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Política social e ajuste macroeconômico.

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Academic year: 2017

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Política social e ajuste macroeconômico

Social policy and macroeconomic adjustment

1 Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. nilson@ensp.fiocruz.br

Nilson do Rosário Costa 1

Abstract This paper analyzes responses by welfare states to globalization in some OECD coun-tries in the 1980s and 90s, demonstrating that the hypothesis concerning the dismantling of so-cial welfare systems cannot be proven due to lack of evidence of substantial changes in the fund-ing and selection of beneficiaries. The paper also focuses on the effects of internationalization of the Brazilian economy on the country’s social protection system. The conclusion is that restric-tions imposed on public expenditures severely limited the capacity to promote broad coverage in social policies. During the decade the option was made for targeted, selective social policies based on the adoption of a diagnosis of low effectiveness in the Brazilian social protection sys-tem. The case of health policy was an exception, due to capacity for interest mediation in the so-cial arena.

Key words Public Policy; Health Policy; Globalization

Resumo O objetivo do texto é fazer um balanço das respostas dos Estados de bem-estar social às mudanças provocadas pelo globalização nas décadas de 1980-1990. O texto mostra que a hipóte-se sobre o desmantelamento dos sistemas de bem-estar social não pode hipóte-ser comprovada por falta de evidências de mudanças substanciais nos mecanismos de financiamento e eleição de benefi-ciários. O texto focaliza também os efeitos do processo de internacionalização da economia bra-sileira sobre o sistema de proteção social do país. Conclui que as restrições impostas aos gastos públicos limitou severamente a capacidade em promover políticas sociais abrangentes. Verifi-cou-se na década, a opção por políticas sociais focalizadas e seletivas pela adoção do diagnósti-co da baixa efetividade do sistema de proteção social brasileiro. O caso da política de saúde foi uma exceção em razão da capacidade de intermediação de interesses na arena setorial.

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Introdução

Ao longo das décadas de 1980-1990, tornou-se quase consensual a hipótese sobre o estreita-mento das opções de políticas públicas de orien-tação nacional determinado pelos processos de globalização. Esses processos estariam sus-tentados pelo ritmo geométrico de crescimento das transações internacionais, com integração de mercados financeiro e comercial, e emer-gência de novos atores na cena interessados em políticas macroeconômicas de controle dos gastos públicos e focalização dos programas de proteção social.

Para esse diagnóstico, os Estados nacionais estariam mortalmente afetados na sua capaci-dade de implementação e coordenação políti-ca decorrente da crise fispolíti-cal em que estavam imersos nos anos 1980. A capacidade de ala-vancagem e investimento teria se deslocado para as agências de cooperação multilaterais e para o mercado financeiro internacional. Im-punha-se assim, a necessidade de estratégias cooperativas e a integração das economias na-cionais aos processos de globalização financei-ra pafinancei-ra a captação de poupança externa.

Em decorrência também do fortalecimento das orientações cosmopolitas ou pró-globali-zação do eleitorado e das elites dirigentes nas novas democracias, as coalizões nacional-de-senvolvimentistas teriam também ficado sem margem de escolha para as políticas públicas orientadas para o plano doméstico.

O estreitamento de espaço de manobra pa-ra as políticas de desenvolvimento de corte na-cional, levaria, quase que necessariamente, à adoção de mudanças nas funções do Estado pela privatização de empresas públicas de in-fra-estrutura, reforma administrativa com di-minuição do funcionalismo público dos gover-nos centrais, corte e seletividade de programas sociais, entre outros itens.

Nas economias centrais, a ameaça do pro-cesso de globalização apresentou uma outra feição: foi associada à crise do Estado de bem-estar social. A integração ao mercado globali-zado, combinada com as mudanças nas econo-mias nacionais, ameaçaram as funções do Es-tado pela tentativa de reversão das políticas universalistas de proteção social.

Este trabalho faz um balanço sucinto dos efeitos produzidos por esses processos sobre a institucionalidade das políticas sociais na dé-cada de 1990, no contexto das economias cen-trais e no Brasil. A primeira parte do texto des-taca a importância das conclusões apresenta-das por Pierson (1995, 2000), para explicar as saídas para a crise do Estado de bem-estar

so-cial nas economias centrais. O foco na discus-são das idéias do autor diferencia o texto de uma proposta de revisão exaustiva da literatu-ra sobre a crise do sistema de proteção social nas economias centrais. A segunda parte do trabalho introduz uma discussão ainda mais específica e ausente no debate nacional: a si-tuação da proteção social brasileira na década passada, frente aos processos de ajuste macroe-conômico. O propósito da discussão é o reco-nhecimento das limitações substanciais verifi-cadas nas funções do Estado brasileiro na área social, condicionadas pelas mudanças macroe-conômicas da década de 1990.

O debate sobre o desmonte do Estado

de bem-estar social da década de 1990

Pierson (1995, 2000) apresenta argumentos substantivos para rejeitar a hipótese do des-mantelamento do Estado de bem-estar social determinado pelas mudanças macroeconômi-cas conduzidas pela globalização na década de 1990. O autor assinala a diferença entre os sis-temas de proteção com benefícios sociais con-solidados – como o caso dos Estados de bem-es-tar social em relação a processos de ampliação da proteção social nas economias secundárias, como o caso brasileiro.

A consolidação dos Estados de bem-estar gerou as condições para a sustentabilidade elei-toral de coalizões social-democratas e socialis-tas, e a emergência de uma ampla rede de inte-resses composta por empregados do setor pu-blico, prestadores de serviços e beneficiários.

Nas décadas de 1980 e 1990 essa coalizão enfrentaria, com sucesso, as mudanças brutais na economia globalizada e na capacidade polí-tica do “trabalho organizado”, neutralizando os ataques conservadores às políticas públicas de natureza redistributiva e às funções do Estado nacional.

Para Pierson, a agenda da reforma do Esta-do nos anos 90 impunha, em vários casos, per-das tangíveis e concentraper-das para certos gru-pos de cidadãos eleitores e prometia benefícios difusos. Não pode demandar apoio eleitoral a nenhum grupo social majoritário no ambiente das democracias consolidadas, a não ser o da comunidade financeira.

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Pierson (2000) apresenta evidências para quatro países (Inglaterra, Alemanha, Suécia e Estados Unidos) de que as transferências para o seguro social mantiveram-se relativamente ni-veladas entre meados da década de 1970 e 1990. Os dados para as década de 1980 e 1990 pa-ra Fpa-rança, Alemanha, Itália, Suécia, Reino Uni-do e EstaUni-dos UniUni-dos mostram também o au-mento nas despesas médias nas áreas sociais como proporção do PIB (Tabela 1).

As despesas governamentais e o número de empregados no setor público não sofreram mu-danças significativas, exceto na proporção de empregados no governo nos Estados Unidos, em relação ao total de empregados.

Não ocorreu a adoção generalizada de polí-ticas públicas seletivas, baseadas em teste de meio para acesso a benefícios, na transferência de responsabilidade para o setor privado e mu-danças nas regras de definição de benefícios. A ampliação desses programas serviria, no limi-te, como evidência de reforma qualitativa nos mecanismos de elegibilidade, fortalecendo a opção de focalização.

O autor assinala que algumas políticas pú-blicas estreitaram as regras de elegibilidade ou reduziram os benefícios, principalmente os pro-gramas residuais, com baixo desempenho nos países onde a pressão sobre o déficit público foi mais severa. Entretanto, essas reformas foram mais de ajuste dos programas existentes do que a introdução de novos formatos pela foca-lização seletiva e pela mercantifoca-lização das con-dições de acesso.

A análise de Pierson levou também em con-ta as dimensões de natureza estrutural – redu-ção da produredu-ção industrial por inovaredu-ção tec-nológica, desemprego, ampliação da economia dos serviços, diminuição da população sindi-calizada e enfraquecimento eleitoral dos parti-dos social-democratas – que poderiam ter afe-tado de modo irremediável os arranjos dos Es-tados de bem-estar social.

Nesse ponto, é obrigatório referir a análise de Esping-Andersen (1997), que é menos oti-mista que os argumentos de Pierson porque assinala a existência de falhas estruturais no Estado de bem-estar social. Primeiro, Esping-Andersen identifica a falha do mercado (mar

-ket failure) afetando o sistema de bem-estar so-cial, isto é, o mau funcionamento do mercado de trabalho no novo contexto da sociedade pós-industrial produz uma sobredemanda nos sis-temas de proteção. Segundo, localiza as falhas específicas do arranjo institucional do Estado de bem-estar social (welfare state failure), que foi edificado tendo com referência uma ordem social congelada no tempo, sendo incapaz de

responder de modo totalmente adequado aos novos riscos e necessidades colocados pelas mudanças estruturais e demográficas da socie-dade contemporânea.

Para Esping-Andersen (1997), os sistemas de bem-estar social foram construídos para atender a uma economia dominada pela pro-dução industrial de massa. Na era do consenso keynesiano, não havia a explicitação do dilema entre seguridade social e crescimento econô-mico; entre igualdade e eficiência. Nos tempos atuais, esse consenso subjacente não mais exis-tiria: o crescimento não inflacionário por indu-ção da demanda em um único país parece im-possível; o pleno emprego teria de ser buscado pelo setor de serviços e não no setor industrial; a estrutura das famílias e o papel do provedor único masculino mudaram; a fecundidade de-clinou fortemente e os modos de vida torna-ram-se crescentemente não padronizados.

Essas mudanças teriam afetado de modo ir-remediável a inserção das economias nacionais no contexto da globalização dos mercados e, por conseguinte, a capacidade de responder ao problema da eqüidade por meio de políticas pú-blicas universalistas ou pela ampliação da pro-visão social.

Não há dúvida de que o pessimismo de Es-ping-Andersen desafia a capacidade da teoria política pensar as novas saídas para os processos estruturais de mudança na ordem capitalista.

O texto de Clayton & Pontusson (2000) re-toma os termos propostos por Esping-Andersen para questionar explicitamente as conclusões de Pierson. Para eles, os efeitos desruptivos das mudanças estruturais do capitalismo contem-porâneo diminuíram efetivamente a capacida-de do sistema capacida-de proteção social capacida-de perceber os novos riscos e necessidades da população pobre ou excluída pelos novos processos produtivos.

Tabela 1

Percentual médio de gasto social em relação ao PIB de países selecionados nas décadas de 1980 e 1990.

Países 1980-1989 1990-1998

França 24,33 28,47

Alemanha 20,82 25,82

Itália 20,83 24,78

Suécia 30,06 33,52

Reino Unido 20,20 25,00

Estudos Unidos 13,25 14,81*

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Os autores procuram demonstrar que teria um déficit na capacidade da política social com-pensar as desigualdades geradas pelo mercado em três dos quatro países de referência do tex-to de Pierson (2000) – Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Nesses países, os pobres esta-riam ficando mais pobres apesar dos sistemas de compensação por transferência de renda entre estratos de renda (Tabela 2).

Os autores chamam também a atenção, pa-ra o fato de que as tpa-ransferências de recursos para os pobres cresceram em ritmo menor do que a variação da riqueza nacional medida pe-lo PIB nos quatros países citados por Pierson (Suécia, Alemanha, Inglaterra e Estados Uni-dos) (Tabela 3). Esse descompasso estaria asso-ciado aos processos restritivos de eleição de be-neficiários pelos programas elegíveis por teste de meios, que teriam portanto aumentado a proporção de excluídos.

Essa relação não permite, entretanto, chegar a respostas conclusivas sobre o que teria acon-tecido com os programas seletivos no contexto do ajuste do Estado de bem-estar social. Te-riam eles adotado regras mais estreitas de ele-gibilidade por força de mudanças estruturais? Implementaram a redução nos benefícios, agra-vando a situação dos que mais perderam com as mudanças macroeconômicas nos anos 1980-1990, ou os processos de exclusão social con-temporâneos passam ao largo dos desenhos de intervenção social conhecidos? Aqui pode-se voltar a referência à falha do sistema de prote-ção social, nascido em uma ordem social data-da no tempo, que pode ser incapaz de respon-der com presteza aos novos riscos e necessida-des colocados pelas mudanças estruturais e de-mográficas da sociedade contemporânea. Cer-tamente, o desenvolvimento de estudos de ava-liação específicos podem ajudar a ampliar as respostas sobre essas questões.

Esses achados não desqualificam, na essên-cia, a proposta de Pierson: a recuperação da mediação das coalizões políticas nacionais no ambiente de ajuste macroeconômico. A capa-cidade de mobilização e veto das coalizões de beneficiários foi tomada como a variável cru-cial da sobrevivência dos Estados de bem-estar social. Ele não responde, de fato, sobre a capaci-dade dessas coalizões criarem saídas politica-mente robustas, que ofereçam um horizonte de sustentabilidade aos arranjos solidários atuais do Estado de bem-estar social frente às mudan-ças estruturais da economia por força de pro-cessos supranacionais. Porém, oferece cami-nhos muito interessantes para que seja repen-sada a relação entre a política e a economia.

A agenda social e o ajuste

macroeconômico no Brasil

nas décadas de 1980-1990

Para o Brasil, é necessário considerar com maior preocupação a hipótese de que a agenda social foi severamente constrangida pelas mudanças nas estratégias de desenvolvimento nacional com o alinhamento à internacionalização da economia na década de 1990. Nesse sentido, parece bastante consistente a tese defendida por Draibe sobre os dois ciclos de reformas das políticas sociais no Brasil: o que ocorreu nos anos 80, no quadro da instabilidade econômi-ca e da democratização, e o ciclo da segunda metade dos anos 90, pautado pela agenda da estabilização, reformas institucionais e conso-lidação democrática (Draibe, 2002).

O ponto controverso na formulação da au-tora é sobre o peso relativo do legado institu-cional do primeiro ciclo que “constituiria os fa-tores decisivos de particularização das orienta-ções e conteúdos das reformas recentes dos pro-gramas sociais brasileiros” (Draibe, 2002:1). Pa-ra ela, existiriam casos de relações tipo path dependency entre os dois ciclos. Seria, no en-tanto, mais cauteloso considerar que essa rela-ção tenha sido única no campo da saúde, o que torna muito mais complexa a avaliação do sig-nificado do segundo ciclo das políticas públi-cas sociais no Brasil.

Para compreender as mudanças decorren-tes das reformas do segundo ciclo, é necessário considerar a hipótese de Haggard & Kaufman (1992), sobre o estreitamento das opções de po-líticas públicas de orientação nacional nos anos 1980-1990, principalmente nas economias não desenvolvidas ou dependentes de financiamen-to externo. É impossível ignorar os efeifinanciamen-tos dos novos constrangimentos e condicionalidades macroeconômicas sobre a dinâmica da prote-ção social no Brasil.

Não há dúvida que a distinção das duas dé-cadas é útil porque, até o começo da década de 1990, as orientações para o ajuste tiveram uma difusão e incorporação residuais sobre as op-ções econômicas e engenharias institucionais brasileiras. As políticas de ajuste macroeconô-mico não desempenhavam um papel determi-nante no encaminhamento das decisões públi-cas. Esse comportamento brasileiro é explica-do pelo fato de que os países ofereceram, na década de 1980, respostas muito diferenciadas às proposições de integração subordinada à globalização.

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para o começo das reformas, que refletiu o grau diferenciado de urgência em responder às ini-ciativas de estabilização e ajuste; (ii) a capaci-dade de apoio político das coalizões políticas nacionais às orientações para o ajuste macroe-conômico em termos da consolidação e insti-tucionalidade; (iii) a capacidade administrati-va dos Estados em políticas específicas, objeto de reformas setoriais e (iv) o tipo de regime po-lítico, se democrático ou autoritário, que tenha patrocinado as políticas de estabilização e ajus-te. No caso brasileiro, o novo regime democrá-tico, estabelecido em 1985, certamente definiu uma agenda orientada para interesses domés-ticos que prevaleceu no país até o início da dé-cada de 1990.

No contexto da redemocratização dos anos 80, a economia brasileira resistia ao processo de difusão e aprendizado de orientações nor-mativas do ajuste macroeconômico. As deci-sões de política econômica respondiam com elevado grau de autonomia aos incentivos e condicionalidades em políticas, definidos pela comunidade financeira internacional. Entre 1979 e 1994 houve nove planos de estabilização, cinco moedas, cinco congelamentos de preços, vinte e duas propostas de renegociação da dí-vida externa e dezenove modificações nas re-gras de câmbio.

As várias tentativas de políticas de estabili-zação e ajuste macroeconômico produziram impactos residuais sobre o sistema de proteção social, e nos indicadores de acesso e utilização de serviços sociais. As tradições organizacio-nais das políticas setoriais e as exigências do sistema político democrático recém instituído, foram as variáveis institucionais que permiti-ram ao setor social uma impermeabilidade diante das bruscas alterações de cenários ma-croeconômicos.

Pode-se verificar que na década de 1980, não houve uma descontinuidade no crescimen-to da proteção social: foi expandido o gascrescimen-to pú-blico e adotados critérios universalistas para definição de direitos. Esse incremento na in-corporação de novas clientelas ao sistema de proteção social foi formalizado na Constitui-ção de 1988.

Com a instituição da estabilização proposta pelo Plano Real, em 1994, pode-se dizer que o conjunto de instrumentos e políticas econômi-cas de que é dotado o Estado, sofreu uma cen-tralização organizada com o objetivo de estabi-lizar os gastos públicos, com efeitos importan-tes sobre a inserção da economia no mercado global. Esse é um ponto muito importante para explicar a dinâmica da proteção social a partir de meados da década de 1990 no Brasil.

Tenta-tivas de planos anteriores esbarraram nesses impasses de ordem política interna, além de inconsistência técnica na confecção dos pró-prios planos e da falta de condições internacio-nais que viabilizassem o seu sucesso.

No novo cenário, a formulação sobre a pro-visão social estará diretamente associada à mu-dança do modelo de desenvolvimento integra-do à globalização da economia. Essas mudan-ças trariam a significativa diminuição do grau de liberdade das políticas orientadas para den-tro (modelo desenvolvimentista), e um maior esforço na busca de legitimação externa para garantir investimentos e créditos.

Para que essa política fosse atraente para os agentes externos, tornou-se necessário inicia-tivas políticas de austeridade fiscal sobre setor

Tabela 2

Porcentagem dos domicílios com renda menor que 40% da renda média em países selecionados pelo estudo de Pierson (2000).

Antes dos impostos Depois dos impostos e transferências e transferências

Suécia

1981 16,4 6,0

1992 20,6 3,8

Alemanha

1978 13,1 2,0

1989 14,1 2,4

Inglaterra

1979 20,0 3,1

1991 25,7 5,3

Estados Unidos

1979 18,8 10,6

1991 21,0 11,7

Fonte: Pierson (2000).

Tabela 3

Média de crescimento anual do gasto social total (a preços constantes), por indivíduo pobre (40% da renda média) e PIB real per capita, 1979-1992.

Gasto social/pobres PIB real per capita

Suécia 1981-1992 0,66 1,02 Alemanha 1978-1989 0,87 2,11 Inglaterra 1979-1981 1,63 1,87 Estados Unidos 1979-1991 0,81 1,23

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público não financeiro, exclusivamente asse-gurado por superávit primário do conjunto do setor público. Com isso, o país obteve entre 1994 e 2002, um expressivo êxito na estabiliza-ção dos gastos públicos para efeito de legitima-ção da economia brasileira no contexto da glo-balização financeira (Tabela 4).

Esse novo contrato estabeleceria os limites para as despesas sociais na década, e afetou duramente a capacidade de interferência dos arranjos institucionais da década de 1980 na dinâmica dos programas sociais. O caso da po-lítica de saneamento pode ser tomado como um caso exemplar das conseqüências práticas desse constrangimento (Costa, 1995).

Os grandes temas que dominaram a agen-da agen-da política pública a partir de então, seriam o incentivo à centralização e insulamento das políticas macroeconômicas, em especial da po-lítica monetária, pela autonomia do Banco Cen-tral em relação ao Executivo e ao Legislativo; o controle das despesas não financeiras do verno federal; a reforma administrativa do go-verno federal e gogo-vernos subnacionais; a priva-tização das atividades de prestação de serviços públicos; a liberação do comércio externo e ou-tras reformas orientadas para a abertura do mercado interno; e a adoção de políticas foca-lizadas e de proteção seletiva aos grupos mais vulneráveis aos processos de ajuste no modelo de desenvolvimento.

A agenda de integração intencional à dinâ-mica da globalização será extremamente bem sucedida na criação de coalizões majoritárias cosmopolitas para a implementação de uma

nova pauta de política macroeconômica. Essa reorientação da política de desenvolvimento aumentou a vulnerabilidade externa da econo-mia nacional, como mostra a evolução expres-siva da dívida pública líquida do país entre 1994 e 2002 (Tabela 5), mesmo considerando as receitas extraordinárias advindas do aumen-to da carga fiscal e das privatizações.

Ao longo da década de 1990, essa agenda será hegemônica na formulação das políticas nacionais e na decisão governamental para as áreas sociais de menor poder de mobilização de interesses e formulação de política, como o saneamento, a habitação e a educação.

Como o modelo de desenvolvimento orien-tado para dentro não conseguiu oferecer as res-postas imediatas para o alívio da dívida social, como prometido no contexto da abertura de-mocrática de meados de 1980, a nova agenda de política pública introduzirá um vasto núme-ro de inovações organizacionais no setor social. Pode-se afirmar que esse novo cenário não permitiu encaminhamento de soluções abran-gentes para as políticas sociais, em razão dos pressupostos aceitos para a integração da eco-nomia brasileira na globalização. Esses pressu-postos levaram negação da agenda universalis-ta em determinadas áreas sociais, a focalização de programas e o constrangimento ao financia-mento social.

O documento do governo federal para a área social Uma Estratégia para o Desenvolvi-mento Social(Presidência da República, 1996), ao enunciar que “o padrão de crescimento de industrialização protegida, conduzido pelo

Es-Tabela 4

Desempenho primário (evolução das receitas e despesas não-financeiras do setor público brasileiro – federal, estadual e municipal – em % do PIB). Brasil, 1994-2003.

Ano Desempenho primário

1994 5,04

1995 0,36

1996 -0,09 1997 -0,91

1998 0,01

1999 3,28

2000 3,55

2001 3,75

2002 3,53 (até agosto de 2002) 2003 3,75 (projeção)

Fonte: Banco Central e Jornal Valor (07/10/2002).

Tabela 5

Evolução da dívida pública líquida em relação ao PIB. Brasil, 1994-2002.

Ano Dívida pública líquida em % do PIB

1994 30,3

1995 30,8

1996 33,2

1997 34,3

1998 41,7

1999 49,3

2000 49,4

2001 53,2

2002 61,9

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tado e baseado na substituição de importações, deixou um complexo sistema de proteção so-cial” que seria parte de “um problema a ser en-frentado pela política social brasileira no futuro próximo” (Presidência da República, 1996:15), definiu uma agenda de fragilização ativa do le-gado desenvolvimentista-universalista.

O documento sublinhou os aspectos essen-cialmente regressivos do sistema de proteção social – incorporação progressiva e desigual de corporações profissionais, gastos elevados, cen-tralização administrativa, escasso controle de-mocrático, ineficiência operacional e concen-tração dos benefícios nos grupos de maior ren-da – e o considerou como simples expressão de “uma rede complexa de interesses e de direitos adquiridos, envolvendo políticos, funcionários, fornecedores e beneficiários privilegiados” (Pre-sidência da República, 1996:15).

A agenda definiu que a reestruturação des-se sistema des-seria por meio da (i) descentraliza-ção, (ii) elevação do controle público, (iii) ra-cionalização dos gastos, (iv) aumento da efi-ciência alocativa, (v) melhoria de qualidade, (vi) ampliação da cobertura universal e (vii) au-mento do impacto redistributivo.

No entanto, essa reestruturação seria su-bordinada a duas soluções macro políticas cru-ciais, que neutralizaram os objetivos de eficiên-cia e a preocupação com os mais pobres: (i) a

garantia das condições de estabilidade macroe-conômica para realizar a reforma do Estado e retomar o crescimento econômico – “sob as no-vas condições de abertura da economia e eleva-da competição” (Presidência da República, 1996: 19); (ii) a concentração do esforço e da atenção nos serviços básicos sociais de vocação univer-sal: educação, saúde, previdência social, habi-tação e saneamento básico, trabalho e assis-tência social.

O governo está comprometido com a rees-truturação e reforma profunda desses setores com o objetivo de eliminar os desperdícios e au-mentar a eficiência desses setores,promover a descentralização, universalizar sempre que ne-cessário e legítimo, sua cobertura e, sobretudo, reestruturar benefícios e serviços para aumen-tar seu impacto redistributivo” (Presidência da República, 1996:19 – grifos no original).

Parece evidente que a estabilidade econô-mica com integração externa, ofereceram as condições necessárias e suficientes para a rees-truturação do sistema de proteção social pelas restrições impostas à disponibilidade de finan-ciamento do setor público, como mostram as Tabelas 6 e 7.

As políticas sociais brasileiras foram cons-trangidas (i) pela estabilização dos recursos em determinadas áreas sociais em patamar extre-mamente baixos; (ii) pela redução em termos

Tabela 6

Gasto social federal: comparação entre despesa financeira e despesa não-financeira.

Descrição 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Gasto social/despesa financeira 0,57 0,59 0,70 0,67 0,46 0,36 Gasto social/despesa não-financeira 0,58 0,61 0,62 0,60 0,63 0,62

Fonte: IPEA (2000).

Tabela 7

Gasto social federal: comparação com o PIB.

Itens 1993 1994 1995 1996 1997 1998

PIB total (em R$ milhões correntes) 14.097 349.205 646.192 778.820 868.159 901.898 Gasto social federal (em R$ 1.698 42.530 80.259 92.290 105.681 114.533 milhões correntes)

Participações relativas (%) gasto 12,0 12,2 12,4 11,8 12,2 12,7 social federal/PIB

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absolutos dos gastos sociais em áreas críticas, como assistência social e educação (Tabela 8); (iii) pela oscilação na disponibilidade financei-ra líquida em áreas estfinancei-ratégicas pafinancei-ra o bem-es-tar social, como no caso da saúde, mostrado por Piola & Biasoto (2001).

As políticas públicas sociais foram conside-radas na década de 1990, um obstáculo à aber-tura comercial e financeira do país a ser rees-truturado por meio de políticas focalizadas e seletivas. Os constrangimentos financeiros que estabilizaram os gastos em patamar crítico, em alguns setores chaves, decorreram da aceitação equivocada da atuação regressiva e da baixa efe-tividade do sistema de proteção social construí-do nas décadas passadas. Em decorrência des-se diagnóstico, a estabilização macroeconômi-ca afetaria severamente alguns setores, como o saneamento e a habitação, onde é verificável evidências de focalização dos programas so-ciais na experiência brasileira dos anos 1990.

Nos setores de política social, onde coali-zões de interesses tiveram capacidade de mo-bilização e de acomodação de interesses, como foi o caso da saúde, lembrado por Draibe (2002), a governança setorial teve sucesso na estabili-zação dos gastos públicos federais, sem alterar os fundamentos da proposta da universaliza-ção pela descentralizauniversaliza-ção. Nesse caso, a uni-versalização parecer ter sido mais efetiva em assegurar o acesso dos grupos mais pobres aos benefícios da política de saúde, ainda que man-tendo padrões muito elevados de desigualdade entre os estratos renda (IBGE, 2000).

Em resumo, a primeira parte do texto apre-senta os argumentos que negam a hipótese do desmantelamento dos sistemas de bem-estar social das economias centrais por falta de evi-dências de mudanças substanciais nos meca-nismos de financiamento e eleição de benefi-ciários.

Na segunda parte, o texto problematiza so-bre os efeitos do processo de internacionaliza-ção da economia brasileira no sistema de pro-teção social do país. Conclui que as restrições impostas aos gastos públicos podem ter limita-do severamente a capacidade de promover po-líticas sociais abrangentes. Verificou-se na dé-cada, a opção por políticas sociais focalizadas e seletivas pela adoção do diagnóstico da baixa efetividade do sistema de proteção social bra-sileiro. O caso da política de saúde foi uma ex-ceção em razão da capacidade de intermedia-ção de interesses na arena setorial.

Nas economias centrais, uma coalizão de partidos social-democratas, burocracia públi-ca e beneficiários enfrentou com sucesso as mudanças brutais na economia globalizada e na capacidade política do “trabalho organiza-do”, neutralizando os ataques conservadores às políticas públicas de natureza redistributiva e às funções do Estado nacional.

A grande interrogação para o caso brasilei-ro é saber quais são as possibilidades de fazer esse mesmo caminho, considerando o elevado grau de vulnerabilidade da economia brasilei-ra, aprofundada na década de 1990 pela aceita-ção do diagnóstico da crise do Estado nacional,

Tabela 8

Gasto social federal per capitapor área de atuação (valores em Reais de dezembro/1999).

Área de atuação 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Educação e cultura 58,3 72,8 66,9 60,1 56,4 57,1 Saúde 97,0 107,4 134,9 114,0 134,7 115,5 Alimentação e nutrição 3,7 6,2 4,3 7,4 6,4 8,0 Saneamento e proteção meio ambiente 6,0 3,2 1,5 5,6 6,3 5,6 Previdência social 289,9 281,0 338,3 356,3 381,1 411,5 Assistência social 20,4 8,8 9,9 10,2 16,8 17,7 Emprego e defesa do trabalhador 20,0 18,9 28,5 32,0 32,3 39,9 Organização agrária 3,5 4,6 10,6 9,6 11,9 12,8 Ciência e tecnologia 2,3 3,0 3,0 2,7 3,2 2,0 Habitação e urbanismo 7,3 5,6 2,6 6,2 7,2 7,3 Treinamento de recursos humanos 0,4 0,3 0,3 0,1 0,1 0,0 Benefícios a servidores 109,5 143,6 164,3 166,0 173,4 175,4 Total de gasto social 618,2 655,3 765,1 770,1 829,8 852,8

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Referências

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Recebido em 15 de maio de 2002

Referências

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