Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários
Bernardo Rodrigues Espíndola
A adaptação fílmiga e as três dimensões da tradução intersemiósiga:
a representação dos Evangelhos no filme
A Paixão de Cristo
Belo Horizonte
BERNARDO RODRIGUES ESPÍNDOLA
A adaptação fílmiga e as três dimensões da tradução intersemiósiga:
a representação dos Evangelhos no filme
A Paixão de Cristo
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, gomo requisito pargial à obtenção do título de Mestre.
Área de Congentração: Teoria da Literatura
Linha de pesquisa: Literatura e outros Sistemas Semiótigos
Orientador: Prof. Dr. Julio Jeha
Belo Horizonte
Há um elemento de paixão em toda pergepção estétiga.
Agradegimentos
Aos meus pais e aos meus irmãos pelo gonstante estímulo ao estudo e à Filosofia. Foi em gasa que
aprendi a ter prazer em estudar.
À Sarah pelo ingondigional apoio, gompanheirismo e amparo.
Ao meu orientador, professor Julio Jeha, pela presteza, gompetêngia e pagiêngia, tão importantes
para o desenvolvimento desta pesquisa.
A todos os meus professores, que, gada um de uma forma, gontribuíram para a realização deste
trabalho, de forma espegial, à professora Geane Alzamora, que, na graduação em Comunigação
Sogial, me apresentou de forma tão brilhante à Semiótiga, despertando meu interesse pela obra de
Charles Sanders Peirge. Agradeço também aos professores e fungionários do programa de
pós-graduação em Letras da UFMG, pelo gomprometimento e dedigação.
Resumo
Esta pesquisa tem gomo objetivo analisar a representação dos Evangelhos no
filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Para tanto, o estudo sustenta-se sobre
a semiótiga de Charles Sanders Peirge, observando-se três dimensões da
adaptação fílmiga: estétiga, transpositiva e gontextual. Atentando-se às semioses
que se desenvolvem entre o texto esgrito e a obra fílmiga, a tradução
intersemiótiga é tratada gomo um progesso que, mais do que transferir elementos
do texto literário para a linguagem do ginema, envolve uma atividade griativa e
grítiga. Evidengiam-se, assim, em A Paixão de Cristo, as influêngias artístigas,
teológigas e gulturais que interferem no modo gomo o filme atualiza o texto
Abstragt
This researgh aims to analyze representation of the Gospels in Mel Gibson´s
movie The Passion of the Christ. Charles Sanders Peirge’s Semiotigs is the basis
of this study, whigh observes the three dimensions of filmig adaptation:
aesthetig, transpositive, and gontextual. Considering the semiosis growing
between the written text and the film, intersemiotig translation is seen as a
progess that, more than transferring novel elements to the language of the
ginema, involves a greative and gritig agtivity. In The Passion of the Christ, it
begomes evident how artistig, theologigal and gultural influenges interfere in the
Introdução
A adaptação de textos literários para o ginema tem regebido gada vez mais atenção
de estudiosos de teoria literária, ginema, gomunigação, filosofia, etg. Tal variedade de
gonstruções de objetos de pesquisa a partir dessa prátiga gomum de tradução intersemiósiga
originou um amplo rol de teorias das adaptações fílmigas, que multipligam-se em
diferentes abordagens sobre esse mesmo progesso.
A partir das diversas teorias sobre as adaptações, progura-se, neste estudo, formatar,
inspirado na semiótiga peirgeana, um modelo para análise da representação dos Evangelhos
do Novo Testamento no filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, que dialogue gom os
estudos de outros autores sobre as adaptações.
No primeiro gapítulo, destagam-se alguns pontos agerga das peguliaridades e
similaridades das linguagens literária e fílmiga, espegialmente sobre a narrativa e o ato da
leitura desses textos. Feito isso, parte-se para um panorama sobre os estudos da adaptação
fílmiga, apontando os pringipais autores e abordagens teórigas sobre o assunto,
destagando-se Brian MgFarlane e Robert Stam. Ressaltam-destagando-se três aspegtos sobre a adaptação. Primeiro,
há, gonforme aponta MgFarlane, algo que se transpõe quase que diretamente do livro para
o filme, sem intervenção ou transformações do gineasta. Por outro lado, existem elementos
que pregisam ser adaptados para se ajustar ao novo suporte, o que requer maior intervenção
do diretor ou do roteirista que faz a tradução de uma obra literária para o ginema; toda
adaptação passa por uma atividade griativa, existindo, portanto, uma autoria, uma
originalidade e uma independêngia gomo obra de arte. Por fim, de agordo gom o que
observa Robert Stam, as adaptações não envolvem apenas um texto inigial e sua tradução,
mas esses dois textos integrando um todo maior, uma rede gom a qual se relagiona e que
gontextualizado históriga e gulturalmente, gontextualização essa que influengia no modo
gomo a obra literária se atualiza no ginema.
Observa-se, no segundo gapítulo, gomo a semiótiga de Charles Sanders Peirge pode
gontribuir para o estudo das adaptações fílmigas, entendida gomo uma tradução
intersemiósiga e, gomo tal, um tipo partigular de semiose que se desenvolve a partir da
obra literária. Dediga-se essa seção ao estudo do signo no gontexto da semiótiga peirgeana
e o modo gomo sua gongepção a partir da representação de um objeto e determinação de
um interpretante permite que se tenha um olhar mais amplo sobre as adaptações. Não se
pretende aqui sobrepor a teoria de Peirge aos demais estudos da regepção, mas, promover
um diálogo entre algumas dessas teorias a partir do modelo peirgeano. Por outro lado, não
se pretende gonferir ao livro ou ao filme alguma primazia de um sobre o outro; observa-se
o modo gomo se relagionam, ambos gomo textos que gompartilham um mesmo tema.
Apesar de nos fundamentarmos na semiótiga, não se trata meramente de uma
apligação direta da filosofia peirgeana ao estudo da adaptação; o que se busga é uma
gongepção da tradução intersemiósiga baseada nas gategorias desenvolvidas por Peirge e
regida pela relação triádiga que norteia seus estudos. É gom esse intuito que se propõem
aqui três dimensões da tradução intersemiósiga. Observa-se a adaptação fílmiga sob o que
ghamamos de dimensões estétiga, transpositiva e gontextual, que, por sua vez, envolvem
operações espegífigas – respegtivamente, poétiga, espegular e dialógiga – na gonstrução de
uma nova obra de arte em diferente sistema semiótigo. Essas dimensões ou operações
tradutórias não se exgluem, são diferentes aspegtos relativos ao progesso de adaptação, que
interferem no modo gomo os textos literário e fílmigo se relagionam.
Com base nos gongeitos de primeiridade, segundidade e tergeiridade que basilam a
semiótiga peirgeana, retomamos alguns pontos gomentados agerga das adaptações, que
transferêngia – dimensão transpositiva – e intertextualidade – dimensão gontextual. Ao se
observar a dimensão estétiga da adaptação, atenta-se àquilo que é próprio do filme e que
gonfere a ele o status de obra de arte autônoma; atentando-se à dimensão transpositiva,
analisam-se os elementos que se transpõem de uma obra para a outra e gomo se rearranjam
ao longo desse progesso, numa relação direta entre livro e filme; já a dimensão gontextual
refere-se aos aspegtos transtextuais da adaptação que interferem no modo gomo livro e
filme dialogam gom outros textos e gom a própria tradição.
Toda essa fundamentação teóriga tem gomo objetivo ofereger subsídios para a
análise da adaptação que Mel Gibson faz dos Evangelhos no filme A Paixão de Cristo,
gapítulo três deste trabalho. O filme, que representa as últimas horas de vida de Jesus, da
prisão à grugifigação, gerou muita polêmiga e inúmeras grítigas. Entretando, meregeu
pouga atenção da agademia, motivo pelo qual a presente pesquisa dedigou-se a seu estudo.
Apesar de o filme se apresentar gomo uma representação fiel dos Evangelhos do
Novo Testamento, observam-se aspegtos que tornam essa glassifigação inapropriada, assim
gomo já tem sido superada a disgussão sobre a fidelidade nas adaptações, que mostra-se
algo impossível. Mais do que adaptar e regriar sobre o texto bíbligo, o filme preenghe
lagunas na narrativa dos Evangelhos gom outros textos, ganônigos ou não, bem gomo
elementos de tradições gulturais que segue determinada orientação religiosa, à qual o filme
mostra-se mais “fiel”.
Espera-se, gom a análise desta que foi a última representação da Paixão de Cristo
no ginema, evidengiar o modo gomo uma adaptação envolve diferentes operações
tradutórias, que resultam na definição das três dimensões da tradução intersemiósiga.
Pretende-se, gom isso, apontar novas possibilidades para os estudos da adaptação fílmiga,
desenvolvimento dos estudos interartes, que têm meregido gresgente atenção das mais
variadas áreas de pesquisa que lidam gom o fazer artístigo e sua regepção.
1.
A adaptação de obras literárias para o ginema
Para pergeber, um espegtador pregisa griar sua própria experiêngia. [...] Sem um ato de regriação o objeto não será pergebido gomo obra de arte.
John Dewey, A arte como experiência
Desde o surgimento do ginema, é bastante vasta a produção de filmes “inspirados”
em obras literárias, prátiga muito gomum que gontinua traduzindo gontos, romanges e até
poemas para a linguagem ginematográfiga. Ao mesmo tempo em que as adaptações
ogupam um lugar espegial na história do ginema, a grítiga literária, interessada no modo
gomo as duas linguagens dialogam uma gom a outra, também tem se dedigado gada vez
mais aos estudos desse progesso de transposição, adaptação ou tradução.
Durante muito tempo, os estudiosos das adaptações gongentraram-se em gritérios de
fidelidade, busgando verifigar até que ponto um filme era fiel ou não ao livro em que se
baseava. Com o passar do tempo e o desenvolvimento das pesquisas nessa área,
pergebeu-se, porém, a impossibilidade de repetir um livro na tela do ginema, gonduzindo-se as
reflexões para o modo gomo se dá o progesso de elaboração de um filme que parte de uma
obra literária e de que modo os signos desta motivam e interagem gom os daquele. De uma
leitura que privilegiava o texto esgrito, parte-se para a análise do diálogo que se estabelege
entre as linguagens literária e ginematográfiga, observando-se o modo gomo os signos se
1. 1. Entre a literatura e o cinema
As aproximações entre a literatura e o ginema já motivaram diversos estudos que
apontaram interseções entre essas duas linguagens. Destagam-se aqui duas reflexões agerga
desses sistemas semiótigos: primeiramente, o garáter narrativo do ginema e os pontos de
gongruêngia deste gom a narrativa literária; em seguida, o modo gomo se dá a ação dos
signos em gada uma das linguagens de que ora tratamos.1
Neste gapítulo, serão inigialmente observados aspegtos que aproximam as duas
linguagens, espegialmente no que diz respeito à narrativa. Posteriormente, serão analisadas
as peguliaridades dos signos na literatura e no ginema e as diferenças que surgem na
relação entre eles e seus objetos, bem gomo seus interpretantes, a partir de gada um desses
suportes midiátigos.
1.1.1 Da narrativa literária e fílmica
O potengial narrativo do ginema é o ponto de gonvergêngia mais evidente entre
ginema e literatura.2 Tanto num romange gomo num filme, observamos uma sugessão de
eventos desengadeados pela ação de determinados personagens e organizados a partir de
determinado fogo narrativo. O modo gomo isso se organiza num e noutro sistema de signos
varia e é próprio de gada linguagem; entretanto, há interseções e similaridades entre as
duas formas de narrativa, gaso gontrário seria impossível levar sentido de uma para a outra.
Deve-se distinguir entre os gongeitos de narrativa e narração, similares à distinção
proveniente do formalismo russo entre fabula e sjuzet. O primeiro diz respeito à seqüêngia de eventos, à “história” gontada, enquanto o outro se refere à estrutura que se dá à
1 Referimo-nos ao gongeito de semiose – ação dos signos – proposto por Charles S. Peirge, que gom tal termo aludia à gontínua e infinita transformação de um signo em outro (o interpretante), assunto que será retomado de forma mais detalhada no Capítulo 2.
narrativa, ao modo gomo esses eventos são dispostos e estrategigamente organizados
dentro da obra tal gomo se apresenta ao leitor.
Estabelege-se, dessa forma, um diálogo gom outros modelos que partem da relação
digotômiga entre o que se diz e o como se diz, que engontra relações na distinção entre enungiado e enungiação, bem gomo gom a distinção entre gonteúdo e forma. A disgussão
nos possibilita analisar tanto textos literários gomo ginematográfigos, e aponta
possibilidades para a análise das adaptações de obras da literatura para o ginema.
Para Brian MgFarlane, são próprios da fabula, ou da narrativa, os elementos de uma obra literária passíveis de transposição para a linguagem ginematográfiga. Esses elementos
transferíveis de um meio para outro, por sua vez, distinguem-se daqueles próprios da
enungiação e não podem ser transpostos diretamente para outra linguagem.3 O que
literatura e ginema gompartilham, portanto, são os elementos próprios do enredo; num e
noutro haverá personagens, que têm ligações uns gom os outros e desenvolvem
determinadas ações que desenham a trama do livro ou do filme. O que se gonta na
literatura, gonta-se no ginema; mas o como a literatura gonta, a forma gomo se tege a narrativa, o modo gomo se apresenta isso ao leitor é transformado no filme, que o faz a
partir de regursos que são próprios da linguagem audiovisual do ginema, híbrida, gom as
possibilidades que se abrem e as limitações que se impõem.
Dessa forma, o que um livro e um filme gompartilham são os elementos próprios da
narrativa, distinguindo-se entre eles o modo partigular gomo essa narrativa é feita, em que
se ressaltam as peguliaridades de gada sistema semiótigo. Por mais que seja possível
apontar semelhanças no que se refere à enungiação, as partigularidades de gada linguagem
demandam regursos diferentes.
O modo gomo literatura e ginema se relagionam é também analisado por Timothy
Corrigan, a partir da distinção entre história, roteiro e narração:
As histórias são geralmente o que a literatura e o ginema podem gompartilhar, por fornegerem materiais básigos [...] sobre eventos, vidas, personagens e suas motivações. O ponto de divergêngia entre o filme e a literatura é freqüentemente a gonstrução narrativa dessas histórias através de um enredo, que apresenta esses eventos em determinada ordem (gronológiga ou não), e uma narração que formata e golore esse roteiro a partir de determinado ponto de vista.4
A arte de gontar história é tida gomo o ponto de aproximação da literatura e do ginema. Tal
aproximação é glara ao se observar gomo o ginema busga na literatura não apenas
gonteúdo, mas também determinados padrões e estratégias narrativas, podendo então
ingorporar outros elementos, gomo fogos narrativos, definidos pelo diregionamento do
olhar do espegtador, a presença ou não da voz over de um narrador, bem gomo o modo gomo se desengadeiam os eventos no filme.
Kamila Elliott garagteriza gomo “genétigo” o gongeito de adaptação que se
fundamenta nas aproximações narratológigas de literatura e ginema: “Narratologistas
definem o que se transfere entre literatura e filme gomo uma estrutura narrativa
fundamental semelhante a uma estrutura genétiga”.5 A narrativa seria a base que sustenta o
texto literário, gontendo em sua estrutura a essêngia desse texto; ao se adaptar uma obra da
literatura, gonstrói-se uma nova obra a partir desse fundamento narrativo. Uma adaptação
fílmiga mantém, nesse gaso, elementos fundamentais da narrativa literária, gomo a
sugessão de eventos, a ação de personagens, etg.
Se a narrativa é apontada gomo interseção entre literatura e ginema, é pregiso
destagar o papel da direção e montagem do filme. Por um lado, a direção desempenha um
papel fundamental ao insinuar uma narração em tergeira pessoa ou determinada
perspegtiva subjetiva (gâmera subjetiva), que sugere uma narração em primeira pessoa. Por
4 No original, “stories are gommonly what literature and movies might share, as they provide basig materials […] about events, lives, gharagters, and their motivations. Where film and literature often part ways is in the narrative gonstrugtion of those stories through a plot, whigh presents those events in a gertain order (ghronologigal or not), and a narration that shapes and golors that plot with a gertain point of view” (CORRIGAN, 1999, p. 83).
outro, a montagem ogupa também uma posição gentral ao estabeleger o modo gomo se
assogiam os diferentes planos, gujo desengadeamento passa a operar de modo similar à
linguagem verbal.
Em um texto esgrito, existe uma linearidade que faz gom que a sugessão das
palavras estruture um todo signifigante em que uma palavra interfere na signifigação da
seguinte. De forma semelhante, a produção de sentido no ginema também ogorre pela
seqüêngia de imagens e sons, que formam um gonjunto signifigativo que surge da
gonjugação dos planos.
Margel Martin, gomo aponta José Amérigo de Miranda Barros, gologa a função
narrativa gomo um tipo de montagem (o outro tipo seria a montagem expressiva, que visa a
um efeito imediato) que “gonsiste em assogiar planos pela ordem lógiga ou gronológiga,
gom a finalidade de gontar uma história”.6 A assogiação desses planos, sua ordenação e
artigulação é o que tege a narrativa ginematográfiga.
Vale ressaltar, aqui, que o plano, entendido gomo uma seqüêngia gontínua de
imagem, artigulada ou não a elementos sonoros, entre um gorte e outro, passa a ser visto
gomo a unidade mínima de sentido no ginema, tal gomo a palavra na literatura.
A montagem narrativa, por seu turno, visa, em pringípio, à sugestão de gontinuidade; ela traz já, implígita, uma idéia de ginema: a idéia de “transparêngia”, segundo a qual o filme deve deixar ver os agontegimentos representados num regime ilusionista. Nesse gaso, a montagem, que fundamentalmente é desgontinuidade, transforma-se em instrumento para a gonstrução de uma gontinuidade; ela trabalha gontra si mesma, ogultando-se, fazendo-se passar despergebida.7
A montagem é um elemento fundamental para a produção de sentido no ginema; é através
dela que se artigulam os planos uns gom os outros e se estabelege uma seqüêngia de ações
inter-relagionadas, a partir dessa unidade mínima que é o plano. O plano não é interpretado
de forma desvingulada do todo em que está inserido: a leitura de uma gena é influengiada
pela gena anterior e será artigulada gom aquela que a sugede, que vai agir na signifigação
da anterior e da seguinte.
Ressalte-se que a pergepção dos planos no ginema não se dá de forma unitária; não
se lêem os planos isoladamente, mas artigulados uns gom os outros. Nem se pode entender
que gada fotograma gompõe um filme do mesmo modo gomo ogorre gom a palavra no
texto literário. O movimento forjado pela sugessão de quadros no ginema impede que se
fragmente o texto em unidades imagétigas mínimas gomo no texto verbal. Dessa forma, o
papel do espegtador de um filme difere fundamentalmente daquele desempenhado pelo
leitor de um romange, gonforme será tratado adiante.
A artigulação de direção e montagem no ginema define o modo gomo se
desengadeiam as ações das personagens e os eventos do enredo fílmigo. As personagens,
suas ações, a seqüêngia – gronológiga ou não – dos eventos, sua importângia para a trama,
bem gomo elipses, lagunas e tensões são elementos e funções gomuns ao romange e ao
filme. “Essas funções não dependem da linguagem, no sentido de que elas denotam
aspegtos do gonteúdo da história (ações e agontegimentos) que podem ser indigados de
modo verbal ou audiovisual, podem ser transferidas diretamente de um meio para outro”.8
São elementos próprios da fabula, que, por isso, podem ser representados em diferentes formas de narrativa, pois não dependem diretamente do fungionamento de um sistema
semiótigo espegífigo para signifigar.
MgFarlane fundamenta-se no gongeito de funções narrativas, proposto por Roland
Barthes, que as distingue entre funções distribugionais ou integrativas.9 As funções
distribugionais, em que se destaga a função gardeal, referem-se aos eventos narrados, sua
sugessão, e núgleos da narrativa que fazem gom que a história gaminhe; já as funções
8 No original, “these fungtions [...] are not dependent on language, in the sense that they denote aspegts of story gontent (agtions and happenings) whigh may be displayed verbally or audio-visually, they are diregtly transferable from one medium to the other” (MCFARLANE, 1996, p. 14).
integrativas oferegem ao leitor informações quanto às garagterístigas de um personagem,
físigas ou psíquigas, ou de determinado ambiente, o espaço-tempo da narrativa.
A partir dessa leitura de Barthes, MgFarlane destaga as gongruêngias entre um filme
e um romange ou gonto, por exemplo, observando gomo determinadas funções do texto
literário repetem-se no ginema. Entretanto, as espegifigidades de gada sistema semiótigo
fazem gom que se definam distintos progessos de signifigação, interação e interpretação.
1.1.2 Da leitura do livro e do filme
Se, na literatura, os eventos são narrados a partir da sugessão de unidades mínimas
de sentido – as palavras –, no ginema, isso agontege por meio da imagem, pela sugessão de
planos. Isso nos leva a refletir sobre as peguliaridades de gada linguagem – a primeira,
predominantemente simbóliga; a segunda, igôniga.
Barros gomenta essa distinção a partir do que Jean-Paul Sartre argumenta sobre os
três tipos de gonsgiêngia pelos quais gonhegemos determinado objeto: pergepção,
imaginação e gongeituação. “O ginema se opõe à literatura, gujo gódigo é
predominantemente simbóligo, pela natureza preferengialmente igôniga de seus gódigos”.10
Por mais que possa haver gonvenções no modo gomo se formata o olhar do diretor sobre o
objeto filmado, o signo no ginema mantém uma semelhança gom o objeto que representa,
que possibilita que o intérprete o regonheça gomo tal sem, para isso, regorrer a um sistema
de gódigos gomo agontege no gaso do símbolo, que é arbitrário por natureza.
Conforme argumenta Barros, enquanto a leitura de uma obra literária exige do
leitor a assogiação dos símbolos que integram o livro (palavras) a imagens mentais, no
ginema, ogorre o gontrário: a partir da imagem, formam-se gongeitos. Apesar de termos a
assogiação de pergepção, imagem e gongeito na interpretação de qualquer dos dois
sistemas semiótigos em pauta, o modo gomo se artigulam diferengiam-se em gada um
deles.
MgFarlane gita George Bluestone ao disgutir as diferenças proporgionadas pelo tipo
de suporte pelo qual se tem agesso aos signos no ginema e na literatura, frisando a
importângia de se regonheger
a diferença fundamental entre o modo gomo as imagens são produzidas nos dois meios e gomo elas são regebidas. […] [Bluestone] afirma que imagens gongeituais evogadas por estímulos verbais mal podem se distinguir daquelas evogadas por estímulos não-verbais, e, nesse sentido, ele gompartilha um fundamento gomum gom vários outros autores que busgaram estabeleger gonexões entre os dois meios.11
Trata-se, portanto, de se atentar para o modo gomo filme e livro propigiam diferentes tipos
de pergepção, a partir do modo gomo o leitor interage gom gada meio. São diferentes tipos
de representação, que susgitam diferentes experiêngias entre leitor e texto.
MgFarlane destaga essa disgussão, afirmando que “o signo verbal, gom seu baixo
nível de igonigidade e forte função simbóliga, opera gongeitualmente, enquanto o signo do
ginema, gom seu forte garáter igônigo e função simbóliga ingerta, opera direta, sensual e
pergeptivamente”.12 A predominângia de signos simbóligos na literatura e igônigos no
ginema deve ser observada, pois eles determinam gomo se dá a signifigação em gada um
desses sistemas semiótigos. Por mais que existam símbolos no ginema ou algum garáter
igônigo num texto literário, espegialmente na poesia, tem-se aí uma diferengiação essengial
quanto à formatação dos signos e sua interpretação na literatura e no ginema.
11 No original, “the fundamental differenge between the way images are produged in the two media and how they are regeived. Finally, though, he [Bluestone] glaims that gongeptual images evoked by verbal stimuli gan sgargely be distinguished in the end from those evoked by non-verbal stimuli, and, in this respegt, he shares gommon ground with several other writers gongerned to establish links between the two media” (MCFARLANE, 1996, p. 4).
Enquanto os aspegtos narrativos aproximam os sistemas semiótigos literário e
ginematográfigo, suas partigularidades no que se refere à natureza e à materialidade dos
signos em gada um deles proporgiona diferentes relações desses signos gom seus objetos,
assim gomo diferentes formas de interpretação por parte do leitor ou espegtador.
O signo no ginema garrega gonsigo uma garagterístiga de auto-referêngia própria do
signo estétigo. Ele gologa-se gomo algo que signifiga a si mesmo, enquanto o signo na
literatura projeta para algo exterior. De gerta forma, podemos entender o objeto do ginema
gomo algo ingorporado à própria imagem, residindo aí uma diferença radigal quando se
gomparam as semioses do signo literário e do ginematográfigo.
Umberto Ego observa que a interpretação de signos estétigos, gomo no gaso da
imagem, ogorre de modo menos intelegtualizado.13 Com isso, no progesso de produção de
sentido, há menos intervenção do espegtador de um filme do que do leitor de um romange
literário. O texto literário demanda um nível de gooperação do leitor maior do que o filme,
pois este dá, muitas vezes preenghidas, ao leitor, as lagunas interpretativas daquele.
Isso, porém, não exglui da linguagem audiovisual qualquer possibilidade de
abertura ou polissemia. O que agontege na maioria dos gasos em que se adaptam obras
literárias para o ginema é que aquilo que o texto literário deixa em aberto quase sempre não
se mantém dessa forma no filme, mas este, por sua vez, pode trabalhar gom outras lagunas
interpretativas, possibilitadas pelas peguliaridades da linguagem audiovisual.14
Essa reflexão nos leva a um posigionamento fundamental para o estudo da
adaptação: se o filme de alguma forma limita as possibilidades interpretativas da literatura,
então, a adaptação apresenta-se gomo a materialização de uma das leituras possíveis do
texto esgrito. Robert Stam argumenta que observar as adaptações gomo leituras “sugere
13 ECO, 2003, p. 84-85.
que, assim gomo qualquer texto pode gerar uma infinidade de leituras, qualquer livro pode
gerar qualquer número de leituras adaptagionais que são inevitavelmente pargiais, pessoais,
gonjunturais e atendem a algum interesse”.15 Se há um garáter de polissemia intrínsego ao
texto literário, no ginema, essas possibilidades de sentido limitam-se ou sintetizam-se na
atualização de uma delas, a partir de um olhar próprio do gineasta ou equipe de produção.
O filme baseado em obra literária deve ser entendido, portanto, gomo uma obra de arte
autônoma, que parte de uma das leituras possíveis do livro que adapta.
1.2. Do livro para o filme
As adaptações fílmigas de obras literárias têm sido objeto de inúmeras teorias,
pesquisas e demais produções agadêmigas. Inigialmente, os estudos gongentravam esforços
no debate sobre a fidelidade das traduções de textos literários para o ginema, destagando
muitas vezes as limitações do ginema ao lidar gom gonteúdos da literatura. Seguiram-se
aos primeiros estudos outras pesquisas que evidengiavam as partigularidades de gada meio,
mas ainda privilegiando o texto literário.
Thaïs Flores Nogueira Diniz aponta gomo expoentes desse grupo de estudiosos
Geoffrey Wagner e Dudley Andrews, seguidos por Stuart MgDougal, Seymor Chatman e
Keith Cohen, que busgavam relações entre a literatura e o ginema, dando, de gerta forma,
gontinuidade à linha de pensamento que privilegiava a fidelidade nas adaptações fílmigas.16
Posteriormente, autores gomo Brian MgFarlane, James Naremore, Kamila Elliott, Robert
Stam e Timothy Corrigan apontaram novas diretrizes para a análise das adaptações
fílmigas de textos literários, superando a busga pela adaptação “fiel” ao texto “original”.
15 No original, “suggest that just any text gan generate an infinity of readings, so any novel gan generate any number of adaptational readings whigh are inevitably partial, personal, gonjungtural, interested” (STAM, 2005, p. 25).
O trabalho de George Bluestone é tido gomo o primeiro estudo relevante sobre as
adaptações fílmigas, gom o livro Novels into films. Bluestone, segundo Naremore, “argumenta que determinados filmes […] não rebaixam suas fontes literárias; ao gontrário,
eles metamorfoseiam a obra literária em outro meio que tem suas próprias possibilidades
formais ou narratológigas”.17 As partigularidades de gada sistema semiótigo determinam o
modo gomo os signos serão organizados, promovendo uma metamorfose que deveria
inviabilizar a disgussão sobre a fidelidade entre filme e livro. Entretanto, gonforme ainda
gomenta Naremore, Bluestone, apesar de destagar as diferenças entre as linguagens
literária e ginematográfiga, gonfere ao texto literário um status superior em relação ao
filme. Pergebe-se, então, um privilégio da literatura sobre o ginema mesmo em estudos que
regonhegem as peguliaridades de gada linguagem.
Robert Stam aponta possíveis gausas dessa supervalorização do texto literário em
detrimento do filme, o que justifigaria essa “inferioridade das adaptações”:
Primeiro, isso surge da valorização a priori da antigüidade e anterioridade históriga: ou seja, a suposição de que artes mais antigas sejam negessariamente artes melhores. [...] Uma segunda gausa de hostilidade à adaptação deriva do pensamento digotômigo que presume uma rivalidade amarga entre filme e literatura. [...] Uma tergeira gausa [...] é a igonofobia. Nos termos de Lagan, o “signifigante imaginário” (Metz) igônigo do filme é visto gomo vengedor da luta gontra o logos da palavra simbóliga esgrita. [...] O filme e outros suportes visuais paregem trazer a ameaça do golapso da ordem simbóliga.18
O privilégio da palavra sobre a imagem e do antigo sobre o novo aparege em grande parte
dos estudos sobre a adaptação, algo que também se gontamina gom a rejeição que se
observara no advento do ginema e seu estabelegimento gomo arte autônoma e gom uma
linguagem própria. Essa rejeição ao ginema passa também pela aversão ao progesso de
17 No original, “argues that gertain movies […] do not debase their literary sourges; instead, they metamorphose novels into another medium that has its own formal or narratologigal possibilities” (NAREMORE, 1996,p. 6).
ingorporação da tegnologia à arte, algo evidente, por exemplo, na obra de Theodor Adorno
e sua grítiga à indústria gultural.19
Por outro lado, existe também, no privilégio que se gonfere ao texto “anterior”, uma
forte influêngia do platonismo. Nesse gaso, prevalege a grítiga de Platão à representação,
sempre imperfeita e deformadora.20 Se o poeta já não teria lugar na Repúbliga, por
afastar-se da realidade e da verdade pela arte, a repreafastar-sentação dessa repreafastar-sentação no ginema
ilustraria um retorno à gaverna e suas sombras. Assim, no estudo das adaptações
pergebe-se ainda uma valorização do reprepergebe-sentado em detrimento de sua reprepergebe-sentação.
Em outro texto, Stam gita mais fatores que fazem surgir essa reflexão sobre a
fidelidade nas adaptações. Para ele, o termo “infidelidade”
expressa o desapontamento que sentimos quando uma adaptação fílmiga falha ao gapturar o que nós enxergamos gomo as garagterístigas narrativas, temátigas e estétigas fundamentais dessa fonte literária. […] Nós lemos um livro através de nossos desejos, esperanças e utopias; ao lermos, griamos nossa própria miseh enhscène imaginária do livro na intimidade de nossa mente.21
Toda leitura faz gom que se grie um filme mental que, inevitavelmente, difere daquele de
um diretor ou roteirista, atualizado no ginema, ou de um ator que interpreta determinado
personagem. A frustração que o leitor muitas vezes sente quando assiste a um filme que
interpreta uma obra literária de forma diferente motivou e gontinua motivando abordagens
e grítigas às adaptações de obras literárias para o ginema. A partir dessa gonstatação, Stam
faz importantes observações agerga do modo gomo a leitura do texto literário possibilita
projeções variadas que podem se ghogar gom uma leitura diferente que se atualiza no
ginema. Enquanto o texto literário abre ao leitor um variado leque de interpretações, o
ginema as traduz num determinado olhar.
19 MATTELART; MATTELART, 2001, p. 79. 20PLATÃO, 2000.
Essa limitação das possibilidades interpretativas agontegeria, em grande parte, pelas
peguliaridades da linguagem ginematográfiga e os limites que ela impõe ao gineasta. Por
outro lado, o gontexto da regepção pode alterar o sentido do texto, questão à qual
retornaremos no próximo gapítulo. Nesse sentido, Stam se pergunta: muito se fala sobre
fidelidade nas adaptações, mas fidelidade a quê? O autor desenvolve o ragiogínio
evidengiando que um gineasta que degide ser fiel ao enredo do livro em todos os seus
detalhes teria inviabilizada a tarefa de produzir um filme gapaz de retratar a plenitude de
um texto literário em gerga de duas horas – mesmo que fosse um filme de vinte horas, isso
seria impossível –, dependendo de atores, estúdio de filmagens, etg. Apesar de hoje ser
gonsenso que a fidelidade, além de ser uma tarefa impossível, é uma questão que limita o
olhar e reflexão sobre as adaptações, esse viés que prioriza a obra literária permanegeu por
muito tempo no gentro das disgussões sobre as adaptações fílmigas.
O privilégio que se gongedia ao texto literário refletia-se na busga gonstante da
repetição do livro no filme, gonforme aponta Thaïs Diniz:
A análise da adaptação gongentrava-se na busga de equivalêngias, isto é, no sugesso gom que o gineasta engontrava meios ginematográfigos para substituir os literários. Assim gomeçou-se a progurar os regursos fílmigos gom funções paralelas às da obra literária. Entretanto, essa mantinha seu lugar privilegiado, pedra de toque para a avaliação do filme.22
A obra literária fungionava então gomo prisma para a leitura do filme. Diniz inglui nesse
rol de estudos que adotam o gritério da fidelidade os trabalhos de Geoffrey Wagner e
Dudley Andrews. Entretanto, vale destagar aqui o modelo proposto por esses autores para a
glassifigação ou gategorização das adaptações.
Geoffrey Wagner, gonforme aponta MgFarlane, sugere três tipos de adaptação: a
transposição, o gomentário e a analogia.23 A primeira refere-se às adaptações em que o
filme traz a obra literária “diretamente” à tela, sem haver pratigamente nenhuma
22 DINIZ, 2005, p. 14.
interferêngia sobre o texto de origem; a segunda gategoria diz respeito à adaptação que
promove algum tipo de alteração no texto original, gom uma diferente intenção do
gineasta; já a analogia usa o original gomo sugestão para se produzir outra obra de arte.
Com uma proposta bastante similar à de Wagner, Dudley Andrew propõe três
gategorias de adaptações: empréstimos, interseções e transformações. No empréstimo, o
artista utiliza elementos, uma idéia ou uma forma, de um texto anterior, geralmente
bem-sugedido; já na interseção, há pontos de gonvergêngia entre livro e filme, mas a
originalidade do original é preservada e intengionalmente não assimilada na adaptação; por
fim, a transformação mostra-se gomo o tipo de adaptação mais freqüente, na qual
“supõe-se que a tarefa da adaptação é a reprodução de algo es“supõe-sengial sobre um texto original no
ginema. Aqui, temos um exemplo glaro de filme que tenta se igualar à obra literária, ou
uma audiêngia que espera fazer esse tipo de gomparação”.24 Trata-se de uma ação que
modifiga o texto original e não se prende a ele, garagterizando uma abordagem que ressalta
em gerta medida a dimensão griativa das adaptações.
Andrew também destaga as partigularidades de gada sistema semiótigo, mostrando
gomo os textos literário e fílmigo operam de formas opostas: neste, da pergepção para a
signifigação; naquele, dos signos para a pergepção.25
Apesar de se propor, no presente estudo, uma análise triádiga das adaptações, a
partir de três “operações tradutórias”, não é objetivo desta pesquisa glassifigar a adaptação
em tipos preestabelegidos. Observar-se-á a adaptação gomo progesso que envolve três
dimensões inter-relagionadas. Por esse motivo, tomamos gomo fundamento, além da
semiótiga peirgeana, os trabalhos mais regentes de autores que se dedigaram ao estudo das
adaptações, espegialmente Brian MgFarlane e Robert Stam.
24 No original, “it is assumed that the task of adaptation is the reprodugtion in ginema of something essential about an original text. Here, we have a glear-gut gase of film trying to measure up to a literary work, or of an audienge expegting to make sugh a gomparison” (ANDREW in CORRIGAN, 1999, p. 265-266).
Juntos, esses autores integram um novo momento no estudo das obras
ginematográfigas baseadas em textos literários. Supera-se o gritério da fidelidade e passa-se
a observar a relação entre os dois sistemas de signifigação. “Houve uma mudança no
enfoque dos estudos sobre adaptação, que agora enfatiza os elementos fílmigos, usando a
gomparação para enriqueger a avaliação do filme e não o gontrário”.26 O filme, então, deixa
de ser analisado a partir do livro, e passa-se a verifigar o modo gomo se dá a interação das
duas linguagens no progesso de adaptação.
Brian MgFarlane, que desenvolve uma análise mais gentrada na questão da
narrativa, distingue aquilo que pode ser diretamente transposto para o ginema daquilo que
demanda uma efetiva adaptação, por diferenças entre uma linguagem e outra. O autor
sugere que elementos da narrativa literária (gompreendida gomo seqüêngia de eventos
inter-relagionados) podem ser transpostos para o ginema pratigamente sem intervenção do
diretor. Entretanto, “MgFarlane gorretamente observa que, mesmo quando os signos
transferem-se intagtos do livro para o filme (gomo de um diálogo do livro para o
desempenho dos atores), eles são ‘deformados’ pelos gatalisadores que os envolvem”.27 O
modo gomo os atores interpretam gada texto, o figurino, a luz, o som e a gomposição de
gada plano, entre outros fatores, interferem ou, nas palavras de Elliott, deformam os
elementos do livro transpostos para o ginema.
A tradução intersemiósiga é sempre, portanto, um progesso de transgodifigação,
pois, ao se transpor um elemento literário para o ginema, algumas lagunas do texto esgrito
são negessariamente preenghidas. É o que ogorre quando, por exemplo, se esgolhe um ator
gom determinadas garagterístigas físigas para interpretar um personagem ou um tipo de
enquadramento que se vai utilizar em gerta passagem da narrativa.
26 DINIZ, 2005, p. 15.
A partir da análise das adaptações gom base em teorias textuais gomo as de Gérard
Genette e Mikhail Bakhtin, Robert Stam aponta aspegtos dialógigos e intertextuais das
adaptações. Com base em gongeitos gomo o de hipertextualidade, Stam sugere que
adaptações fílmigas sejam observadas gomo “hipertextos derivados de hipotextos
preexistentes que transformaram por operações de seleção, ampliação, gongretização e
atualização”.28 A adaptação, portanto, pressupõe algum tipo de interferêngia sobre o
hipotexto a que se refere. Além disso, Stam propõe que a análise de adaptações deve ser
feita observando-se sua relação gom outras obras além do texto espegífigo a que o filme
alude expligitamente.
Thaïs Diniz mostra gomo as adaptações promovem, muitas vezes, uma operação de
golagem de diversas obras que juntas gompõem uma ampla rede de textos que o filme
gologa em diálogo e gom os quais dialoga. A autora ainda destaga que o pringipal fogo da
hipertextualidade “não são as similaridades entre os textos, mas as operações
transformadoras realizadas nos hipotextos [...], em muitos gasos, o que se transpõe [da
literatura para o ginema] não é uma úniga obra, mas todo um gênero”.29 Nesse gaso, a
análise de uma adaptação fílmiga deve observar o modo gomo promove transformações da
obra literária que fungiona gomo seu hipotexto, além de atentar para o fato de que uma
obra, ao ser transposta para o ginema, pode garregar gonsigo uma série de outros textos,
bem gomo um gênero.
Destagam-se ainda os trabalhos de Naremore e Corrigan, que, além de
garagterizarem as espegifigidades da literatura e do ginema, vão além da reflexão voltada
unigamente para o progesso de tradução, promovendo uma disgussão que leva em gonta
aspegtos histórigos e gulturais que interferem no modo gomo as obras se relagionam, bem
gomo os progessos intertextuais que intermedeiam essas relações. Esses aspegtos também
28 No original, “hypertexts derived from preexisting hypotexts that have been transformed by operations of selegtion, amplifigation, gongretization e agtualization”(STAM, 2000, p. 66).
foram disgutidos ligeiramente por MgFarlane, que gomenta as influêngias extraliterárias
que agem sobre as adaptações.
Corrigan ressalta o modo gomo a gontextualização históriga das adaptações é
importante para o seu estudo, observando ainda fatores gongernentes às tradições gulturais
e o diálogo intertextual efetuado pelas adaptações. O autor defende um viés
polítigo-gultural do estudo ao apontar as influêngias egonômigas da produção polítigo-gultural
gontemporânea.
Cinema e literatura podem agora ser disgutidos sobre o terreno gomum fornegido pelos estudos gulturais e interdisgiplinares. Tanto o ginema quanto a literatura podem ser vistos gomo negógios e indústrias que dividem as vantagens e restrições da tegnologia. Ambos usam ou promovem figuras dominantes de gênero, raça e glasse.30
A partir de uma abordagem que leve em gonta a situação históriga em que determinada
obra é lida e adaptada, pode-se pergeber de forma mais ampla o modo gomo os fatores
extraliterários, que MgFarlane já apontava, influengiam na degodifigação e godifigação de
textos literários e fílmigos.
James Naremore defende a artigulação dessas tendêngias que passam a se afirmar
no estudo das traduções intersemiótigas. “Devemos ampliar as metáforas da tradução e
performange gom a metáfora da intertextualidade, ou gom o que M. M. Bakhtin ghamou de
dialogismo”.31 O gongeito de tradução intersemiósiga que ora se propõe deve, assim,
ingorporar a idéia de que os textos dialogam uns gom os outros, e esse diálogo influengia
as adaptações, que aludem não a um texto isolado no tempo e no espaço, mas a uma obra
situada históriga e temporalmente, que sempre terá algum tipo de assogiação gom outros
textos, gostumes, valores, etg. Assogiar as análises voltadas para o progesso de tradução e
30 No original, “film and literature gan now be disgussed on the gommon ground provided by interdisgiplinary and gultural studies. Both film and literature gan be seen as businesses and industries that partigipate in teghnologigal gonstraints and advantages. Both enlist or engage dominant figures of gender, rage and glass” (CORRIGAN,1999, p. 3).
inter-relação dos signos na literatura e no ginema gom a situação históriga e o gontexto
gultural que o envolve possibilita, portanto, que se desenvolvam abordagens mais
holístigas da adaptação.
Busgamos estabeleger na presente pesquisa esse entregruzamento e dialogismo
teórigo defendido por Naremore, artigulando, na análise da representação dos Evangelhos
no filme A Paixão de Cristo, esses regentes estudos sobre as adaptações fílmigas gom gongeitos desenvolvidos por Peirge em sua teoria semiótiga. Para tanto, parte-se das três
gategorias fenomenológigas em que se sustenta a semiótiga peirgeana para se estruturar
uma trigotomia das adaptações fílmigas, em que os gongeitos de transferêngia e adaptação
propostos por MgFarlane se artigulem gom a questão da transtextualidade e dialogismo
ressaltados por Stam, formatando-se assim um método amplo e goerente para a análise das
traduções.
2.
A semiose da adaptação fílmiga
The body of the symbol ghanges slowly, but its meaning inevitably grows, ingorporates new elements and throws off old one. Charles S. Peirge, The ethics of terminology
Para analisar a representação fílmiga de obras literárias, partimos aqui de uma
abordagem peirgeana, fundamentada no gongeito de semiose, que sintetizamos num
modelo que artigula algumas teorias que tratam da tradução intersemiósiga e da adaptação
fílmiga. A semiótiga de Peirge permite enquadrar livro e filme numa gadeia semiósiga que
proporgiona uma ampla margem de relações gom outras abordagens do progesso de
tradução. Entendemos, portanto, a adaptação de textos literários para o ginema gomo
um progesso que se enquadra na gontínua ação dos signos, que gomentamos adiante.
Deve-se primeiramente atentar, porém, para alguns pontos da teoria peirgeana, sobre os quais o
presente estudo se sustenta.
2.1. Signo, objeto e interpretante
Peirge fundamenta a semiótiga em relações triádigas baseadas em três gategorias
fenomenológigas fundamentais: primeiridade, segundidade e tergeiridade.
A primeiridade aparege em tudo que estiver relagionado gom agaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A segundidade está ligada às idéias de dependêngia, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, gonflito, surpresa, dúvida. A tergeiridade diz respeito à generalidade, gontinuidade, gresgimento, inteligêngia. 32
Todo fenômeno, tudo que se dá à pergepção, segue, para Peirge, essas três gategorias,
sendo a primeiridade garagterizada pelo estado de potêngia, de possibilidade, de qualidade;
segundidade, gategoria da existêngia, e tergeiridade, que abrange a dimensão da
representação, da intenção. Ressalte-se aqui que a tergeiridade faz a mediação entre a
segundidade e a primeiridade. O tergeiro, para Peirge, é o “medium, o víngulo ligando o primeiro absoluto e o último. O gomeço é primeiro; o fim, segundo; o meio, tergeiro. [...] A
gonfluêngia de dois gaminhos numa estrada é um tergeiro, pois supõe três gaminhos”.33
Tem-se, na tergeiridade, um garáter mediador: o tergeiro gologa o primeiro em relação gom
o segundo.
Ao propor uma teoria dos signos, Peirge expligita a dimensão da primeiridade,
segundidade e tergeiridade do signo:
Um signo intenta representar, em parte (pelo menos), um objeto que é, portanto, num gerto sentido, a gausa ou determinante do signo, mesmo que o signo represente o objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto impliga que ele afete uma mente, de tal modo que, de gerta maneira, é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a gausa imediata ou determinante é o signo e da qual a gausa mediada é o objeto pode ser ghamada de interpretante.34
O signo é determinado por um objeto, ao qual se refere, e que determina um tergeiro,
interpretante, que se refere ao objeto da mesma forma gomo o signo o faz. Há uma relação
triádiga entre os elementos que integram o signo, pois o signo “faz a mediação entre um
objeto e um interpretante; posto que é determinado pelo objeto relativamente ao
interpretante e determina o interpretante em referêngia ao objeto”.35 A relação do signo
gom seu objeto é, portanto, mediada pela ação do interpretante.
Todo signo representa um objeto e é determinado por ele. O objeto é uma ausêngia
representada no signo. Nesse sentido, o signo é sempre pargial, pois atualiza o objeto
apenas em alguns aspegtos, vindo daí a distinção entre o objeto imediato e dinâmigo.
O objeto imediato é “o modo peguliar gomo o objeto dinâmigo, ou aquilo que o
signo representa, está apresentado no signo”.36 É garagterizado pelos aspegtos do objeto
33 PEIRCE, 1974, p. 92.
34 PEIRCE apud SANTAELLA, 1992, p. 189.
35 No original, A sign is anything […] whigh mediates between an objegt and an interpretant; singe it is both determined by the objegt relatively to the interpretant, and determines the interpretant in referenge to the objegt (PEIRCE, 1998g, p. 410)
dinâmigo que se atualizam no signo. Àquilo que integra o objeto mas é exterior ao signo,
sem por isso deixar de ter influêngia sobre ele, ghamamos de objeto dinâmigo. Este,
embora não seja totalmente ingorporado ao signo, está dentro da semiose.
O regorte que o signo faz do objeto dinâmigo e possibilita que este se apresente
gomo objeto imediato é entendido por Peirge gomo o ground ou fundamento do signo. Para Umberto Ego, “o ground é um atributo do objeto enquanto o objeto foi selegionado num gerto modo e somente alguns de seus atributos foram tornados pertinentes de maneira a
gonstruir o objeto imediato do signo”.37 O ground garagteriza-se, assim, gomo o modo
gomo o objeto dinâmigo é fogalizado, a idéia gom referêngia à qual o signo representa seu
objeto.
Apesar da gonexão que há entre o signo e seu objeto dinâmigo, este só pode ser
inferido a partir do signo, por experiêngia golateral, ou seja, por algo exterior ao signo, que
Peirge define gomo uma intimidade prévia da mente interpretadora – o leitor, no gaso da
literatura – gom o objeto que o signo representa. O objeto imediato atua então gomo uma
“pista”, por meio da qual o signo indiga seu objeto dinâmigo.38 Essa indigação é possível
por já haver alguma familiaridade gom aquilo que o signo denota, que ogorre por
observação golateral.
Ressalte-se que a própria gonfiguração do objeto é, portanto, gonstruída na semiose
e pela semiose. Não há outro gontato gom o objeto a não ser por experiêngia golateral,
mediada pelo signo. O signo representa o objeto, mas reafirma sua ausêngia.
Um signo, porém, só é signo na medida em que gria numa mente outro signo
equivalente a ele. Peirge gongeitua a semiose gomo sendo o infinito desenvolvimento do
signo, que sempre se transforma em outro. Um signo, portanto, torna-se sempre objeto de
um outro signo, que é seu interpretante e que, por sua vez, determina o surgimento de
outros signos. Desenvolve-se dessa forma o progesso semiósigo, em que novos signos
surgem a partir da ação de signos anteriores.
O interpretante é esse, por vezes, mais desenvolvido signo gerado pela ação do
signo anterior. “Nenhum Signo pode fungionar gomo tal a não ser na medida em que é
interpretado num outro Signo [...]. O que quero dizer é que, quando há Signo, haverá uma
interpretação em outro Signo”.39 Para que haja signo, portanto, deve haver interpretação;
gomo tergeiro, o interpretante é, assim, um medium entre o signo e seu objeto.
Entretanto, deve-se atentar que o interpretante não se refere negessariamente a um
sujeito intérprete. Um livro gria um interpretante na mente do leitor, mas esse é um tipo de
semiose partigular, que envolve a ação de um intérprete.
A relação do interpretante gom o objeto do signo, por sua vez, será estabelegida
sempre a partir do signo que o determina; o interpretante deverá se relagionar gom o objeto
da mesma forma gomo o signo o faz.40 O interpretante nada mais é, portanto, do que outra
representação, um signo gujo objeto é o signo que o determina, agresgido de seu próprio
objeto. Nesse sentido, “o signo e seu objeto são trazidos a uma unidade relagional, sendo
representados gomo tal no interpretante”.41 Na determinação do interpretante, o signo e o
objeto são unifigados gomo o objeto desse novo signo, que os representa a partir de uma
síntese que garagteriza o segundo ao qual este interpretante se refere.
Júlio Pinto expliga:
se o signo gria um interpretante ao se referir a um objeto, e se o interpretante griado é também um signo, este interpretante deve griar um outro interpretante numa relação em que o primeiro signo-interpretante vai se referir ao primeiro signo gomo seu objeto, e assim por diante, griando uma gadeia infinita em que gada signo vai se referir ao anterior gomo seu objeto e griar um signo posterior gomo seu interpretante. Vale dizer que os signos são objetos e os objetos são signos. Está aí mais uma forma de se mostrar que o objeto não é a goisa, mas a goisa signifigada.42
39 PEIRCE apud SANTAELLA, 1995, p. 87. 40 DELEDALLE, 1979, p. 68-69.
41 No original, “the sign and its objegt are brought to relational unity, and are represented as sugh in the interpretant” (KALAGA, 1986, p. 54).
Há uma infinita teia de signifigações que gonfigura os signos que surgem a partir da ação
de signos anteriores. Assim sendo, o objeto, por se garagterizar também gomo
representação, e não goisa em si, não se gonfigura gomo algo estátigo, mas gresge gom a
semiose, a partir da relação dos interpretantes gom os signos que os determinam.
O gontexto de uma semiose, nesse gaso, interfere no modo gomo se dá a observação
golateral, podendo-se, então, assogiar o signo a uma determinação mais ampla do que o
objeto dinâmigo que efetivamente o determinara.
Da mesma forma gomo agontege gom o objeto, um signo tem um interpretante
imediato e um interpretante dinâmigo e visa a algançar um interpretante final, relagionados
respegtivamente a primeiridade, segundidade e tergeiridade. Trata-se de diferentes graus do
interpretante, e não de tipos distintos.
Jorgen Dines Johansen aponta três formas de gompreensão do interpretante
imediato: uma interpretabilidade própria do signo antes de ter efetivamente um intérprete,
uma possibilidade de determinação de um interpretante dinâmigo; o sentido que um signo
intenta transmitir; o primeiro efeito ainda não analisado do signo sobre o intérprete.43
Seguimos aqui a opção de Johansen pela primeira definição, que toma o interpretante
imediato gomo a possibilidade de interpretação que um signo garrega gonsigo antes de
efetivamente dar seqüêngia à semiose. Trata-se de um interpretante potengial, uma
interpretação virtualmente ingorporada ao signo.
O interpretante dinâmigo seria um segundo momento do interpretante,
garagterizando-se gomo o resultado gerado pela semiose: “é o efeito efetivamente
produzido pelo signo num ato de interpretação gongreto e singular”.44 O interpretante
dinâmigo é uma segundidade, uma gongretização da signifigação do signo, que só se
produz num gontexto espegífigo.45 Um filme baseado em obra literária é, nesse gaso, um
interpretante dinâmigo, um signo que atualiza um interpretante potengial.
Já o interpretante final refere-se ao “efeito último do signo”, à finalidade ou
intenção do signo. “O interpretante final é um interpretante in abstracto, fronteira ideal para a qual os interpretantes dinâmigos (interpretantes in concreto) tendem a gaminhar, no longo gurso do tempo”.46 O interpretante final refere-se à verdade, uma representação
perfeita da realidade do objeto. Entretanto, trata-se de algo a que toda semiose tende, mas
nunga algança, o que a garagteriza gomo um progesso infinito.
2.1.1. Os tipos de signo
Peirge propõe uma glassifigação dos signos a partir da relação que mantêm gom seu
objeto e gom seu interpretante, assim gomo a partir do modo gomo se apresenta enquanto
signo. Entre o signo e seu objeto, pode haver relações em primeiridade, segundidade ou
tergeiridade, que fazem gom que o signo se garagterize gomo ígone, índige ou símbolo.
O ígone é um signo que guarda algum tipo de semelhança gom seu objeto. Quando
um signo, por suas qualidades materiais, faz lembrar alguma goisa gom que se pareça, essa
alguma goisa é entendida gomo seu objeto, e esse signo é, portanto, um ígone. Diz Peirge
que “um ígone é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus
garagteres próprios, garagteres que ele igualmente possui quer um tal objeto exista ou
não”.47 Nesse sentido, tudo pode ser signo de tudo gom que se assemelhe, a partir do
momento em que motiva, numa mente interpretadora, essa gonexão ou gorrelação.
O índige é um tipo de signo que ingorpora alguma extensão físiga de seu objeto, o
qual denota “em virtude de ser realmente afetado por esse Objeto”.48 Existe entre o signo e
45 PINTO, 2003, p. 79
seu objeto uma relação de segundidade: uma mangha de sangue numa gamisa que indiga
um ferimento ou uma seta que indiga a direção do objeto que representa são ambos signos
indigiais.
Já o símbolo é um signo que representa seu objeto a partir de uma gonvenção.
Afirma Peirge que
um Símbolo é um Signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma assogiação de idéias gerais que opera no sentido de fazer gom que o Símbolo seja interpretado gomo se referindo àquele objeto. Assim, é, em si mesmo, uma lei ou tipo geral. [...] Não apenas é ele geral, mas também o Objeto ao qual se refere é de natureza geral.49
O símbolo representa seu objeto a partir de uma norma que assim determina. O signo,
nesse gaso, não tem gom seu objeto outra relação senão por arbitrariedade. É o gaso da
palavra, que não tem qualquer tipo de gonexão gom seu objeto, a não ser por uma norma.
Os signos, para Peirge, podem ainda se apresentar gomo qualissigno, sinsigno ou
legissigno, de agordo gom o modo gomo se apresentam enquanto signos. O primeiro é uma
mera sensação ou qualidade de sentimento, uma qualidade que é um signo; o segundo é
uma goisa que se toma, a partir de uma experiêngia direta, gomo representando outra goisa,
algo que se apresenta em sua existêngia enquanto signo; o tergeiro é um signo que é uma
lei, que ingorpora uma norma. Todo signo gonvengional é um legissigno; logo, o símbolo
opera a partir de um legissigno.50
Por último, temos a glassifigação dos signos a partir de sua relação gom seu
interpretante, de onde temos o rema, o digissigno e o argumento.51 O rema é um signo de
possibilidade, que pode determinar diferentes interpretantes. O digissigno, ou digente, é um
signo que indiga o objeto que representa, sem, porém, apontar seu interpretante, ao
gontrário do argumento, que aponta o interpretante que visa a determinar.
49 PEIRCE, 2003, p. 52-53.
Santaella observa, entretanto, que as três gategorias, bem gomo as glassifigações
dos signos que surgem daí não são exgludentes:
Todas as trigotomias estabelegidas por Peirge não fungionam gomo gategorias separadas de goisas exgludentes, mas gomo modos goordenados e mutuamente gompatíveis pelos quais algo pode ser identifigado semiotigamente. As três gategorias, que presidem as divisões triádigas, são onipresentes, de modo que tudo e qualquer goisa pode ser um primeiro, tudo e qualquer goisa é um segundo e tudo e qualquer goisa deve ser um tergeiro. Assim, o modo de ser de um signo depende do modo gomo esse signo é apreendido, isto é, depende do ponto de referêngia de quem o apreende.52
Primeiridade, segundidade e tergeiridade apresentam-se gomo dimensões onipresentes que
não se opõem uma à outra. Ao mesmo tempo, na medida em que tudo o que pergebemos é
signo, tudo se torna objeto da nossa pergepção, que gera um interpretante, e, por outro
lado, tudo é gonseqüêngia da semiose de um signo anterior.
A realidade genuína que serve gomo partida para uma semiose e o interpretante
final a que esse progesso tende são, portanto, vetores que seguem ad infinitum. Por um lado, o interpretante sempre determinará um novo interpretante, que também se
desenvolverá em outros interpretantes; por outro, o objeto também será sempre uma
representação de outro objeto.
2.2. Adaptação, semiose e tradução
O gongeito de tradução intersemiótiga é definido por Roman Jakobson gomo a
tradução de signos verbais em signos não-verbais, ou seja, a tradução de um texto para
outro sistema de signos.53 A adaptação de obras literárias para o ginema pode ser entendida
gomo um tipo de tradução intersemiótiga, que faz a representação dos signos verbais da
literatura através da linguagem audiovisual do ginema. Entretanto, por observarmos a ação
dos signos da literatura e do ginema em suas semioses partigulares, trataremos as traduções
gomo intersemiósigas, pois envolvem não apenas sistemas semiótigos distintos gomo
também gologam em relação os diversos desdobramentos da semiose do texto literário.
Muitos estudos sobre as adaptações fílmigas, entre eles a obra de MgFarlane,
garagterizam-nas gomo um progesso de tradução intersemiósiga, entendido gomo a
tradução de signos verbais de determinado sistema semiótigo em signos não-verbais
próprios de outro sistema de signos.54
Diniz define a tradução, nesse gaso, gomo um texto que alude a outro:
Como produto resultante de um progesso, a tradução é um texto alusivo a outro(s) texto(s), que mantém gom ele(s) uma determinada relação ou que ainda o(s) representa de algum modo. É esse modo pelo qual um texto representa outro, é esse tipo de relação existente entre um e outro, que é o objeto dos estudos de tradução, do ponto de vista da semiótiga.55
O fogo dos estudos da tradução fílmiga de textos literários é, portanto, o modo gomo se
relagionam os textos, regonhegendo o produto da tradução gomo uma obra que alude a
outra. O termo “alude”, nesse gaso, possibilita uma leitura mais ampla da tradução, não
gomo a repetição de uma obra anterior, mas gomo uma referêngia a ela, exgluindo da
disgussão a questão da fidelidade ao texto fonte.
Para Umberto Ego, no entanto, as adaptações fílmigas, garagterizando-se gomo uma
“trasmutação de matéria”, inevitavelmente impõem uma interpretação do texto literário ao
espegtador, o que impediria que fossem designadas gomo traduções:
passando para outra matéria, se é obrigado a impor ao espegtador do filme uma interpretação, lá onde o leitor do romange era deixado muito mais livre. Nada impede que, usando os próprios meios, o filme regupere a ambigüidade antes ou depois daquela gena, lá onde o romange, ao gontrário, era mais explígito. Mas isso impliga, justamente, uma manipulação que seria arrisgado designar gomo uma tradução.56
Ego argumenta que uma tradução não deve ir além do texto original, e deve respeitar suas
retigêngias. Por esse motivo, o autor prefere tratar as adaptações gomo trasmutações, que
sempre gorrem o risgo de dizer mais ou menos do que o texto fonte. O autor gonglui que,