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Desvendando o padrão alimentar de famílias rurais: o que tem no prato?

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Academic year: 2017

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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

-

MESTRADO E DOUTORADO

DESVENDANDO O PADRÃO ALIMENTAR DE FAMÍLIAS RURAIS:

o que tem no prato?

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DESVENDANDO O PADRÃO ALIMENTAR DE FAMÍLIAS RURAIS: o que tem no prato?

Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais – PPGCS, na área de concentração em Desenvolvimento Regional.

Orientador: Aldenôr Gomes da Silva

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Teixeira, Islandia Bezerra da Costa.

Desvendando o padrão alimentar de famílias rurais: o que tem no prato? / Islandia Bezerra da Costa Teixeira. – Natal, RN, 2007.

137 f.

Orientador: Prof. Dr. Adenôr Gomes da Silva.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Progra- ma de Pós-graduação em Ciências Sociais. Área de concentração: Desenvol-- vimento regional.

1. Sociologia rural – Dissertação. 2. Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) – Dissertação. 3. Famílias rurais – Dissertação. 4. Padrão alimentar – Dissertação. I. Silva, Adenôr Gomes da. II. Universidade Federal do Rio Gran- de do Norte. III. Título.

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DESVENDANDO O PADRÃO ALIMENTAR DE FAMÍLIAS RURAIS: o que tem no prato?

ISLANDIA BEZERRA DA COSTA TEIXEIRA

FOLHA DE APROVAÇÃO

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais – Mestrado e Doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Membros da Banca Examinadora:

______________________________________ Professor Dr. Aldenôr Gomes da Silva (UFRN)

Presidente da Banca

______________________________________ Professor Dr. Malaquias Batista Filho (UFPE/IMIP)

1º Examinador

______________________________________ Professor Dr. Fernando Bastos Costa (UFRN)

2º Examinador

_______________________________________ Professora Dra. Ana Emília Leite Guedes (UFRN)

Suplente

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“Se eu pudesse deixar algum presente a vocês, deixaria o acesso ao sentimento de amar a vida dos seres humanos.

A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora... Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem. A capacidade e escolher novos rumos. Deixaria para vocês, se pudesse, o respeito aquilo que é indispensável:

Além do pão, o trabalho. Além do trabalho, a ação. E, quando tudo mais faltasse, um segredo: O de buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída”.

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À Conceição, minha adorada mãe, e Ricardo, companheiro para todas as horas, que serviram como os principais nutrientes da minha vida, capazes de nutrir não só meu corpo, mas também alma e mente estimulando de maneira incessante minha vontade de vencer. A vocês ofereço, simbolicamente, a tela “A família, 1935 – Edi Cavalcanti”, como uma representação do meu amor e dos laços que nos unem.

Ao Professor Aldenôr Gomes pela valiosa orientação e oportunidade de compartilhar as angústias e esperanças de e por um mundo bem alimentado. Por despertar-me, veementemente, o interesse da investigação pelo mundo rural e daqueles que o faz. E, também, por nos momentos “críticos” do meu processo de formação ter se mostrado muito mais que um orientador compreensivo, e como um verdadeiro mestre e amigo. A você ofereço a tela singular “O agricultor andino - Espíritu Escobar”, como forma de dizer: Obrigada.

Ao Professor Fernando Bastos pelas importantes contribuições no exame de qualificação e também no decorrer deste trabalho que apesar do tempo curto de convivência, permitiu-me conhecê-lo e admirá-lo. A você, ofereço a fartura expressa na tela “Colheita de uva - Fulvio Pennacchi”.

Às amigas Sabrina e Laeticia, que em tão pouco tempo passaram a fazer parte da minha vida, compartilhando sentimentos, idéias e ações. À Bina, ofereço a tela “Canavial - Tânia Orsini” pela contínua busca por compreender as transformações do mundo rural, em especial: o trabalho. À Lae, a tela “Mujer concalabaza - Saturnino Herrán”, pela sua contribuição, enquanto mulher, latino-americana, brasileira e feminista (palavras dela), às quais acrescento pesquisadora admirável. Sejam felizes.

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bibliográfico tão gentilmente cedido. A vocês, ofereço a tela “Mulheres com frutas - Edi Cavalcanti” simbolizando “nossa” busca, enquanto profissionais, por uma alimentação adequada e saudável.

Aos estudiosos já consagrados da temática e, os que em breve consagrar-se-ão: Professores Anieres (UFRN) e Eliano (UFS), Denes, Markelly, Emerson e Rodrigues. Aos primeiros (Anieres e Eliano), pela tenacidade na execução do trabalho de campo e, acima de tudo, por tornar possível a aplicação dos questionários, exercendo uma função além da designada. Muito obrigada. Aos demais, por encarar com seriedade o trabalho desenvolvido em equipe. A vocês ofereço “A filosofia rural - Sebastian Garreton” como um precioso estímulo de continuar pesquisando sobre.

Aos amigos Mário Amorim e Ivanaldo Pessoa (ambos da Emater/RN), por proporcionar-me a experiência concreta de trabalhar e viver o rural. Por acreditar na minha capacidade, e por esse motivo, disponibilizaram sempre que precisei, tempo e informações úteis, no processo de execução desse projeto.

Aos Professores Roberto Dimenstein (UFRN) e Rodrigo Viana (UFPB). O primeiro por ter-me “apresentado” os prazeres e desafios de ser pesquisadora. E, o segundo, pela oportunidade de trabalharmos juntos no treinamento de aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA, sem nem ao menos conhecer-me.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/PPGCS da UFRN por encarar o desafio de aceitar no processo seletivo, profissionais de diferentes áreas com o intuito de discutir sobre as complexidades que envolvem a sociedade, ofertando assim, a oportunidade de dividir os saberes e multiplicar os conhecimentos.

E, por fim, às famílias rurais. Estas que no momento das entrevistas se mostraram receptivas e gentis, explorando ao máximo toda a generosidade característica do sertanejo, disponibilizando tempo e algumas vezes dividindo a pouca comida. A vocês agradeço e, principalmente, dedico este trabalho.

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Tela. Agricultor Andino. Hugo Espíritu Escobar

Tela.Canavial. Tânia Orsini Tela. Mujer concalabaza Saturnino Herrán

Tela. A Família, 1935. Edi Cavalcanti. Tela.A filosofia rural. Sebastian Garreton

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TEIXEIRA, Islandia Bezerra da Costa. Desvendando o padrão alimentar de famílias rurais: o que tem no prato? Dissertação de Mestrado. PPGCS/UFRN. Natal/RN, 2007.137 f.

Resumo

Esse trabalho buscou salientar as diferentes concepções sobre a agricultura familiar e as práticas de autoconsumo estabelecidas no interior da unidade de produção. Hipótese: devido às condições, cada vez mais restritas de produzir para o autoconsumo, as famílias rurais estão mais propícias a apresentarem situação de insegurança alimentar tão severas quanto às famílias urbanas, ao contrário do que se defende. A pesquisa foi realizada em três estados do Nordeste: Paraíba; Rio Grande do Norte e Sergipe. Os resultados revelaram que dentre os principais fatores que expõem essas famílias a situações de constante vulnerabilidade alimentar têm-se: a baixa qualidade do consumo alimentar no que diz respeito à disponibilidade, à diversificação e principalmente, à acessibilidade. As análises podem servir para subsidiar uma reflexão acerca do padrão alimentar de famílias rurais frente aos preceitos da política de Segurança Alimentar e Nutricional(SAN).

Palavras-chaves: SAN; padrão alimentar; famílias rurais.

Abstract

That work looked for to point out the different conceptions on the family agriculture and the established self-consumption practices inside the unit of production. Hypothesis: due to the conditions, more and more restricted of producing for the self-consumption, the rural families are more favorable present her situation of alimentary insecurity as severe as for the urban families, unlike what he/she defends. The research was accomplished in three states of the Northeast: Paraíba; Rio Grande do Norte and Sergipe. The results revealed that among the main factors that expose those families to situations of constant alimentary vulnerability are had: the low quality of the alimentary consumption in what concerns the readiness, to the diversification and mainly, to the accessibility. The analyses can be to subsidize a reflection concerning the alimentary pattern of families rural front to the precepts of Food and Nutrition Security (FNS) politics.

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BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CGPAN - Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição CNA - Confederação Nacional de Agricultura

CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento

CNSAN - Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional DHAA - Direito Humano à Alimentação Adequada

EBIA - Escala Brasileira de Insegurança Alimentar ENDEF - Estudo Nacional de Despesa Familiar

FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations FGV - Fundação Getúlio Vargas

FPM - Fundo de Participação dos Municípios

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IDH-M - Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal IMC - Índice de Massa Corporal

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada

LOSAN - Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional MAPA - Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MS - Ministério da Saúde

OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas PAA - Programa de Aquisição de Alimentos

PCCN - Programa de Combate às Carências Nutricionais PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIB - Produto Interno Bruto

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios PNAE - Política Nacional de Alimentação e Nutrição PNSN - Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento POF - Pesquisa de Orçamento Familiar

SAN - Segurança Alimentar e Nutricional

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Lista de mapa, quadros, figuras, fotos e tabelas

Página

Mapa 01. Localização geográfica dos municípios de Apodi e Antonio Martins (RN), Alagoa Grande e Lagoa Seca (PB) e Itabaiana e São Cristóvão (SE), no nordeste brasileiro... 54

Quadro 1. Distribuição do número de questionários a serem aplicados em cada município com a sua respectiva margem de segurança ... 63 Quadro 2. Modelo do questionário de freqüência alimentar trabalhado na pesquisa no período de novembro de 2006... 70 Quadro 3. Principais grupos de alimentos utilizados pela FAO e pelo Brasil. 103

Figura 01. O estado da insegurança alimentar no mundo... 15 Figura 02. Estados com mais pessoas que residem em domicílios afetados por insegurança alimentar grave... 21 Figura 03. Prevalência de situação de segurança alimentar em domicílios particulares, por situação do domicílio – Brasil, 2004... 25 Figura 04. Esquema da relação das formas de produção... 33 Figura 05. Indicadores de longevidade, renda, educação e IDH municipal, 2000... 57 Figura 06. Renda proveniente de transferências governamentais e de trabalho, 1991 e 2000... 58 Figura 07. Distribuição dos indicadores de indigência e pobreza segundo os dados do censo 2000... 60 Figura 08. Adaptação regional “Guia Alimentar da Pirâmide” de PHILIPPI et. alli. 1999... 82 Figura 09. Esquema da classificação adotada segundo Kageyama; Hoffmann, 2006... 93 Figura 10. Distribuição dos Estados em relação às instalações sanitárias... 97 Figura 11. Freqüência da jornada alimentar entre as famílias rurais das famílias entrevistadas... 99 Figura 12. Distribuição da origem dos alimentos através do supermercado. 101 Figura 13. Diagrama representativo da freqüência de consumo alimentar

das famílias entrevistadas... 105 Figura 14. Demonstração do padrão de consumo alimentar das famílias rurais dos estados pesquisados com base no Questionário de Freqüência Alimentar... 108

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Foto 01. Milho sendo preparado para o consumo da família... 89 Foto 02 e 03. Plantação de uma pequena horta doméstica no município de Apodi/RN... 91 Foto 04. Água que abastece a família. (Alagoa Grande/PB)... 95 Foto 05. Agricultor coletando água para o abastecimento da família (Alagoa Grande/PB)... 95

Tabela 01. População residente por Estado por situação de domicílio segundo os censos – 1991 e 2000... 55 Tabela 02. População residente, por situação segurança/ insegurança alimentar existente, segundo a Região e os três Estados inseridos na pesquisa em relação à situação do domicílio, 2004... 72 Tabela 3. Distribuição do extrato do número de membros na família... 84 Tabela 4. Ocupação principal dos entrevistados... 85 Tabela 05. Distribuição dos entrevistados segundo a faixa de renda líquida anual... 86 Tabela 6. Condição de exploração da terra... 88 Tabela 7. Presença de horta/pomar nos domicílios... 90 Tabela 08. Distribuição da proporção de pobres e não pobres das famílias pesquisadas nos três Estados do Nordeste... 94 Tabela 09. Distribuição dos Estados em relação à principal forma de abastecimento de água disponível na residência... 96 Tabela 10. Distribuição dos Estados em relação à origem dos alimentos... 102 Tabela 11. Distribuição dos alimentos consumidos diariamente por 50% ou

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INTRODUÇÃO

Lá no sertão quem tem Coragem pra suportar Tem que viver pra ter Coragem pra suportar Ou então Vai embora Vai pra longe E deixa tudo Tudo que é nada Nada pra viver Nada pra dá Coragem pra suportar

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no prato?” foi proposto como uma forma simples e objetiva de expressar a angústia pela busca de respostas no campo da sociologia da alimentação, mais especificamente para a população rural.

O mundo rural como campo empírico de pesquisa não surgiu por mera coincidência. Desde a graduação no curso de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, que o tema da alimentação de famílias potencialmente vulneráveis à insegurança alimentar incitava essa busca. A oportunidade de participar, ainda na graduação, do curso de aperfeiçoamento em Vigilância Alimentar e Nutricional na Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/ FIOCRUZ consolidou meus desejos de investigação da temática tendo em vista que o foco de análise daquele curso foi direcionado para a população rural.

Ao término do curso de Nutrição outra oportunidade surgiu: o ingresso, mediante aprovação em processo seletivo simplificado, na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater/RN em 2004. Este ocorrido foi determinante para conduzir a atuação profissional e as atividades de pesquisa voltadas para as condições alimentares de famílias rurais. Por sua vez, de forma paralela, procurava conciliar o trabalho de extensão rural com o curso de mestrado no Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte/UERN. Que ao final, não foi possível.

O término do contrato junto a Emater/RN, bem como a experiência acumulada (mesmo que timidamente) no campo da elaboração e execução de projetos de alimentação e nutrição voltados para atender às famílias rurais, viabilizou a aprovação no concurso para professora substituta no Departamento de Nutrição da UFRN em 2005, na área de Nutrição Social. Esse momento, por sua vez, reacendeu aquela busca por respostas sobre as condições alimentares dessa população.

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Nutricional no Brasil”, fruto de um acordo de cooperação entre o Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional, sediado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e o Center for Studies in Food Security, da Ryerson University (Toronto/Canadá), contando com a plataforma virtual de educação à distância da REDCAPA. Essa experiência proporcionou interações nunca imaginadas com autores e pesquisadores que vêm ao longo dos anos contribuindo com a discussão desse tema da SAN não só em nível nacional, como também internacional. Os cursos foram: 1) Conceitos e princípios em Segurança Alimentar e Nutricional (2005); 2) Políticas e programas públicos em Segurança Alimentar e Nutricional (2006) e; 3) Gênero e Segurança Alimentar e Nutricional (2006).

Diante da imensa vontade de ingressar em um programa de pós-graduação e seguir, de fato, com a carreira que há muito já decidira, surgiu outra importante chance. Dessa vez, o encontro com a equipe de pesquisa coordenada pelo Professor Aldenôr Gomes (2005), que proporcionou muito mais que a conveniência da inserção no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/UFRN, a oportunidade única de compartilhar conhecimentos e saberes no campo da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) daquela população.

Esse espaço tanto novo quanto efetivamente sólido do Laboratório de Observação Permanente sobre as Transformações do Mundo Rural do Nordeste, parte integrante do Núcleo Avançado de Políticas Públicas - NAPP, contando com a participação ativa dos professores Aldenôr Gomes e Fernando Bastos, viabilizou não somente os debates acerca do tema da SAN, como também proporcionou a visão com outros e, acima de tudo, novos olhares das diversidades contidas nesse imenso mundo.

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sobrevivência, bem como da solidariedade e do significado de compartilhar alegrias e angústias enquanto pesquisadores.

O mundo rural, bem como as questões voltadas para o consumo alimentar dessa população, presentes nos apontamentos dessa pesquisa revela sua diversidade. Ao passo que, para guiar tais considerações buscou-se embasamento em um referencial teórico não somente técnico (do campo da alimentação e nutrição), mas também no campo da sociologia rural que de forma combinada contribuíram imensamente para o desenlace de tais constatações.

Análises fundamentadas apontam para um fato: as políticas públicas implementadas nas últimas décadas para promoção do desenvolvimento rural no Brasil, ou foram insuficientes, ou não foram efetivamente focadas no objetivo de generalizar melhorias substanciais na qualidade de vida e nas oportunidades de prosperidade das populações que habitam o interior brasileiro.

Josué de Castro mostrou, exaustivamente, a influência dos fatores sócio-econômicos sobre os próprios fatores biológicos de nossa população, através da deficiência alimentar e da primazia dos interesses privados e, de como as causas sociais são sempre correlacionadas a essa “deficiência alimentar”. Sob esse contexto, paradoxalmente, considerado tão longínquo quanto atual, trazer à tona a discussão da agricultura familiar focando a produção para o autoconsumo, ou ainda como essa pode contribuir para a garantia da SAN de famílias rurais. Isso parece ser algo demasiadamente dito e comprovado por inúmeros estudos e pesquisas realizadas no mundo inteiro, desde os países desenvolvidos até os chamados em desenvolvimento.

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alimentar dos entrevistados, vez que estes se configuram como sendo determinantes para melhorar as condições de vida de uma população.

Antes de evoluir na discussão convém ressaltar o que vem a ser segurança alimentar e nutricional. Será tomada como referência o documento base que valida esse conceito amplamente discutido e consagrado na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN), realizada em março de 2004 e por sua vez, reafirmou-se na III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN, 2007)

segurança alimentar e nutricional é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a uma alimentação saudável, de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente. Deve ser totalmente baseada em práticas alimentares promotoras da saúde, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Esse é um direito do brasileiro, um direito de se alimentar devidamente, respeitando particularidades e características culturais de cada região. (CONSEA, 2007, p. 07).

Esse conceito, ainda em construção, se fez legítimo ao ser sancionada a Lei Nº 11.346, de 15 de setembro 2006, que determinou a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN. O Art. 3º dessa lei reafirma

A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).

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conceituais sobre fome e desnutrição. Esse capítulo aborda ainda outros aspectos que auxiliaram no decorrer das análises o entendimento das precárias condições de vida e moradia da população rural, especialmente aquela residente no semi-árido nordestino, campo empírico dessa pesquisa.

O capítulo segundo expõe o papel da agricultura familiar na concretização da SAN das famílias rurais. Apreender, de fato, o que vem a ser agricultura familiar é imprescindível nessa discussão, pois a partir da compreensão da sua importância é que será possível, também, abarcar como esta pode influenciar na garantia e na melhoria da qualidade do padrão alimentar dessas famílias, especialmente, através da sua produção para o autoconsumo. O mesmo também aborda sinteticamente sobre a temática da agricultura familiar e os mecanismos adotados pelo Estado para o seu fortalecimento, a exemplo, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf e o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e além disso, sobre a produção agrícola e pecuária destinada ao autoconsumo.

Já no terceiro capítulo serão apresentadas as condições sob as quais essa pesquisa foi realizada. O mundo explorado e como esse se configura nos seis municípios dos três estados visitados, as pessoas com as quais as conversas foram realizadas a partir dos seus relatos foi possível relacionar o referencial teórico e, assim, problematizar sobre o tema proposto nesse trabalho e, por fim, sobre as ferramentas utilizadas.

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CAPÍTULO I

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

NO MEIO RURAL: o que temos no Brasil?

a fome é a maior desgraça de uma guerra silenciosa e sem fronteiras onde os “fortes” são feitos pelo sangue

dos “fracos”, tornados “fracos” pela dominação dos “fortes”.

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ocupando de forma crescente a agenda pública no Brasil. E, a implementação do programa Fome Zero do governo federal em 2003 se configurou como um fator preponderante nessa agenda. Nesse sentido, há diferentes compreensões sobre o tema da SAN, cada qual com implicações específicas para a construção de políticas públicas neste campo.

O conceito de SAN foi construído a partir de várias dimensões como a política, a econômica, a social, a alimentar e, de forma mais especifica, no combate à fome. Dessa forma, torna-se imperativo ampliar, também, o enfoque da SAN, bem como as ações que favorecem mudanças em todos os níveis, seja no âmbito da formulação de políticas públicas, seja na produção e disponibilidade física dos alimentos, seja no respeito ao cumprimento de uma alimentação adequada tanto no sentido nutricional, quanto no sentido cultural.

Analisar a situação de segurança alimentar e nutricional de famílias rurais e fazer sua relação com a produção de alimentos no âmbito familiar não é tarefa simples. Essa dificuldade gira em torno da crença de que as famílias classificadas como rurais possuem “condições” de produzir alimentos para o abastecimento familiar pelo fato de terem o acesso a terra e poder contar com a mão de obra familiar. De fato, se essas “condições” se configurassem de forma concreta (o que não ocorre) até seria possível inferir que, no que diz respeito ao acesso aos alimentos básicos de uma dieta (feijão, macaxeira, milho, batata, legumes e frutas), essas famílias estariam em situação, relativamente, confortável para um padrão alimentar que preconiza esses alimentos como sendo a base para uma alimentação adequada.

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1. 1 Delineando o problema da desnutrição 1? insegurança alimentar2? Ou de fome3? Tudo é falta de alimento, mas nem tudo é igual!

E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).

(Morte Vida Severina João Cabral de Melo Neto)

A questão alimentar, em especial, o combate à fome no mundo vem ganhando repercussões em vários segmentos da sociedade. Esse debate emergiu com toda sua força no período pós-guerra, e foi revigorado em 1996 na Cúpula Mundial de Alimentação (CMA), em Roma. Nessa ocasião, chefes de

1

A desnutrição, ou mais corretamente as deficiências nutricionais – porque são várias as modalidades de desnutrição – são doenças que decorrem do aporte alimentar insuficiente em energia e nutrientes ou, ainda, com freqüência, do inadequado aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos – geralmente motivado pela presença de doenças (MONTEIRO, 2003, p. 82).

2 Compreende-se Insegurança Alimentar (IA) como sendo a situação na qual o indivíduo não tem acesso

regular e permanente a uma alimentação em quantidade e de qualidade ou, melhor, coloca, permanentemente, a ameaça da fome no convívio família e/ou social. Ou ainda, caso o individuo apresente alguma dificuldade de alimentar-se adequadamente, mesmo que seja por alguns períodos.

3 Se considerarmos a explicação reducionista da clínica fome é a insuficiência ou ausência de calorias no

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comprometeram-se também em realizar um esforço para erradicar a fome em todos os países. Para isso firmaram um objetivo imediato de reduzir pela metade o número de desnutridos, até o ano de 2015.

A declaração transcrita do relatório da Cúpula Mundial da Alimentação diz:

o acesso à alimentação é um direito humano em si mesmo na medida em que a alimentação constitui-se no próprio direito à vida. Negar esse direito, é antes de mais nada, negar a primeira condição para a cidadania, que é a própria vida (Relatório Cúpula Mundial da Alimentação, 1996).

Instituições internacionais - tal qual a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial - vêm engajando-se nessa busca, sendo que a FAO tornou-se uma das principais referências sobre o tema da segurança alimentar. Nesse sentido, as propostas para a concretização da SAN em relação à produção de alimentos são: que a produção seja suficiente, estável, eqüitativa e sustentável e, principalmente, que tenha autonomia.

Considerando a atuação dos organismos internacionais tanto no debate quanto nas ações que possam minimizar a situação de insegurança alimentar, é fundamental conhecer, em números, como se configura a ocorrência da fome no mundo. Para Josué de Castro

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Segundo dados recentes da FAO (1996)4, os países em desenvolvimento de todo o mundo já conseguiram reduzir, consideravelmente, a fome desde o período de referência da Cúpula Mundial de Alimentação – CMA – em 1996. A fome nestes países já foi reduzida em mais de 80 milhões de pessoas, mas a situação ainda é muito preocupante na maioria dos outros países. No mundo em desenvolvimento, estima-se que há 798 milhões de famintos, apenas 19 milhões a menos que na época da CMA. Nos países industrializados4 tem-se 10 milhões, enquanto nos países em transição4 encontram-se 34 milhões de famigerados (Figura 1).

Figura 1. O estado da insegurança alimentar no mundo.

Fonte: FAO Statistics Division, FAO Statistics Yearbook, 2004, Vol. 1. FAO, 2005.

Em outra publicação recente essa instituição relaciona o Brasil como sendo um dos países que se encontra num possível “meio termo”, ou seja, na faixa entre avanços e retrocessos no combate à fome. Porém, o mesmo documento ressalta a importância do Programa Fome Zero - PFZ como uma retomada no processo de combate à fome no País (FAO, 2006)5.

Belik (2003) afirma que desde os tempos coloniais, havia uma preocupação por parte dos governantes com a questão alimentar da

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Um país do Oriente Médio, cinco da Ásia e pacífico, seis da América Latina e sete da África subsahariana. Dentro desta perspectiva estão incluídos tanto países com grande potencial como o Brasil e a China como países mais pobres, onde a fome estava mais arraigada, como Chad, Namíbia, Guiné e Sri Lanka (FAO, 2003). Países industrializados como Alemanha, Estados Unidos, Austrália e, países em transição como Rússia, Croácia, Ucrânia.

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políticas públicas só a partir do século XX, com a emergência dos movimentos sociais contra a carestia. De fato, as políticas implementadas desde o início do século passado abrangiam diversos itens como a política agrícola, os sistemas de abastecimento, controle de preços, distribuição de alimentos entre outros.

Há, ainda relatos de registros de que à fome no Brasil é alvo de estudos e ações mais ou menos efetivas desde a primeira política de alimentação, quando o governo imperial determinou a obrigatoriedade do plantio consorciado em cultura intensiva. A clássica obra de Josué de Castro “Geografia da Fome” é o marco histórico do debate para esse problema mundial. Diante da sua importância, esse livro, já traduzido em 25 idiomas, determina o início das denúncias que pretenderam levar ao mundo, a discussão acerca desse grave flagelo que, ainda hoje, assola a humanidade.

A contribuição deste autor para a questão da SAN no Brasil é essencial para este debate

Existem duas maneiras de morrer de fome: não comer nada e definhar de maneira vertiginosa até o fim, ou comer de maneira inadequada e entrar em um regime de carências ou deficiências específicas, capaz de provocar um estado que pode também conduzir à morte. Mais grave ainda que a fome aguda e total, devido às suas conseqüências sociais e econômicas, é o fenômeno da fome crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo (CASTRO, 2003, p. 77).

O conceito de “fome oculta” introduzido por Castro (2005) traz o debate sobre a questão da fome. Como este deveria se basear não só nos aspectos quantitativos, mas também qualitativos, já que até mesmo crianças com alto padrão de consumo muitas vezes se alimentam de produtos “ocos”, deficientes em vitaminas, minerais e fibras.

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um inquérito de consumo alimentar 6 realizado em 8 capitais brasileiras. Considerando como ponto crítico a ingestão de 2.450 Kcal7/dia. Nesta

pesquisa foi constatada que cerca de 38,5% da população estavam abaixo desse nível, dos quais 53,7% correspondiam à população urbana e 39,1%, à população rural. No Nordeste, o percentual da população com ingestão calórica insuficiente foi de 74,4%, sem diferenças, praticamente, entre as populações urbana e rural. Mas, o estudo cujos dados são as principais referencias, até hoje no Brasil, provém do Estudo Nacional sobre a Despesa Familiar (ENDEF) 8 realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (FIBGE) em 1974/75. Esta pesquisa coletou dados sobre todos os alimentos consumidos pelas famílias incluídas na amostra, dentro de um questionário amplo contemplando questões de saúde, antropometria e informações sócio-econômicas.

Após o ENDEF, o IBGE realizou um novo estudo entre 1987/88: Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF9, que objetivou a quantificação indireta do

consumo de alimentos nas áreas urbanas metropolitanas do país através dos dados de despesas com alimentação. Em 1989, a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), numa parceria entre o Ministério da Saúde, através do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e o IBGE, permitiu atualizar o mapeamento da quantificação da desnutrição e da obesidade no país, sem, contudo acrescentar informações atuais sobre consumo alimentar, em relação às já existentes (GALEAZZI et. alli, 1996).

Na década de 90, o INAN, um conjunto de universidades brasileiras, realizou um estudo multicêntrico com o intuito de avaliar a nutrição, o

6 No campo da alimentação e nutrição o inquérito de consumo alimentar é uma importante ferramenta

para se obter informações quanto ao perfil socioeconômico e nutricional de uma dada população. Entende-se por consumo alimentar a caracterização - qualitativa e quantitativa - do tipo de alimentação de um indivíduo, grupo ou população.

7 Uma Caloria é a energia necessária para elevar em 01 grau a temperatura de 01 grama de água. Como

esta unidade de energia é muito pequena, utiliza-se, na prática, uma unidade mil vezes maior, ou seja, a quilocaloria, abreviada pelas letras kcal.

8 O Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) se constitui como o primeiro inquérito nutricional com

dimensão nacional seu objetivo principal foi avaliar o consumo alimentar e a estrutura de despesa familiar, além do estado nutricional de uma amostra da população brasileira representativa em nível dos Estados da Federação.

(28)

residentes em sete cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Curitiba, Goiânia, São Paulo, Salvador, Campinas e Ouro Preto. No total foram avaliados cerca de mil domicílios por cidade (INAN/MS, 1997).

Pode-se citar também a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada pela Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil (BENFAM). Foram entrevistados os residentes de 13.283 domicílios, onde, entre outras informações, foi avaliado o estado nutricional de crianças menores de cinco anos, bem como das mães nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul. Outros estudos, de abordagem estadual, regional ou, mesmo, municipal, têm sido conduzidos nos últimos anos, como, por exemplo, o Censo de Altura de Escolares, realizado nos Estados do Ceará, Paraíba e Piauí (LEAL; BITTENCOURT, 1997).

Mais recentemente (agosto de 2005), durante a 2ª etapa da Campanha Nacional de Vacinação, quando o Ministério do Desenvolvimento Social juntamente com o apoio do Ministério da Saúde, realizou na região do semi-árido nordestino o inquérito denominado “Chamada Nutricional 2005”. O mesmo inquérito estudou uma amostra probabilística das crianças menores de cinco anos que compareceram aos postos de vacinação localizados nos municípios que integram o semi-árido. Estes, no total de 1.133, estão localizados no norte do estado de Minas Gerais e em todos os estados da macro-região Nordeste, excetuado o Maranhão.

Este estudo trouxe resultados bastante positivos em relação ao estado nutricional destas crianças, vez que foi constatada uma queda significativa nos índices de desnutrição (47,8% em 1974-1975; 27,3% em 1989;17,9% em 1996 e 6,6% em 2005) considerando o indicador antropométrico déficit altura para idade por parte deste público específico.

(29)

comparativa, foram utilizados para fazer as estimativas do estado nutricional outros inquéritos domiciliares10 que em algum momento, focaram o estado

nutricional como uma variável de análise.

De fato, temos no Brasil certa experiência acumulada na realização de inquéritos nutricionais, o que tem permitido conhecer a magnitude do problema em alguns períodos. Contudo, a não sistematização desses inquéritos impossibilita de ter uma noção evolutiva da situação nutricional da população.

Sob esse aspecto a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) reitera a importância de uma efetiva implantação do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). Este pode potencializar a articulação entre os setores de governo, fortalecer uma concepção ampliada da questão alimentar, nutricional e de saúde. Ainda pode contribuir para destinar os programas sociais para os grupos mais vulneráveis, como por exemplo, o Bolsa Família. Na prática, o SISVAN, instituído desde 1999, não vem sendo implantado em todas essas dimensões. Restringe-se muitas vezes a vigilância nutricional e até mesmo aos dados antropométricos de beneficiários de programas de suplementação alimentar. Por exemplo, o Programa de Combate às Carências Nutricionais (PCCN), cuja maior representatividade é o Programa do Leite.

Fazendo uma retrospectiva das pesquisas que “delinearam” os números de famintos no Brasil, pode-se dizer que há controvérsias. Há diversidades na metodologia, assim como nos resultados, registrando-se assim, várias discrepâncias. Então, sempre fica uma pergunta: afinal, quantos brasileiros e brasileiras passam fome no nosso país? Os 16 milhões da FAO, os 22 milhões do Ipea, os 44 milhões do Fome Zero11 ou os 50 milhões da Fundação Getúlio

Vargas – FGV, segundo o “O Mapa do fim da fome”?

Seguindo os dados oficiais, o mais recente estudo que caracteriza a situação de fome no Brasil é o levantamento suplementar de Segurança

10

ENDEF, 1975; PNSN, 1989; PNDS, 1996.

11 O Projeto Fome Zero foi elaborado ao longo do ano de 2001, por uma equipe de especialistas

(30)

Pnad 2004 baseia-se na concepção de escala de medida direta 12. Esse

levantamento foi o primeiro a ser realizado em todo o território brasileiro. O mesmo estabelece os seguintes critérios de classificação:

1) SEGURANÇA ALIMENTAR (SA): Quando todos os integrantes da família têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas;

2) INSEGURANÇA ALIMENTAR (IA): Quando ao menos um integrante se preocupou com falta de dinheiro para comprar comida (leve); perdeu qualidade na dieta por falta de dinheiro (moderada); reduziu a quantidade de alimentos por falta de dinheiro (grave).

Nesse sentido, os números mostram que 13,921 milhões de brasileiros vivem com a realidade de IA grave, ou seja, 7,7% da população. E 72,163 milhões (39,8%) encontram-se em situação IA de leve a moderada. As regiões norte e nordeste apresentam o maior percentual13 da população que se

encontra em situação grave de IA (13,2% - 1.899.304; e 14,4% - 7.240.852, respectivamente). Já as demais regiões Sudeste, Sul e Cetro-Oeste apresentam, respectivamente, percentuais bem menores (3,7% - 979.804; 4,1% - 3.159.437; e 5% - 643,024). Com base nos resultados foi publicado o seguinte mapa da fome no Brasil (Figura 2).

12 Escala Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA.

13 A compreensão desses valores deve levar em conta o percentual relacionado à população da região.

(31)

Figura 2. Estados com mais pessoas que residem em domicílios afetados por insegurança alimentar grave.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004.

Diante das discrepâncias dos dados, os institutos de pesquisas e os pesquisadores concordam no seguinte aspecto: a metodologia empregada para caracterizar o perfil de famintos merece melhor análise. Há quem defenda que a melhor forma de garantir os números reais e fidedignos da população faminta no Brasil seria o emprego de métodos diretos de avaliação14. Sendo que o mais indicado seriam os chamados estudos antropométricos — que levam em consideração o peso, a estatura e a idade das pessoas.

Nesses estudos, calcula-se primeiro o Índice de Massa Corporal – IMC15 - de uma parcela da população adulta, definindo-se o percentual de indivíduos com IMC menor que 18,5 kg/m2. Depois, compara-se o percentual obtido com

os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS), que define o seguinte: 1) prevalência de déficit energético leve: entre 5 e 9 % da população maior de 24 anos com IMC < 18,5 kg/m2;

2) prevalência moderada: entre 10 e 19 % da população; 3) prevalência alta: entre 20 e 39% da população;

4) prevalência muito alta: mais de 40% da população.

Diante da complexidade de execução de estudos dessa natureza a FAO estabeleceu como metodologia “padrão” a utilização dos dados da produção, do saldo comercial agrícola e dos estoques de alimentos do país, aliados ao coeficiente de distribuição de renda e ao consumo alimentar.

Com essa fórmula é possível calcular, primeiro, a disponibilidade calórica16 total e per capita em cada país. Depois, a proporção de pessoas que têm um consumo calórico abaixo do recomendado.

14 Métodos diretos de avaliação do estado nutricional como: antropometria, exames laboratoriais e

exames clínicos.

15

O IMC é dado pelo peso de uma pessoa dividido pelo quadrado da sua altura (IMC= P÷A2).

16 A disponibilidade calórica nacional refere-se à quantidade de alimentos, expressa em quilocalorias,

(32)

disponibilidade calórica do Brasil era de 2.960 kcal diárias por pessoa. Um resultado excelente, considerando-se que o consumo médio individual deveria ser de 1900 kcal por dia. Porém, quando as outras variáveis eram aplicadas (principalmente à correspondente à distribuição de renda), a situação se invertia. Constatava-se uma ampla desigualdade social. Assim, o resultado final desta pesquisa foi que, no país, cerca de 10% da população, quase 16 milhões de pessoas, estavam subnutridas. Consumiam, em média, apenas 1.650 kcal diárias. Esse resultado foi então aplicado numa escala e estabeleceu a classificação de 1 a 5, na qual quanto maior o número, pior é o resultado. Ressaltando que o problema estava(está) na distribuição de alimentos. O Brasil foi classificado na categoria 3, juntamente com países como a Nigéria, o Paraguai e a Colômbia, entre outros.

Entretanto, esta forma de medição utilizada pela FAO é considerada pouco precisa, pois parte-se dos dados de disponibilidade total calórica, desconsiderando, por exemplo, as perdas agrícolas, no processamento agroindustrial e no transporte. Segundo a própria FAO, o método tende a subestimar o número real de subnutridos do país, prestando-se mais para as comparações entre países e para avaliar a capacidade potencial da agricultura de cada país em alimentar sua população (TAKAGI; GRAZIANO DA SILVA; DEL GROSSI, 2001).

A maioria dos métodos indiretos, como o que é estabelecido pela FAO costuma utilizar também, o critério de renda para estimar a parcela da população que não tem condições de se alimentar continuamente e que, está sujeita a passar fome. Dentro do grupo de estudos realizados a partir do critério de renda, estão os do Ipea, incluindo o Mapa da fome de 1993, e o “O Mapa do fim da fome” da FGV (2000).

(33)

que trabalha baseado na Pnad do IBGE 17, cerca de 22 milhões de brasileiros estão abaixo da linha de indigência, impossibilitados de se alimentar continuamente. Já “O Mapa do fim da fome”, da FGV, considerou indigentes 50 milhões de brasileiros que, na época, recebiam menos de R$ 80 por mês.

Não pretende-se concordar ou discordar com os muitos resultados já apresentados sobre o numero de famintos no país. Mas, compreender e fazer compreender sobre a amplitude desse problema e de suas conseqüências maléficas, seja no aspecto biológico (nutricional), seja no âmbito social. Nesse sentido, mesmo considerando os cálculos mais otimistas o número é assustador.

17 Hoffmann (2001) calculou a proporção de pobres segundo estes dois parâmetros, utilizando as Pnads

chegando nos seguintes resultados:

(34)

cenário.

Cá no sertão eu infrento A fome, a dô e a misera. P’ra sê poeta divera Precisa tê sofrimento… (Cante lá que eu canto cá Patativa do Asaré)

Não são poucos os estudos que demonstram o quanto a população rural sofre com o flagelo da fome. Novamente, Josué de Castro (1946, p. 157) nos chama a atenção para esse fenômeno, que segundo ele “(...) é um tipo de fome, inteiramente diferente”.

Os dados da Pnad (IBGE, 2006), revelam ainda que no meio rural encontra-se a maior prevalência domiciliar de IA moderada ou grave. Enquanto na área urbana 11,4 % dos domicílios encontram-se em condição de IA moderada e 6% grave, no meio rural as prevalências são 17% e 9%, respectivamente. Esse percentual elevado de pessoas relacionadas nessas categorias de IA, apenas reafirma a necessidade de se fazer algo, especialmente no âmbito das políticas públicas. Considerando-se que o acesso à alimentação representa uma questão de cidadania. E, também, compreender que essa é um direto humano básico e dever do Estado.

A pesquisa mostra ainda, que cerca de 9,5 milhões de pessoas moradoras em áreas rurais, vivem em domicílios com restrição quantitativa de alimentos, ou seja, em IA moderada ou grave e 3,4 milhões delas convivem com a experiência de fome18 (Figura 3).

(35)

Figura 3. Prevalência de situação de segurança alimentar em domicílios particulares, por situação do domicílio – Brasil, 2004.

Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-PNAD – Segurança Alimentar, 2006.

A figura 3 demonstra que a soma dos principais níveis de IA (moderada – 17% e grave – 9%), ou seja, 26% atingem a população do meio rural. A calamidade da fome não é apenas carência de alimentos. Josué de Castro mostrou a face mais cruel da fome, quando a definiu como “flagelo fabricado pelos homens contra outros homens”. Ele também foi além quando afirmou: “A fome age não apenas sobre os corpos das vítimas da seca, consumindo sua carne, corroendo seus órgãos e abrindo feridas em sua pele, mas também age sobre seu espírito, sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta moral” (CASTRO, 1967, p. 79).

Um fator irrefutável quando o tema é IA é a sua relação intrínseca com a pobreza. Sawaya, (2003, p.17) cita que “a pobreza urbana e a rural diferem bastante entre si. Essas diferenças precisam ser bem conhecidas para que intervenções adequadas possam ser efetivadas de forma a atuar nos problemas mais determinantes para o quadro de pobreza”.

A autora aponta algumas situações críticas às quais os agricultores do Nordeste rural, por exemplo, têm de superar: acesso a estradas para escoamento da produção agrícola, falta de crédito rural, secas que provocam fome sazonal, falta de acesso à água, pouca cobertura dos serviços de saúde etc. Às quais ainda acrescenta-se a precariedade de acesso aos alimentos em quantidade e qualidade. Estes são fatores determinantes para a condição de vida, estado nutricional e pobreza dessa população.

65,2

16 12,3

6,5 66,7

15,8 11,4

6

56,5

17,4 17 9

0 20 40 60 80 100

Em

%

Total Urbana Rural

(36)

sua condição de pobreza, mais números nos revelam o pior. Os dados levantados pelo Projeto Fome Zero calcularam que a população rural pobre do Nordeste representava 21% da população pobre do país (9,452 milhões de pessoas), em 1999 (INSTITUTO CIDADANIA, 2001).

Um outro relatório do Fundo Internacional do Desenvolvimento Agrícola – FIDA (2006), uma entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), cita que quase 80% dos habitantes rurais no Brasil, cerca de 30 milhões de pessoas, vivem em condições de pobreza. Para essa entidade, em muitos aspectos, os habitantes do meio rural são menos favorecidos do que os pobres que vivem nas áreas urbanas. As instalações de educação e saúde e os sistemas de água e saneamento são deficientes, geralmente, são inadequados. Além do acesso limitado à tecnologia e infra-estrutura.

Esse relatório cita ainda que o Nordeste é a região mais pobre e menos desenvolvida do Brasil e, por sua vez, contém a maior concentração de pobreza rural na América Latina. A confirmação desse panorama de miséria no meio rural foi recentemente descrito por Gomes da Silva (2006) quando esse autor afirmou que

é no campo que se encontram os maiores índices de mortalidade infantil, de incidência de endemias, de insalubridade, de analfabetismo e, que essa imensa pobreza decorre das restrições de acesso aos bens e serviços indispensáveis à reprodução biológica e social, à fruição dos confortos proporcionados pelo grau de desenvolvimento da sociedade” (GOMES DA SILVA, 2006; p. 161).

Uma outra metodologia foi proposta para definição de pobreza e extrema pobreza. Kageyama e Hoffmann 19 (2006) obtiveram como resultados

uma redução dos tipos de pobreza mais severa em todas as regiões do país.

19 Combinando a medida tradicional da extensão da pobreza baseada na renda com aspectos

(37)

Isso reflete provavelmente esses efeitos a longo prazo. Segundos esses autores, a distribuição regional da pobreza cresceu entre 1992 e 2004 nas regiões Norte e Nordeste. Nesta última, em 2004 concentrava 85% da extrema pobreza do país.

Se trouxermos essas análises ou mesmo a representação numérica para áreas classificadas como rural, esta provavelmente, concentraria a maior parcela. Mesmo considerando fatores como a maior densidade demográfica em espaços urbanos, as populações rurais possuem muito menos acesso às prestações de serviços básicos como saúde, educação e condições sanitárias. A renda per capita também é inferior, comparada com a da população urbana.

Gomes da Silva (2006, p. 173) relata, ainda, que a situação de pobreza das famílias rurais é exacerbada pela produção agrícola reduzida. As famílias classificadas como produtoras familiares têm dificuldades de acesso aos chamados instrumentos de políticas agrícolas, especialmente no que diz respeito ao crédito de custeio. Conforme esse autor, esse setor produtivo (principalmente o que se encontra no meio rural nordestino) “tem contribuído muito pouco, quando não ausente, para a consecução de níveis de produção que assegurassem, ao menos, o autoconsumo das famílias rurais”.

Segundo Bittencourt e Menezes (2002) um corte nesse mundo rural formado pelos estabelecimentos normalmente classificados como familiares demonstra que a pobreza atinge uma parte significativa de tais agricultores. Esses autores, também sugerem uma classificação geral como uma tentativa de separá-lo em grupos e tipologias:

1) agricultores familiares inseridos no campo da atividade econômica; 2) agricultores familiares descapitalizados ou em transição e;

3) o grupo constituído por “residentes” no espaço rural, assalariados agrícolas e não-agrícolas, minifundistas com produção voltada exclusivamente para o autoconsumo.

(38)

lembra que é no meio rural que a fome se abate com maior gravidade e, segundo esse autor, tal constatação pode converter-se num trunfo - o de que o aumento da oferta agrícola se transforme no fator decisivo de integração das populações mais atingidas pela fome na vida econômica e social do Planeta.

Certamente, as discussões acerca desse tema vêm, galgando esforços, especialmente, após as contribuições de Josué de Castro (apesar de reconhecer que o mesmo permaneceu, por alguns anos, “esquecido”). Ainda que sobre outras denominações como desnutrição, subnutrição, insegurança alimentar ou fome, não se pode esquecer que existem outras faces que emolduram essa terrível realidade e, como foi mostrado, o meio rural assume de forma involuntária, a complexidade das várias dimensões que o configuram, tanto da pobreza, quanto da fome.

Seguindo esse entendimento, Escoda (2003), ao refletir sobre esse drama social reafirma que a fome endêmica é explicada pela teoria da determinação social da doença e está nas origens e especificidades do processo de desenvolvimento. Tem como determinantes básicos as extremas desigualdades estruturais quanto à renda, terra, desenvolvimento regional, emprego, desenvolvimento científico e tecnológico.

Trazer à tona essa discussão parece ser mais uma tentativa de denunciar o flagelo da miséria que acomete impiedosamente essa população. No entanto, nesses últimos anos, o tema da fome, vem atraindo atenção dos mais diferentes segmentos da sociedade, isso porque se constitui em uma das mais sérias e óbvias manifestações da crise mundial. Mesmo assim, pode-se dizer que é difícil problematizar a “fome” e, mais difícil ainda é falar com os famintos, especialmente, àqueles julgados pela maioria, que possuem condições de plantar, colher e comer. Já que estes ocupam o espaço rural e “têm que fazer alguma coisa, não só esperar pelo governo”.

(39)

O pilar do conceito de SAN, que diz respeito à garantia ao acesso permanente em quantidade e qualidade de alimentos, serviu como principal foco de análise. Ao longo do tempo, o aspecto da acessibilidade traz importantes reflexões acerca da elaboração e implementação de políticas públicas, na tentativa de minorar a situação de fome no País.

Outro aspecto que foi abordado nessa pesquisa diz respeito à evolução das práticas alimentares, ou mesmo a evolução dos problemas a elas relacionados. Para isso, foi considerado o padrão alimentar familiar. Dessa forma, a SAN das famílias rurais voltada ao aspecto da relação de produção de alimentos destinados ao autoconsumo versus outras formas de aquisição de alimentos e, ainda das suas condições sócio-econômicas (especialmente de moradia) também foram pontos importantes de apreciação.

(40)

CAPÍTULO II

AGRICULTURA FAMILIAR FAVORECENDO A PRODUÇÃO PARA

O AUTOCONSUMO? realidade posta à mesa.

(41)

A relevância do debate da agricultura familiar como ferramenta importante para a manutenção da família, parte do princípio básico que a sua reprodução se constitui no autoconsumo. Em vistas do seu fortalecimento emergem outros debates de interesse social, especialmente no âmbito alimentar partindo do que trata a Lei Nº. 11.346 20

Essa lei apresenta no seu Art. 4º o seguinte esclarecimento acerca da SAN:

a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda (BRASIL, 2006).

Em outras palavras, é imprescindível considerar a estreita relação entre a promoção para a segurança alimentar e nutricional e a agricultura familiar. Isso porque a forma de organização social da produção de alimentos, em bases familiares, se constitui num ponto fundamental para sua execução. Desse modo, pode-se pensar essa relação sob dois aspectos principais:

a) o primeiro de aumentar as possibilidades de ampliar a parcela da população rural acessar alimentos em quantidade e qualidade e,

b) o segundo o de aumentar a disponibilidade de alimentos, também em quantidade e em qualidade para a sociedade em geral.

Porém, é importante considerar algumas categorias para compreender, de fato, sobre o mecanismo que atua na cadeia alimentar (produção l autoconsumo), especificamente, das famílias rurais, objeto de estudo dessa pesquisa.

2.1 Agricultura familiar: o debate inacabado

20

(42)

Quando o inverno é constante O sertão é terra santa Quem vive da agricultura Tem muito tudo que planta. A fartura e boa safra Todo pobre pinta manta.

(A vida sertaneja21 Antonio Batista Guedes)

Wanderley (2004) afirma que o Brasil apresenta uma realidade rural bastante diversificada e que existe uma possível ordem que favorece a compreensão desse meio rural brasileiro. A mesma categorizou como eixos norteadores de produção:

a) o primeiro refere-se ao lugar do campesinato na sociedade.

b) o segundo, por sua vez, trata da produção familiar frente à modernização da sociedade e da agricultura e que, segundo a autora, o conceito derivado de pequena produção foi deslocado pela noção mais apropriada de agricultura familiar.

c) já o terceiro eixo que contribui para o entendimento do rural aborda o significado tanto das fronteiras como lócus de gestação de utopias, como também geradora de frustrações da reforma agrária, deformada em projetos de colonização.

d) o quarto e último eixo norteador trata dos movimentos sociais agrários e sua capacidade de debater a reforma agrária.

Sendo assim, torna-se inevitável falar sobre o meio rural e não fazer referência ao que hoje se conhece por agricultura familiar. Muitos autores (Lamarche, 1993 e 1998, Wanderley, 2001, Abramovay, 1997, Germer, 2002, Bastos, 2004) consideram que o debate sobre agricultura familiar é relativamente recente no Brasil. Esse fato corrobora as inúmeras expectativas que existem tanto na academia como em outros campos que constroem a sociedade como movimentos sociais, instituições governamentais e não

21 In: CASTRO, J. GEOGRAFIA DA FOME – o dilema brasileiro: pão ou aço. Ed. 5ª. Editora O Cruzeiro. Rio

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governamentais, além de outros segmentos. Afinal, políticas públicas são formuladas e executadas pelo Estado conforme o que rege o conceito de agricultura familiar, seja no viés econômico, seja no viés de inclusão social.

Contudo, afirma-se que é extremamente difícil conceituar e definir, categoricamente, o que vem a ser agricultura familiar. Para Lamarche (1993, p.15) “corresponde a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família”. Já para Wanderley (2001, p.22), “a agricultura familiar é um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações específicas e particulares”. A autora compreende a agricultura familiar “como aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo” 22.

Tanto Lamarche (1993) quanto Wanderley (2001) concordam que não há uma ramificação direta do conceito de agricultura familiar, isto é, não há linearidade. Na verdade o que há é a possibilidade de coexistir em várias formas de produção familiar, desde o campesinato até a agricultura familiar. Estas mesmo estando inseridas no capitalismo, consideram comum nessas formas de produção a íntima relação no tripé constituído por trabalho, propriedade e família (Figura 4).

Figura 4. Esquema da relação das formas de produção.

Para Abramovay (1997) a terminologia agricultura familiar confunde e transforma em sinônimos de “produção de baixa renda”, “pequena produção” ou até mesmo “agricultura de subsistência”. Ou ainda, considera as grandes extensões territoriais trabalhadas por assalariados como a expressão mais acabada do desenvolvimento agrícola.

22

O agricultor familiar trabalha para si, com os seus e no que lhe pertence” (WANDERLEY, 2007).

Notas do curso: O mundo rural do Nordeste: questões para reflexão. TRABALHO

(44)

análise da questão agrária. Sobretudo no pensamento crítico brasileiro que, por sua vez, foi rapidamente substituído por teorias baseadas na hipótese da predominância da chamada produção familiar. O autor defende, ainda, que a agricultura familiar pode ser identificada sob dois aspectos diferentes:

1) o aporte teórico de Chayanov23 “que tendia a encarar a agricultura como espaço de uma produção ‘familiar’ entendida como tipo de uma organização produtiva dotada de uma lógica própria e por isso capaz de resistir à transformação capitalista” (GERMER, 2002, p. 47) e,

2) a seqüência cronológica no Brasil, a partir dos anos 70, que por sua vez, era baseada na tradição americana. O produtor familiar era visto como um empreendedor capitalista e arrojado “o homem da fronteira, o pequeno industrial inovador, representado na agricultura pelo farmer 24” (GERMER, 2002, p. 48).

São muitas as contribuições acerca desse conceito, daí a dificuldade de torná-lo acabado, ou ainda restringí-lo a uma só teoria. São muitas as versões que se complementam e, principalmente, auxiliam para uma compreensão mais complexa. Ainda assim, Bastos (2004), refletindo sobre as “agriculturas familiares”, traz uma análise do pensamento de muitos dos autores citados anteriormente e sintetiza que

a condição básica da sua existência é o controle real, por menor que seja de meios de produção, como da terra, sendo essa condição que permite minimamente um domínio sobre a produção, distinguindo-se dessa forma o camponês do assalariado, do trabalhador rural propriamente dito, que sobrevive apenas do salário (BASTOS, 2004, p. 08).

Categorizar agricultura familiar não é o propósito desse capítulo, mas sim de estabelecer uma relação entre essa forma de produção com o que se rege o principio básico de segurança alimentar: ter acesso a alimentos em

23 Chayanov (1966) argumenta que “na exploração agrícola familiar, a família, equipada com meios de produção, emprega sua força de trabalho no cultivo da terra, e recebe como resultado de um ano de trabalho certa quantidade de bens” (CHAYNOV, 1966. p. 137).

(45)

quantidade e qualidade. Atribuir tamanha responsabilidade a esse setor pode parecer que está, de fato, lhe conferindo proporções maiores que as reais.

Contudo, Maluf (2006) reforça essa assertiva usando os mesmos argumentos, quando afirma que o importante é saber que a agricultura familiar compõe um universo numericamente significativo de famílias rurais. Isso comprova que a agricultura, por si só, constitui importante componente de sua reprodução econômica e principal referência de identidade social, especialmente em se tratando de Brasil.

O mesmo autor ressalta que tal segmento enfrenta problemas de oportunidades desiguais em sua história de acesso e exploração da terra e de apropriação dos frutos de seu trabalho. O Brasil é, de fato, um país onde ainda se pode atribuir um papel relevante às famílias rurais e à agricultura familiar na construção de uma sociedade socialmente eqüitativa e ambientalmente sustentável.

De acordo com Schneider (2003), a discussão sobre a agricultura familiar vem ganhando legitimidade social, política e acadêmica no Brasil. E isso tem garantido a sua utilização com mais freqüência nos discursos dos movimentos sociais rurais, pelos órgãos governamentais e por segmentos do pensamento acadêmico, especialmente pelos estudiosos das Ciências Sociais que se ocupam da agricultura e do mundo rural.

Pode-se dizer, que a importância dada ao segmento da agricultura familiar não é recente. Contudo, são muitos os estudos que corroboram a assertiva de que apesar das dificuldades impostas a esse setor, cada vez mais o mesmo deixa de ser ator coadjuvante e passa a ser o ator principal, tanto no cenário nacional quanto no cenário mundial25.

Tal fato pode ser evidenciado nas agendas internacionais que tratam dos problemas de abastecimento, disponibilidade e acesso alimentar mundial com ênfase no combate à fome. No ano de 2006 o Dia Mundial da Alimentação

25 No Brasil a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006 estabelece as diretrizes para a formulação da

(46)

agricultura para garantir a Segurança Alimentar”.

No Brasil, esse tema sofreu uma pequena adaptação, uma vez que acrescentou o termo familiar à agricultura. Isso por entender que de fato, a maior parte dos produtores agrícolas é formada pelos agricultores “classificados” como familiares. E eles, também, tendem a ter acesso a uma alimentação precária ou inadequada, que lhes caracterizam como sendo a maior parcela da população sob risco de insegurança alimentar, como mostram os dados da Pnad (IBGE, 2004)27. Sendo assim, o tema proposto a ser

discutido durante a semana mundial da alimentação no Brasil foi: “Investir na agricultura familiar para garantir a Segurança Alimentar”.

Um outro fator que legitima a agricultura familiar como sendo um componente importante no cenário atual é a formulação de políticas públicas voltadas para garantir o seu fortalecimento. Pode-se dizer que, de modo geral, os governos vêm atuando nesse sentido, especialmente para este segmento no sentido de enfrentar este quadro. Como exemplo, pode-se citar as modificações feitas no Plano de Safra para a Agricultura Familiar 2003-2004. Concebido por um grupo interministerial a partir de indicação do Consea 28, e lançado pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril

de 2003.

O mesmo previu grande ampliação dos recursos operacionalizados por meio de linhas de crédito do Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf, que por sua vez teve suas linhas ampliadas. Aliado a esse plano o governo federal vem implementando o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) com o objetivo de garantir a comercialização da produção dos agricultores familiares e dos assentados da reforma agrária.

Muitos autores defendem que a tipificação da agricultura familiar deve ser cautelosa já que, principalmente no Brasil, dispõe-se de situações

26 O Dia Mundial de Alimentação de Alimentação é celebrado há 26 anos no dia 16 de outubro, com o

objetivo de estimular as discussões relacionadas à insegurança alimentar e nutricional que afetam centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro. No Brasil, comemora-se a semana nacional da alimentação.

27 Mais adiante será feita uma análise sobre esses dados.

(47)

bastante diversificadas. Tanto em relação aos sujeitos (agricultores), quanto aos meios de produção.

Uma forma simples de entender essa afirmativa trata, por exemplo, da compreensão do que vem a ser a “agricultura familiar” na região Sul do país – calcada quase que exclusivamente na experiência dos estabelecimentos familiares rurais – e do que vem a ser “agricultura familiar” para as regiões Norte e Nordeste do Brasil que dispõem de formas bastante peculiares de reprodução. Afinal, como refere Lamarche (1993, p. 334) “a agricultura familiar não é um elemento da diversidade, mas contém nela mesma, toda a diversidade”.

Em 1996, foi realizada uma pesquisa através da parceria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO (INCRA/FAO, 1996) e houve uma necessidade imediata de uma tipificação para os agricultores brasileiros. Os principais motivos giravam em torno da criação de uma metodologia de classificação desses grupos sociais para subsidiar a formulação de políticas públicas. Dessa forma, a posse e a gestão do espaço produtivo, bem como as análise das relações sociais de produção deu origem à diferenciação entre “agricultura patronal” e “agricultura familiar”.

Segundo o relatório a agricultura familiar passou então a ser definida por três características principais (INCRA/FAO, 1996):

1) a gestão da unidade produtiva e os investimentos são realizados por indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento;

2) a maior parte do trabalho é fornecida pelos membros da família; 3) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertence à família e é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de falecimento ou de aposentadoria dos responsáveis

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hectares (ha). E, 554.501 estabelecimentos, ocupando 240 milhões de ha, correspondem aos chamados agricultores patronais. Os agricultores familiares representam, 85,2% do total de estabelecimentos, ocupam 30,5% da área total. Esse relatório cita ainda, que a região Nordeste é a que apresenta o maior número de agricultores familiares, representados por 2.055.157 estabelecimentos (88,3%), os quais ocupam 43,5% da área regional.

Diante destes fatos fica evidente a relação desigual imposta ao ‘pequeno’ setor produtivo - leia-se agricultura familiar - por parte das grandes propriedades. Cada vez mais, os agricultores têm sofrido as conseqüências deste processo, especialmente aqueles, cujo volume produtivo é pequeno.

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Figura 1. O estado da insegurança alimentar no mundo.
Figura 3. Prevalência de situação de segurança alimentar em domicílios particulares, por
Figura 4. Esquema da relação das formas de produção.
Tabela 01. População residente por Estado por situação de   domicílio segundo os censos – 1991 e 2000
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Referências

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