• Nenhum resultado encontrado

Relações entre violência doméstica e agressividade na adolescência.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Relações entre violência doméstica e agressividade na adolescência."

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

Relações ent re violência domést ica

e agressividade na adolescência

The re latio nship b e twe e n family vio le nce

and te e nag e ag g re ssive ne ss

1 Escola de Saú de Pú blica, Secretaria d e Saú d e e Meio Am bien te. Av. Ip iran ga 6311, Porto Alegre, RS 90610-001, Brasil. 2 Departam en to de Ped iatria, Facu ld ad e d e Med icin a, Un iversid ad e Fed eral d o Rio Gran d e d o Su l. Ru a Ram iro Barcelos 2600, 4oan d ar, Porto Alegre, RS

90035-003, Brasil. 3 Departam en to de Psiqu iatria, Facu ld ad e d e Med icin a, Un iversid ad e Fed eral d o Rio Gran d e d o Su l. Ru a Ram iro Barcelos 2350, térreo, Porto Alegre, RS 90035-003, Brasil.

Stela N az areth Men egh el 1 Elsa J. Giu glian i 2

Olga Falceto 3

Abst ract Th e follow in g is an exp loratory stu d y on fam ily violen ce in tw o d ifferen t sch ools, p u b-lic an d th e oth er p rivate, Porto Alegre, Rio Gran d e d o Su l. Seven ty-six fam ilies w ere in terview ed , 36 w ith ad olescen ts classified as aggressive by teach ers an d 40 w ith n on -aggressive ad olescen ts. Total n u m ber of su bjects w as 213. Ph ysical an d severe violen ce, frequ en t or occasion al, w as p re-sen t in m ore th an h alf of th e sam p le: 41 rep orts – 53.9%. A th ird of th e cases occu rred in th e p ri-vate sch ool (37%), w ith tw ice as m an y in th e p u blic sch ool (63%). How ever, rates of severe or fre-q u en t ep isod es w ere sim ila r in b ot h sch ools. Th e rela t ion sh ip b et w een v iolen t b eh a v ior b y teen agers an d p h ysical p u n ish m en t by p aren ts w as sign ifican t. Th at is, aggressiv e ad olescen ts w ere p u n ish ed m ore th an n on -aggressiv e on es (od d s ratio = 4.3). Prevalen ce of p h ysical abu se w as h igh er in th e old er, m ale teen ager grou p , in th e p resen ce of siblin g aggression , an d in low -in com e an d d ysfu n ction al fam ilies. Th e stu d y sh ow s th at p h ysical abu se is m ore p resen t -in soci-ety th an w e w ou ld lik e to im agin e.

Key words Dom estic Violen ce; Ad olescen ce; Battered Ad olescen ts; Sch ool Health

Resumo Este é u m estu d o exp loratório sobre violên cia d om éstica realiz ad o n a cid ad e d e Porto Alegre, com alu n os d e d u as escolas: u m a p ú blica e ou tra p articu lar. Foram en trevistad as 76 fa-m ílias, 36 cofa-m ad olescen t es con sid erad os agressivos p elos p rofessores e qu aren t a cofa-m aqu eles n ão agressivos, p erfaz en d o u m total d e 213 p essoas. A p u n ição física grave, freqü en te ou ocasio-n al, foi u m acoocasio-n tecim eocasio-n to p reseocasio-n te em m ais d a m etad e d a am ostra: 41 relatos – 53,9%. Um ter-ço d os rela t os (37%) ocorreu n a escola p a rt icu la r, e p ra t ica m en t e o d ob ro, n a escola p ú b lica (67%). Porém , ep isód ios graves e freqü en tes estiveram p resen tes em p rop orções sem elh an tes em am bas as escolas. A relação en tre agressivid ad e n a ad olescên cia e p u n ição física grave foi estatis-t ica m en estatis-t e sign ifica estatis-t iv a . Isestatis-t o sign ifica q u e a d olescen estatis-t es a gressiv os fora m m a is p u n id os q u e os n ão agressivos (raz ão d e ch an ces = 4,3). A p revalên cia d e abu so físico foi m aior n os ad olescen tes d o sexo m ascu lin o, m ais velh os, n a p resen ça d e violên cia en tre irm ãos, p roced en tes d e fam ílias d e baix a ren d a e rígid as. Este estu d o m ostrou qu e a p u n ição física é u m com p ortam en to m ais d ifu n d id o n a socied ad e d o qu e se p od eria im agin ar.

(2)

Introdução

O h om em m ata o qu e am a.”Oscar Wild e No s ú ltim o s a n o s, está -se a ssistin d o a u m au m en to ‘ep id êm ico’ d os fen ôm en os violen tos n a socied ad e. A violên cia tem se m ostrad o com u m a ca ra tã o feroz q u a n to q u a lq u er o u tro even to d ito catastrófico (Mu za, 1994).

Do p on to d e vista d a m ortalid ad e, ob servase q u e as m ortes violen tas d a Classificação In -tern a cio n a l d e Do en ça s (CID), q u e en glo b a m su icídios, h om icídios, aciden tes de trân sito e de trabalho, com eçaram a se torn ar um a das causas m ais im p ortan tes de óbito, n ão só em p aíses desen volvidos, m as tam bém n os de Terceiro Mu n -do. No Rio Gran de do Sul dos an os 80, elas con s-titu íra m , em m éd ia , a terceira ca u sa d e ó b ito. Con sideran do-se os “an os poten ciais de vida per-didos”, n os quais se pon dera n o óbito o fator ida-d e, verifica-se qu e as cau sas extern as p assaram a ocu p ar a p rim eira p osição (Men egh el, 1986). Em ou tras p alavras, atu alm en te, n o Rio Gran d e d o Su l, a s m o rtes d e m a io r p eso so cia l sã o a s causadas p ela violên cia, p rin cip alm en te p orqu e atin gem ad u ltos em id ad e p rod u tiva e joven s.

A vio lên cia d o m éstica tem sid o a sso cia d a com agressivid ad e in fan til e d elin q ü ên cia. Pod eria a a gressiviPod a Pod e ser vir co m o u m in Pod ica -d o r q u e evi-d en cia sse a p resen ça -d e vio lên cia n a fa m ília ? Ad o lescen tes a gressivo s sã o m a is p u n id os qu e os d em ais? Estas são algu m as p er-gu n tas qu e este trab alh o p rocu rou resp on d er.

A agressivid ad e en tre crian ças e ad olescen tes p arece estar au m en tan d o, p orém este com p ortam en to p od e ser resu ltad o d e u m a con d u -ta m en os rep ressiva em relação a este fen ôm e-n o. Por ou tro lad o, os ad olescee-n tes p od em es-ta r m a is vio len to s co m o resp o ses-ta à vio lên cia estru tu ral d a socied ad e (Stith , 1993).

Ou tro asp ecto su jeito a con trovérsias referese à d istrib u içã o só cio eco n ô m ica d a vio -lên cia. Para algu n s p esqu isad ores, a m aior p rvalên cia d o p rob lem a está en tre as classes m e-n os favorecid as (Peltoe-n , 1980). Ou tros, p orém , afirm am qu e p essoas d e qu alqu er classe social p od em ap resen tar con d u tas violen tas e q u e os m a is fa vo recid o s so cia lm en te esco n d em seu s com p ortam en tos ab u sivos.

O ob jetivo p rin cip al d este trab alh o foi estu -dar a associação en tre o com p ortam en to agres-sivo em a d o lescen tes e p resen ça d e vio lên cia em su a s fa m ília s, p ro cu ra n d o verifica r se a agressivid ad e p od eria ser u m in d icad or d e vio-lên cia d om éstica. Além d isso, p reten d eu servir com o in stru m en to d e p reven ção d os m au s-tra-tos em crian ças e ad olescen tes, d en u n cian d o, d iscu tin d o, crian d o altern ativas, ten tan d o fu -gir d a b u rocratização e b an alização d o tem a.

O adolescent e agressivo e malt rat ado

“Se são violen tos é p orqu e estão d esesp erad os.” Marcu se

Con ceitu alm en te, a violên cia p od e ser con -sid erad a tod a ação d an osa à vid a e à saú d e d o in d ivíd u o, caracterizad a p or m au s-tratos, cer-ceam en to d a lib erd ad e ou im p osição d a força. A crian ça e o ad olescen te, p or su a m aior vu ln erab ilid ad e e d ep en d ên cia, são vítim as freqü en -tes d e atos ab u sivos (Eisen stein & Sou za, 1993). Agressã o é q u a lq u er fo rm a d e co n d u ta d i-recion ada visan do p reju dicar ou ferir ou tra p es-so a (Ka p la n & Sa d o ck, 1993). A a gressivid a d e fa z p a rte d o p ro cesso d e co n h ecer, p o d e m e -d ia tiza r-se, está -d en tro -d o n ível sim b ólico, a o p a sso q u e a a gressã o n ã o está m ed ia tiza d a e, m u itas vezes, en con tra-se a serviço d a d estru i-ção d o p en sam en to (Fern an d ez, 1992).

Os co n ceito s d e a gressã o e a gressivid a d e, assim com o o d e violên cia, en volvem m ú ltip los en fo q u es e d irecio n a m en to s. Po d em esta r in -serid os d en tro d e m arcos referen ciais b iologi-cistas, com p ortam en talistas, d en tro d e m od e-los exclu sivam en te p siqu iátricos ou d e ab ord agen s m a is a m p la s, co m o a d a vio lên cia estru -tu ral, p rop orcion ad a p elo p róp rio sistem a so-cial com su as in iqü id ad es.

Au tores ad ep tos d as d ou trin as b iologicistas e com p ortam en talistas d a agressão p erceb em -n a co m o “in stin tiva à n atu rez a h u m an a, tão n atu ral e irresistível com o a fom e e o in stin to se-xu al. Eles ten d em a tran sferir as regu larid ad es do n ível biológico para o social e a extrapolar os d ad os referen tes aos an im ais p ara as relações h u m an as em socied ad e”(Min a yo, 1990a :19). Assim , a agressivid ad e h u m an a seria m ed iad a gen eticam en te, resu ltan te d a n atu reza in stin ti-va d o h om em q u e teria u m a ten d ên cia irrep rim ível à violên cia e ao d orim ín io d os ou tros, n u -m a an alogia à teoria d a seleção n atu ral.

(3)

su a s re la ç õ e s fa m ilia re s, e sc o la re s e so c ia is ( Wolff, 1985). Foi en con trad a associação en tre p rivação em ocion al n a in fân cia – agressão fí-sica en tre os p a is, d ep ressã o m a tern a , q u eb ra p reco ce d o vín cu lo m ã e-filh o, n egligên cia o u rejeição m atern a, n ú m ero elevad o d e su b stitu tos m atern os, ab u so físico e sexu al – e con d u -ta vio len -ta em a d o lescen tes (Fo rch a n d , 1991; Assis, 1991). Histórias d e ab u so físico e sexu al têm sid o rela ta d a s p or a d u ltos e a d olescen tes q u e a p resen ta m a u to -im a gem n ega tiva , d ificu ld a d es d e rela cio n a m en to e va zã o in a p ro -p ria d a d e im -p u lso s a gressivo s (Do d ge et a l., 1991; Gil, 1990; Oa tes, 1984; Blo m h o ff et a l., 1990).

Os com p ên d ios d e p siqu iatria têm -se m os-tra d o con os-tra d itórios, a m b ígu os e m esm o p re-con ceitu osos n a ab ord agem d o tem a agressivi-d aagressivi-d e n a in fân cia e aagressivi-d olescên cia. Colocam u m a ên fase m aior n os asp ectos legais d a violên cia, p rin cip alm en te qu an d o en volvem d an os à p ro-p ried ad e ro-p rivad a, em d etrim en to d as con d u tas socialm en te d estru tivas aos joven s, ad u ltocên -tricas e p atriarcais.

Ou tro gru p o d e p en sad ores p erceb e as con d u tas violen tas com o estratégia d e sob revivên -cia d as classes p op u lares, vítim as d as con trad i-çõ es d o ca p ita lism o n o Pa ís. Joven s vio len to s p od em p erten cer a cu ltu ras m argin ais e ap re-sen ta r co m p o rta m en to s a gressivo s co m o fo r-m a d e d efesa, ad ap tação ao gru p o ou ascen são social.

Nesta p esq u isa op tou -se p elo con ceito q u e caracteriza a violên cia com o u m fen ôm en o em ‘red e’. En ten d er a violên cia n esta d im en são sig-n ifica p erceb ê-la em su a s m ú ltip la s fa ceta s, on d e cad a m an ifestação p articu lar se articu la com as ou tras: a violên cia d os in d ivíd u os e d os p eq u en o s gru p o s d eve ser rela cio n a d a co m a violên cia d o Esta d o; a violên cia d os con flitos, com a ord em estab elecid a (Min ayo, 1990a). As in stitu ições socializad oras, com o fam ília, esco-la, sistem a ju d iciário, p erp etu am os com p orta-m en to s vio len to s, n a orta-m ed id a eorta-m q u e sã o resp on sáveis resp ela m an u ten ção de resp aresp éis qu e con -d icion am os in -d iví-d u os a aceitar ou in fligir so-frim en to.“Tom e-se com o exem plo o assassin ato de adolescen tes su p ostam en te delin qü en tes. Há qu e articu lá-los com a violên cia estru tu ral qu e lh es n ega o p ossível social; com a violên cia d o Estado, cu ja face rep ressiva é qu ase a ú n ica qu e esses joven s con h ecem ; com a violên cia organ i-z ad a d os gru p os organ ii-z ad os d e n arcotráfico, qu e lh es p ossibilitam realiz ar seu s son h os d e afirm ação, h eroísm o e con su m o, n u trin d o-os com van tagen s im ediatas; com a violên cia in di-vid u al d e cad a u m qu e ten ta se d efen d er e se salvar sozin h o n u m a sociedade on de os direitos

h u m an os são, para a m aioria da popu lação, u m ideal a con qu istar”(Min ayo, 1990b :291).

A ad olescên cia é u m a etap a d o d esen volvi-m en to h u volvi-m a n o evolvi-m q u e a s p a to lo gia s n ã o sã o tão freqü en tes, ou seja, esp era-se qu e a m orb i-d a i-d e n este gru p o n ã o seja eleva i-d a . Qu a n to à m o rta lid a d e, a p roxim a d a m en te 70% d o s ó b i-to s n esta fa ixa etá ria sã o d evid o s a ca u sa s extern as (SSMA, 1996). Os joven s d o sexo m ascu -lin o e n egros são as vítim as p referen ciais p ara m ortes p or h om icíd io, o qu e ap resen ta ten d ên -cia a scen d en te p rin cip a lm en te n o s gra n d es cen tro s (Min a yo, 1993). Co m p o rta m en to s ju -ven is co n sid era d o s a gressivo s in clu em d esd e atos q u e os ad u ltos classificam com o crim in o-so s, ta is co m o ro u b o e a ssa lto, a té tra n sgres-sões qu e têm relação estrita com a id ad e, com o corrid a s d e a u tom óveis, b riga s d e ru a e b eb e-d eiras. Além e-d isso, a valorização e-d estes ep isó-d io s irá va ria r isó-d e a co risó-d o co m a cu ltu ra e a s cla sses so cia is. O DSMIV (APA, 1994) n ã o in -clu iu a categoria agressivid ad e d en tro d os d ist ú r b io s d e co n d u ist a , q u e co m p re e n d e m p re -d o m in a n tem en te vio la çã o a regra s so cia is. A agressivid ad e, n esta ú ltim a ed ição d o DSM, faz p a rte d a ca tegoria tra n storn o n o con trole d os im p u lsos, d efin id o com o fracasso em resistir a u m im p u lso o u ten ta çã o d e execu ta r u m a to p erigoso p ara si ou p ara os ou tros, resu ltan d o em agressões sérias ou d estru ição d e p rop rie-d a rie-d es, p o rie-d en rie-d o esta r a sso cia rie-d o à su sp en sã o escolar ou d eten ções legais.

Na s esco la s, o d iscu rso é co n stru tivista , em b o ra a vio lên cia sim b ó lica esteja exp lícita ou m ascarad a, e o alu n o ‘agressivo’, qu e n ão se reen qu ad ra n as n orm as vigen tes, acab a exp u l-so o u co n vid a d o a se retira r. “Os m esm os p ro-fessores qu e, em teoria, con sid eram qu e ser u m bom alu n o n ão tem n ada a ver com su bm issão, valorizam positivam en te situ ações qu e in clu em a obediên cia e repetição, e desvalorizam alu n os em situ ações d e agressivid ad e, p orqu e n ão se en ca ix a m n o m od elo in con scien t e d o q u e é ser u m bom alu n o”(Fern a n d ez, 1992). Ca ra c-t e r iza r o co m p o rc-ta m en c-to d e u m jovem co m o agressivo n a escola p od e ser u m a form a velad a d e violên cia , u m estigm a d e d esp restígio, q u e o s d iscrim in a n o m esm o ró tu lo d e m a rgin a li-zad os, d elin qü en tes, in fratores ou p erigosos.

(4)

e as con seq ü ên cias d o ato agressivo, assim co-m o os critérios d e valor d a socied ad e. “A socie-d asocie-d e em qu e vivem os, com seu qu asocie-d ro socie-d e vio-lên cia e d estru ição, n ão oferece garan tias su fi-cien tes de sobrevivên cia e cria u m a n ova dificu ldade para o despren dim en to. O adolescen te, cu -jo destin o é a bu sca de ideais para iden tificar-se, d ep ara-se com a violên cia e o p od er e tam bém os u sa” (Ab erastu ry, 1981 apu dLevisky, 1997). Neste tem a tão com p lexo e su jeito a vieses, fica d ifícil exp licita r a té a o n d e o a d o lescen te está exterio riza n d o u m a co n d u ta ‘a gressiva’ com o u m a rea çã o d e d efesa à violên cia estru tu ra l d a so cied a d e, o u q u a n d o h á u m a in ten -ção d elib erad a d e in fligir d an o ou sofrim en to a o u trem . Em su m a , em q u e m o m en to eles sã o tra n sfo rm a d o s d e vítim a s em réu s. “A p ercep -ção da sociedade em rela-ção aos m en ores in fra-tores é a d e p ivetes qu e rou bam e m atam , logo in com od am o bem estar-social. A socied ad e os vê com o agen tes da violên cia. Pou co se fala des-tes in d ivíd u os en qu an to vítim as ou p oten ciais cidadãos” (Min ayo & Assis, 1993). O com p orta-m en to agressivo d os ad olescen tes certaorta-m en te está articu lad o com as m ú ltip las form as d e violên cia, exp lícitas ou n ão, qu e eles vivem n o âm -b ito d a fa m ília , d a esco la e d e o u tra s in stitu ições d a socied ad e, m u itas d as qu ais com a fu n -ção p recíp u a d e p rotegê-los.

Considerações met odológicas

“Eu n ão sei se tu con segu es atin gir além da cas-ca da su p erficialidade.”Pai, ad olescen te agres-sivo, escola p articu lar.

Est e é u m e st u d o e xp lo ra t ó rio e fe z p a rt e d e u m a tese d e d o u to ra m en to a p resen ta d a à Facu ld ad e d e Med icin a, Un iversid ad e Fed eral d o Rio Gran d e d o Su l. A p op u lação d a p esqu isa foi com p osta p or fam ílias d e ad olescen tes con -sid erad os agressivos e n ão agressivos n a esco-la . Fo ra m selecio n a d a s q u a ren ta fa m ília s d e cad a gru p o, p roced en tes d e d u as escolas: u m a p ú b lica , m u n icip a l, q u e a ten d e p o p u la çã o d e b aixa ren d a, e ou tra p articu lar, com alu n os d e cla sses m éd ia e a lta . Em ca d a esco la , m eta d e d o s a lu n o s era co n stitu íd a d e a lu n o s a gressi-vos e a ou tra m etad e d e alu n os n ão agressigressi-vos. A escolh a d os ad olescen tes foi realizad a n a es-cola, p elos p rofessores d o Serviço d e Orien ta-ção Ed u cacion al (SOE), con sid eran d o agressi-vo o a lu n o q u e en agressi-vo lveu -se em m a is d e u m ep isó d io d e a gressã o física co m co lega s, fu n -cio n á rio s o u p ro fesso res. Ep isó d io s ú n ico s e graves tam b ém foram con sid erad os.

Tod os os ad olescen tes d a escola p articu lar foram en trevistad os d u ran te o p eríod o em qu e

cu rsavam a oitava série, en qu an to os d a escola p ú b lica freq ü en ta va m a sétim a série, exceto qu atro alu n os com d oze an os d e id ad e qu e cu r-savam a sexta série.

Para coletar os d ad os, u tilizou -se u m rotei-ro sem i-estru tu rad o con ten d o em su a m aioria p ergu n tas ab ertas, acerca d a vid a fam iliar, con -ju gal, relação p ai-filh os, rotin as, tarefas, lazer, vid a escolar, con d u ta agressiva d o ad olescen te e sistem a d e p u n ições ad otad o p ela fam ília. To-d as as en trevistas foram realizaTo-d as n o p eríoTo-d o d e m a rço d e 1992 a a b ril d e 1993. Em ca d a fa-m ília forafa-m en trevistad os, in d ivid u alfa-m en te, o p ai, a m ãe e o ad olescen te selecion ad o. As en -tre vista s d u ra va m , e m m é d ia , d e 30 m in a 40 m in p o r a d u lto e d e 15 m in a 20 m in p o r a d o -lescen te. No m o m en to d a en trevista , a en tre-vista d ora en con tra va -se cega p a ra a con d içã o d e agressivid ad e d o ad olescen te.

Du ran te a fase de coleta de dados foi escrito u m Diário d e Cam p o, à sem elh an ça d e p esqu i-sas an trop ológicas (Salem , 1979; Zalu ar, 1986). A in form ação sob re as p u n ições foi catego-riza d a em p u n içã o leve o u a u sen te e p u n içã o gra ve. Pu n içã o le ve o u a u se n te in clu iu situ a-ções em qu e n ão h avia p u n ição física ou qu an-d o esta era p eq u en a, sim b ólica ou leve (tap as; ta p in h a s; p a lm a d a s; p a lm a d in h a s; b eliscõ es; em p u rrões; ‘b ifes’; ch in elad as; ch in elad in h as; sola va n cos; p u xões; p u xã o d e orelh a ; con ten -ção p elo braço; cu tu cos; cascu dos; sacu didelas; ‘croqu es’). Con sid erou se p u n ição grave, qu an -d o h o u ve m en çã o a p elo m en o s u m ep isó -d io con tu n d en te, grave, ou m esm o p erverso (tu n -d as, su rras, p au la-d as, sarrafa-d as, cin ta-d as, es-p an cam en tos; taes-p as e ch in eladas n u m con texto d e m aior gravid ad e, d o tip o “d ei u m a su rra d e ch in elo”; u so d e in stru m en tos com o ch in elos, cin tos, relh os, p au s, m an gu eira, sarrafos, vas-sou ra; locais p ou co u su ais e for m as p erversas d e p u n ição física, m esclad as d e sexu alid ad e).

As fam ílias foram classificad as em flexíveis, q u a n d o h a via u m p a d rã o d e co n d u ta gr u p a l ab erto, d em ocrático e resp eitoso, sem estru tu -ra çã o d e resp o sta s p a -ra lisa d a s e rep etitiva s; e rígid a s, q u a n d o o gru p o fa m ilia r m o stra va -se fech ad o com p red om ín io d e p ad rões d e con fli-to e d om in ação (Falcefli-to, 1989; Lewis, 1981).

(5)

Resultados: os números dos maus-tratos

“Vem d e lon ge e p rom ete n ão ter fim a gu erra en tre pais e filh os, a h eran ça das cu lpas, a rejei-ção d o san gu e, o sacrifício d a in ocên cia.”Jo sé Saram ago

Fo ra m e n tre vista d a s 76 fa m ília s, 37 cu jo s ad olescen tes eram p roced en tes d a escola p ar-ticu lar (48,7%) e 39, d a escola p ú b lica (51,3%). Hou ve d u as recu sas en tre as fam ílias d a escola p ú b lica e q u a tro en tre a s d a esco la p riva d a , p erfa zen d o u m a p erd a tota l d e 7,9%. Ao tod o, fo ra m en trevista d a s 213 p esso a s. A en trevista n ã o fo i rea liza d a co m 16 p a is, cin co d a esco la p articu lar e 11 d a p ú b lica.

A d istrib u ição d a ren d a foi n itid am en te d i-feren te n as d u as escolas. Na escola p articu lar, d ois terços d as fam ílias (62,2%) receb iam m ais d e vin te salários m ín im os, en q u an to n a escola p ú b lica a ren d a d e d o is terço s d a s fa m ília s (74,4%) estava abaixo de seis m ín im os m en sais. A m aioria das fam ílias en trevistadas (72,4%) era co n stitu íd a p o r p a i, m ã e e irm ã o (s). Em 12,3% d as fam ílias h avia a p resen ça d e ap en as u m d os p ais e, n estes casos, o gen itor p resen te era a m ãe. Fam ílias refeitas, com a p resen ça d e u m p a d ra sto, co n stitu íra m 9,2% d a a m o stra . Doze fa m ília s era m sep a ra d a s e q u a tro m ã es eram viú vas, p erfazen d o u m total d e 21,1%, em relação ao total.

A d istrib u ição d os 76 ad olescen tes segu n d o sexo n ão foi h om ogên ea, h aven d o p raticam en -te o d ob ro d e in d ivíd u os d o sexo m ascu lin o, ou seja, 48 rap azes (63,2%) e 28 m en in as (36,8%), n u m a p rop orção d e 1,6:1, q u e se m an teve n as d u a s esco la s. Em b o ra a s m éd ia s d e id a d e d o s a d o lescen tes d a s d u a s esco la s fo ssem sem e -lh an tes – 14,3 an os n a escola p ú b lica e 14,8 n a p articu lar –, a d isp ersão em torn o d a m éd ia n a escola m u n icip al foi m aior. En tre os ad olescen -tes en trevista d o s, 15 (19,7%) exercia m a lgu m t ip o d e t ra b a lh o re m u n e ra d o, se n d o a m a io -r ia – 14 a lu n o s – d a esco la p ú b lica . A d ist-r i-b u ição d os ad olescen tes em relação à h istória d e a leita m en to m a tern o m o stro u q u e a p en a s 8,1% d a s m ã es d a esco la p a r ticu la r n ã o a m a -m en ta ra -m seu s b eb ês, e-m co n tra p o siçã o a 30,8% d a s m ã es d o b a irro. No tota l, 53,9% d a s crian ças foram cu id ad as som en te p ela m ãe n o p rim eiro an o d e vid a e 26,6% estiveram em crech e s. Ap roxim a d a m e n t e 80% d o s a lu n o s e n -trevistad os d a escola p ú b lica h aviam rep etid o p elo m en o s u m a d a s séries d o p rim eiro gra u . Na escola p articu lar, o qu adro in verteu -se: ap e-n as cie-n co alu e-n os (13,5%) tie-n h am h istória d e re-p etên cia.

A classificação d as fam ílias d e acord o com su a d in â m ica evid en cio u u m a q u a n tid a d e

m a io r d e fa m ília s flexíveis en tre o s a lu n o s d a esco la p a rticu la r (46,0%), d o q u e en tre o s d a escola p ú b lica (23,1%).

En co n tra ra m se n ove situ a çõ es d e vio lên -cia física en tre os côn ju ges (11,8% d a am ostra). Três (8,1%) acon teceram em fam ílias d a escola p a rticu la r e seis (15,4%) a co n tecera m n a s d a escola p ú b lica.

A vio lên cia co n tra o s a d o lescen tes fo i exp ressa n o in d icad or exp u n ição física grave. A exp u -n ição física grave, ep isód io ú -n ico ou freqü e-n te, rela ta d a p o r p elo m en o s u m d o s m em b ro s d a fa m ília , o co rreu em 41 d o s rela to s, rep resen -tan d o 53,9% d o total d e casos. Em ap en as sete fam ílias, os três m em b ros en trevistad os n ega-ram a existên cia d e p u n ição física. A m aior p ar-te d a s fa m ília s, p o rta n to, u tiliza va a lgu m tip o d e p u n içã o física em rela çã o a o s filh o s, e o m ais d ram ático é qu e n a m etad e d elas os casti-gos em p rega d os era m gra ves. A situ a çã o m a is séria foi a d e fam ílias em qu e a p u n ição era in -ten sa e freqü en te: 16 casos (18,4%).

Aco n tecera m 14 rela to s d e p u n içã o gra ve en tre o s a lu n o s d a esco la p a rticu la r (37,8%) e 27 en tre os d a escola p ú b lica (69,2%), evid en -cian d o q u e a p u n ição física d as crian ças é u m p ad rão d e con d u ta m ais d issem in ad o en tre as fam ílias d e b aixa ren d a. O ad u lto m ais p u n itivo foi o p ai (44,0%), en qu an to as m ães m altratan -tes p erfizeram 21,9% d a am ostra.

Em a p roxim a d a m en te 30% d o s ca so s d e p u n ição física grave, os ad olescen tes ain d a es-ta va m sen d o p u n id o s n o m o m en to d a en tre-vista. Destes, cin co eram d a escola p articu lar e oito d a p ú b lica.

A an álise b ivariad a q u e testou a associação en tre p u n ição física grave e algu m as variáveis m o stro u q u e o s m en in o s, o s m a is velh o s, o s q u e tra b a lh a va m fo ra e p erten cia m a fa m ília s d e b a ixa ren d a fo ra m o s m a is p u n id o s. Ou tro a sp ecto d a vio lên cia p resen te n o co n texto fa-m iliar foi o d as agressões en tre irfa-m ãos. Ad oles-cen tes p u n id os tiveram oito vezes m ais ch an ce d e serem violen tos com os irm ãos. As fam ílias flexíveis fo ra m m en o s p u n itiva s co m su a s cria n ça s, o u seja , a d o lescen tes p u n id o s tive-ram u m a p rob ab ilid ad e 15 vezes m aior d e p er-ten cerem a fam ílias rígid as.

(6)

Famílias em pedaços

“On de h ás de ju n tar os m il e u m pedaços de cada h om em ?”

Giórgos Seféris

O p rin cip al ach ad o d este estu d o, certam en -te, foi a associação en tre agressivid ad e e p u n ição física, fican d o evid en te q u e os ad olescen -tes co n sid era d o s a gressivo s n a esco la fo ra m m ais p u n id os q u e os n ão agressivos. Assim , fi-cou exp lícita a figu ra d o ad olescen te agressivo e m a ltra ta d o, vio len to e m a ch u ca d o. “Se são violen tos é porqu e estão desesperados.”Essa as-sociação esteve p resen te n as d u as escolas, m as fo i m a is evid en te n a esco la p a rticu la r, o n d e a p u n ição física talvez p ossa ser con sid erad a u m d o s fa to res p red isp o n en tes d a a gressivid a d e fu tu ra d o jovem .

Os resu ltad os d esta p esq u isa d eixaram cla-ro q u e, n a vigên cia d e com p ortam en tos agres-sivo s em a d o lescen tes, n ã o se d eve d eixa r d e p en sar em violên cia dom éstica, fican do eviden-te q u e o ad olescen eviden-te agressivo n a escola é u m in d ivíd u o m altratad o. Em b ora a relação en tre p u n ição física e agressivid ad e já ten h a sid o eviden ciada em diferen tes estudos (Gil, 1990; Kem -p e &am-p; Kem -p e, 1983), ou tros au tores con sid eram q u e a violên cia d om éstica n ão tem sid o citad a com o fator d e risco p ara d istú rb ios em ocion ais em joven s (Assis, 1991). É tem p o, p ortan to, d e se olh ar a violên cia d om éstica e p rop or form as ed u cativas altern ativas n o âm b ito d a escola, d a fam ília e d a socied ad e, p ara qu e esta socied ad e

“n ão p recise se fu n d am en tar n a ética p erversa qu e n ecessita p rom over a m orte d o n ovo, n a fi-gu ra de seu s joven s”(Kayayan , 1992:16).

A p u n içã o física gra ve, ep isó d io ú n ico o u h a b itu a l, rela ta d a p o r p elo m en o s u m d o s m em b ro s d a fa m ília , fo i referid a p o r m a is d a m etad e d a p op u lação am ostrad a n este estu d o. Nu m in q u érito realizad o com escolares n o Es-ta d o d o Rio d e Ja n eiro, a a u to ra referiu 52,8% d e p u n içõ es física s – ep isó d io s leves e gra ves (Min ayo & Assis, 1993).

A p u n ição física foi m ais p revalen te en tre as fam ílias d a escola p ú b lica, em b ora a p rop orção d e fam ílias on d e acon teciam p u n ições graves e freqü en tes ten h a sid o sem elh an te n as d u as es-colas. O p ai foi o ad u lto m ais p u n itivo, con tra-rian d o ou tros estu d os q u e ap on tam a m ãe co-m o o ad u lto co-m ais ab u sivo (Deslan d es, 1994).

Em m u itos d os d ep oim en tos, ao relatar ep i-sód ios d e p u n ição física in ten sa, os p ais m os-traram -se m u ito em ocion ad os. Ch oraram , afirm a ra afirm q u e n ã o b a teria afirm afirm a is n o s filh o s, p a -recia qu e b u scavam ab solvição e alívio d as cu l-p as, l-p ela con fissão qu e a en trevista l-p rol-p orcio-n ava:

“Eu batia n ele. Me atacava e batia n ele. Hoje n ão faço m ais isso. Até m ach u qu ei ele baten d o com o cabo d a vassou ra. Ficou m arcad o n os braços d ele. Eu m e atacava...(ch o ro u ).”Mã e, escola p ú b lica, alu n o agressivo.

Ho u ve situ a çõ es d e co n tra d içã o en tre o s m em b ros d a fam ília: os ad olescen tes afirm an -d o qu e sofriam algu m tip o -d e p u n ição e os p ais n ega n d o. Ta m b ém a co n teceu o co n trá r io, fi-lh os gravem en te p u n id os n egaram a situ ação, q u e foi relatad a p elo gen itor ab u sivo, corrob o-ran d o estu d os q u e afirm am q u e a crian ça viti-m izad a costu viti-m a viti-m an ter-se calad a, viti-m an ten d o-se fiel a o a d u lto m a ltra ta n te, m u ita s vezes o ú n ico vín cu lo afetivo qu e p ossu i. Este com p

or-Tab e la 1

Ag re ssivid ad e e p unição física g rave se g und o e sco la, Po rto Ale g re , 1992/ 1993.

Escola Punição física grave p RC (int ervalo

Sim Não de confiança)

n % n %

Part icular

ag re ssivo 10 62,5 6 37,5 4,62

não ag re ssivo 4 19,0 17 81,0 0,007 (1,31;42,57)

Pública

ag re ssivo 16 80,0 4 20,0 0,140 2,91

não ag re ssivo 11 57,9 8 42,1 (0,58;15,51)

Tot al

ag re ssivo 26 72,2 10 27,8 0,002 4,33

(7)

tam en to p areceu m ais com u m n as form as gra-ves d e ab u so q u an d o m ob iliza in ten sos sen ti-m en to s d e vergo n h a , ti-m ed o e cu lp a (Keti-m p e &ati-mp; Kem p e, 1983).

“Batia m u ito n ele. Ele m e qu estion ava e era qu em m ais ap an h ava. Eu p erd ia a cabeça. Ele tem o dom de m e fazer p erder a cabeça. Sem p re tin h a algu m a coisa qu e ele faz ia p ara m e ata-car. Respon dia com algu m a coisa qu e sabia qu e ia bater n o fígad o. En tão eu ia p ara cim a d ele e batia forte. Se eu vou bater, bato com força. Na cabeça. É ch ocan te o visu al: aqu ele h om em ba-ten d o com força n a cabeça d o gu ri.”Pai, escola p articu lar, alu n o n ão agressivo.

No d ep o im en to a n terio r, o a d u lto a b u sivo p rojetava os asp ectos agressivos n o filh o, p er-ceb id o com o p rovocad or. Ele afirm ou qu e o fi-lh o o fazia p erd er a cab eça e ele b atia n a cab e-ça d o m en in o. Ou tros p ais d eclararam : “Eu n ão m e d ou com esse filh o”; “Ele faz o san gu e su bir n a m in h a cabeça”; “Ele tem o dom de m e provo-car”.Isto p ara ju stificar atos ab u sivos e, em ú l-tim a in stân cia, m od ificar a con d ição d e víl-tim a p ara a d e ré.

A situ a çã o m a is d ra m á tica fo i a d a vio lên -cia m esclad a com sexu alid ad e, form as p erver-sas d e ab u so:

“M in h a m ãe m e d á d e relh o. Tira a rou p a m in h a e d o m eu irm ão e d á d e relh o.”Ad o les

-cen te n ão agressivo, escola p ú b lica.

“Ele m e d isse qu e te con tou qu e eu bato n e-le... Sabe, eu pegu ei u m a cin ta e dei u m as cin ta-d as n ele. Levei p ro qu arto. Baixei o abrigo, se-n ão se-n ão d ói, d eixei ele só d e cu eca e d ei u m as cin tad as. De vez em qu an d o p recisa, n ão é? De vez em qu an do tem qu e dar u n s tapas, n ão é? O qu e eu vou fazer?”Mãe, ad olescen te n ão agres-sivo, escola p ú b lica.

Algu m as fam ílias m ostraram -se tão d ilace-ra d a s q u e p a recia n ã o ter so b ilace-ra d o n a d a a n ã o ser a ra iva . Agressõ es verb a is, física s, reta lia -çõ es, jo go s d e p o d er e d e fú ria . Na s fa m ília s p u n itivas, h avia m en os flexib ilid ad e e d iálogo, m a is rigid ez n a s rela çõ es e p a p éis d esem p e -n h ad os, além d e m aior qu a-n tid ad e d e co-n flitos en tre os irm ãos.

Mu ito s a d o lescen tes p u n id o s a in d a esta -vam sen d o m altratad os. Esses alu n os, e p rin ci-p a lm en te su a s fa m ília s, ci-p recisa ria m d e u m aten d im en to im ed iato.

“Ten to falar com a m in h a m ãe qu e eu já tô gran de p ara ap an h ar assim . Ela bate qu an do a gen te faz arte. Su rra d e cin ta. N ão p od e faz er baru lh o, ela fica braba. Ela ach a qu e eu d ebo-ch o d ela. Daí ela m e su rra. Diz qu e eu p rovoco ela.”Ad olescen te n ão agressivo, escola p ú b lica. A d o m in a çã o e o a u to rita rism o p erp a ssa -vam m u itos d os esp aços d a vid a d estes ad

oles-cen tes. A violên cia d om éstica in corp orad a n os castigos e p ráticas ed u cativas foi ap en as u m d e seu s asp ectos. A violên cia está exp ressa n as discrim in a ções d e gên ero, id a d e e ra ça , n a s con -trad ições en tre d iscu rso e p rática d os ad u ltos, n a co n d u ta d a s esco la s, evid en tem en te m a is acen tu ad a n o colégio p ú b lico, e p rin cip alm en -te n a violên cia estru tu ral d a socied ad e q u e fe-ch a a estes joven s as p ortas d a esp eran ça.

Con sid era-se op ortu n o, e até esp eran çoso, fin alizar com o relato d e u m a fam ília n ão p u n itiva. Estas fam ílias tam b ém estiveram p resen -tes n este estu d o. Ela s en fren ta m p ro b lem a s e crises, com o q u alq u er ou tra fam ília, m as p ro-cu ram resolvê-los d e form a m ais ab erta, flexí-vel, d em ocrática e, in clu sive, b em -h u m orad a.

“Ach o qu e se d eve cortar algu m a coisa, m as algu m a coisa leve. N ão ten h o p en alid ad e d rás-tica. O assu n to aqu i em casa é m u ito d ebatid o. Eu acred ito m u ito n a con versa, até p elo fato d e ser ju iz. Sen ão a p en a term in a sen d o u m a vin -gan ça. N ão é p reciso ficar tu d o tão bord ad o d e p u n ições.”Pa i, a d o lescen te a gressivo, esco la p articu lar.

Considerações finais

“ ... n ão m e p eça exatid ão p orqu e vou com eter erros, m u ita coisa eu m e esqu eço ou se distorce, n ão gu ardo lu gares, datas, n em n om es; em com -p en sação, n u n ca d eixo esca-p ar u m a boa h istó-ria.”Isab el Allen d e

Esta p esq u isa co n firm o u a id éia in icia l d e q u e a d o lescen tes a gressivo s n a esco la teria m exp erim en tad o m ais ep isód ios d e violên cia d o -m éstica d o q u e o s n ã o a gressivo s. Co n tu d o, o m ais estarreced or foi verificar o qu an to a p u n i-ção física d as crian ças está d issem in ad a n a so-cied ad e e é aceita com o p rática d iscip lin ar d e joven s e ad olescen tes.

(8)

ta n ta s vezes tã o d esp ro tegid o s, a m o d ifica r a d en om in ação in icial d o estu d o: Por qu e n ossos ad olescen tes são tão agressivos?p a ra o a go ra evid en te: Por qu e som os tão agressivos com n os-sos adolescen tes?, qu e se torn ou o títu lo d e p assagem d u ran te o tran scu rso d o trab alh o, d ocu -m en tan d o a -m u d an ça d e p ostu ra e d e p on to d e vista qu e acon teceu n o p rocesso d a p esqu isa.

A fan tasia in icial d e qu e as fam ílias se recu -sariam a p articip ar d o trab alh o ou se calariam , d e q u e o h om em seria o m em b ro m ais arred io n a s en trevista s, n ã o se co n firm o u . Nã o só a s p essoas p articip aram com o se sen tiram aliviad a s co m isso e m u ita s a gra aliviad ecera m a o p o rtu -n id ad e d e p articip ar d o estu d o. Hou ve qu estio-n a m eestio-n tos em rela çã o à p rofu estio-n d id a d e e/ ou fi-d efi-d ign ifi-d afi-d e fi-d as resp ostas, em b ora estas fi-d ú vi-d a s p u vi-d essem sign ifica r u m a reflexã o so b re o p rocesso d e trab alh o.

“Olh a, é en graçad o. N a verd ad e, p ergu n tas coisas bem p essoais. Já p en sou , se eu d esse p au n ele ia ter qu e te con tar, e é u m a coisa h orroro-sa. Ou ia ter qu e m en tir qu e tam bém é u m a coi-sa h orrorocoi-sa. Eu ten h o u m a relação com u m a p essoa qu e qu er se desen volver in telectu alm en -te. Tu n ão ia m e tirar p ed aços. Ia fazer algu m a p ergu n ta in d iscreta. M as trabalh o cien tífico é trabalh o cien tífico. Eu n ão sei se tu con segu es u ltrap assar a cou raça d as d efesas... .”Pai, ad o-lescen te agressivo, escola p articu lar.

Ficou evid en te q u e o trab alh o com ad oles-cen tes em crise d eve ser realizad o ju n to à fam ília. O ad olescen te com com p ortam en to violen -to está d en u n cia n d o a lgu m a co isa , q u er seja m au stratos, ab u so sexu al, solid ão, d or. Articu -lan d o-se com a fam ília, a escola e a eq u ip e d e

sa ú d e so m a m esfo rço s e, certa m en te, m u ito s n ós p od erão ser d esatad os. O p ap el d o p rofes-sor é valioso: id en tifican d o situ ações, en cam i-n h ai-n d o, ou vii-n d o a fam ília, acolh ei-n d o. Com e-ça aqu i a atu ação in terd iscip lin ar (Cru z Neto et al., 1993).

Con sid erase op ortu n o com en tar a m u d an -ça in tern a qu e ocorreu n a p esqu isad ora. Nesta ta refa d e co leta r h istó ria s d e vid a , co m p a rti-lh ar em oções, d ores e segred os, m u itos foram os sen tim en tos qu e b rotaram , p orém , “... se in vad i estas p essoas fu i, con com itan tem en te, in -vad id a p or elas. Em su m a, sei qu e in frin gi n or-m as de ior-m p arcialidade n a coleta dos dados (...) p arece-m e qu e o p on to cen tral n ão é com o p ro-ceder para atin gir a im parcialidade m as an tes o de explicitar, sem pre qu e possível, o m odo com o foi con d u z id o o trabalh o d e cam p o”(Sa lem , 1979:63).

Estas h istórias, tan tas, estas fam ílias in tei-ras e aos p edaços, estes adolescen tes m ach u ca-d os, tristes, m arcaca-d os, estas ca-d ores e tam b ém as alegrias, foram ferm en tan do n a cabeça e n o co-ração d a p esqu isad ora p ara torn á-la u m a ou tra p essoa. A con statação da u n iversalidade dos te-m as, “a lágrim a n a pele bran ca, n a pele escu ra”, o cin to q u e co rre, a cu lp a , o s p reco n ceito s d o lad o d e lá, d o lad o d e cá, as tram as, a im p otên -cia e o com eça r d e n ovo, p orq u e, sem d ú vid a , ch ega-se à p ared e d os p róp rios lim ites. Lim ites qu e são o n ovo p on to d e p artid a. No fim d a jor-n ad a, ou , qu em sab e, “n a m etade do cam in h o”, p ercebo qu e, n o tran scu rso da tarefa, obtive u m p eq u en o, frágil, fu gid io e volátil fragm en to d e co n h ecim en to d a m esm a n a tu reza , a cred ito, d aqu ela força qu e “m ove o sol e as estrelas!”.

Referências

APA (Am erican Psych iatric Association ), 1994. Diag-n ostic aDiag-n d Statistical M aDiag-n u al of MeDiag-n tal Disorders – DSM -IV. Wa sh in gto n , D.C.: Am erica n Psych i-atric Association .

ASSIS, S. G., 1991. Qu an d o Crescer é u m Desafio So-cial: Um Estu d o Sócio-Ep id em iológico sobre Vio-lên cia em Escolares em Du qu e d e Cax ias, Rio d e Jan eiro. Dissertação d e Mestrad o, Rio d e Jan eiro: Escola Nacion al d e Saú d e Pú b lica, Fu n d ação Os-wald o Cru z.

(9)

CHESS, S. & HASSIBI, M., 1982. Distú rb ios d e con d u -ta. In : Prin cípios e Práticas de Psiqu iatria In fan til

(S. Ch e ss & M. Ha ssib i, e d s.), p p. 91-166. Po rto Alegre: Artes Méd icas.

CRUZ NETO, O.; SOUZA, E. R. & ASSIS, S. G., 1993. En tre o d e te rm in ism o e a su p e ra çã o : a lgu m a s co n sid e ra çõ e s. In : O Lim ite d a Exclu são Social: Men in os e Men in as d e Ru a n o Brasil(M. C. My-n aio, ed .), p p. 117-124. São Pau lo: Hu citec. DESLANDES, S., 1994. Aten çã o a cria n ça s e a d o

les-cen tes vítim as d e violên cia d om éstica. Cad ern os de Saú de Pú blica, 10(su p l.1):177-188.

DODGE, K. A.; BATES, J. E. & PETTIT, G. S., 1991. Me ch a n ism s in th e cycle o f vio le n ce. Scien ce, 250:1.678-1.683.

EISENSTEIN, E. & SOUZA, R. P., 1993. Situ ações d e Risco à Saú d e d e Crian ças e Ad olescen tes. Rio d e Jan eiro: Vozes.

FALCETO, O. G., 1989. Dia gn ó stico p siq u iá trico d e fa m ília . Revista d e Psiqu iatria d o Rio Gran d e d o Su l, 11:131-136.

FAGAN, J. & WEXLER, S., 1987. Crim e at h om e an d th e stre e ts: th e re la tio n sh ip s b e twe e n fa m ily a n d stran ge violen ce. Violen ce an d Victim s, 2:5-23. FERNANDEZ, A., 1992. A agressivid ad e: qu al o teu p

a-p el n a aa-p ren d izagem ? In : Paixão d e Ap ren d er(E. Grossi, ed .), p p. 168-180. Rio d e Jan eiro: Vozes. FORCHAND, R., 1991. Th e role of th e fam ily stressors

an d p aren t relation sh ip s on ad olescen t fu n ction -in g. Jou rn al of th e Am erican Acad em y of Ch ild an d Adolescen t Psych iatry, 30:316.

GIL, E., 1990. Treatm en t of Ad u lts Su rvivors of Ch ild -w ood Abu se. Californ ia: Sage Pu b lication s. KAPLAN, H . & SADOCK, B., 1993. Co n d içõ e s n ã o

atrib u íveis a u m tran storn o m en tal. In : Com p ên -d io -d e Psiqu iatria(H. Ka p la n & B. Sa d ock, ed s.), 6aed ., p p. 577-587. Porto Alegre: Artes Méd icas. KAYAYAN, A., 1992. Violên cia e saú d e. IX Con ferên cia

N acion al d e Saú d e. Bra sília : Un ive rsid a d e Na -cio n a l d e Bra sília . Cad ern os Descen traliz an d o e Dem ocratizan do o Con h ecim en to, 9:13-17. KEMPE, R. & KEMPE, H., 1983. Ch ild Abu se. Su ffolk:

Fon tan a Pap erb ooks.

LEVISKY, D. L. e cols., 1997. Adolescên cia e Violên cia – Con seqü ên cias da Realidade Brasileira. Porto Ale-gre: Artes Méd icas, 1997.

LEWIS, J., 1981. A fam ília d o p acien te. In : Psiqu iatria n a Prática M éd ica(G. Usd in & J. Lewis, ed s.), p p. 68-69. Rio d e Jan eiro: Gu an ab ara-Koogan .

MENEGH EL, S. N., 1986. Vigilâ n cia d a s p rin cip a is ca u sa s d e ó b ito p re m a tu ro. Boletim d a Saú d e, 13:34-36.

MINAYO, M. C., 1990a . Bibliografia Com en tad a n a Prod u ção Cien tífica Brasileira sobre Violên cia e Saú d e. Rio d e Jan eiro: Escola Nacion al d e Saú d e Pú b lica, Fu n d ação Oswald o Cru z.

MINAYO, M. C., 1990b. A violên cia n a ad olescên cia – em fo co a a d o lescên cia d esca m isa d a . Cad ern os de Saú de Pú blica, 6:278-292.

MINAYO, M. C., 1993. O Lim ite d a Exclu são – Men i-n os e Mei-n ii-n as d e Ru a i-n o Brasil.Rio d e Ja n e iro : Hu citec-Ab rasco.

MINAYO, M. C. & ASSIS, S., 1993. Violên cia e saú d e n a in fân cia e ad olescên cia: u m a agen d a d e in vesti-gação estratégica. Saú de em Debate, 39:58-63. MUZA, G. M., 1994. A crian ça ab u sad a e n egligen

cia-d a. Jorn al de Pediatria, 70:56-60.

OATES, R. J., 1984. Pe rso n a lity d e ve lo p m e n t a fte r p h ysical ab u se. Arch ives of Disease in Ch ildh ood, 59:147-150.

OSÓRIO, L. C., 1982. Sín d rom e d elin qü en cial: u m es-tu d o so b re a p sico p a to lo gia d o a d o lescen te. In :

In fân cia e Ad olescên cia( J. Ou teiral, ed .), p p. 74-86. Porto Alegre: Artes Méd icas.

PELTON, L., 1980. Ch ild ab u se an d n eglect: th e m yth o f cla ssle ssn e ss. In : Ch ild Abu se an d N eglect – Com ission an d Om ission ( J. V. Co o k & R. T. Bowle s, e d s.), p p. 87-96. To ro n to : Bu tte r wo rth an d Com p an y Lim ited .

SSMA (Secreta ria d e Sa ú d e e Meio Am b ien te), 1996.

Estatística de Saú de – Mortalidade. Porto Alegre: SSMA.

SALEM, T., 1979. En trevistan d o fam ílias: n otas sob re o tra b a lh o d e ca m p o. In : A Aven tu ra Sociológica

(E. Nu n es, ed .), p p. 47-64. Rio d e Jan eiro: Zah ar. STITH, D., 1993. Can p h ysician s h elp cu rb ad olescen t

violen ce? Hospital Practice, 27:193-207.

WOLFF, S., 1985. No n -d e lin q u e n t d istu rb a n ce s o f con d u ct. In : Ch ild an d Ad olescen t Psych iatry(M. Ru tte r & L. He sso r, e d s.), 3a e d . p p. 400-423. Boston : Blackwell Scien tific Pu b lication s. ZALUAR, A., 1986. Te o ria e p rá tica d o tra b a lh o d e

Referências

Documentos relacionados

ativity duration, m ethod of diagnose, pregnancy analysis, cytology and colposcopy results and association w ith vulva and vagina injuries w ere evaluated.. -Infection by the hum

T hus, these w ere patients w ith severe heart disease and a poor prognosis w ho presented acute ischem ia of the low er lim b and w ere subm itted to revascularization, w

As the Y strain induces a lethal infection after the second week, the groups infected w ith this strain w ere maintained on the same diet until the animals

The 5th and 6th days (Gro ups 5 and 6) w ere characterized by the acute o nset o f the -d isease, w ith the guinea pigs displaying serious anato mo patho

Risk factors for normoglycemic patients w ith coronary artery disease such as dyslipoproteinemia, hypertension and obesity can be treated successfully w ith intensified

Know ing the importance of a correct diagnosis w ith regard to body fat, once the adequate amount of body fat is vital for good health conditions, this study w as developed w ith

New studies should be conducted w ith the objective of elaborating independence measure instruments that could be used in the rehabilitation context of patients w ith spinal

Correlating to the clinical practice, the results point that the ther- apeutic ultrasound applied w ith the present parameters, should not be used for treatment in sites w ith open