• Nenhum resultado encontrado

A insegurança jurídica atrapalha o crescimento

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A insegurança jurídica atrapalha o crescimento"

Copied!
2
0
0

Texto

(1)

10

G E T U L I O

Julho 2008

D E P O I M E N T O

D E P O I M E N T O

Julho 2008

G E T U L I O

11

O

atual bom momento por que passa a economia é soma de uma série de fatores combina-dos. O Brasil é hoje um país mais eiciente do que era há alguns anos. A transformação da agri-cultura nos últimos 35 anos é um negó-cio inimaginável, surpreendente. E falo com certa tranqüilidade porque passei cerca de trinta anos escrevendo no jornal sobre agricultura. Essa enorme mudança se deve em parte à iniciativa privada, mas também a uma área do governo. A contribuição da Embrapa, sem dúvida, foi preciosa. Hoje temos uma agricultura competitiva, apesar de sandices do governo, que destina mais dinheiro para um questionável Ministério do Desenvolvimento Agrá-rio. Outro dado positivo é que, apesar desses entraves e da falta de propostas sustentadas, a indústria se desenvolveu. Muitas indústrias passaram por uma modernização importante a partir do i-nal dos anos 1980. Algumas perceberam que haveria uma abertura e investiram. As que sobreviveram à abertura, pois muitas quebraram, modernizaram-se e ganharam competitividade. Vários

seto-res adotaram processos administrativos melhores. Temos uma economia mais preparada para competir. E em setores de ponta, como a Embraer, outro ex-celente exemplo: embora a história da empresa comece por iniciativa do po-der público, ela deslanchou quando foi privatizada. Além disso, o fato mais im-portante ocorrido no Brasil nos últimos vinte anos, o período pós-Constituição de 88, foi o processo que culminou na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000.

A grande operação de ajuste que possibilitou a estabilidade econômica foi um processo complicado. Tivemos em 1994 o Plano Real, em 1995 o come-ço de um novo governo, uma situação extremamente complexa, o país ainda tentando derrubar o problema grave e endêmico da inlação. Evidentemente, o país não podia completar o progra-ma de estabilização se não dispusesse de uma política monetária. E o Brasil não tinha. Foi preciso renegociar a dí-vida dos Estados e reordenar o sistema dos bancos estaduais – com a extinção ou com a privatização da maioria de-les – para retomar o projeto de política

monetária. O Banco Central passou a mandar na criação de moeda no país. Nada seria possível sem a complexa negociação entre o Tesouro Nacional e os governos estaduais. Essa operação de saneamento aconteceu durante o gover-no Fernando Henrique Cardoso – foi a grande obra do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. O atual governo não fez nada nem remotamente parecido.

Nesse sentido, a racionalidade econômica foi fundamental. Embora a situação iscal ainda não seja uma maravilha, poderia ser melhor. Mas o mínimo de disciplina foi introduzido. Tudo contribuiu para certa estabilida-de, para que a política monetária se transformasse, para trabalharmos com inlação baixa, com previsibilidade. Houve mudança também na política cambial, as empresas acabaram con-quistando mercados no exterior, mais por mérito delas do que por iniciativa do governo.

Se me perguntarem se o vírus res-ponsável por todas as mudanças posi-tivas já inoculou o país a ponto de a racionalidade econômica ser uma doença incurável, responderei que a

Agências reguladoras que não regulam, Congresso que não controla o Executivo e não discute

orçamento, Judiciário emperrado: questões de natureza institucional representam custos

e desvantagens competitivas para o país

A INSEGURANÇA

JURÍDICA ATRAPALHA

O CRESCIMENTO

(2)

12

G E T U L I O

Julho 2008 Julho 2008

G E T U L I O

13

possibilidade de expulsão do vírus no organismo existe sim.

O Banco Central, uma exceção

Como observador e, sobretudo, como jornalista, tenho minha atenção voltada mais para questões de caráter institucional. E elas são, de fato, rele-vantes: sua evolução pode garantir ou não a consolidação da atual situação econômica brasileira, que parece bas-tante boa. Mas não estou convencido de que as diiculdades que o Brasil enfrenta no momento sejam apenas conjunturais, derivadas de pressões nos preços externos, por exemplo. Há questões mais complicadas, de natureza institucional, que representam custos e desvantagens competitivas para o país. Bom exemplo é a questão da orde-nação administrativa do país: é eviden-te o problema das agências reguladoras e da distinção entre funções de Estado e de governo. O Brasil ensaiou um salto importante quando criou as agências ainda nos anos 1990. Mas esse salto não se completou, porque a legislação das agências não foi consolidada com ca-racterísticas clássicas, como autonomia em relação ao Executivo, constituição técnica, diretorias com mandatos. As agências continuam subordinadas ao Executivo, sofrendo pressões. Tanto diretas, na tomada de decisões e no loteamento dos cargos, quanto pres-sões indiretas, sob a forma de corte de verbas e “esquecimento” de indicações para preencher vagas. Várias agências têm funcionado com diretorias in-completas, o que impede o processo decisório. No Brasil, as agências estão desconsideradas. E sujeitas ao jogo de conveniências partidário-eleitorais. Embora algumas acusações ainda se-jam provadas, o caso Varig/Variglog é uma mostra da promiscuidade entre in-teresses partidários, inin-teresses de grupo e interesses públicos.

Essa promiscuidade atrapalha a solução dos problemas reais. A

Agên-cia Nacional do Petróleo, por exem-plo, está desmoralizada. Já foi séria, envolvia-se na regulação de mercado. Hoje não é mais. Está inteiramente aparelhada. A presença dela é notada apenas quando acontece alguma bes-teira, como a declaração recente do seu diretor-geral a respeito da descoberta de um megacampo de petróleo, causando alvoroço no mercado.Quando perce-beu que não poderia ter produzido essa informação, disse não ser subordinado à Comissão de Valores Mobiliários, e que respondia apenas ao presidente da República. Ele está errado. Como di-retor-geral de uma agência cujas ações podem produzir conseqüências no mercado, não pode divulgar precoce-mente dados de pesquisas estratégicas. Não pode ignorar regras de mercado. E pior, sendo chefe de uma agência regu-ladora, não deveria estar subordinado ao presidente, devendo levar a sério a CVM, pois se trata da estrutura insti-tucional do país. Manifestou desprezo por essa entidade, e esse é um exemplo de aparelhamento.

Das instituições que poderíamos, com alguma licença, classiicar como reguladoras, há uma exceção: o Ban-co Central. Não é formalmente autô-nomo, mas tem autonomia garantida por acordo entre seu atual presidente, Henrique Meirelles, e o presidente da República. Garantia dada quando Meirelles foi convidado para assumir o cargo. Naquele momento, não havia uma pessoa para assegurar a coniança do mercado, pois o governo não tinha quadro com peso público para enfren-tar a enfren-tarefa. Henrique Meirelles deu conta do recado. E diria mais: a única instituição do governo que funciona é o Banco Central. Mas essa autonomia é um caso episódico, pois falta legislação clara sobre órgãos reguladores.

Alguns acadêmicos defendem o condicionamento do Banco Central ao governo, subordinado ao partido no poder. Não conheço um bom

argu-mento a favor disso. Essa é uma posição discutível. E não funciona assim no res-to do mundo. Ainda que haja alguma ainidade entre nosso BC e o Federal Reserve dos Estados Unidos, não deve-mos esquecer que o mandato dos dire-tores lá chega a 14 anos, mais longo do que três mandatos presidenciais aqui. Ainda que haja ainidade política entre o chefe de governo e o indicado para a presidência do órgão, os diretores do BC americano têm mandato longuíssi-mo. Na Inglaterra, a autonomia formal do Banco Central é recente, mas já funcionava dessa forma.

Os precatórios e a PEC do Calote

As agências são importantes do pon-to de vista prático, com problemas visí-veis. O processo de operação dos entes constituintes do governo, responsáveis pela condição do país, revela inúmeras fragilidades. Já as questões institucio-nais são mais amplas. Um exemplo é o abuso das medidas provisórias. Ao edi-tar medidas provisórias com tanta fre-qüência, o Executivo atropela a Cons-tituição – claríssima ao indicar as con-dições em que uma medida provisória é justiicável. Mas o problema não é só do Executivo. A Constituição delega ao Congresso Nacional a criação de uma comissão para examinar liminarmente a necessidade ou não de uma MP. Se o Congresso tivesse cumprido seu papel, a maior parte das MPs não teria durado mais de um dia.

As instituições continuam ruins. O Congresso Nacional ainda não desco-briu qual a sua função. Esse é um caso trágico. O processo orçamentário é ne-gociado por interesses paroquiais. Por isso, o orçamento é distorcido, há tanto desperdício de dinheiro, a competência da administração é baixa. E o controle do orçamento, pelo Parlamento, é um dos fatores marcantes das democracias ocidentais.

Assim, nossa deiciência é gerada pelo próprio funcionamento das insti-tuições. Quando falamos nessas deici-ências, podemos pensar na situação de insegurança do cidadão em relação ao poder público. Por exemplo, a Propos-ta de Emenda Constitucional 12/2006, conhecida como a PEC do Calote, que estabelece nova regulamentação para o pagamento dos precatórios: cria

desordem institucional na medida em que abre condições para os Estados reservarem parcelas mínimas de sua re-ceita para o pagamento dos precatórios atrasados. O Congresso está dizendo um “dane-se” aos credores, dando condições para que novos precatórios sejam cria-dos, e novos atrasos ocorram. Com isso, qualquer cidadão está sujeito a ter seus bens coniscados sem a mínima garantia de ressarcimento pelo poder público.

Consertar as instituições no Brasil não depende apenas de fazer leis, mas também de não fazer certas leis. Ao

pro-duzir normas, as instituições geram in-segurança para o cidadão. Se a emenda passar, teremos possivelmente abertura para abusos maiores – e tudo feito por meio de proposta de emenda constitu-cional, de autoria de um ex-presidente do STF, Nelson Jobim.

Isso reforça uma condição patoló-gica que sempre tivemos, a noção im-plícita da descontinuidade de Estado. No Brasil, o acúmulo de precatórios, essa gigantesca soma de dívidas não-pagas, só foi possível porque durante muito tempo os governantes agiram como se o Estado fosse descontínuo, como se os compromissos assumidos pelo poder público acabassem ao inal do mandato do governante. Mas não, o Estado permanece e o problema passa para o sucessor.

Do tempo das diligências...

Além dessa insegurança, existe a inerente às próprias instituições. Como exemplo, o acesso desigual à proteção judicial. A possibilidade da enorme su-cessão de recursos durante as ações já estabelece condição de desigualdade. Para icar no exemplo corriqueiro, uma empresa pode conviver com um proces-so trabalhista durante quinze ou vinte anos. Quantos anos o trabalhador pode esperar até seus direitos serem reconhe-cidos? Claro, pode haver solução por meio da arbitragem. Mas que mediação pode se dar entre uma empresa média ou grande e um modesto empregado? Mediação supõe igualdade de condi-ções entre os litigantes e aqui não há esse parâmetro. Por isso, é negócio para uma empresa manter o processo, pois o trabalhador não tem fôlego para agüentar. É quando surge a proposta do acordo, vantajoso para a empresa.

Temos um código de processo que permite o abuso de recursos de má-fé. Um juiz dispõe de meios para negar recurso de má-fé, mas quantas vezes isso acontece? No caso do poder públi-co: o que acontece se um advogado do governo deixar de exercer o direito de recurso? Será processado por negligên-cia. Isso gera distorção entre poder pú-blico e cidadão, como a desigualdade entre empresa e empregado. E some-se o excesso de demandas, que aumenta a pilha de processos e entope a Justiça. E o Estado é grande causador de pro-cessos. Não se ganha nada do Estado sem processo.

Nosso sistema judicial não funciona na proteção dos direitos mais simples, os que fazem parte da vida das pessoas. É grave fator de insegurança a inei-ciência da Justiça penal. Os processos são demorados. E não é apenas pelo volume de ações. A produtividade da Justiça brasileira é baixa, e os juízes não se julgam obrigados a agir com ra-pidez. Existem, inclusive, magistrados com verniz intelectual querendo esta-belecer a diferença entre o tempo da Justiça e o tempo de outras atividades, como se isso pudesse existir. Quando aciono a Justiça quero solução rápida, bem pensada, competente. O juiz não tem que ilosofar para resolver. Não faz sentido. Quando um médico atende um paciente, é razoável que o faça de forma pronta. Por que um juiz não age da mesma forma? A morosidade tem conseqüências. A criminalidade, por exemplo, é incentivada com essa pos-tura do tempo diferido da Justiça.

Por mais despreparado que um cri-minoso seja, sabe que do ponto de vista risco/rentabilidade o crime é a melhor atividade do país. A probabilidade de um criminoso ser preso é pequena. E a probabilidade de, preso, ser condenado, é também muitas vezes pequena. Temos exemplos de criminosos soltos porque não foram ouvidos pelo juiz dentro de determinado prazo ou de acordo com

certa formalidade. Às vezes não foram ouvidos porque a delegacia onde esta-vam não tinha um carro para levá-los, ou o carro não tinha gasolina. Os proce-dimentos seriam mais fáceis se houvesse a possibilidade dos interrogatórios por videoconferência, mas um ministro do STF proibiu essa prática. Ora, se as ex-pressões faciais aparecem no cinema e fazem toda a diferença para a carreira de um ator, por que não farão numa video-conferência, onde o sujeito se apresenta ao vivo? Tudo contribui para tornar o crime um excelente negócio.

Como conseqüência, as empresas brasileiras trabalham com desvanta-gens comparativas – uma delas é o custo de segurança muito mais alto que o das concorrentes estrangeiras. No Brasil não se transporta mercadoria nas estradas por caminhão sem escolta. Há um sistema montado de seguran-ça com escolta de mercadorias, pois o roubo de cargas é uma absoluta rotina. As empresas têm não apenas de recor-rer a sistemas soisticados, também em uso no resto do mundo, mas à escol-ta armada. Ou seja, é mais custo para complicar o desenvolvimento, pois não basta a empresa ser competitiva dentro dos muros da fábrica, tem de enfrentar problemas e custos que as concorren-tes estrangeiras não têm. Caminhões carregados com televisores ou tecidos podem circular em outros países sem o custo adicional de escolta armada. Esse é um negócio fora de moda nos Estados Unidos desde o im das diligências, em que o sujeito andava armado com uma carabina ao lado do cocheiro. O que se mantém no Brasil de hoje é um sistema do tempo das diligências.

O jornalista Rolf Nelson Kuntz, dou-tor em Ética e Filosoia Política, é pro-fessor na Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas da USP e editoria-lista do jornal O Estado de S. Paulo. Este

depoimento é transcrição de entrevista concedida a Carlos Costa

Consertar as instituições não depende apenas

de fazer leis, mas também de não fazer certas

leis. Ao produzir normas, as instituições

geram insegurança para o cidadão

Com a PEC do Calote, o Congresso Nacional

está dizendo um “dane-se” ao credor de

precatório. Ou seja, está dando condições

para a criação de novas dívidas

Referências

Documentos relacionados

Transformar los espacios es también transformar la dinámica de las relaciones dentro del ambiente de trabajo, la glo- balización alteró el mundo corporativo, en ese sentido es

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi

Considerando as pesquisas em isolamento de compostos bioativos e a importância da família Lauraceae na Floresta Amazônica, uma pesquisa sobre espécies desta

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

Esta pesquisa discorre de uma situação pontual recorrente de um processo produtivo, onde se verifica as técnicas padronizadas e estudo dos indicadores em uma observação sistêmica

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação