AS CONDIÇÕES D A REPRODUÇÃO CAMPONESA
NO V A L E DO JEQUITINHONHA*
E d u a r d o G R A Z I A N O * *
Francisco G R A Z I A N O N E T O * * *
RESUMO: O artigo procura descrever as condições da reprodução econômica camponesa no Vaie do Jequitinhonha mineiro, atentando para as relações entre Homem-Natureza decisivas para a organi-zação social historicamente estabelecida.
UNITERMOS: Reprodução econômica camponesa; relações Homem-Natureza; organização produtiva.
I N T R O D U Ç Ã O
O V a l e d o J e q u i t i n h o n h a e s t á l o c a l i zado n o nordeste d o E s t a d o de M i n a s G e -rais e compreende, grosso m o d o , duas re-giões distintas tanto q u a n t o à s carac-terísticas g e o g r á f i c a s , c o m o e m r e l a ç ã o à é p o c a de s u a o c u p a ç ã o : a r e g i ã o d o G e -raes e a r e g i ã o das M i n a s .
A r e g i ã o d o Geraes, q u e se c o n c e n t r a na p o r ç ã o o r i e n t a l d o V a l e , caracteriza-se fisiograficamente p o r p o s s u i r terras p l a nas e baixas, o n d e a v e g e t a ç ã o p r e d o m i -nante é, a o norte, u m p r o l o n g a m e n t o d o sertão baiano ( v e g e t a ç ã o de caatinga) e, ao leste, o r i g i n a l m e n t e o c u p a d a p e l a f l o -resta tropical ú m i d a , hoje totalmente s u b s t i t u í d a p o r pastagens. S u a o c u p a ç ã o deu-se inicialmente a t r a v é s d a c r i a ç ã o de gado e m meados d o s é c u l o X V I I I , p a r a abastecer o c i c l o d a m i n e r a ç ã o . C o m o c o n s e q ü ê n c i a , a r e g i ã o d o Geraes é hoje marcantemente u m a r e g i ã o de grandes
propriedades f u n d i á r i a s pecuaristas que abrangem e d o m i n a m a p e q u e n a p r o d u -ç ã o camponesa existente.
P o r sua vez, a á r e a e m estudo, a região das M i n a s , l o c a l i z a d a n o l a d o o c i -dental onde nasce o r i o J e q u i t i n h o n h a , é formada p o r terras altas e irregulares d o planalto m i n e i r o (Serra G e r a l de M i n a s o u do E s p i n h a ç o ) , c o m v e g e t a ç ã o t í p i c a de cerrado, c o n f o r m a n d o as zonas de
chapadas c o m suas i n ú m e r a s vertentes,
conhecidas c o m o veredas o u grotas.
Constituiu-se e m u m a i m p o r t a n t e á r e a de e x t r a ç ã o m i n e r a l n o s é c u l o X V I I I , tendo abrigado alguns d o s p r i n c i p a i s centros d a e x t r a ç ã o d o o u r o e diamantes, c o m o M i -nas N o v a s , D i a m a n t i n a , Serro e G r ã o M o g o l . S u a f o r m a ç ã o e c o n ô m i c a e s t á l i gada a essa atividade e x t r a t i v a e à s v i c i s s i -tudes d a m e s m a . M a r c a d a caracteristica-mente pela c o m b i n a ç ã o de u m a l t o g r a u de incerteza n a p r o d u ç ã o c o m a a l t a m o -bilidade d o e m p r e e n d i m e n t o de u m l a d o
* Este artigo è parte inicial da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, fruto de ampla pesquisa que vem sendo realiza-da sobre o Vale do Jequitinhonha sob a coordenação realiza-da Profa. Margarirealiza-da Maria Moura, a quem os autores agradecem as criticas e sugestões recebidas.
•• Economista, mestrando em Desenvolvimento Agricola/UFRRJ.
e, de o u t r o , p e l a a l t a l u c r a t i v i d a d e c o m a c o n s e q ü e n t e e s p e c i a l i z a ç ã o d a p r o d u ç ã o p r o d u t i v a , a e c o n o m i a d o o u r o l e g o u à re-g i ã o alre-guns t r a ç o s i m p o r t a n t e s .
Resultado d a i t i n e r â n c i a d o empreen-dimento extrativo c o l o n i a l , l e v a d o a c a b o principalmente pelos faiscadores que se m o v i m e n t a v a m seguindo os cursos d ' á g u a e rios n a p r o c u r a de a l u v i õ e s d o precioso metal, a r e g i ã o das M i n a s f o i sendo p o -voada. M a s esse r á p i d o p o v o a m e n t o pos-suía u m objetivo d o m i n a n t e : a descoberta do o u r o e das pedras preciosas. N ã o se es-tabeleceu p o r t a n t o , c o m o c o n s e q ü ê n c i a , empreendimentos de m é d i o e grande p o r -te que se dedicassem à a g r o p e c u á r i a . O abastecimento a l i m e n t a r e dos meios de p r o d u ç ã o n e c e s s á r i o s p a r a a m i n e r a ç ã o foi satisfeito a t r a v é s de i m p o r t a ç õ e s de outras r e g i õ e s brasileiras.
A ú n i c a a t i v i d a d e e c o n ô m i c a que nasceu e se desenvolveu nas brechas dessa economia f o i a p e q u e n a p r o d u ç ã o a l i m e n tar. A i n d a que de p o u c a e x p r e s s ã o p r o d u -tiva e n u m e r i c a m e n t e l i m i t a d a , n ã o é difícil supor a sua e x i s t ê n c i a n u m a r e g i ã o onde a b u n d a v a m trabalhadores livres a t r a í d o s de t o d a parte p e l o o u r o e o n d e a carestia de a l i m e n t o s , m e s m o b á s i c o s , era patente. A alta dos p r e ç o s desses p r o d u t o s bem c o m o o seu constante p r o b l e m a de abastecimento i n d u z i a a p o p u l a ç ã o de poucos recursos a p r o d u z i r sua p r ó p r i a subsistência, q u a n d o n ã o se e m p r e g a v a m nas empresas de l a v r a .
A s s i m , a p r o d u ç ã o a g r í c o l a que j á era incentivada pelos altos p r e ç o s dos a l i -mentos, a i n d a que l i m i t a d a p e l a p r ó p r i a d i n â m i c a d a atividade p r i n c i p a l , g a n h a novos c o n t o r n o s c o m a d e c a d ê n c i a d a m i n e r a ç ã o pelo f i m d o s é c u l o X V I I I e c o m e -ç o do s é c u l o X I X . A massa d a p o p u l a -ç ã o trabalhadora, h o m e n s livres o u escravos libertos o u refugiados (a a t u a l cidade de C h a p a d a do N o r t e f o i u m a n t i g o q u i l o m bo e, a t é hoje, sua p o p u l a ç ã o é c o n s t i -t u í d a n a quase -t o -t a l i d a d e de negros) dispersaram-se pelo m e i o r u r a l , d a n d o origem certamente a o c a m p e s i n a t o a l i h o
-je estabelecido. O g a r i m p o p r a t i c a d o p o r essa p o p u l a ç ã o n u n c a d e i x o u de existir mas passou, c o m o t e m p o , a se c o n s t i t u i r em atividade c o m p l e m e n t a r à p r o d u ç ã o agrícola, salvo raros locais o n d e tem pre-sença marcante.
A o l a d o e sobre a p e q u e n a p r o d u ç ã o camponesa, algumas fazendas f o r a m or-ganizadas c o m a f i n a l i d a d e de p r o d u z i r produtos de alto v a l o r c o m e r c i a l , c o m o o gado de corte e o a l g o d ã o . E s t a s fazendas nasceram d a necessidade de alguns e m -preendedores d a m i n e r a ç ã o s u b s t i t u í r e m a atividade extrativa e m d e c a d ê n c i a p o r o u -tra que ocupasse os recutsos e n t ã o dis-p o n í v e i s , gerados dis-p e l a e c o n o m i a d o o u r o : escravos, d i n h e i r o , tropas de muares e ga-do, linhas de c o m é r c i o c o m outras re-giões, etc.
Sobre as r e l a ç õ e s estabelecidas entre as fazendas e a pequena p r o d u ç ã o c a m p o -nesa, a i n d a que n ã o p r i v i l e g i a d a s nesse artigo, devemos salientar d o i s p o n t o s i m -portantes: a l u t a p e l a posse d a terra e a crescente i n d e p e n d ê n c i a d a p r o d u ç ã o camponesa frente aos grandes p r o p r i e t á -rios.
Os conflitos p e l a posse d a terra t ê m como fundamento a tentativa constante dos grandes p r o p r i e t á r i o s de a u m e n t a r e m seus domínios ( t e r r i t o r i a l , s o c i a l e p o l í t i -co) por sobre os g r u p o s camponeses. Nota-se, inclusive, que o interesse dos grandes p r o p r i e t á r i o s p e l o d o m í n i o de amplas parcelas de terra d á - s e n ã o p e l a terra em si o u pelo que possa p r o d u z i r -como m e r c a d o r i a que se v a l o r i z a o u c o m o meio de p r o d u ç ã o mas s i m p e l a p o s s i b i l i dade de d o m i n a r os h o m e n s que t r a b a -lham a terra. D o m i n a r a terra é c o n d i ç ã o essencial p a r a se d o m i n a r os h o m e n s , pa-ra se d o m i n a r o t r a b a l h o e as atividades políticas dos camponeses. T a n t o isso é verdade que a p r o d u ç ã o c o m e r c i a l n ã o se e x p a n d e c o n f o r m e a u m e n t a m os d o m í n i o s dos grandes p r o p r i e t á r i o s . N e s -se -sentido, a l ó g i c a d a a m p l i a ç ã o constante dos d o m í n i o s constantem requisitos que u l t r a -passam o e c o n ô m i c o .
N a l u t a p e l a posse e defesa d a terra, as f o r ç a s sociais e m j o g o i m p õ e m u m a os-cilação p a r a mais o u p a r a m e n o s n o d o m í n i o dos grandes p r o p r i e t á r i o s . P o r é m , podese a p o n t a r sem grandes p r o b l e -mas dois p e r í o d o s distintos nas r e l a ç õ e s sociais entre fazendeiros e camponeses. U m p r i m e i r o , historicamente d e m a r c a d o entre o f i m d a m i n e r a ç ã o a t é meados d o século X I X , o n d e o m o v i m e n t o p r e d o m i nante é a e x p a n s ã o d o d o m í n i o dos g r a n des p r o p r i e t á r i o s sobre a p e q u e n a p r o d u -ç ã o camponesa, " a b r a -ç a n d o - a " territo-rialmente e i m p o n d o c o n d i ç õ e s mais seve-ras de d o m i n a ç ã o . D e m e a d o s d o s é c u l o X I X em diante parece haver u m r e f l u x o cada vez mais evidente n o d o m í n i o terri-torial dos " c o r o n é i s " ; i n a u g u r a n d o u m segundo m o m e n t o nestas r e l a ç õ e s . A s fa-zendas entram e m e s t a g n a ç ã o e c o n ô m i c a e liberam á r e a s p a r a a p r o d u ç ã o c a m p o -nesa. N e s t a n o v a s i t u a ç ã o , resultante d a conjuntura n a c i o n a l e r e g i o n a l , a f o r m a de d o m i n a ç ã o sofre rearranjos a s s u m i n d o uma c o n d i ç ã o mais " f r o u x a " .
A i n d e p e n d ê n c i a crescente p e l o c a m -pesinato a t é 1970 sugere u m a c o r r e l a ç ã o muito estreita c o m essa l i b e r a ç ã o de á r e a pela t r a d i c i o n a l f a z e n d a d o geraes m i n e i -ro. A n o v a s i t u a ç ã o , ao c r i a r u m e s p a ç o social e físico l i b e r t o d a d o m i n a ç ã o , per-mite à p r o d u ç ã o c a m p o n e s a o estabeleci-mento de u m m o d o de v i d a p r ó p r i o que lhe tem assegurado s u a r e p r o d u ç ã o s o c i a l .
O objetivo de nosso t r a b a l h o é o t r a -tamento das c o n d i ç õ e s d a r e p r o d u ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a c a m p o n e s a n o V a l e d o Jequitinhonha m i n e i r o . E s t e a r t i g o tenta-rá descrever as c o n d i ç õ e s d a r e p r o d u ç ã o
antes do processo de e x p r o p r i a ç ã o c a p i t a -lista o c o r r i d o a p a r t i r de 1970, processo esse que altera c o n d i ç õ e s fundamentais para a r e p r o d u ç ã o social d o c a m p e s i n a t o ali historicamente estabelecido p o r mais de u m s é c u l o .
A pesquisa de c a m p o , g e r a d o r a de uma etnografia extremamente i m p o r t a n -te, permite a f i r m a r que a a l i m e n t a ç ã o sa-dia, a á g u a farta, o lazer s o c i a l , as festas
religiosas, a p r o p r i e d a d e de m e i o s de p r o -d u ç ã o essenciais c o n f i g u r a v a m u m m o -d o de vida estável e r e l a t i v a m e n t e r i c o , social e materialmente. Destarte, d e s c o n s i d e r a n -do esta s i t u a ç ã o c a m p o n e s a , o g o v e r n o através de suas a g ê n c i a s representativas caracteriza a r e g i ã o de " V a l e d a M o r t e " , de " p o b r e z a a b s o l u t a " e t c , f a l s i f i c a n d o a realidade c o m o p r o p ó s i t o de j u s t i f i c a r u m projeto e c o n ô m i c o s o c i a l p r ó p r i o p a ra a r e g i ã o . M e d i a n t e o d e s í g n i o de " p o -breza a b s o l u t a " justificam-se as transform a ç õ e s i transform p l a n t a d a s pelas etransformpresas c a p i -talistas, a m p l a m e n t e s u b v e n c i o n a d a s pe-los governos estadual e federal.
O processo de e x p r o p r i a ç ã o d o c a m -pesinato, a d e s t r u i ç ã o das m a t a s naturais e a i m p l a n t a ç ã o de culturas de e x p o r t a ç ã o ou de florestas h o m o g ê n e a s de e u c a l i p t o , constituemse n o " p r o g r e s s o e d e s e n v o l v i mento e c o n ô m i c o " que chega a o V a l e , a l -terando r a d i c a l m e n t e as estruturas e for-mas de o r g a n i z a ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a s existentes.
I m p õ e - s e u m processo e x p l o r a d o r de a c u m u l a ç ã o de c a p i t a l que b e n e f i c i a os novos e antigos e m p r e s á r i o s desse c a p i t a l . Os camponeses v ê e m suas c o n d i ç õ e s de v i -da deteriorarem-se c o m o c o n s e q ü ê n c i a d a perda de v á r i o s de seus m e i o s de p r o d u ç ã o e de v i d a . E m n o m e d o " p r o g r e s s o " a m i -séria social c o m e ç a a ser i m p l a n t a d a n o Vale.
N ã o teremos t e m p o , neste a r t i g o , de analisar a d e s e s t a b i l i z a ç ã o d a o r g a n i z a ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a c a m p o n e s a . Interessa-nos mais neste e s p a ç o , c o m o dissemos, descrever as c o n d i ç õ e s d a r e p r o d u ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a antes de t a l p r o c e s s o . A c h a m o s i m p o r t a n t e m o s t r a r , a t é c o m certos detalhes, o viver d a p o p u l a ç ã o d o Vale do J e q u i t i n h o n h a , p o i s ele c o n t é m elementos ricos p a r a a i n t e r p r e t a ç ã o das sociedades camponesas estabelecidas e m nosso p a í s .
H á , a i n d a , u m a p r e o c u p a ç ã o específica nessa d e s c r i ç ã o : c r e m o s i m p o r -tante mostrar c o m o a N a t u r e z a estabelece c o n d i ç õ e s materiais que i n f l u e n c i a m
sivamente a o r g a n i z a ç ã o social dos h o -mens, aspecto que n o r m a l m e n t e os traba-lhos n a á r e a social p o u c o c o n s i d e r a m . Pretendemos m o s t r a r c o m o o ecossistema natural, que d o m i n a r e m o s n o caso d o
complexo grotas-chapadas, interfere, define o u a t é m e s m o d e t e r m i n a t r a ç o s i m -portantes d a o r g a n i z a ç ã o s o c i a l .
C l a r o que n ã o v a m o s a d v o g a r o de-terminismo d a N a t u r e z a t a l c o m o ele se coloca p a r a as demais e s p é c i e s vivas. T e -mos absolutamente c l a r o que o H o m e m cria c o n d i ç õ e s de s o b r e v i v ê n c i a , pelo tra-balho e pela i n t e l i g ê n c i a , i n t e r f e r i n d o e m o d i f i c a n d o a N a t u r e z a segundo suas necessidades. M a s temos t a m b é m m u i t o c l a ro que o r e l a c i o n a m e n t o H o m e m -N a t u r e z a tem que se dar n o sentido de c o n v i v ê n c i a h a r m ô n i c a , d a m a n u t e n ç ã o de u m e q u i l í b r i o d i n â m i c o entre os h o mens e o ecossistema. S e n ã o , se o r e l a c i o namento H o m e m N a t u r e z a p o s s u i r c a r á -ter destrutivo, a o r g a n i z a ç ã o social s e r á apenas t e m p o r á r i a , p o r q u e d e s t r u i n d o a Natureza o H o m e m d e s t r ó i a si p r ó p r i o .
O C O M P L E X O G R O T A S - C H A P A D A S
E s t a n d o n o V a l e e o l h a n d o s e o h o r i -zonte de u m p o n t o q u a l q u e r , e m q u a l q u e r d i r e ç ã o , vislumbra-se u m a s e q ü ê n c i a de montanhas e vales. Estas m o n t a n h a s , à s e m e l h a n ç a de pequenos p l a n a l t o s , c o n f o r m a m c o m suas variadas altitudes, p l a -nos elevados de v e g e t a ç ã o t í p i c a de cerra-do. Esses planos, sem recursos h í d r i c o s n a superfície, s ã o regionalmente c h a m a d o s de chapadas. O s vales p o r sua vez, t a m -b é m de v a r i a d a i n c l i n a ç ã o e p r o f u n d i d a d e contendo u m a i n f i n i d a d e de riachos e rios, s ã o designados p o r grotas.*
A variedade d a v e g e t a ç ã o e n c o n t r a d a na chapada e p r e d o m i n a n t e t a m b é m nas grotas, apesar de conter certamente a l g u -mas a l t e r a ç õ e s de d o m i n â n c i a de e s p é c i e s
devido à m a i o r u m i d a d e das b a i x a d a s , c o m p o r t a m v á r i o s tipos de habitats n a t u -rais, c o m u m e n t e c h a m a d o s de carrasco, caatinga, mato cerrado, capão e o u t r o s . Rapidamente p o d e m o s salientar que o carrasco possui u m m a t o espesso mas re-lativamente b a i x o (mais o u menos u m me-tro e meio de altura) e é de difícil entrada para o h o m e m , apesar de que o g a d o d a r e g i ã o , tratado de pé-duro, penetra p a r a pastar q u a n d o " s o l t o n a l a r g a " ; que a caatinga é caracterizada p o r p o s s u i r u m mato espesso de mais alta estatura que o carrasco, c o n t e n d o a l g u m a s á r v o r e s maiores sendo de difícil p e n e t r a ç ã o a t é para o gado; m a t o cerrado é aquele carac-terizado p o r ser b e m mais r a l o que os dois anteriores e rasteiro, p e r m e a d o p o r g r a n -des á r v o r e s de muitas e s p é c i e s e p o r ser de fácil acesso tanto p a r a o h o m e m q u a n t o para seus a n i m a i s de c r i a ç ã o . P o s s u i me-lhor pasto n a t u r a l , ao m e s m o t e m p o possi-bilita c o m m a i o r f a c i l i d a d e a a t i v i d a d e de coleta, de c a ç a e de e x t r a ç ã o de recursos; o c a p ã o é u m a m a t a mais r o b u s t a e densa, de grandes á r v o r e s , existente i n v a r i a v e l -mente nas cabeceiras das chapadas, as quais s ã o o r i g e m à s i n ú m e r a s nascentes de á g u a s , onde perceptivelmente a u m i d a d e é bem m a i o r .
Diante d a expressiva r i q u e z a de re-cursos encontrada n o ecossistema estuda-do, desenvolveu-se u m a d e t e r m i n a d a for-ma de o r g a n i z a ç ã o h u m a n a que t e m c o m o uma de suas c a r a c t e r í s t i c a s b á s i c a s o u s u -fruto h a r m ô n i c o d o m e i o a m b i e n t e e m que v i v e m .
O elemento a g l u t i n a d o r deste usufruto do c o m p l e x o grotaschapadas é a a p r o p r i a ç ã o d a terra p e l a f o r m a de o r g a n i z a -ç ã o camponesa. A a p r o p r i a -ç ã o d a terra se d á de duas maneiras distintas que, n a v i d a p r á t i c a dos camponeses, se c o m p l e m e n tam. A p r i m e i r a consiste e m u m a a p r o -p r i a ç ã o privada das á r e a s ú m i d a s das
gro-tas onde estabelecem sua m o r a d i a e, a
se-* Mais ao norte do Estado de Minas Gerais e também no Estado da Bahia, são conhecidas por veredas, daí o título do ro-mance de Guimarães Rosa: Grande Sertão Veredas.
gunda, u m a a p r o p r i a ç ã o coletiva das á r e a s planas e altas das c h a p a d a s .
A a p r o p r i a ç ã o privada d a terra é u m
mecanismo u t i l i z a d o pelos camponeses para assegurarem os frutos d o t r a b a l h o familiar frente à s adversidades sociais que os cercam. A p a r c e l a de terra p r i v a d a c o r -responde a u m a p e q u e n a á r e a (de 0,5 a t é 60ha) onde se l o c a l i z a a v i d a d o m é s t i c a e produtiva d a u n i d a d e c a m p o n e s a . N o r -malmente c h a m a d a de minha morada, meu lugar o u minha propriedade e n v o l v e a casa de m o r a d i a , u m a fonte de á g u a , uma a g r i c u l t u r a de a l i m e n t o s e u m a
manga — pasto n a t u r a l c e r c a d o .
A o b t e n ç ã o desse lote p o d e se dar pe-la c o m p r a , mediante u m a n e g o c i a ç ã o qualquer, pela posse o u p e l a h e r a n ç a . A compra, longe de ser u m a t r a n s a ç ã o m o n e t á r i a que reflita a v a l o r i z a ç ã o d a m e r c a -doria terra, é m u i t o mais u m rearranjo, em algumas c o m u n i d a d e s , d a d i s t r i b u i ç ã o das terras entre as f a m í l i a s camponesas. A h e r a n ç a t o m a seus r u m o s c o s t u m e i r o s e via de regra, c o m o n ã o p o d e r i a deixar de ser, n ã o segue o b r i g a t o r i a m e n t e o c ó d i g o civil brasileiro: h e r d a r á a terra dos pais aquele filho o u filhos que desenvolverem a p t i d õ e s p a r a c u l t i v á - l a , d e p e n d e n d o e m muito do t a m a n h o d a p a r c e l a de terra n o m o m e n t o d a p a r t i l h a . O s que n ã o recebe-rem a terra, s e r ã o expulsos p e l o processo de h e r a n ç a , o b t e n d o o d i r e i t o a a l g u m a c o m p e n s a ç ã o , que p o d e ser e m d i n h e i r o ou em bens, p o r parte dos pais a i n d a v i v o s ou por parte d o i r m ã o que p e r m a n e c e u n a terra. A a p r o p r i a ç ã o p e l a posse, mais c o -m u -m antiga-mente, d e p e n d i a d o fato d a á r e a escolhida ser o u n ã o d o d o m í n i o de algum grande p r o p r i e t á r i o . C o m o p r o cesso de d e c a d ê n c i a das fazendas é p r o v á -vel que a d e s a g r e g a ç ã o das mesmas liberasse muitas á r e a s que p u d e r a m ser o c u -padas pela simples posse. A t u a l m e n t e , a simples posse de u m a p a r c e l a de terra n ã o é mais garantia d a m a n u t e n ç ã o d a p r o -priedade c a m p o n e s a .
A parcela de terra c o m p r a d a , herda-da o u o b t i d a p e l a posse d e n t r o herda-das grotas
é o local onde a u n i d a d e c a m p o n e s a de-marcou p a r a a sua m o r a d i a . A s p r á t i c a s de o r g a n i z a ç ã o e d i s t r i b u i ç ã o d o e s p a ç o g e o g r á f i c o d a p r o p r i e d a d e ( i n d i v i d u a l o u familiar) c a m p o n e s a , frutos de u m a for-ma peculiar de p r o d u z i r e pensar, caracterizam esta u n i d a d e de p r o d u ç ã o . A d i s t r i -b u i ç ã o de á g u a , a p e q u e n a h o r t a de ver-duras e legumes, as á r v o r e s f r u t í f e r a s , a á r e a destinada à roça, a p e q u e n a c o n s t r u
ç ã o para abrigar os u t e n s í l i o s d a f a b r i c a -ç ã o de f a r i n h a de m a n d i o c a e de r a p a d u r a e o cercado de u m a m a n g a , s ã o n o r m a l -mente l o c a l i z a d o s espacial-mente de t a l forma que o a p r o v e i t a m e n t o m á x i m o dos recursos d i s p o n í v e i s , c o m o t r a b a l h o f a m i liar, á g u a , terra p l a n a etc. sejam a l c a n ç a -dos. D e fato, parece ser a d i s p o s i ç ã o d a casa, juntamente c o m a d i s p o n i b i l i d a d e de á g u a , que d e t e r m i n a espacialmente to-dos os outros c o m p o n e n t e s .
A s casas c a m p o n e s a s ( c o n s t r u í d a s com paus t r a n ç a d o s e a r g i l a e m f o r m a de barro e cobertas c o m telhas o u palha) e s t ã o situadas i n v a r i a v e l m e n t e a o l a d o d a fonte de á g u a , n a t u r a l o u c o n d u z i d a pelo h o -mem a t r a v é s de m a n g u e i r a s . E m frente a casa, local sempre l i m p o e v a r r i d o , e s t á localizado o quintal, que serve tanto p a r a o lazer f a m i l i a r c o m o p a r a a secagem dos cereais. A o redor d a casa e s t ã o plantadas as fruteiras e o a l g o d ã o ( u t i l i z a d o p a r a a tecelagem caseira). A t r á s d a casa, j u n t o da á g u a , s ã o cercados pequenos locais p a -ra as hortas de legumes e v e r d u r a s . E m frente ao p á t i o f r o n t a l o u c o l a d o a u m dos lados da casa é c o n s t r u í d o u m l o c a l p a r a abrigar os ingredientes e u t e n s í l i o s p a r a a f a b r i c a ç ã o de f a r i n h a de m a n d i o c a e d a engenhoca o u o u t r a m á q u i n a p o u c o me-nos r ú s t i c a m o v i d a à t r a ç ã o a n i m a l o u m a n u a l . E m u m p o n t o a f a s t a d o d a casa, c o n s t r ó i s e o c h i q u e i r o p a r a o c o n f i n a -mento dos porcos e f i n a l m e n t e , soltas pe-lo terreno, s ã o c r i a d o s g a l i n h a s e p a t o s .
A a g r i c u l t u r a de m a i o r porte, deno-minada de roça, é r e a l i z a d a nas partes
ú m i d a s e planas d o terreno. O s p r o d u t o s ora s ã o plantados c o n s o r c i a d o s , o r a s ã o cultivados i s o l a d a m e n t e, sendo m u i t o c o
m u m o c u l t i v o de diversas e s p é c i e s ; a l g u mas espécies u t i l i z a d a s diretamente, o u -tras processadas, todas entretanto destinadas ao abastecimento a l i m e n t a r d a u n i -dade f a m i l i a r . N a s r o ç a s planta-se p o r exemplo: m a n d i o c a , m i l h o , f e i j ã o , a n d u ou guandu, c a n a d e a ç ú c a r , a r r o z e m a l -gumas baixadas p r o p í c i a s , a m e n d o i m , ca-fé, inhame, a b ó b o r a , m e l a n c i a , etc.
P o r f i m , dentro d o e s p a ç o a p r o p r i a -do i n d i v i d u a l o u f a m i l i a r m e n t e , é cons-t r u í d a a manga. A m a n g a , geralmente s i
-tuada nas encostas n ã o ú m i d a s , é u m a á r e a cercada c o m paus, arames e c i p ó s p a -ra a c r i a ç ã o e g u a r d a de g a d o e a n i m a i s de transporte. S u a á r e a n ã o é m u i t o grande e normalmente se l o c a l i z a p o r e x c l u s ã o , quer dizer, n o e s p a ç o d a p r o p r i e d a d e que n ã o estiver sendo o c u p a d o pelas outras atividades d a u n i d a d e c a m p o n e s a , c o m o horta, r o ç a , fruteiras, etc.
A segunda f o r m a de a p r o p r i a ç ã o d a terra, a f o r m a coletiva, aparece c o m o pre-dominante nas á r e a s de chapadas o u e m terras declivadas longe de fontes d ' á g u a . Essas á r e a s , independentemente de seu uso p o r i n d i v í d u o s i s o l a d o s , permaneceram ao l o n g o d o t e m p o c o m o n ã o -propriedades, c o m o coletivas o u c o m o em comum, c o m o d i z e m . C o m o d e c o r r ê n c i a
dessa p r á t i c a c u l t u r a l o u s u f r u t o d a c h a pada é coletivo o u s o c i a l i z a d o . T a n t o p a -ra os camponeses que h a b i t a m o f u n d o d o vale c o m o p a r a aqueles que s ã o
extremantes * c o m a c h a p a d a , os direitos sobre as terras e m c o m u m s ã o os mesmos. T u d o que a c h a p a d a p r o d u z , o u t u d o que c o n t é m é de todos, o u de q u a l q u e r i n -d i v í -d u o que se -dispuser a colher seus ele-mentos ú t e i s .
A a p r o p r i a ç ã o d a c h a p a d a c o m o p r o -priedade p a r t i c u l a r n ã o se d á n e m a n í v e l da c o m u n i d a d e . A c o m u n i d a d e , a l i á s , d i -ficilmente possui a l g u m a p r o p r i e d a d e , ainda que se encontre exemplos a o c o n t r á rio. A c h a p a d a n a c o n c e p ç ã o l o c a l é N a
-tureza e a N a t u r e z a " f o i D e u s q u e m f e z " e, c o m o c o n c l u s ã o , n ã o é de n i n g u é m . Qualquer c h a p a d a mais r i c a e m frutas, rem é d i o s o u outros recursos, p o d e ser i n d i s -tintamente u t i l i z a d a p o r i n d i v í d u o s de qualquer c o m u n i d a d e .
A s atividades h u m a n a s desenvolvidas ao longo d o t e m p o nas chapadas constituemse de coletas de frutas v a r i a -das, da o b t e n ç ã o de carnes de c a ç a , de madeiras p a r a diversos fins, r e m é d i o s v a -riados — que se c o n s t i t u e m de r a í z e s , er-vas e folhas que f o r m a m a m e d i c i n a casei-ra — e t a m b é m p a r a a c r i a ç ã o (vacas e animais p a r a transporte) pastar n a é p o c a da seca, q u a n d o as mangas e s t ã o sem pasto. A o lado destas a i n d a ê p o s s í v e l e n c o n trar a l g u m a r o ç a de a l i m e n t o s , f u n d a m e n -talmente m a n d i o c a , que é o p r o d u t o que mais se adapta ao t i p o e u m i d a d e de solo da chapada. Essas r o ç a s a i n d a que p a r t i -culares e reconhecidas c o m o t a l , s ã o reali-zadas n a terra e m c o m u m . S ã o apenas cercadas ( c o m o todas as outras) p a r a que o gado n ã o as c o m a . C o n t u d o o que d á base ao reconhecimento n ã o é a cerca (si-nal de propriedade) e s i m o t r a b a l h o que aí é realizado. P a r a a c o n c e p ç ã o c a m p o -nesa é o trabalho h u m a n o que d á o r i g e m a posses e direitos sobre d e t e r m i n a d o s bens.
P o r sua vez, c o m o a d i s p o n i b i l i d a d e de á r e a s p r o p í c i a s à p r á t i c a a g r í c o l a é pequena — levandose e m c o n t a a t e c n o l o -gia d i s p o n í v e l s ó c i o e c o n o m i c a m e n t e e que a p o p u l a ç ã o c a m p o n e s a t e m crescido, ocupando p r i n c i p a l m e n t e essas á r e a s mais férteis — h á a necessidade c o n c r e t a de uma c o n v i v ê n c i a h a r m ô n i c a c o m a N a t u -reza. E isto é facilmente p e r c e b i d o pela p o p u l a ç ã o l o c a l , a i n d a que, e m a l g u m a s vezes, s ã o o b r i g a d o s a a g i r e m n ã o c o m o pretendessem. É o caso, p o r e x e m p l o , d a caça p r e d a t ó r i a p o i s , e m b o r a conscientes do p r o b l e m a , dependem m u i t a s vezes de sua carne p a r a u m a a l i m e n t a ç ã o mais p r o -téica.
D a necessidade de se respeitar os princípios b á s i c o s de f u n c i o n a m e n t o d a Natureza nascem alguns c o m p o r t a m e n t o s culturais m u i t o interessantes. O uso social da á g u a é u m dos m a i s expressivos. A s nascentes de á g u a e s t ã o l o c a l i z a d a s nas
cabeceiras das chapadas, f a z e n d o parte pois d a p r o p r i e d a d e c o l e t i v a . A s á r e a s de cabeceiras e s t ã o recobertas p o r u m a vege-t a ç ã o mais densa, d e n o m i n a d a de capão.
Os c a p õ e s s ã o m u i t o s e e s t ã o dispersos es-trategicamente p e l a g e o g r a f i a d o l o c a l sendo que, pela u m i d a d e que c o n s e r v a m , concentram u m a variedade m a i o r de á r -vores de grande porte e a n i m a i s , tornando-se locais p r o p í c i o s a u m a des-t r u i ç ã o h u m a n a que busque udes-tilidades a curto p r a z o . N o entanto, precisamente os c a p õ e s — e n ã o outras á r e a s das chapadas — s ã o consideradas sagradas p e l a p o p u l a ç ã o l o c a l . O s c a p õ e s necessitam a q u a l -quer custo de p e r m a n e c e r e m intactos, pois s ã o eles que d ã o o r i g e m à s nascentes de á g u a , elemento i m p r e s c i n d í v e l p a r a a vida. A p r e s e r v a ç ã o n a t u r a l dos c a p õ e s é u m c u i d a d o i n d i s p e n s á v e l p a r a essa p o p u -l a ç ã o que necessita dessa á g u a -l i m p a e abundante durante t o d o o a n o e p o r todos os anos. N ã o é p o r menos que u m a grande p r o p o r ç ã o dos c o n f l i t o s m a i s s é r i o s o u en-caminhados à j u s t i ç a t e n h a m o r i g e m e m uma d e m a n d a sobre a u t i l i z a ç ã o de u m a fonte de á g u a , a m e a ç a d a n o seu u s o so-cial.
O u t r o aspecto i m p o r t a n t e que e s t á l i -gado à á g u a é a sua p r o p r i e d a d e s i m b ó l i c a para a r e p r o d u ç ã o s ó c i o e c o n ô m i c a c a m -ponesa. A s águas vertentes, c o m o s ã o de-signados os c a m i n h o s naturais das á g u a s , tanto nascentes c o m o das enxurradas p r o vocadas pelas chuvas, d e m a r c a m s i m b o l i -camente a d i s t r i b u i ç ã o d o e s p a ç o físico-social dos grupos camponeses. T o d a s as propriedades particulares l o c a l i z a d a s nas grotas e s t ã o d e l i m i t a d a s pelas á g u a s ver-tentes. É esse ingrediente n a t u r a l que defi-ne c o m o s e r á r e a l i z a d a u m a p a r t i l h a p o r h e r a n ç a . A s partes a serem d i v i d i d a s , quando o s ã o , obedecem a o t r a ç a d o das á g u a s vertentes, u m a vez que sem á g u a e m
seu terreno n e n h u m a u n i d a d e c a m p o n e s a pode ter assegurada sua r e p r o d u ç ã o .
D o que f o i c o l o c a d o a t é a q u i , conclui-se p e l a e x t r e m a i m p o r t â n c i a d a chapada p a r a o m o d o de v i d a c a m p o n ê s . Q u a n d o n ã o c o n t é m elementos s i m b ó l i c o s de o r i e n t a ç ã o p r á t i c a c o t i d i a n a , c o n t r i b u i com itens fundamentais p a r a a r e p r o d u -ç ã o física dessas unidades f a m i l i a r e s . Fundamentais p o r q u e c o m p l e m e n t a m a agricultura r e a l i z a d a nas grotas. A s c o n s -t r u ç õ e s , cercas e u -t e n s í l i o s camponeses são feitos de m a d e i r a , a s s i m c o m o seus alimentos s ã o c o z i d o s e m f o g õ e s a l e n h a , suas d o e n ç a s s ã o c u i d a d a s c o m r a í z e s e er-vas natier-vas, sua a l i m e n t a ç ã o é c o m p l e t a d a com frutas e c o m carnes de c a ç a , as á g u a s vertentes p r o p i c i a m hortas i r r i g a d a s , etc. P o r t a n t o , o u s u f r u t o s o c i a l i z a d o d a c h a -pada, c o n d i c i o n a d o p e l a c u l t u r a r u r a l a l i desenvolvida, é u m c o m p o n e n t e i n d i s p e n -sável para a r e p r o d u ç ã o s ó c i o e c o n ô m i c a camponesa.
A s duas f o r m a s de a p r o p r i a ç ã o d a terra, a i n d i v i d u a l o u f a m i l i a r nas grotas e a coletiva nas chapadas, c o n d u z e m a u m a s i t u a ç ã o f a v o r á v e l à m a n u t e n ç ã o e crescimento d a f o r m a de o r g a n i z a ç ã o c a m p o n e -sa. A l i á s , é o complexo grotas-chapadas o
elemento central d a r e p r o d u ç ã o c a m p o n e sa, dentro do V a l e d o J e q u i t i n h o n h a m i neiro, o u ao menos, p a r a a r e g i ã o das M i -nas, caracterizada a n t e r i o r m e n t e .
t e r a ç ã o dos ecossistemas, o p r e e n c h i m e n to de suas necessidades c u l t u r a i s e e c o n ô micas. C o n t u d o , d e v i d o aos c o m p o r t a -mentos culturais, sociais e e c o n ô m i c o s d o campesinato, o e q u i l í b r i o n a t u r a l é pre-servado. A l ó g i c a e c o n ô m i c a , ao n ã o de-terminar a o b t e n ç ã o de riquezas a c u r t o prazo, gera as c o n d i ç õ e s de u m usufruto h a r m ô n i c o d a N a t u r e z a .
A s s i m , q u a n d o destroem a floresta nativa n ã o o f a z e m e m grande e x t e n s ã o mas em parcelas d i m i n u t a s , isoladas u m a s das outras. Nessas parcelas í n f i m a s (le-vando e m c o n s i d e r a ç ã o t o d o o ecosssite-ma) s ã o realizadas pequenas r o ç a s o n d e , entretanto, p l a n t a m m u i t a s e s p é c i e s de ve-getais, g a r a n t i n d o a s s i m , a i n d a que c o m u m selecionamento das plantas, a diversidade de e s p é c i e s . Q u a n t o a o s o l o , a c o n -s o r c i a ç ã o da-s cultura-s ( m i l h o - f e i j ã o , a n d u m a n d i o c a m i l h o e outras), a r o t a -ç ã o de culturas d e n t r o de u m a m e s m a á r e a , a u t i l i z a ç ã o de a d u b o o r g â n i c o (es-t é r e o dos a n i m a i s e os res(es-tos de vege(es-tais), a queimada e o a p r o v e i t a m e n t o d a c i n z a c o m o a d u b o e a i n t e r c a l a ç ã o d a u t i l i z a ç ã o do pasto n a t u r a l nas mangas e nas c h a p a das, constituem exemplos patentes de c o -m o preserva-m o u t e n t a -m preservar a ferti-l i d a d e d o s o ferti-l o .
E x i s t e m o u t r o s exemplos que pode-r i a m sepode-r a i n d a l e m b pode-r a d o s , mas o que interessa reter é que, d a f o r m a c o m o s ã o c o n -duzidas, as r o ç a s camponesas n ã o amea-ç a m o e q u i l í b r i o d o ecossistema. A s s i m , a e s t a b i l i d a d e d o c o m p l e x o g r o t a s -chapadas é assegurado, i m p e d i n d o , p o r exemplo, a p r o l i f e r a ç ã o o u e x p l o s ã o de-m o g r á f i c a de e s p é c i e s vegetais o u a n i de-m a i s que, dessa m a n e i r a p a s s a r i a m a ser c o n s i -deradas pragas.
E n f i m , m e d i a n t e p r á t i c a s e m é t o d o s a g r í c o l a s que respeitam as leis f u n d a m e n -tais da N a t u r e z a c o n j u m i n a d a s c o m sabe-doria n o usufruto dos bens livres e natu-rais, os grupos camponeses analisados t ê m assegurado, durante m a i s de u m s é c u lo, sua r e p r o d u ç ã o s ó c i o e c o n ô m i c a e c u l -tural.
O R G A N I Z A Ç Ã O S Ó C I O E C O N Ô M I -C A -C A M P O N E S A
A p o p u l a ç ã o c a m p o n e s a estabelece-se em pequenas c o m u n i d a d e s espalhadas por t o d o o interior dos vales e a i n d a que n ã o sejam semelhantes e m sua o r g a n i z a ç ã o à s c o m u n i d a d e s camponesas d a E u r o pa p r é c a p i t a l i s t a o u m e s m o das c o m u n i -dades camponesas mexicanas d o s é c u l o atual, constituem-se e m u m dos nervos principais de s u s t e n t a ç ã o d a f o r m a de re-p r o d u ç ã o c a m re-p o n e s a l o c a l .
A c o m u n i d a d e c a m p o n e s a d e n t r o d o vale n ã o possui ó r g ã o de d e c i s ã o interna, com eleições a nível de c o m u n i d a d e , que represente seus interesses o u que i n t e r f i r a na u t i l i z a ç ã o dos meios de p r o d u ç ã o disponíveis o u m e s m o nas atividades i n d i v i -duais dos m e m b r o s d a c o m u n i d a d e . A s relações entre eles s ã o mais frouxas e se d ã o ao nível d a i d e n t i f i c a ç ã o social entre os camponeses dentro de d e t e r m i n a d o l o -cal g e o g r á f i c o onde r e a l i z a m a ç õ e s e m co-m u co-m . Seu poder se faz presente a t r a v é s da c o n d e n a ç ã o m o r a l e d i s t i n ç ã o social. U m i n d i v í d u o que n ã o seguir as regras de reciprocidade e d í v i d a s o c i a l s e r á m a r g i n a l i -zado, passando a ter d i f i c u l d a d e s e m rece-ber ajuda c o m u n i t á r i a q u a n d o necessitar. T a m b é m n ã o existe, p o r q u e a c o m u n i d a -de n ã o tem po-der p a r a t a l , u m a a ç ã o dire-ta sobre os m e m b r o s , dire-tais c o m o c o n f i s c o de terra, de p r o d u t o s o u a e x p u l s ã o d o i n -frator das n o r m a s costumeiras.
-m á r i o , u -m a capela e u -m o u d o i s estabele-cimentos c o m e r c i a i s .
E n t r e t a n t o , os l a ç o s sociais e p o l í t i -cos que c a r a c t e r i z a m a c o m u n i d a d e s ã o os componentes m a i s i m p o r t a n t e s d a mes-ma. O s l a ç o s de c a r á t e r pessoal, que se manifestam a t r a v é s das p r á t i c a s de a j u d a m ú t u a , das f o r m a s de s o l i d a r i e d a d e f a m i -liar, de v i z i n h a n ç a , de r e c i p r o c i d a d e , de c o m p a d r i o , de parentesco, ao l a d o das p r á t i c a s p o l í t i c a s , religiosas e festivas, constituem a m a n e i r a pela q u a l a c o m u n i -dade ganha sentido e a t r a v é s das quais se faz presente.
V á r i a s (e n ã o poucas) d e c i s õ e s de p a r t i c i p a ç ã o p o l í t i c a , religiosa, festivas e mesmo sobre a a p l i c a ç ã o d o t r a b a l h o c o m p o n ê s s ã o decididas n o centro d a c o -munidade, n u m a r e u n i ã o d o m i n i c a l . U m a decisão p o l í t i c a p o d e ser t o m a d a e m u m a r e u n i ã o c o n v o c a d a c o m esse f i m , c o m o t a m b é m pode ser t o m a d a e m u m a r e u n i ã o que d ê ensejo a u m a m i s s a religiosa, o u ainda em u m a r e u n i ã o p a r a t o m a r u m a " b i r i t a " n o estabelecimento c o m e r c i a l .
Essas n o r m a s e p r á t i c a s costumeiras ordenam a v i d a dessa p o p u l a ç ã o r u r a l , permeando sem e x c e ç ã o todas as a t i v i d a -des -desenvolvidas. O parentesco, p o r exemplo, desempenha u m a i m p o r t a n t e f u n ç ã o p a r a a f o r m a de o r g a n i z a ç ã o c a m -ponesa, i n f l u e n c i a n d o diretamente n ã o s ó as atividades p r o d u t i v a s mas t a m b é m as ações sociais e p o l í t i c a s .
A a ç ã o p o l í t i c a é, inclusive, represen-tativa de p a r t i c u l a r i d a d e s p r ó p r i a s aos grupos camponeses. A t o m a d a de d e c i s ã o e a p a r t i c i p a ç ã o p o l í t i c a s ã o estabelecidas em respeito ao f u n c i o n a m e n t o c o o r d e n a -do -do grupo f a m i l i a r e n ã o d o i n d i v í d u o . O processo social de e v o l u ç ã o das c o m u -nidades camponesas n ã o r e s u l t o u n a espe-cialização das a ç õ e s sociais e m institui-ções específicas. A u n i d a d e f a m i l i a r de p r o d u ç ã o e c o n s u m o c a m p o n e s a resguar-da ao m e s m o t e m p o o c o n t r o l e sobre a a ç ã o social, p o l í t i c a e religiosa. A u n i d a d e familiar é u m o r g a n i s m o c o m p l e x o de
p r o d u ç ã o , d i s t r i b u i ç ã o e c o n s u m o e, p o r isso mesmo, torna-se a base p a r a a ç ã o política d o c a m p e s i n a t o . Nestes termos, n ã o podemos c o m p r e e n d ê l a se nos a t i vermos aos elementos a n a l í t i c o s d e s e n v o l -vidos para a sociedade burguesa, p o i s nes-ta é o i n d i v í d u o o elemento de a ç ã o s o c i a l e p o l í t i c a . C o m o c o n s e q ü ê n c i a dessas c a -racterísticas s ó c i o - c u l t u r a i s camponesas, o m o d o de pensar e agir p o l i t i c a m e n t e , ideologicamente, e c o n o m i c a m e n t e e r e l i -giosamente s e r ã o e s p e c í f i c o s de seu m e i o , n ã o p o d e n d o ser assemelhadas c o m os en-contrados n o m u n d o u r b a n o .
A f o r m a de o r g a n i z a ç ã o c a m p o n e s a estudada tem sua p r o d u ç ã o a g r í c o l a e n ã o - a g r í c o l a v o l t a d a p a r a a sua auto-s u auto-s t e n t a ç ã o . A i n d a que a c o m e r c i a l i z a ç ã o dos produtos o b t i d o s , tanto n a p r o d u ç ã o quanto n a coleta, seja u m c o m p o n e n t e d o cotidiano desses g r u p o s camponeses, a ne-cessidade de garantir o c o n j u n t o dos ele-mentos i m p r e s c i n d í v e i s à v i d a — n o senti-do físico — é o que i m p u l s i o n a e c o m a n d a as a t i v i d a d e s p r o d u t i v a s e n ã o produtivas. Plantase o que se v a i c o n s u -mir n a p r ó p r i a u n i d a d e e planta-se n a quantidade n e c e s s á r i a p a r a que se c o n s i -ga, no e x í g u o p e d a ç o de terra d i s p o n í v e l , urn e q u i l í b r i o entre os v á r i o s p r o d u t o s necessários à s u b s i s t ê n c i a f a m i l i a r . É e v i dente, p o r t a n t o , que n ã o é a d i n â m i c a c o mercial que d i r e c i o n a e o r g a n i z a a p r o d u -ç ã o . O m e r c a d o c a p i t a l i s t a de p r o d u t o s n ã o é a meta a ser a t i n g i d a . O i n t u i t o de s u b s i s t ê n c i a é o p r e d o m i n a n t e , m e s m o porque o estabelecimento de u m a rede c o -mercial na r e g i ã o n ã o existe.
Caracterizam-se c o m o fracos e m o p o -sição a quem é confortado, o u seja, a
ele-mentos de o u t r a esfera social q u e e s t ã o em melhores c o n d i ç õ e s de acesso à terra, de r e a l i z a ç ã o c o m e r c i a l e p o r p o s s u í r e m muita c r i a ç ã o . U m a pessoa confortada
nem sempre é d e f i n i d a p e l a posse de d i -nheiro, mas que tem u m a p o s i ç ã o segura, sem riscos de s o b r e v i v ê n c i a e a d i s p o -nibilidade de recursos f í s i c o s , sociais e p o l í t i c o s . A fraqueza e o ser fraco e s t ã o
incorporados n o d i s c u r s o d o c a m p o n ê s , representando a c a r ê n c i a e m que vive: possue p e q u e n í s s i m a s parcelas de terra, a dieta alimentar é p o b r e e carente e m p r o -teínas, o estabelecimento de m o r a d i a é pe-queno e r ú s t i c o e c o n v i v e m , c o m o reflexo da s i t u a ç ã o , c o m u m a s é r i e de d o e n ç a s típicas d o m e i o r u r a l b r a s i l e i r o .
A s c a r a c t e r í s t i c a s a p o n t a d a s p a r a a s i t u a ç ã o c a m p o n e s a l o c a l r e f o r ç a m a o r i e n t a ç ã o d a p r o d u ç ã o p a r a a o b t e n ç ã o do c o n s u m o essencial à u n i d a d e f a m i l i a r . " E n t ã o eu c á , o m e u m o d o de p l a n t a r é p o u c a coisa, a c o n t a de tratar de m i n h a f a m í l i a " , o u seja, p l a n t a r o que for possível dadas as c o n d i ç õ e s existentes. A s s i m , plantam-se preferencialmente ce-reais, que c o m p õ e m a dieta b á s i c a d i á r i a , mais a c a n a - d e - a ç ú c a r c o m a f i n a l i d a d e de se conseguir a r a p a d u r a — o a ç ú c a r d o c a m p o n ê s b r a s i l e i r o . Plantase isso p o r -que " é o -que n ó s precisa c o n d u z i r " p a r a sobreviver.
D e n t r o desse c o n t e x t o , as r e l a ç õ e s de trabalho a nível d a c o m u n i d a d e , e n v o l -vendo as f a m í l i a s dos camponeses, s ã o estabelecidas segundo os requisitos desta d i -n â m i c a r e p r o d u t i v a . A s atividades c o m o a p r o d u ç ã o a g r í c o l a e de a n i m a i s (vacas, ca-valos, porcos e galinhas), a c o l e t a e a c a ç a de pequenos a n i m a i s selvagens, exigem uma o r g a n i z a ç ã o e s p e c í f i c a d o t r a b a l h o familiar dentro d a u n i d a d e c a m p o n e s a .
O s requisitos de s u b s i s t ê n c i a e repro-d u ç ã o c a m p o n e s a s ã o c o n repro-d u z i repro-d o s p o r uma u n i d a d e c o m p l e x a e c o l e t i v a de tra-balho. Seus m e m b r o s t ê m c a r a c t e r í s t i c a s distintas uns dos o u t r o s , c a r a c t e r í s t i c a s de sexo, de idade, q u a n t o a c a p a c i d a d e de trabalho, a o p o r t u n i d a d e de p a r t i c i p a r n o mercado de t r a b a l h o e a a p r e n d i z a g e m técnica, que os t o r n a m d i f e r e n c i á v e i s en-tre si. N a p r á t i c a , e m b o r a todos conhe-ç a m as v á r i a s m o d a l i d a d e s de t r a b a l h o , uns t ê m m a i o r ajuste a esta o u a q u e l a ati-vidade, fazendo c o m que n ã o sejam plenamente i n t e r c a m b i á v e i s n o processo p r o -dutivo.
O planejamento d o processo p r o d u t i -vo exige, neste caso, u m a c o o r d e n a ç ã o , s u p e r v i s ã o e a r t i c u l a ç ã o entre os v á r i o s membros e n v o l v i d o s , c o m o m a n e i r a de se garantir u m f u n c i o n a m e n t o o r g â n i c o do todo. A a r t i c u l a ç ã o d o c o n j u n t o requer, como e x i g ê n c i a t é c n i c a e f u n c i o n a l , p o r -tanto, u m certo g r a u de c e n t r a l i z a ç ã o das decisões a serem efetuadas e d a d e f i n i ç ã o de níveis de responsabilidade.
C o m o é o parentesco que d á o r g a n i -cidade a essa u n i d a d e c o l e t i v a de traba-lho, é o p a i d a f a m í l i a que t o m a a si o car-go de coordenar e centralizar as d e c i s õ e s sobre o t r a b a l h o f a m i l i a r . O parentesco é u m componente social hierapquizado que controla as c o n d i ç õ e s de acesso a o p o d e r e aos recursos d i s p o n í v e i s n o seio d a família. É u m c o n j u n t o de r e l a ç õ e s sociais que influencia diretamente n ã ò s ó as a t i v i -dades p r o d u t i v a s mas t a m b é m as a ç õ e s sociais e p o l í t i c a s . C o m o c o m p o n e n t e do processo de r e p r o d u ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a , além de dar c o e s ã o e d i r e ç ã o ao processo de trabalho, faz a m e d i a ç ã o entre a a ç ã o e c o n ô m i c a e a a ç ã o p o l í t i c a c a m p o n e s a . De u m a r e l a ç ã o a o u t r a é o parentesco, muitas vezes, que d i t a as regras e o r g a n i z a a a ç ã o social e p o l í t i c a d o c a m p e s i n a t o . Seu papel, p o r t a n t o , n o â m b i t o d a p r o d u ç ã o camponesa, é extremamente i m p o r -tante.
flexível, adaptando-se constantemente à s novas necessidades surgidas n o c o t i d i a n o da vida de pequenos p r o d u t o r e s r u r a i s .
P o r é m , o t r a b a l h o f a m i l i a r n ã o satis-faz as necessidades de t r a b a l h o . M u i t a s famílias camponesas, n o i n í c i o de sua for-mação, n ã o p o s s u e m b r a ç o s suficientes para que se executem os t r a b a l h o s a g r í c o las e n ã o a g r í c o l a s . Q u a n d o a r e l a ç ã o p r o -d u t o r / c o n s u m i -d o r é b a i x a , isto é, q u a n -d o apenas duas pessoas p r o d u t i v a s (o p a i e a mãe, por exemplo) sustentam u m grande n ú m e r o de i n d i v í d u o s i n a d e q u a d o s à p r o -dução ( c r i a n ç a s menores de 10 anos e ve-lhos), a unidade f a m i l i a r t e m necessidade de recorrer a outros expedientes de t r a b a -lho.
A b e m d a verdade essa necessidade surge n ã o s ó p o r isto. U m a d o e n ç a , u m a má colheita a g r í c o l a o u q u a l q u e r o u t r o i n -fortúnio que atinja a u n i d a d e c a m p o n e s a , coloca a m e s m a e m s i t u a ç õ e s de d i f i c u l d a -de. O enfrentamento dessas s i t u a ç õ e s mais graves, c o m o t a m b é m a b a i x a rela-ção p r o d u t o r / c o n s u m i d o r , o u a i n d a o exíguo p e d a ç o de terra d i s p o n í v e l p a r a a roça alimentar, d i r e c i o n a m a o r g a n i z a ç ã o camponesa p a r a outras r e l a ç õ e s de t r a b a -lho e / o u p a r a outras atividades que venham a c o m p l e m e n t a r a p r o d u ç ã o a g r í c o la na o b t e n ç ã o d a r e p r o d u ç ã o s ó c i o -e c o n ô m i c a .
A s s i m , p a r a c u m p r i r as e x i g ê n c i a s das lides a g r í c o l a s nos m o m e n t o s de " p r e -c i s ã o " , utilizam-se d a troca-de-dias, d o mutirão o u a t é , c o n f o r m e o caso e a dis-ponibilidade f a m i l i a r , c o n t r a t a m u m
camarada-a-dia. A s t r ê s atividades, é b o m frisar, s ã o reguladas p e l a s o c i a b i l i d a d e c o m u n i t á r i a c a m p o n e s a .
A categoria d o c a m a r a d a - a - d i a expressa claramente seu c o n t e ú d o . U m c a m -ponês c o m necessidade de a u x í l i o , e m cer-to momencer-to d o c i c l o a g r í c o l a , e m p r e g a a dia outro c a m p o n ê s , quer dizer, emprega um camarada, que p o d e ser u m v i z i n h o , um amigo o u u m parente. M u i t a s vezes, entretanto, é o c o n t r á r i o que o c o r r e . A l -guém momentaneamente e m necessidade
ou c o m folga n o t e m p o de t r a b a l h o , oferece-se p a r a t r a b a l h a r tantos dias a u m vizinho pela despesa (em t r o c a de a l i m e n tos). A r e l a ç ã o de t r a b a l h o n o caso, e m -bora envolva e m p r e g a d o r e e m p r e g a d o , é uma r e l a ç ã o entre i g u a i s . S i m p l e s m e n t e h á u m contrato que estabelece que deter-minada tarefa seja c u m p r i d a e m certo tempo, recebendo u m p a g a m e n t o e m d i -nheiro o u e s p é c i e .
A natureza d a r e l a ç ã o de c a m a r a d a -a-dia, mesmo que o e m p r e g a d o seja p a g o em dinheiro — o que se tem t o r n a d o m a i s c o m u m — é c o m p l e t a m e n t e d i s t i n t a d o assalariamento c a p i t a l i s t a . A q u i , n e m h á o agente capitalista, d o n o dos m e i o s de p r o d u ç ã o e e x p l o r a d o r d a f o r ç a de traba-lho, nem h á o t r a b a l h a d o r assalariado d e s p o s s u í d o dos m e i o s de p r o d u ç ã o e subsistência e vendedor de sua f o r ç a de t r a b a -lho em t r o c a de u m s a l á r i o . O c a r á t e r d a r e l a ç ã o n ã o c o n t é m a d o m i n a ç ã o c a p i t a -lista n e m o u t r a q u a l q u e r . A r e l a ç ã o , ela mesma, é f l u i d a e t e m p o r á r i a , se inverten-do de u m m o m e n t o p a r a o u t r o , c o n f o r m e as necessidades d o c i c l o a g r í c o l a de c a d a família c a m p o n e s a . O e m p r e g a d o r de h o -je é o empregado de a m a n h ã .
Conclui-se, p o r t a n t o , que a n a t u r e z a da r e l a ç ã o d o c a m a r a d a - a - d i a é d a í n d o l e dos p r i n c í p i o s c o s t u m e i r o s de a j u d a m ú tua e solidariedade d e n t r o d a c o m u n i d a de, n ã o p o d e n d o ser assemelhada o u i g u a lada à v e n d a de f o r ç a de t r a b a l h o c a p i t a lista. C o n c l u i s e t a m b é m que, t e o r i c a mente, o t r a b a l h o r e a l i z a d o p e l o t r a b a l h a dor c a m p o n ê s recebe e m t r o c a , c o m o p a gamento, u m v a l o r equivalente seja e m d i -nheiro, seja e m e s p é c i e .
M u i t a s vezes o c a m a r a d a - a - d i a , p o r envolver d i n h e i r o , é s u b s t i t u í d o p e l a
troca-de-dias. A troca-de-dias s i g n i f i c a
troca, a r e l a ç ã o é q u a n t i f i c a d a p e l a u n i d a -de -de t e m p o : u m d i a , m e i o d i a , d o i s dias. P e l o c a r á t e r s o l i d á r i o que c o n t é m , n o r -malmente é p r a t i c a d a apenas c o m pessoas da mesma c o m u n i d a d e , o que n ã o aconte-ce c o m o c a m a r a d a - a - d i a , p o i s c o m p o r t a , mais n o r m a l m e n t e , i n d i v í d u o s de o u t r a c o m u n i d a d e .
O emprego d o mutirão c o m o resposta a u m a s i t u a ç ã o p r o b l e m a é u m a m a n i -f e s t a ç ã o marcante d a s o l i d a r i e d a d e e d a reciprocidade c o m u n i t á r i a c a m p o n e s a . O m u t i r ã o é a r e u n i ã o de v á r i o s camponeses da c o m u n i d a d e c o m fins de a j u d a r e m , c o m o t r a b a l h o c o l e t i v o , d e t e r m i n a d o i n d i v í d u o e m u m d i a de t r a b a l h o . O d i a p o -de ser d e t e r m i n a d o p e l o necessitado, que solicita a r e a l i z a ç ã o d o m u t i r ã o , o u p o d e ser m a r c a d o de surpresa pelos a m i g o s mais p r ó x i m o s , ao perceberem a c a r ê n c i a de trabalho e m que d e t e r m i n a d a f a m í l i a se encontra. Neste caso recebe o c u r i o s o nome de traição. E m a m b o s os casos, a reciprocidade s o c i a l d e t e r m i n a que o i n -d i v í -d u o f a v o r e c i -d o -deve, c o n f o r m e surgirem as o p o r t u n i d a d e s , ingressar nos m u t i rões e m b e n e f í c i o daqueles que o a j u d a -r a m .
A o l a d o das r e l a ç õ e s de t r a b a l h o den-tro das c o m u n i d a d e s existe u m recurso utilizado pelos camponeses que e x t r a p o l a os limites d o " m u n d o c a m p o n ê s " . E s t e recurso é a v e n d a de f o r ç a de t r a b a l h o p a ra estabelecimentos empresariais l o c a l i z a -dos fora d o V a l e d o J e q u i t i n h o n h a .
Este recurso, a v e n d a de f o r ç a de tra-balho c o m o c o n c e i t o e c o m o reflexo de u m a e x p l o r a ç ã o t í p i c a c a p i t a l i s t a , c o m o j á salientado, n ã o tem n a d a a ver c o m a r e l a ç ã o de t r a b a l h o entre camponeses, is-to é, c o m a troca-de-dias, c o m o m u t i r ã o e c o m o c a m a r a d a - a - d i a . Se h á s e m e l h a n ç a de f o r m a , p r i n c i p a l m e n t e c o m este ú l t i -mo, o c o n t e ú d o das r e l a ç õ e s capitalistas e camponesas é totalmente d i s t i n t o .
A l i b e r a ç ã o e c o n s e q ü e n t e v e n d a d a f o r ç a de t r a b a l h o f a m i l i a r c a m p o n e s a , c o -m o assalariados, se d á e -m u -m -m o -m e n t o
específico estreitamente v i n c u l a d o a o c i clo a g r í c o l a . Isto é, n a entressafra a g r í c o -la da sua p r o d u ç ã o p a r t e m e m b u s c a d o trabalho assalariado e m outras r e g i õ e s . A l i á s , este é t a m b é m o m o m e n t o certo p a -ra o desvio d o t r a b a l h o f a m i l i a r das tare-fas a g r í c o l a s p a r a outras n ã o - a g r í c o l a s propriamente ditas, c o m o o artesanato o u o garimpo, p o r e x e m p l o .
Desse m o d o , n a entre-safra a g r í c o l a h á u m a m i g r a ç ã o t e m p o r á r i a de c a m p o -neses p a r a centros c o m o B e l o H o r i z o n t e , S ã o P a u l o , M o n t e s C l a r o s , R i o de J a n e i ro, na p r o c u r a de e m p r e g o nas grandes i n -d ú s t r i a s o u m e s m o n o setor i n f o r m a l -de trabalho u r b a n o . O u , a i n d a , se d e s l o c a m para outras r e g i õ e s a g r í c o l a s que d e m a n -dam grande n ú m e r o de m ã o - d e - o b r a e m intervalos curtos de t e m p o . Neste ú l t i m o caso, a a t r a ç ã o sobre a m ã o d e o b r a c a m -ponesa d a r e g i ã o é e x e r c i d a p e l a c o l h e i t a de café (preponderantemente p e l o sul de M i n a s G e r a i s ) , a c a n a d e a ç ú c a r ( p r i n c i -palmente à r e g i ã o de R i b e i r ã o P r e t o e m S ã o P a u l o ) e outras colheitas d o sul d o p a í s . S ã o os m o ç o s — filhos a d u l t o s a i n d a n ã o casados — e os pais de f a m í l i a o p r i n cipal segmento d a f o r ç a de t r a b a l h o c a m ponesa que se d e s l o c a a n u a l m e n t e . A m i -g r a ç ã o é m o t i v a d a p e l a p o s s i b i l i d a d e de retornarem ao seu lote de terra f a m i l i a r com a l g u m a q u a n t i a e m d i n h e i r o .
O i m p o r t a n t e a reter é que o r e t o r n o é p r é e s t a b e l e c i d o pela u n i d a d e c a m p o n e -sa. Q u a n d o se parte, arregimentados pe-los gatos (empreiteiros) o u mediante re-cursos p r ó p r i o s v i a ô n i b u s c o m e r c i a l , j á se sabe q u a n d o se deve r e t o r n a r p a r a o prestamento d a a j u d a n e c e s s á r i a à p r o d u ç ã o familiar. O r e t o r n o o u se d á n o m o -mento da p l a n t a ç ã o dos p r o d u t o s que exi-gem mais t r a b a l h o o u , mais c o m u m e n t e , no m o m e n t o d a p r i m e i r a c a p i n a . O preparo d a terra, o p l a n t i o e as c a p i n a s, n o r -malmente e m n ú m e r o de t r ê s , c o n s t i t u e m os momentos de m a i o r " p r e c i s ã o " de m ã o - d e - o b r a .
muito c o m u m o afastamento d a m u l h e r mais adulta, a i n d a solteira, d a f a m í l i a p a -ra o assalariamento nos g-randes centros urbanos, c o m o empregadas d o m é s t i c a s . Permanecem de 3 a 4 anos nesse t i p o de emprego e, a p ó s esse t e m p o , regressam aos seus locais de o r i g e m p a r a se casarem e c o n s t i t u í r e m o u t r a u n i d a d e de p r o d u -ção. N o passado (parece correto supor) maior era a p r o p o r ç ã o de r e t o r n o ao m e i o rural. H o j e e m d i a , d e v i d o à s d i f i c u l d a d e s enfrentadas p e l a p r o d u ç ã o c a m p o n e s a e à atração do m e i o u r b a n o , m u i t a s vezes, permanecem nos centros u r b a n o s .
Os dois ú l t i m o s p o n t o s levantados, a venda de f o r ç a de t r a b a l h o dos migrantes temporários e o d a j o v e m e m p r e g a d a d o -méstica, revelam duas coisas i m p o r t a n t e s para a a n á l i s e .
A p r i m e i r a é o fato de que n ã o per-dem o v í n c u l o c o m a f a m í l i a e m n e n h u m momento do processo m i g r a t ó r i o , c o n t r i -buindo cada u m à sua m a n e i r a , p a r a a re-p r o d u ç ã o d a u n i d a d e f a m i l i a r . U n s saem deliberadamente p a r a regressarem c o m a l guma quantia e m d i n h e i r o ; o u t r o s , os j o -vens geralmente, (de a m b o s os sexos) par-tem na tentativa de o b t e r e m sucesso n a a c u m u l a ç ã o de d i n h e i r o p a r a assegurarem o futuro casamento. O s j o v e n s , desse m o -do, contribuem de duas f o r m a s . U m a , pe-lo fato de g a r a n t i r e m , e m certo sentido, seu p r ó p r i o dote de c a s a m e n t o . E a i n d a ajudam enquanto solteiros c o m c o n t r i b u i -ções em d i n h e i r o o u e m presentes p a r a os membros d a f a m í l i a que e s t ã o n o m e i o r u -ral.
Isto nos c o n d u z a perceber c o m o s ã o fortes as r e l a ç õ e s de n a t u r e z a pessoal n o meio c a m p o n ê s , o n d e a s e p a r a ç ã o física da família n ã o significa necessariamente a s e p a r a ç ã o social d a f a m í l i a . T a n t o é ver-dade este fato que m e s m o as pessoas defi-nitivamente instaladas n o m e i o u r b a n o comparecem p e r i o d i c a m e n t e aos seus m u -nicípios de o r i g e m p a r a p a r t i c i p a r e m das festas religiosas.
A segunda é que c o n s t i t u e m u m dos mais importantes elos de s o c i a l i z a ç ã o
ur-bana, isto é, de p r e p a r a ç ã o d o c a m p o n ê s para o r e l a c i o n a m e n t o n e c e s s á r i o c o m o meio capitalista. M e d i a n t e as i n f o r m a ç õ e s e aprendizado t r a z i d o pelos f a m i l i a r e s que permanecem a l g u m t e m p o n o exterior, se educam p a r a a v i d a u r b a n a . E m u m m o -mento futuro, q u a n d o a t i n g i d o s p e l a exp a n s ã o caexpitalista n a r e g i ã o , isto s e r á f u n damental. M u i t o s de seus c o m p o r t a m e n -tos e respostas t ê m sua o r i g e m neste f a t o . A o se educarem p a r a o t r a b a l h o c a p i t a l i s -ta assalariado, ao a p r e n d e r e m lidar c o m dinheiro, c o m n ú m e r o s , c o m gerentes e m -p r e g a t í c i o s e -penetrarem n o m e i o o n d e p r e d o m i n a m as r e l a ç õ e s impessoais e s t ã o se preparando, inconscientemente, p a r a enfrentarem u m f u t u r o a d v e r s o .
O f u n c i o n a m e n t o e q u i l i b r a d o d o complexo grotas-chapadas t e m p e r m i t i d o , durante mais de u m s é c u l o , o d e s e n v o l v i -mento de p o p u l a ç õ e s c o m p o n e s a s n a região de c o n s i d e r á v e l m a g n i t u d e . E n t r e tanto, para que isso ocorresse, c o m o o c o r -reu, f o i preciso que o h o m e m l o c a l desenvolvesse, a l é m das atividades citadas, o u tras que c o m p l e m e n t a s s e m sua r e p r o d u -ç ã o material e s o c i a l . O estado de c a r ê n c i a de recursos, d e n o t a d o n o d i s c u r s o de
fraqueza, d e m o n s t r a que a e x p l o r a ç ã o d a terra p o r si s ó n ã o garante a r e p r o d u ç ã o . A s s i m , ao l a d o d a p r o d u ç ã o a g r í c o l a e de animais, da coleta e d a c a ç a , os c a m p o n e ses desenvolveram p r á t i c a s artesanais, c o -merciais e a i n d a , c o m o s o b r e v i v ê n c i a d a é p o c a do o u r o de M i n a s G e r a i s , o g a r i m -po. T o d a s essas atividades, c a d a q u a l a sua maneira, c o n t r i b u e m p a r a a r e p r o d u -ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a c a m p o n e s a .
É b o m salientar, p a r a que n ã o se crie uma i m a g e m falsa de u n i f o r m i d a d e , que a d e d i c a ç ã o d o t e m p o de t r a b a l h o a u m a o u a outra atividade c o m p l e m e n t a r à r e p r o -d u ç ã o é extremamente v a r i á v e l entre as unidades familiares. A s v á r i a s a l t e r n a t i vas possíveis, u t i l i z a d a s e m m a i o r o u m e nor p r o p o r ç ã o p o r c a d a u n i d a d e e m p a r t i -cular, c o m p õ e m a d i v e r s i d a d e de situações observadas d e n t r o d o vale d o J e q u i t i -nhonha.
C o m o j á se a s s i n a l o u , a e c o n o m i a camponesa e s t á i n s e r i d a e m u m contexto social e s p e c í f i c o d e n t r o d o V a l e . F r a c a -mente m o n e t a r i z a d a e p o u c o a r t i c u l a d a com o m e r c a d o c a p i t a l i s t a , seja n o m e r c a -do de p r o d u t o s , seja n o m e r c a d o de traba-lho, a o r g a n i z a ç ã o c a m p o n e s a e n c o n t r a no artesanato u m i m p o r t a n t e suporte p a -ra a sua r e p r o d u ç ã o . O artesanato constituise p a r a a t o t a l i d a d e dos c a m p o
-neses e m u m v a l i o s í s s i m o fornecedor de instrumentos de t r a b a l h o n o â m b i t o casei-ro o u f o r a dele, de bens m a n u f a t u r a d o s e de u t e n s í l i o s d o m é s t i c o s . A l é m disso, é uma fonte de g a n h o m o n e t á r i o , p a r t i c u larmente p a r a aquelas unidades de p r o d u -ç ã o situada mais favoravelmente, caso d a c e r â m i c a e m p a r t i c u l a r , o u p a r a aquelas que se especializaram n o artesanato.
A o c o n t r á r i o d o t r a b a l h a d o r p r o l e t á -rio u r b a n o , que depende exclusivamente do mercado p a r a s u p r i r suas necessidades, o c a m p o n ê s realiza sua r e p r o d u ç ã o s ó c i o e c o n ô m i c a à m a r g e m d o m e r c a d o de p r o -dutos industriais. O s c o n d i c i o n a n t e s físi-cos, sociais e e c o n ô m i c o s o i n d u z e m a ga-rantir os p r o d u t o s essenciais a s u a estrutu-ra de c o n s u m o e dos m e i o s de p r o d u ç ã o mediante a m a n u f a t u r a caseira. A transf o r m a ç ã o de p r o d u t o s naturais e m i n s t r u mentos de t r a b a l h o o u e m objetos de c o n -sumo permite aos camponeses a o b t e n ç ã o de bens i m p r e s c i n d í v e i s p o r é m i n a -cessíveis p o r i n t e r m é d i o d o m e r c a d o de produtos industriais.
O artesanato que n a r e g i ã o assume principal i m p o r t â n c i a nas atividades liga-das ao b a r r o , ao c o u r o , ao a l g o d ã o e à madeira, é largamente d i s s e m i n a d o entre as unidades f a m i l i a r e s . T o d a s elas, de a l -gum m o d o , p r a t i c a m u m o u m a i s tipos de artesanato e q u a n d o n ã o o f a z e m , o b t ê m esses produtos a t r a v é s d a c o m e r c i a l i z a ç ã o p r o p o r c i o n a d a pelas r e l a ç õ e s c o m u n i t á -rias. A s s i m , independentemente d a diversidade de recursos existentes entre os v á -rios grupos camponeses, a estrutura de consumo e dos meios de p r o d u ç ã o é p o r demais semelhante, p r e d o m i n a n d o b a s i
-camente os p r o d u t o s d e r i v a d o s d o artesa-nato d o m é s t i c o .
Desse m o d o , o b a r r o fornece objetos utilitários c o m o as vasilhas de c o z i n h a p a ra guardar e servir a l i m e n t o s , p a r a a r m a -zenar á g u a , vasos de plantas e outros, sem utilidade direta, mas que e x p õ e m satisfações culturais, c o m o as figuras de p r e s é -pio, santos, m i n i a t u r a s de b r i n q u e d o s e peças genuinamente decorativas c o m o os vasos de c o n f e c ç õ e s figurativas z o o m o r -fos, a n t r o p o m o r f o s e h í b r i d o s . O artesa-nato de c o u r o fornece alforges, c h a p é u s , botinas, bainhas de faca e f a c ã o , bruacas, selas, arreios e outros objetos de m o n t a ria. D o artesanato c o m o a l g o d ã o o b t é m -se os produtos t ê x t e i s - r o u p a s variadas, cobertas de c a m a e toalhas de mesa, tape-tes para paredes e c h ã o etc. E a i n d a , fina-lizando, do resultado d o t r a b a l h o c o m a madeira se conseguem os instrumentos de f a b r i c a ç ã o d a f a r i n h a e r a p a d u r a , a r o ç a , os cabos de faca, f a c ã o e e n x a d a , e outros decorativos c o m o desenhos de caricaturas em troncos e crucifixos.
E s t a d e s c r i ç ã o d á u m a i d é i a de c o m o é importante o s u p r i m e n t o d i r e t o de bens manufaturados p r o p o r c i o n a d o p e l o arte-sanato. E c o m o o destino dos p r o d u t o s é o consumo dos camponeses, e m geral, suas c a r a c t e r í s t i c a s s ã o marcantes ao obe-decer u m a u t i l i d a d e p a r t i c u l a r . S ã o obje-tos c o m acabamenobje-tos obje-toscos, sem a pre-t e n ç ã o de pre-terem f o r m a s perfeipre-tas, expre-tre- extre-mamente resistentes e n ã o e n c e r r a m a p r e o c u p a ç ã o c o m enfeites e a d o r n o s e s t é -ticos, à e x c e ç ã o de objetos especialmente criados p a r a esse f i m - caso m a i s significa-tivo d a c e r â m i c a .