalidade do cuidado feminino.

Em varias passagens de seu livro deixa isso claro . Ao

referir-se aos l axativos, por exemplo, recomenda as

m u lheres: " N ao tom e e n a o d e a seu fi l h o suas

abominaveis 'doses de laxativos' sem

0

conhecimento

do m e d i co " ( N IG H T I N GA L E , 1 9 8 9 ) . Ou e n t a o ,

justificando

0

preparo das enfermeiras como uma

possibilidade de diminuir os efeitos da automedica;ao:

N a v e rd a d e i s t o e e x a t a m e n t e 0 q u e u m a enfe r m e i ra com petente e observadora nao faz: n a o s e a u t o m e d i c a e n e m m e d i c a o u t ra s pessoas. 0 c u ltivo d o s conhecim entos sob re a observa:ao e a p ratica d a saude nas m u l h e res q u e sao m a e s , g overnantas ou enfe rm e i ra s , e j u stamente 0 modo de acabar com os amado res q u e gosta m de receitar. Seria um g rande auxilio, a o i n v e s de o b s t a c u l o , s e o s m e dic o s s o u b e s s e m fa z e r c o m q u e a s e n fe rm e i ra s obed ecessem as suas ordens. Esse prepar� das m u l h e r e s d i m i n u i r i a 0 t ra b a l h o m e d i co . . . ( N I G H T I N GAL E , 1 98 9 , p . 1 44- 1 45 ) .

Sua atitu d e e co m p at i v e l com

0

que e l a

acreditava s e r

0

papel d a s m u lheres e dos homens e

a hierarq u i a q u e deveria se estabelecer entre eles .

Para os p u ritanos, as m u lheres eram consideradas

inferiores, exceto quanta

a

alma que era conside

rada

igual a dos homens. No mais, compartilhavam da

atitude geral catolica, para a q u a l os hom ens eram a

c a b e : a , a m u l h e r

0

c o r p o , d e v e n d o p o r i sto

estabelecer-se uma hierarq u i a inquestionavel entre

ambos - eles mandavam, elas obedeciam (MIRAN DA,

1 992).

U m a leitura mais acurada, no entanto, revela

que

0

su pote ideologico em rela:ao ao fazer das

mulheres as vezes e dubio, apesar de

a

primeira vista

pretender-se emancipador da sua situa:ao social .

N u m a certa passagem , d iscorrendo sobre a "boa

enfermeira", ao mesmo tempo em que revela seu

preconceito acerca da l uta das m u lheres pelos seus

d i reitos , defende q u e nao h aja discrimina:oes na

d ivisao sexual d o trabalho.

Pe:o e n ca recidamente as m i n has sisters (irmas) q u e f uj a m de a m b o s o s p re c o n c e i t o s ( .. . ); d a q u e l e , p o r e xe m p l o , s o b re os " d i re itos" d a m u l her q u e a i n ce ntiva a fazer tudo 0 q u a nto 0 h o m e m fa z , i n c l u i n d o a m e d i c i n a e o u t ra s profissoes ( . .

.

) ; e d a q u e l e q u e incentiva a m u l her a nao fazer nada d o q u e 0 homem faz, meramente porq u e e m u l he r e d eve ser "Iembrada do sentido d o seu d ever como m u l her"; e porque "este e u m t ra b a l h o fe m i n i n � " e a q u e l e e " u m t ra b a l h o mascu l i no", e estas 'sao coisas q u e a s m u l heres nao devem fazer', 0 que nada mais e que p u ra alega:ao. ( . . . ) 0 fato de ser extraordinario q u e u ma m u l h e r te n h a c a p a c i d a d e d e l ev a r a cabo u m d eterm inado traba l h o , n a o 0 faz necessaria mente b o m . N e m t ra n s fo r m a e m r u i m u m a ta refa d e s e m p e n h a d a a c o n t e n t o por u m a m u l h e r, considerada boa se fosse feita por u m homem ( N I G H T I N GALE , 1 989, p . 1 48).

Ainda se posicion a contra a inferioridade social

das m u lheres q uando refuta a ideia de que "para ser

uma boa enfermeira nada mais e necessario que um

desapontamento amoroso, a falta de objetivo na vida

ou a i ncapacidade para outras atividades". eita:

(7)

A a d m i n istra;;ao d i a ria d e u m a g ra n d e enferma ria ( . . . ) 0 con h e c i m e nto do q u e s i g n ifi ca m p a ra os hom ens as l e i s d a v i d a e d a m o rte e p a ra a s enferme i ras as l e i s d a s a u d e ( . . . ) - esses fatos n a o c o n s t i t u e m , p o r a c a s o , q u e s t a o d e i mportancia e d ifi c u l d ad e s s uficientes p a ra exig ir a p re n d izad o , atraves d a pr3tica e d e c u i d adosa i nvestiga;;a o , a s s i m como q u a l q u e r outra a rte ? Esse conhecimento nao chega por i n s p i ra;;ao a senhora desil u d i d a e n e m ao b u rro de carga d e u m a s i l o d e p o b re s ( . . . ) . Q u a ntos e rros c r u e i s a l g u m a s vezes s a o p ra t i c a d o s p o r h o m e n s e m u l h e re s b e n evo l e ntes e m q u estoes s o b re a s q u a is nada s a b e m e p e n s a m q u e s a b e m m u ito ( N I G HTI N GALE, 1 98 9 , p . 1 47 ) .

Em sintese, essa analise e m u itas outras q u e

comportam a personagem mostram uma mu lher com

conhecimentos e praticas contrad itorios, filha de uma

epoca cuja marca principal foi essa contradi:ao: ao

mesmo tempo que i m pele as m u l heres para u ma vida

subalternizada , secundaria, i l u m i n a caminhos para a

s u pera:ao dos s e u s p a p e i s socia i s trad i c i o n a i s .

Florence compreende a enfermagem como u m campo

de pratica fem i n i n o , q u e d eve ser exercida sob os

a u s p icios da m e d i c i n a , co m base cientffi c a , u m

cenario exce l e nte p a ra u m fazer d a s m u l h e res

reconhecido socialmente . Aci m a d e tud o , constitu i

uma possibilidade para

0

rompimento de estereotipos

at

r

aves do resgate do seu conteudo moral e de bons

costu mes .

Assenta d a n e s s e s m e s m o s p i l a re s , essa

enfermagem primeiromundista migrou para a America

L a t i n a e p a ra

0

B ra s i l , d e s a fi a n d o

0

c u i d a r

assistematico , acientffico , exerc i d o por suje itos

s o c i a i s i g u a l m e n t e a l v o s d e p re co n ce i t o s e

estereotipias, d entre e l e s , m u l heres pobres e de

"co n d uta m o ra l s u s p e i t a " . U m a das m e l h ores

descri:6es dessa situa:ao e d a maneira como ela foi

enfrentada e feita por G l ete d e Alcantara , na primeira

tese de enfermagem brasileira , d efendida em 1 963,

na Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto, intitulada

A e n fe r m a g e m m o d e r n a c o m o c a t e g o r i a p rofi s s i o n a l : o b s t a c u l o s a s u a e x p a n s a o n a socied ade b rasilei ra " . S e u s obj etivos consistira m e m : " a ) a n a l i s a r as con d i;;oes em q u e emerg i u a enfermagem moderna na socied ade b ras i l e i ra e os fatores q u e tem i nterferido negativa mente no seu desenvolvimento ; b ) averi g u a r se a posi;;ao atri b u id a a enfe r m e i ra d i p l o m a d a , na h iera rq u i a d e p rest i g i o o c u p a c i o n a l , e m R i b e i ra o P reto, evid encia m u d a n;;as que ocorrem no sentido d e red uzir os obsta c u l o s a m a i o r e x p a n s a o d e s s a categoria p rofissional . (ALCAN TARA, 1 96 3 , p A )

A a n a l i s e e feita ten d o como referencia a

s i t u a : a o h i storico-s o c i a l e m q u e a p ra t i ca d e

enfermagem foi institucionalizada n o pais, comparada

ao desenvolvimento socio-econ6mico e cultural da

I nglaterra e dos Estados U nidos, respectivamente,

F O N S ECA, R. M. G . S . d a

pais de origem da e nfermagem moderna e, o outro,

a q u e l e a t r a v e s d o q u a l

0

c o n h e c i m e n t o d e

enfermagem migrou para

0

Brasil. Alem disso, embora

nao admitido claramente pela autora , permeia toda a

analise a situa:ao peculiar das mulheres como estrato

social privi legiado e m termos de subaltern iza:ao.

Essa e a razao pel a q u a l essa pesq uisa pode ser

considerada tambem

0

p rimeiro estudo de genero

acerca d o trabalho d a e nfermagem no nosso pa is,

m uito

a

frente do seu tempo em termos de constru:ao

do saber.

A CONSTRU CAo DA ENFERMAGEM NO BRASIL:

O S F U N DA M E N T O S DE U M A P R O F I S s A o FEMININA

Ate

0

seculo XIX e i n icio d o XX, a enfermagem

tradicional no Brasil seguiu os termos da enfermagem

pre-moderna e u ropeia, tendo como seus pri ncipais

exercentes pessoas nao preparadas especificamente

para

0

c u i d a d o aos d o entes . A fi nalidade d esse

trabalho era caritativa , d esvi nculada de qualquer

pretensao de cura , mesmo apos a institucionaliza;;ao

do trabalho medico .

0

proprio Relatorio da Comissao

especial incumbida de elaborar

0

Ante-Projeto de Lei

Organica de Assistencia Medico-Hospitalar, ao referir­

se ao n ivel d e eficiencia d o pessoal hospitalar,

0

fez

nos seg u i ntes termos:

O s m e d i c o s , g r u p o q u a l i f i ca d o , g e ra l m e n t e c o n t a m c o m a u x i l i a re s d e b a ixo p a d ra o , ex­ doentes, sem p re p a ra;;ao a l g u m a , individuos que com u me nte nao tem capacidade sequer para os tra b a l hos d o m esticos . H a fe l iz mente exce;;oes. N e stas estao i n c l u i d a s a s I rm a s d e C a r i d a d e , q u e p rocura m m u itas vezes s u prir, c o m desvelo e d e d i c a ;;a o , a fa l t a de p re p a ro na a rte d a enfermagem o u n a a d m i n istra;;ao (ALCANTARA, 1 96 3 , p . 1 1 ) .

Q u a n t o

a

p ro x i m i d a d e do t ra b a l h o d a

enfermagem d e entao com

0

trabalho domestico, Glete

de Alcantara afi rma:

A conhecida p raxe , adotada principalmente p e l a s S a n t a s C a s a s , d e e m p r e g a r , n o s e t o r d e e nfe rm a g e m , a ntigos p a c i e ntes e d e p romover como 'e nfe r m e i ro s ' a s pessoas a d m itidas p a ra o s e r v i ;;o d e l i m p e z a q u e d e m o n s t r a s s e m h a b i l id a d e no cuidado aos doentes exp l i cava , d e c e rt o m o d o , a s r a z o e s d a i d e n t i f i c a ;;a o d e ativ i d a d e s h o s p i ta l a re s c o m 0 t i p o d e tra b a l h o m a n u a l , d e s e m p e n h a d o p o r e m p re g a d o s domesticos (ALCAN TA RA , 1 96 3 , p A 3 ) .

(8)

destina;ao especifica formar pessoal para trabalhar

junto ao Hospital Nacional de Alienados. Nao pretendia

instituir-se senao para isso, nao visando transformar

qualitativamente a assistenci a , senao que obter tal

transforma;ao intervindo diretamente no preparo dos

exercentes da enfermagem .

o c u rs�, d e d o i s a n o s , e x i g i a p a ra a matricu l a q u e 0 c a n d i d a t o s o u b e s s e ' I e r e e s c re v e r correta me nte e conhecer a ritmetica e l e m e nta r' . ( . . . ) C o n s i d e ra n d o-se q u e s o m e nte a p a rti r d o i n icio do sec u l o , a e d u cagao p ri m a ri a comegou a d ifu n d i r-se e q u e a taxa d e a n a lfa b e t i s m o d a cidade do R i o d e J a n e i ro , e m 1 900 era d e 37% e ntre pessoas m a i o re s d e 1 5 anos, nao seria exagero afirmar ser 0 c u rso anexo simp lesmente de alfa betizagao. ( . . . ) As cond igoes d a sociedade b ras i l e i ra , n o comego d o s ec u l o , i m p ed i ra m a organ izagao de u m a esco l a conforme 0 sistema N i g h t i n g a l e e a q u e l e s m e d i c o s a d m i r a v e i s tiveram q u e s e contentar com 0 tipo d e i nstitu igao educacional que p recisava , antes d e mais nad a , a l fa betizar s e u s futu ros a l u n o s (ALCA N TARA, 1 963, p . 1 2 ) .

Depois d esta , fo i cri a d a o utra Escola nas

mesmas condi;oes, junto ao H ospital Evangelico, hoje

Hospital Samaritano, cond uzida exclu sivamente por

enfermeiras inglesas e com a mesma fi nalidade de

formar pessoal para

0

proprio H ospita l . Dadas as

peculiaridades dessas escolas, principalmente no que

se referia a sua restri;ao em formar pessoal destinado

p a ra l ota r os q u a d ro s d o s h o s p it a i s a q u e se

vinculavam,

0

inicio da enfermagem moderna brasileira,

formando profissionais para tra b a l h a r e n tod o

0

territorio nacional , pode ser atribu ido a cria;ao da

Escola de Enfermeiras d o Departamento Nacional de

Saude, hoje Escola Ana N eri, em 1 923, no Rio d e

Janeiro. Contrariamente a s anteriores, foi fundada sob

a e g i d e d a s a u d e p u b l i ca , s u b o rd i n a d a a o

Departamento Nacional d e Saude P u b l ica , embora

anexa ao Hospital Gera l d a Assistencia d a q u e l e

Departamento (AN G E RAM I , 1 985).

A sua cria;ao foi determinada pel a necessidade

de preparar recu rsos h u manos para favorecer a

melhoria das condi;oes d e saude d a popu la;ao, com

o objetivo de protege-I a das epidemias e endemias

que colocavam em risco a mao d e obra nacional ou

imigrante, vincu lada ao setor a g ra ri o-exportad or­

cafeeiro, predominante na epoca . Alem disso, havia a

necessidade de assegurar a manuten;ao das rela;oes

comerciais entre

0

Brasil e as potencias estrangeiras,

amea;adas de serem suspensas por estas, caso os

portos nao fossem saneados.

0

proprio cu rricu lo

vige nte d estacava

0

p re d o m i n i o d e d i sci p l i n a s

preventivas compativel com os objetivos da escola

(GERMANO, 1 988).

A fu n d a g a o da E s c o l a de E n fe r m e i r a s do D e p a rt a m e n t o N a c i o n a l de S a u d e P u b l i c a ,

c o n st i t u i u 0 m a r c o i n i c i a l d a e n fe rm a g e m moderna no pais, e res u l tou d a organizagao das fo rgas s o c i a i s i novad o ra s n o c a m po d a saude p u b l i c a . Com a reorg a n izagao do Departa mento Nacional de S a u d e P u b l i c a , em 1 920, verifi cou­ s e a n e c e s s i d a d e de p e s s o a s e s p e c i a l iza d a s q u e c o n t i n u a s s e m a d e s e m p e n h a r, j u nto a s fa m i l ias, 0 tra b a l h o de edu cagao san itaria iniciado pelos m e d i cos nos novos a m b u l atorios . C a rlos Chagas, d i retor do Departamento , conhecendo a organ izagao d e tais servigos nos Estados Un idos, sol i citou a cooperagao da F u ndagao Rockefeller para solucionar 0 p roblema. Como resultado dos e n t e n d i m e n to s , c h e g o u a c i d a d e d o Rio d e J a n e i ro , e m 1 9 2 1 , E t h e l P a rs o n s , e nferm e i ra n o rte-a m e r i ca n a , com 0 objetivo de estu d a r a situ agao local e ela borar u m p rojeto para a agao. No plano a p rese ntado ( . . . ) estava contida a criagao de u m a escola de enfermagem p a ra fo rmagao d e pessoal d e e l evado n ivel tecnico . ( .. . ) em 1 923, foi i nsta l a d a no ex- D i strito Federa l , a Escola de E nfermeiras d o Departa mento Nacional de Saude P u blica. Sob a orientagao d e Ethel Parsons, esse novo estabelecimento foi organ izado seg u ndo as m a i s m o d e r n a s t e n d e n c i a s de e d u ca g a o d e enfermagem n o s Estados U n idos (ALCANTARA, 1 96 3 , p . 1 3 ) .

A

semelhan;a d o q u e Florence Nightingale

havia feito na I ng l aterra , a enfermagem, no Bras i l ,

desde seus primordios, no inicio d o s anos 20, tambem

objetivava constituir uma op;ao alternativa de trabalho

fem i n i n o "para jovens d a n ova classe media, em

continuo crescimento que ate entao encontravam no

mag isterio primario as u n i cas oportunidades para

atividades remu neradas" (ALCANTARA, 1 963, p 2 1 ).

Calcada nos mesmos pressu postos androcentricos

verificados nas sociedades inglesa e americana, aqui

ta m b e m a enferm a g e m seria a lvo dos mesmos

estereotipos, razao pela qual foi pensada ate a ado;ao

de um novo nome para a profissao:

C o n h e c e n d o a conotagao n egativa d a p a l avra "enfermeira" p a ra a sociedade brasileira da epoca ( . . . ), Ethel P a rsons hesitou em adota-Ia para 0 novo tipo de p rofissio n a l . Nos a rq u ivos da Escola Ana N eri ( . . . ) foram encontradas folhas ( . . . ) com 0 se g u i n te c a b e ga l h o : ' I n sc r i g a o p a ra a Escola P re p a ra t o r i a d e N u rs e s d e S a o F ra n c i sco d e Ass i s ' . A p a l avra " n u rse" foi contudo rejeitad a , p re v a l e c e n d o 0 t e r m o e n fe r m e i ra a o q u a l acrescentava-se verbal mente a expressao "a lto­ pad rao" ou "de saude p u b l ica" ou simplesmente " d i p l o m a d a " p a ra i n d i c a r a n o v a c a t e g o r i a (ALCAN TARA, 1 96 3 , p .24 ) .

A aceita;ao d a nova profissao era igual mente

problematica dadas as condi;oes socia is do pais que

nao comportavam

0

desenvolvimento de uma profissao

feminina de n ivel u n i versitario, mesmo calcada em

pad roes educacionais considerados avan;ados como

os americanos. No Distrito Federal, por exemplo, havia

(9)

aproximadamente u m q u a to d e analfabetos entre as

pessoas a d u lta s , d e ntre as q u a i s , e ra m a i o r

0

percentu al de representantes d o sexo fem inin�, em

especial das classes menos favorecidas. A educa:ao

das mulheres de n iveis s6cio-econ6m ico mais altos

limitava-se aos programas ministrados por religiosas,

em colegios feminin�s, q u e nao se enquadravam no

sistema educacional d o p a i s . A ( mica carreira para

jovens de boa fam i l i a , q u e precisavam ganhar a vida

era

0 magisterio. Tais condi:oes, apesar de altamente

desfavorave is eram p o u co q u estionadas mesmo

porque, coletivamente 0 m ovimento de emancipa:ao

feminina era apenas um esbo:o. (ALCANTARA, 1 963)

Quanto a semelhan:a entre os contextos s6cio­

cu ltu rais bras i l e i ro e i n g les da n a o aceita:ao da

profissao , cita :

Comparando-se a socied ade b ra s i l e i ra no i n icio da d e c a d a dos v i n t e com a i n g l e s a e n o rte­ a m e ri ca n a , n a seg u n d a metade d o secu lo X I X , epoca em q u e foi introd uzida a esco l a N ightingale, havia u m as pecto com u m a a m ba s : 0 con ceito d e sfa v o r a v e l a t r i b u i d o a e n fe r m a g e m c o m o o c u p a ; a o . Ao p a s s o q u e n a I n g l ate rra e n o s E s t a d o s U n i d o s 0 d e s e n v o l v i m e n t o d a u r b a n i z a ; a o - i n d u s t r i a l i z a ; a o p ro p i c i o u a expansao das escolas de enferm ag e m , 0 B ras i l , na d e c a d a d o s vi nte nao estava ( . . . ) preparado para favorecer 0 i n cremento d a n ova p rofissao . (ALCANTARA, 1 963, p.26)

Ainda q u e persistindo na decada de 6 0 ,

0

reg i stro d a s c o n c e p : o e s n e g at i v a s a c e rca d a

enfermagem encontrava-se presente desde 0 in icio

da forma:ao profissional da enfermagem :

A primeira turma de d i plomadas pela Escola Ana N e r i e s t a v a c o n s c i e n t e da e x i s t e n c i a d e concep;oes neg ativas a c e rca d o exercicio d a enferm a g e m , c o m o i n d i c a u m a p a s s a g e m d o peq ueno l ivro 'As Pioneiras ' , p u b l icado n a ocasiao d a sua form a t u ra , e m 1 92 5 . N essa p u b l ica;ao, fo r a m fe i t a s r e fe r e n c i a s a d i r e t o r a n o rt e ­ a m e r i c a n a d a E s co l a n o s s e g u i n t e s t e r m o s : ' M iss Lou i se K i e n n i n g e r, a b a n d o n a n d o a patria d ista nte , veio doar ao nosso Pais, 0 maior servi;o social moderno, a b o l i n d o 0 p reconce ito d e nao se pod er ser enfermeira sem cora r. Ao espi rito da i l u st re e d u c a d o ra d e v e m as b r a s i l e i ra s , q u e ontem teri a m pejo d e s e r e nfe rm e i ra s , 0 poder hoje se enobrecerem e se org u l ha rem desse titu lo (ALCANTARA , 1 963, 1 963, 37).

N o l ivro citado anteriormente , "As Pioneiras",

tambem encontram-se os fundamentos da obediencia

que as enfermeiras deviam aos med icos, no cuidado

aos doentes, outr� expressivo pilar sobre

0

qual foi

constru ida a enfermagem brasi l e i ra , baseado na

re l a : a o e n t r e os s e x o s e e n t r e s a b e re s ,

hegemonicamente mascu l i n o e medico . Seg undo

Sobral ( 1 994 ) ,

0

jogo d e palavras d a apresenta:ao

implica n u m entend i mento sublime, bem perto do

F O N S ECA, R. M. G . S. da

magico ou do d ivino, q u e vai construindo a imagem

publ ica d a m u lher enfermeira . Tal m u l her que, ate

entao, tinha na fu n:ao de mae-esposa-dona de casa

sua contribui:ao social maxima sob a tutela do marido,

vai ser transportada para a tutela do medico , fig u ra

maxima de poder no hospita l . Sempre sob as ordens

do medico, a enfermeira deve fazer aquilo que ele nao

faz, porem sob suas ordens. I dentifica-se a i

0

in icio

das i nterd i:oes sociais onde se isola

0

aspecto mais

privado para que

0

aspecto publ ico da performance

feminina possa acontecer. (SOB RAL, 1 994) .

Ainda e m 1 963, a tese de Glete de Alcantara

revela a existencia d e p reconceito e d iscrimina:ao

negativa em rela:ao a profissao de enfermagem .

Seg u n d o ela, n o conteudo das opinioes e atitudes

dos pais que se opoem a matricula das filhas no curso

de enfermagem verifica-se a rela:ao dessa profissao

com atri butos i ntelectuais e morais considerados

s o ci a l m e nte i nfe ri o re s , m a n ifest a d o s p e l a s u a

conota:ao d e ' p rofissao m a l vista ' . Tais atri butos

ind icam a preserva:ao de pad roes historicamente

h e rd a d o s , r e l a t i v o s a s a t i v i d a d es m a n u a i s d a

enfermagem (ALCANTARA, 1 963).

E m s i ntese,

0

i n icio d a enfermagem como

c i e n c i a , b u s c a n d o d e s e n v o l v e r u m c o r p o d e

con heci mentos pr6prios, come:ou a manifesta r-se

algum tem po depoi s . Anteriormente , a pratica "era

fu ndamentada em normas e tradi:oes e norteava-se

por pri ncipios e proposi:oes extra idos das ciencias

fisicas e biol6gicas q u e Ihe conferiam u m carater

cientifico, principal e preponderantemente em rela:ao

as tecn i ca s . A p a rt i r d a i , n o v a s fo r:as fo ra m

em preendidas na busca de u m conteudo cog nitiv�

pr6prio, na formula:ao de alguns conceitos, bem como

no aperfei:oamento d e e n u n ciados existentes ." ( . . . )

Mais tarde, entre 60 e 70 "se intensiica a preocupa:ao

com

0

a s p e cto e p i ste m o l 6 g ico da enfermagem ,

p reocu p a :oes estas t ra d u z i d a s pela ordena:ao

sistematica do seu corpo de conhecimentos e teorias"

(TREVI SAN ; M E N D E S ; ANGERAM I , 1 992 , p . 9 1 ) .

A R E I N V E N ; A o D O C A M I N H O : R U M O

A

ENFERMAGEM GENERIFICADA

Os p i l a res sobre os q u a i s foi constru ida a

e n fe rm a g e m m o d e r n a e a fo r m a c o m o fo ra m

i n co r p o r a d o s n a s o c i e d a d e b ra s i l e i ra reve l a m

contradi:oes i nerentes a visao d e mu lher a epoca d a

s u a constru :ao e , d e la para ca , tem side a o mesmo

tempo reiterados e contestados, pend ularmente . No

q u e tange a constru:ao d a identidade da m u lher­

enfermeira ora favorecem , ora d ificu ltam a assun:ao

de postu ras transformadoras .

(10)

estu dos d e genera para m e l h o r com p reender a

enfermagem como profisS80 feminina e as enfermeiras

como trabalhadoras, em pe de igualdade em rela980

as demais m u lheres, i ntegrantes de outros fazeres

p rofi s s i o n a i s . As s i m e q u e t e m c re s c i d o e m

q uantidade e e m q ualidade a s investiga90es dessa

natureza e , gra9as a elas, n a atualidade podemos

compreender melhor a realidade e vislumbrar caminhos

p a ra a s u p era980 d a s u b a l t e r n i d a d e q u e n o s

caracteriza enquanto saber e enquanto pratica , no

conju nto de saberes e praticas d a area d a saude.

A analise generificada do pri ncipal trabalho de

Florence Nightingale tida, d u ra nte m uito tempo, como

reiteradora da tal condi980 de subalternidade, mostrou

que ela foi pioneira ao advogar a visibilidade e a

valoriza980 social do trabalho d a enfermeira . Se ate

hoje pagamos 0 onus de termos nascido sob a egide

da ideologia androcentrica do p u rita n ismo e se, por

conta disso , foi transmitido como verdade a imagem

da enfermeira servil e subalterna ao medico, em

Oposig80, a modernidade lan90u as sementes de uma

nova enfermagem como p rofiss80 i n d ependente ,

autonoma e aliada as demais praticas sociais, n u m

contexto que n 8 0 comporta deusas, anjos ou bruxas,

mas mulheres trabalhadoras que, aliadas aos demais

trabalhadores, batalham para um m u ndo melhor.

P a ra i s s o , c a b e a n o s , e n fe r m e i ra s d a

atualidade e suas sucessoras, rei nventar 0 caminho

i niciado, constru indo tambem 0 q u e sera deixado a

q u e m se d i s p u s e r a n o s s u ce d e r, n a conti n u a

(re)inaugurag80 de u m a profiss80 e u m fazer para as

mulheres que encerram possibilidades [mpares de

transforma980 pessoal e coletiva .

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALCANTARA G. A enfermagem modern a como categoria

profissional : obstaculos a sua expansao na socied ade

brasileira . Ribeirao Preto , 1 96 3 . Tese (Cated ra ) - Escola de Enfermagem de Ribeirao P reto/ U S P.

ALM E I DA F I L H O N . E p i d e m i o l o g i a sem n u m e ros: u m a i ntrod uyao c r i t i c a a c i e n c i a e p i d e m io l o g i c a . R i o d e J a n e i ro(RJ ) : C a m p u s , 1 98 9 .

ALM E I DA F I LH O , N . ; R O U Q UAYROL, M .Z . I ntrod u;ao a

E p i d e m i o l o g i a M o d e rn a . 2 . e d . S a l va d o r( BA)/Rio d e

Janeiro(RJ ) : APC E/AB RASC O , 1 992.

BLO O M , H. A g ra n d iosid a d e d e um poeta e p i co sem precu rsores. F o l h a d e Sao P a u l o , 7 d e julho d e 1 99 6 . Caderno Mais, p . 1 2 .

B U C K , C. et a l . EI desafio de la epidemiologia: problemas y l ecturas selecionadas. 2 . ed. Washington : OPAS/OM S ,

1 99 1 . ( P u bl icacion Cientifica nO 505 ) . 1 077 p.

C A S T R O , I . B . P re fa c i o a e d i y a o b ra s i l e i ra. I n :

N I G HTI N GALE , F. N otas sobre e nfermagem: 0 que e e 0

q u e nao e . Sao P a u l o : AB E n/C E P E N , 1 98 9 . p . 3- 1 0 .

FONS ECA, R M . G . S . ; B E RTOLOZZ I , M . R A epidemiologia s o c i a l e a a s s i s te n c i a a s a u d e da p o p u l a ;;a o . I n : Associa;;ao B rasi l e i ra d e Enfermagem . A class ifica;ao das praticas de enfermagem e 0 uso da epidemiologia

soci a l . B ra s i l i a : Associa;;ao B rasi l e i ra de Enfermagem, 1 99 7 . (Serie d i d atica : Enfermagem no SUS), p. 1 -59.

F RAI S S E ; G . ; P E R ROT, M. I ntrod uccio n . In: D U BY, G . ; P E R ROT, M . H i storia d e l a s m uj e res e n occidente.

Madrid : Tau ru s , 1 99 3 . Tomo 7: E I siglo XIX - la ru ptu ra pol itica y los n u evos modelos sociales, bajo la d i reccion d e Genevieve Fraisse y Michelle Perrot.

G E R MANO, R M . E d u ca;ao e ideologia da enfermagem n o B ras i l . 2 . ed . Sao P a u l o : Cortez, 1 988.

L . H . S . N . Notas do ed itor. I n : N I GHTI NGALE, F. Notas sobre enfermage m : 0 q u e e e 0 q u e nao e . Sao Paulo: ABEn I C E P E N , 1 989. p . 1 56-8.

M I RANDA, C . M . L . 0 d iscu rso da sexual idade como eixo de i n stru ;;a o da E n fe rm a g e m M o d e rn a . S a u d e e m Debate, Lon d ri n a , n . 3 6 , p . 73-5, 1 992.

NAJ ERA, E.; T E R R I S , M . ; LOPEZ, A. Discusion . In: BUCK, C . et al. E I desafio de la e p i d e m i ologia: problemas y lectu ras selecionadas. 2 . e d . Washi ngton : OPAS/OM S , 1 99 1 . ( P u b l icacion Cientifica n° 5 0 5 ) p . 3-1 7 , p . 1 055-73 .

N I G HTI N GALE , F. N otas sobre e nfermage m : 0 que e e 0

q u e nao e . Sao P a u l o : A B E n I C E P E N , 1 989.

S N OW, J. Sobre el modo d e transm ision del colera . I n : Buck, C . e t a l . E I desafio de l a epidemiologia: problemas y lecturas selecionadas. 2. ed . Washi ngton: OPAS/O M S , 1 99 1 . ( P u b l icacion C i entifica nO 5 0 5 ) p . 43-6 .

S O B RAL, V. R . S . Constru i n d o u m a profissao fe m i n i n a .

Rev. E nferm. UERJ, v. 2 , n . 2 , p . 242-9 , 1 994.

TREVI SAN , M A ; M E N D ES , l A C . ; ANGERAM I , E . L . S . A investiga;;ao em enfermagem no Bras i l . Rev. Pau l . Enf. ,

Sao P a u l o , v. 1 0 , n . 3 , p . 9 1 -5 , 1 992.

WOODHAM-S M I T H , C . F l o rence N i g htingale. New York:

McGraw- H i l i Book Co, 1 95 1 .

Referências

Documentos relacionados

Fig. Jurassic-Cretaceous geological evolution for the West Gondwana and its relationship with zeolite-cemented sandstone. A) During the Jurassic, quiescence periods without

Combinados, o rádio portátil APX 8000XE habilitado para todas bandas e o microfone falante remoto XE500 criam uma solução de missão crítica incomparável, projetada para o pessoal

3 O presente artigo tem como objetivo expor as melhorias nas praticas e ferramentas de recrutamento e seleção, visando explorar o capital intelectual para

Se no cadastro da administradora, foi selecionado na aba Configurações Comissões, para que as comissões fossem geradas no momento da venda do contrato, já é

Para o Planeta Orgânico (2010), o crescimento da agricultura orgânica no Brasil e na América Latina dependerá, entre outros fatores, de uma legislação eficiente

Os resultados da coleta de dados sobre os principais fatores de abandono de adolescentes do futsal indicaram que a monotonia dos treinos, influência dos colegas

Este documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tst.jus.br/validador sob código 1003F3D2A712044F47... Firmado por assinatura digital em 09/12/2020 pelo

O estágio profissionalizante encontrou-se organizado em sete estágios parcelares: Medicina Geral e Familiar, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, com quatro semanas