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Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo.

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Academic year: 2017

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DOSSIÊ

INTRODUÇÃO

A crise do modelo de representação políti-ca que ocorre no contexto internacional apresenta, em nosso país, algumas especificidades locais. No plano internacional, e acompanh ando análise de Miguel (2003) acerca das mudanças no caráter da representação política, algu mas evidên cias pare-cem sustentar a idéia de crise de representação: o declínio do comparecimento eleitoral, a ampliação da desconfiança dos cidadãos com relação às ins-titu ições políticas e o esvaziamen to dos partidos políticos, através, entre outros, da burocratização de suas estruturas internas e da crescente interfe-rência da mídia junto ao processo eleitoral.

El e m e n t o s d e s s a c r i s e t a m b é m s ã o registrados na sociedade brasileira que, em combi-n ação com certos padrões tradiciocombi-n ais do fazer política, vêm justificando um conjunto de

deman-* Dou tora em Ciên cias Sociais p ela UNICAMP. Professora d o Dep artam en to d e Sociologia e Ciên cia Política d a Un i-versid ad e Fed eral d e San ta Catarin a (UFSC).

Cam p u s Un iversitário Trin d ad e, Florian óp olis - San ta Catarin a - Brasil. ligia@cfh .u fsc.br

1 Este artigo é resu ltad o p arcial d a p esqu isa “Particip ação e e x c l u s ã o n o s Co n s e l h o s Ge s t o r e s e O r ç a m e n t o s Particip ativos/SC” (CNPQ/Fu n p esqu isa).

PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NOS CONSELHOS

GESTORES E NO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

1

L ígia H elena H ahn L üchmann

*

d as d irecion ad as à criação d e in stitu ições participativas (que encontram guarida na Consti-tu ição de 1988). Os Con selh os Gestores e Orça-mentos Participativos (OPs) passam a se constituir e m r e fe r ê n c i a s c e n t r a i s d e e x p e r i ê n c i a s participativas n o país, dan do impu lso ao desen -volvimento de um debate teórico sobre participa-ção política e democracia, o que amplia, sobrema-n eira, u ma cosobrema-n cepção de política voltada estrita-mente para o campo de ação exclusivo dos repre-sentantes políticos que orientam as suas estratégi-as e escolh estratégi-as políticestratégi-as a partir do jogo eleitoral.

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necessidade de um tratamento analítico mais refi-n ado, u ma vez qu e, grosso modo, as reflexões so-bre as relações en tre esses dois in stru men tos de ação política – participação e representação – têm feito predominar um viés dualista, que guarda se-parações dadas pelos diferen tes modelos demo-cráticos. Assim, obviamente, participação (P) con-forma o eixo analítico das teorias da democracia participativa, e representação (R), da democracia representativa eleitoral. Visando a analisar as ten-sões entre esses dois eixos analíticos, vários estu-dos têm centrado esforços na avaliação da capaci-dade que as experiências participativas oferecem para “rebalancear a articulação entre a democracia rep resen tativa e a d em ocracia p articip ativa.” (Avritzer, 2003).

Para além, entretanto, das tensões entre de-mocracia representativa e dede-mocracia participativa,2

as experiências participativas instauram (ou inau-guram) novos mecanismos e relações de represen-tação política que, por apresentarem especificidades e diferenças substantivas em relação ao modelo da representação eleitoral (e embora dele sofram vári-os impactvári-os), desafiam n ovas abordagen s acerca do tema da participação e da democracia.

Tomando como referência dois tipos de ges-tão participativa implementados no país, nos seus traços e características gerais, este artigo visa a ana-lisar a relação entre participação e representação no interior dessas experiências, da perspectiva das práticas de participação e representação (denomi-nadas aqui p&r),3 utilizando como suporte

analítico, além dos estu dos de caso, elemen tos de regu -lamentação compostos nas respectivas legislações. A multiplicidade e a diversidade de experiências participativas – por si próprias determinantes para a confusão e complexificação da questão da repre-sentação – motivaram a delimitação desta análise

em dois modelos participativos, quais sejam: a) os conselhos gestores e, mais especificamente, os da área da saú de, assistên cia social e crian ça e ado-lescen te – por apresen tarem, embora com su as especificidades e diferen ças, u m con ju n to de ca-r a c t e ca-r í s t i c a s e m c o m u m , a e x e m p l o d a obrigatoriedade legal, do caráter deliberativo e da composição (paritária e tripartite), formada por entidades representativas da sociedade civil e por representantes governamentais; e b) o orçamento participativo,4 por se constituir em modelo que tem

orientado outras experiências de participação nas defin ições dos orçamen tos pú blicos em diversos municípios do país.

A escolh a e a delimitação desses modelos estão ancoradas na avaliação de que, embora siste-maticamente apontados como exemplos de demo-cracia participativa, apresentam diferenças signifi-cativas no que diz respeito à relação entre partici-pação e representação (p&r), diferenças essas que parecem tradu zir, em grau de importân cia n ada desprezível, potencialidades, limites e desafios da participação e da democratização.

PARTICIPAÇÃO, REPRESENTAÇÃO E LEGITI-MIDADE DEMOCRÁTICA

Tomando em conta o sentido básico de par-ticipação (auto-apresentação) e de representação (tornar presente algo que está ausente) a partir da an álise de Pitkin ([1967]), fica claro o peso dife-ren ciado de cada u m desses pólos n os difedife-ren tes modelos de democráticos. Assim, n o modelo re-presentativo, a participação se restringe ao momento da escolha dos representantes, na ocasião do pro-cesso eleitoral. Aqu i, a legitimidade do sistema democrático é dada pela manifestação eleitoral da von tade dos cidadãos (Novaro, 1995). Em ou tras palavras, a responsabilidade do processo decisório fica restrita aos represen tan tes escolh idos pelo sufrágio eleitoral.

2 Sobre essas ten sões, ver Silva (1999). Algu n s estu d os avaliam as ten sões en tre exp eriên cia p articip ativa e ou -tras esferas d e p od er in stitu cion al, com o a Câm ara d e Veread ores (Dias, 2000) e o Execu tivo (Borba, 1998) 3 Para efeito d esta an álise e n o in tu ito d e evitar con fu

-sões, estou ad otan d o a sigla p &r com o p ráticas d e p arti-cip ação e rep resen tação n as exp eriên cias ch am ad as d e p articip ativas, sen d o qu e as siglas: P e R in d icam , resp ec-tivam en te, p articip ação d ireta (P) e rep resen tação eleito-ral (R).

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Já os modelos participativos apresentam, de maneira geral, um critério de legitimidade ancora-do na idéia de que as decisões políticas devem ser tomadas por aqueles que estarão submetidos a elas, por meio do debate público. Com efeito, no plano teórico, as diferenças com relação aos mecanismos da democracia representativa são marcantes, já que incorporam a participação da popu lação n o pro-cesso de discussão e de tomada de decisões políti-cas. Tendo em vista a inevitabilidade da represen-tação (na participação), a efetividade desse pressu-posto participativo vai ocorrer através de diferen-tes práticas de participação e representação (p&r). Em se tratando de experiências brasileiras, percebemos, embora com múltiplas configurações e orien tações, qu e dois modelos – qu e me pare-cem bastante expressivos na constituição diferen-ciada como p&r – se con solidam. De u m lado, o modelo dos conselhos, pautado na idéia de parti-cipação coletiva, ou seja, de represen tação das organizações da sociedade civil. De outro, o orça-mento participativo que, apresentando a configu-ração de uma “esfera pública essencialmente ple-béia” (Baierle, 2005, p.19), desenha uma organiza-ção que parece apresentar maior combinaorganiza-ção entre participação direta (nas assembléias de bairros e regiões) com mecan ismos de represen tação (via escolha delegados e conselheiros), embora também, essa represen tação esteja, n a prática, fortemen te in formada e mediada pelas organ izações sociais. Não obstante compartilh em, de maneira geral, as características acima esboçadas, as diferenças quan-to ao peso e à maior ou menor combinação entre a participação e representação (individual e coleti-va) con stitu em, n o meu en ten der, u m elemen to analítico importante, no que se refere ao debate acerca da legitimidade da representação – seja por m an dato, n o caso do OP, seja por critérios de expertise ou qualificação, no caso dos conselhos – nos espaços de participação.5

PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NOS CONSELHOS GESTORES

Os con selh os gestores das políticas pú bli-cas são amparados por legislação nacional, apre-sen tam u m caráter mais estru tu rado e sistêmico de política pública e sua atuação está prevista nas três esferas governamentais (Município, Estado e n o plan o n acion al). Apresen tam “atribu ições le-galmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas na respectiva esfera governamental, compondo as práticas de planeja-mento e fiscalização das ações. São também conce-bidos como fóru n s pú blicos de captação de de-mandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como uma forma de am-pliar a participação dos segmentos com menos aces-so ao aparelh o de Estado”.6 Estão voltados para a

garan tia de u n iversalização dos direitos sociais. En tre eles, destacam-se os Con selh os de Saú de, de Assistên cia Social, de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Com mais de dez an os de atu ação, esses diferen tes con selh os vêm sen do objeto de estu -dos,7 n ão apen as por su a proposta – ou sada e

di-ferencial – em relação à lógica tradicional de elabo-ração e delibeelabo-ração das políticas pú blicas, como também por terem con stitu ído u m “exército”8 de

con selh eiros, o qu e in au gu ra n ovas formas de re-presen tação da sociedade civil ju n to ao campo institucional.

5 Agrad eço a Ad rián Gu rza Lavalle p ela leitu ra criteriosa e p e l o s c o m e n t á r i o s a e s t e t r a b a l h o , d e n t r e e l e s , a esp ecificação d e algu m as d iferen ças n o tip o d e rep resen -tação d esses esp aços: “Os Con selh os op eram com u m a rep resen tação coletiva d e ju re, en qu an to o OP op era si-m u ltan easi-m en te cosi-m u si-m a rep resen tação coletiva d e fato (os su jeitos qu e lá estão rep resen tan d o algu m a en tid ad e

n os d iferen tes ciclos) e com u m a rep resen tação in tern a-m en te con stru íd a p elo p rocesso in stitu cion al (d elega-d os e con selh eiros escolh ielega-d os p or cielega-d aelega-d ãos “avu lsos” e p or rep resen tan tes d e en tid ad es). Por fim , os Con selh os alim en tam p ráticas d e rep resen tação p or advocacy ou p róxim as d a id éia d e rep resen tação virtu al, en qu an to, n o OP, a even tu al p resen ça d esse tip o d e p ráticas acaba su bord in ad a a algu m a m od alid ad e d e rep resen tação p or m an d ato (isso, d esn ecessário exp licar, n ão can cela a au -ton om ia e in d ep en d ên cia d os rep resen tan tes)”. 6 Com u n id ad e Solid ária/IBAM/IPEA.

7 Recu p ero vários d esses estu d os em an álise qu e p rivilegia a qu estão d o d esen h o in stitu cion al d os con selh os, em Lü ch m an n , 2002.

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Tomando como referência de análise os con-selhos das áreas da saúde, da criança e do adoles-cen te e da assistên cia social, podemos perceber, embora com diferen ças e especificidades locais, regionais, etc., duas características centrais na re-lação entre participação e representação (p&r): a participação de entidades ou organizações da soci-edade civil, e a paridade9 na representação entre

sociedade civil e Estado. De acordo com as su as respectivas leis de criação, pode-se observar a di-mensão da representação coletiva por meio de en-tidades não-governamentais10 (Criança e

Adoles-cente) ou organizações representativas (Assistên-cia So(Assistên-cial), bem como a questão da paridade, seja entre Estado e sociedade (Criança e Adolescente, Assistên cia social), seja en tre u su ários e demais setores (Saúde).

Destaqu e, portan to, para o tipo de repre-sen tação social ju n to aos con selh os. Como vere-mos a segu ir, a represen tação por en tidades – ou organizações da sociedade civil – está difusamente ancorada na legitimidade dessas organizações em promover, de diferentes formas, a defesa das vari-adas “cau sas” sociais e de deman das de gru pos e setores sociais h istoricamente excluídos dos pro-cessos de decisão política.

Uma regra básica de participação junto aos conselh os diz respeito, portanto, à participação e (ou) representação paritária12 entre setores da

soedade civil e do Estado. No caso da socisoedade ci-vil, essa representação apresenta duas característi-cas centrais. Em primeiro lugar, está relacionada a entidades constituídas, e, nesse sentido, não exis-te espaço para a participação individual, embora a resultante dessa representação por entidades aca-be, em muitos casos, em uma participação indivi-du al. Em segu n do lu gar, o termo sociedade civil abriga e homogeneíza – no mesmo pólo – um con-junto bastante diferenciado de organizações, enti-dades, gru pos de in teresses: ONGs, en tidades fi-lantrópicas, entidades sindicais, organizações em-presariais, etc. Esse critério ou prin cípio de pari-dade parece decorrente do processo de lutas e ar-ticulações da sociedade civil que se forjaram des-de o contexto autoritário e que atravessaram a dé-cada de 1980, desembocan do, n o momen to da Constituinte, em várias articulações e mobilizações, ten do em vista a implemen tação de con selh os. Nesse sen tido, imbu ídos de u ma con cepção de sociedade civil amplamen te an corada n os movi-men tos e organ izações sociais qu e apresen tavam um teor crítico e democratizante, o formato paritário

9 No Con selh o d e Saú d e, o p eso m aior d a rep resen tação recai cobre o setor d os u su ários, qu e d etém 50% d e seu s assen tos.

10 Em bora a legislação d o con selh o d e saú d e n ão esp ecifi-qu e a rep resen tação coletiva, a lista d e rep resen tan tes d eixa clara essa d im en são.

11 Trech os retirad os d as resp ectivas leis d e criação. 12 Foge aqu i a essa regra d e p arid ad e o caso d os Con selh os

d e Saú d e, qu e ap resen tam u m a com p osição trip artite en tre u su ários, p restad ores d e serviços, p rofission ais d e saú d e e govern o.

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dos con selh os acaba revelan do, com o ressalta Tatagiba (2002), certa “ingenuidade” forjada por uma compreensão mais homogeneizadora da soci-edade civil, desconsiderando sua fragmentação e heterogeneidade. Pode-se dizer, portanto, seguin-do a análise da autora, que essa regra de paridade revela, de certo modo, uma perspectiva maniqueísta en tre a sociedade civil e o Estado n a con stitu ição original desse modelo participativo.

Destaco aqui algumas dimensões dessa re-presentação coletiva. Em primeiro lugar, o fato de os conselhos gestores se inserirem nesse paradigma d e p articip ação in stitu cion al através d e u m a especificidade que, advinda dos vários empreen-dimentos e lutas coletivas, caracteriza-se pela sua regulamentação legal, o que imprime, portanto, um caráter de obrigatoriedade de participação da soci-edade civil. Esse novo estatuto legal apresenta, por sua vez, importantes diferenças quanto ao contex-to – mais ou menos mobilizatório e participativo – de implemen tação local. Como ressalta Dagn in o (2002), é n ecessário se aten tar para o fato de qu e, se a luta pela implementação dos conselhos – ten-do em vista qu e a alteração n os tradicion ais pa-drões das políticas pú blicas – se torn ou possível “graças à correlação de forças presen te n o n ível nacional, durante a formulação da Constituição de 1988 (...), essa correlação de forças está lon ge de se reprodu zir n os con textos localizados e n os momen tos em qu e se dá a in stalação dos Con se-lh os n os vários mu n icípios e estados, e in clu sive no nível federal” (2002, p.294). De forma induzida, portanto, a instalação dos conselhos não segue um padrão de mobilização e organização social, o que certamente constitui-se como fator determinante – em vários casos – para a sua existência como mera exigên cia legal, con stitu in do-se como “meras es-truturas governamentais adicionais” (2002).

Entretanto, mesmo naquelas situações em que os conselhos resultam de uma correlação de forças no sentido de efetivamente constituírem-se como esferas públicas legítimas e autônomas, observa-se que, da sua capacidade mobilizatória de implementação, não decorre uma capacidade de sustentação pautada em uma ampla representatividade e efetiva deliberação.

Em segundo lugar, a combinação da parida-de com a represen tação por en tidaparida-des apresenta alguns limites quanto à ampliação da participação a um sujeito mais plural. Além dos próprios limi-tes n u méricos ou de assen tos,13 percebe-se u ma

redu ção n o qu adro de su jeitos participativos, a partir da tendência natural de incorporação daque-les setores qu e apresen tam maior “legitimidade” de represen tação. Assim, n o caso dos con selh os de assistên cia social, as categorias e os profissio-n ais de Serviço Social, por u m lado, e as eprofissio-n tida-des prestadoras de serviços de assistên cia social, por outro, acabam prevalecendo sobre outros seto-res sociais (Côrtes, 2002), sendo que situações si-milares vêm ocorren do em ou tras áreas de políti-cas sociais.

Uma vez que a sociedade civil é uma esfera social caracterizada por diferenças, contradições, conflitos e desigualdades sociais, “a paridade nu-mérica não corresponde a uma paridade política” (Stanisci, 1997), na medida em que se observa – e com bastante freqüência – conflitos de interesses en tre os setores qu e represen tam a sociedade ci-vil.14 Mesmo entre as experiências que não

obede-cem à regra da paridade, como no caso dos conse-lh os de saú de, observam-se mu itas dificu ldades para o estabelecimento de uma representatividade expressiva dos diferentes interesses sociais.

Essa dimen são abre u m con ju n to de qu es-tões relativas aos critérios de escolh a e aos meca-n ismos de au torização desse tipo de represemeca-n ta-ção. Os critérios de escolh a dos in tegran tes dos Con selh os têm sido objeto de qu estion amen tos e reavaliações, e são in dicativos, com o salien ta Moraes (1998), dos diferentes conceitos e entendi-men tos acerca da sociedade civil, do Estado e da democracia. Várias questões são levantadas. A

so-13 A qu an tid ad e d e assen tos d os d iferen tes setores, em cad a con selh o, é relativa à área d e atu ação e obed ece a u m p ad rão d e qu an tid ad e e qu alid ad e qu e corresp on d a ao con ju n to d e setores govern am en tais e sociais qu e atu am ou estão, d e algu m a form a, relacion ad os à p olíti-ca em qu estão.

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ciedade civil pode – e deve – ser reduzida a certas organizações ou segmentos sociais? Quais dessas organizações ou segmentos apresentam maior legi-timidade para participar ju n to aos Con selh os? Quais os critérios para essas escolh as?

Os conselhos gestores apresentam diferen-ças, ou especificidades, qu e vão do n ú mero de assen tos, passan do pelo perfil dos segmen tos re-presentados e dos mecanismos de escolha desses representantes. Alguns setores escolh em seus re-presen tan tes em assembléias e (ou ) fóru n s aber-tos. Outros segmentos já estão de antemão inseri-dos (pela legislação) n a composição inseri-dos con se-lh os.15 Em ou tras palavras, os mecan ismos de

es-colh a oscilam de caso a caso: u ma ú n ica assem-bléia com a participação de diferentes atores e or-gan izações sociais; fóru n s setoriais de políticas públicas; ou indicações de categorias profissionais e segmen tos sociais. Mesmo em se tratan do da articu lação em assembléias e fóru n s, apesar da maior organicidade com as “bases”, essa represen-tação mantém certos limites circunscritos pela “ló-gica dos mobilizados”, ou de u m con ju n to de or-gan izações qu e apresen tam u ma represen tação presuntiva (Gurza; Lavalle; Houtzager; Castello, 2006), an corada n a idéia de qu e a sociedade civil represen ta (in depen den temen te de mecan ismos formais) genuínos interesses sociais.

Tr a t a -s e , p or t a n t o, d e u m a id é ia d e representatividade que alimenta certa confusão no entendimento acerca dos critérios de legitimidade que esses espaços carregam. Com efeito, estamos tratando de um tipo de represen tação qu e, dife-rentemente do modelo eleitoral qu e iden tifica o representado (eleitor), esboça dele uma idéia difusa, podendo tanto ser um segmento (ou vários setores da população) quanto a própria entidade indicada para assumir a representação. O caso da represen-tação das ONGs ju n to aos con selh os é bastan te emblemático, u ma vez qu e, como an alisa Sorj (2 0 0 5 ), e s s a s o r ga n i z a ç õ e s a p r e s e n t a m a especificidade dada pelo fato de se con stitu írem n u m “ator sem man dato direto de su a base de

re-ferên cia” (p.21). Ten do em vista qu e mu itas orga-nizações são escolhidas muito mais em função do reconhecimento acerca de seu grau de competên-cia e qualificação do que em virtude de seu víncu-lo com as bases, altera-se sobreman eira o debate acerca das exigên cias de prestação de con tas, respon sividade e san ção. Não é de se estran h ar, portanto, o perfil dos conselheiros que, de acordo com Santos Junior, Azevedo e Ribeiro (2004), cons-titu em u ma espécie de elite de referên cia, ou de uma comunidade cívica (p.37) portadora de uma cultura associativa, caracterizada por um perfil socioecon ômico su perior e por maior grau de in -formação e de capacitação técnica e política, se com-parada à média da população em geral.

Como conseqüência geral, a composição dos conselhos conjuga, digamos, participação coletiva (auto-apresentação das entidades escolhidas como tal) com representação coletiva (entidades escolhi-das por represen tarem – por critérios variados – outros setores sociais).

PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

De certa forma, o OP parece indicar maiores probabilidades de incorporação de espaços de par-ticipação direta (individual) combinados com me-can ismos de represen tação. Tomemos o modelo de Porto Alegre como referência.

O OP de Porto Alegre apresen ta diferen tes fases e instâncias de participação, com diferentes grau s de in stitu cion alidade, seja n o qu e diz res-peito à obediên cia a u m con ju n to de n ormas (es-critas), seja n o qu e se refere à maior vin cu lação com o poder público, e, ainda, ao caráter decisório. Nesse sentido, são as instâncias comunitárias que apresen tam men or grau de in stitu cion alização e maior grau de autonomia. Trata-se de um conjunto h eterogên eo de espaços e en con tros qu e reú -nem cidadãos, organizações comunitárias (associ-ações de moradores, união de vilas, clubes de mães, grupos religiosos, culturais, etc.) que se articulam em bases identitárias distintas, embora prevaleçam 15 Com o n o caso d e sin d icatos, fed erações d e associações

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as associações com identidade territorial local ou region al (associações de moradores, con selh os popu lares). São as organ izações qu e mais próxi-mas estão do cotidiano da população, configuran-do-se, portanto, como articulação de primeiro ní-vel. No qu e se refere à participação n o OP, esses gru pos e en tidades con su ltam a popu lação, arti-culam demandas, organizam encontros e partici-pam das assembléias, fóru n s e en con tros de ma-neira geral.

A institucionalidade do OP se estrutura em um conjunto de espaços participativos, em diver-sos n íveis: assembléias (region ais e temáticas),16

fóru n s de delegados17 e Con selh o do Orçamen to

Participativo.18

As assem bléias do OP são os principais es-paços de participação direta da população, consti-tuindo-se em uma arena que reúne cidadãos, gru-pos organizados e poder público, tendo em vista a apresen tação do OP e dos recu rsos e gastos do governo para a população, bem como a escolh a dos delegados qu e vão compor os fóru n s de dele-gados (regionais e temáticos).

Os fóruns de delegados constituem uma ins-tância de segun do n ível, com grau in termediário de in stitu cion alização, u ma vez qu e, escolh idos diretamente pela população, os delegados apresen-tam um grau maior de autonomia para definir a su a estru tu ra organ izacion al e os critérios de priorização das demandas.19 Esse espaço obtém um

peso decisório importan te, n a medida em qu e os conselheiros devem obedecer às decisões do fórum dos delegados na definição do conjunto de priori-dades do OP. Dentre as atribuições dos delegados, destacase n ão apen as a priorização das deman -das, mas o acompan h amen to de todo o processo, através da participação, junto com os conselheiros do Con selh o do Orçamen to Participativo (COP), na definição de regras do OP e através da fiscaliza-ção de obras, além da participafiscaliza-ção em encontros, seminários e comissões temáticas que são criadas n o processo.

Como instância deliberativa central do OP, o COP apresenta um grau de complexidade maior, u ma vez qu e discu te e defin e o con ju n to da peça orçamen tária mu n icipal. De acordo com Abers (1997), as atribu ições dos con selh eiros tran scen -dem em muito a sua capacidade de tomar decisões racion ais e bem fu n damen tadas sobre todas as questões, sendo que, na prática, o conselho passa a maior parte do tempo discu tin do a distribuição dos investimentos, delegando ao poder público a defin ição das qu estões mais amplas da cidade. Nesse sen tido, o con selh o apresen ta u m forte ca-ráter ratificador das propostas da administração municipal, embora ocorram algumas controvérsi-as. Certamen te a amplitu de e a complexidade de qu estões a serem tratadas n o COP, bem como as diferen tes con dições de recu rsos e in formações en tre os con selh eiros e o govern o são fatores qu e limitam a capacidade decisória dos eleitos pela população. Entretanto, há de se considerar que os conselh eiros, além de uma trajetória no próprio con selh o, o qu e amplia a su a qu alificação (e dos cursos de capacitação de delegados e conselheiros promovidos pela administração municipal), man-têm laços fortes e contínuos com as suas regiões e temáticas, participan do de su cessivas reu n iões e en con tros qu e con tribu em para u m processo de capacitação. Isso significa dizer que o COP não é a ú n ica in stân cia de discu ssões, u ma vez qu e elas 16 São as in stân cias (d u as rod ad as p or an o) d e p rim eiro

n ível qu e reú n em cid ad ãos, gru p os organ izad os e p od er p ú blico, ten d o em vista a ap resen tação d o OP e d os re-cu rsos e gastos d o govern o p ara a p op u lação, bem com o a escolh a d os d elegad os qu e vão com p or os fóru n s d e d elegad os (region ais e tem áticos).

17 Con stitu em -se com o in stân cia d e segu n d o n ível, ap re-sen tan d o u m grau in term ed iário d e in stitu cion alização u m a vez qu e, escolh id os d iretam en te p ela p op u lação, os d elegad os ap resen tam u m grau m aior d e au ton om ia p ara d efin ir a su a estru tu ra organ izacion al e os critérios d e p riorização d as d em an d as.

18 É a in stân cia d e co-gestão qu e ap resen ta u m m aior grau d e in stitu cion alização, u m a vez qu e está su bm etid a a u m con ju n to d e n orm as (Regim en to In tern o) e con fi-gu ra-se com o in stân cia cen tral d e d ecisão acerca d a p eça orçam en tária d o m u n icíp io. Eleitos d iretam en te n a 2o rod ad a d e assem bléias, os con selh eiros reú n em -se se-m an alse-m en te ten d o ese-m vista “p lan ejar, p rop or, fiscalizar e d eliberar sobre a receita e a d esp esa d o Orçam en to d o Mu n icíp io d e Porto Alegre” (PMPA,2001).

19 Algu m as regiões elaboraram u m regim en to in tern o qu e n orm atiza as ativid ad es d os d elegad os. Em b ora, em

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C A D E R N O C R H , S a lv a d o r, v . 2 1 , n . 5 2 , p . 8 7 -9 7 , Ja n ./A b r. 2 0 0 8

se dão n os fóru n s de delegados e n as en tidades comunitárias às quais geralmente estão vinculados. Em pesquisa realizada pela ONG Cidade (1999), os dados relativos ao perfil dos eleitos (delegados e conselheiros) do OP corroboram a íntima articu-lação en tre os eleitos e u ma participação ju n to às organizações da sociedade civil. Entre os 159 dele-gados pesqu isados, 91,2% (145) participam de entidades, e, entre os 39 conselheiros pesquisados, 92,3% (36) participam de alguma entidade.

Mesmo qu e n ão esteja prevista n o plan o regimental, percebe-se aqui, assim como nos con-selh os gestores, u ma ín tima articu lação en tre re-presentação e associativismo civil. Como vimos, a ampla maioria dos represen tan tes (delegados e conselheiros) participa de organizações civis, com predomínio do associativismo comunitário. Entre-tan to, o desen h o do OP parece promover combi-nações mais complexas entre participação e repre-sen tação, n a medida em qu e con ju ga – n ão sem

problemas – participação individual e coletiva com representação individual e coletiva. Esse, aliado, evidentemente, às diferentes características ou ti-pos de políticas pú blicas em jogo, pode ser u m elemento importante para a compreensão do fato de que o perfil geral dos participantes do OP regis-tra importante diferença com relação ao perfil dos represen tan tes ju n to aos con selh os gestores. No caso do OP, a participação direta dos cidadãos junto às assembléias tem desenhado um perfil mais po-pular, como pode ser observado na tabela a seguir, a título de exemplo sobre a natureza da participa-ção, que apresenta os dados de escolaridade e ren-d a ren-d os con selh eiros ren-d e OPs em m u n icíp ios catarinenses.20

Esses dados sobre OP, em mu n icípios de Sta. Catarina, mostram um perfil bem mais popu-lar dos participantes, que se encontram distribuí-dos, n os três mu n icípios, em todas as faixas de ren da e escolaridade, com u ma con cen tração n a

20 Esses d ad os são resu ltan tes d a p esqu isa “Particip ação e e x c l u s ã o n o s Co n s e l h o s Ge s t o r e s e O r ç a m e n t o s Particip ativos/SC” (CNPQ, Fu n p esqu isa). Em Lü ch m an n

a l e b a

T 1 -EscolaridadeerendadosconselheirosnosorçamentosparticipativosdeSantaCatarina(%)

o i p í c i n u M e d a d i r a l o c s E . b a f l a n

A i1nºcGomrapu. 1cºoGmrpa.u i2nºcoGmrapu. 2cºoGmrpa.u Sinucpoemripo.r Sucopmerpio.r NãoInf. Total

u ç a u g i

B 0,0 37,00 19,60 8,70 26,10 0,00 8,70 100,0 ó c e p a h

C 0,0 13,64 9,09 22,73 0,00 4,55 50,00 0,00 100,0 í

a j a t

I 0,0 6,20 12,50 12,50 31,30 6,30 28,10 3,10 100,0 u a n e m u l

B 0,0 25,00 8,33 16,67 0,00 0,00 16,67 33,33 100,0

a i d r o c n o

C 0,0 20,00 20,00 20,00 6,67 33,33 0,00 0,00 100,0 a m ú i c i r

C 4,0 16,00 12,00 4,00 28,00 16,00 20,00 0,00 100,0 a b a i c a r a u

G 0,0 66,66 11,11 3,70 11,11 7,41 0,00 0,00 100,0

) s o m i n í m s o i r á l a s m e ( a d n e R o i p í c i n u

M RSeenmda Men1osde De1a3 De3a5 De5a10 Acim10ade NS/NR Total

u ç a u g i

B 0,0 4,50 56,80 27,3 6,80 4,50 0,0 100,0

ó c e p a h

C 0,0 0,00 36,36 31,82 18,18 13,64 0,0 100,0 í

a j a t

I 0,0 3,10 25,00 43,8 6,30 12,50 9,4 100,0 u a n e m u l

B 0,0 0,00 33,33 0,0 41,67 25,00 0,0 100,0 a i d r o c n o

C 0,0 13,33 26,67 33,33 20,00 6,67 0,0 100,0 a m ú i c i r

C 0,0 8,00 44,00 20,0 8,00 16,00 0,0 100,0 a b a i c a r a u

G 0,0 18,52 22,22 37,04 11,11 7,41 0,0 100,0 e d a t e l o c , u ç a u g i B a r a P . ) a m ú i c i r C e a i d r ó c n o C , u a n e m u l B , í a j a t I , ó c e p a h C e d s o i p í c i n u m ( 5 0 0 2 e 4 0 0 2 m e s o d a d e d a t e l o C . s e r o t u a s o d a s i u q s e P : e t n o F . 7 0 0 2 m e s o d a d

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faixa de 1 a 5 salários mín imos e n as faixas in ter-mediárias de escolaridade. Percebe-se uma relativa distribuição dos números entre os níveis de esco-laridade, sobressaindo-se, no caso de Guaraciaba, a porcen tagem (66,66%) dos represen tan tes qu e são somen te alfabetizados ou possu em o en sin o fundamental incompleto.21 Ressalte-se também a

faixa de renda (de 1 a 3 salários mínimos) relativa-mente predominante nos casos de OP. Verifica-se qu e, em geral, os OPs con segu em promover a in -clusão política dos setores com renda intermediá-ria n o mu n icípio (porém n ão os sem ren da), es-tando bastante próximos da distribuição média da população. O mesmo vale para a dimensão da es-colaridade que, apesar de uma maior variação, está mais próxima do perfil médio da população, dife-ren temen te da média dos con selh os. A citação a seguir, referente à experiência de Porto Alegre, re-força também essa dimensão:

A gran de maioria dos participan tes do OP per-tence às classes populares, são trabalhadores sem qu alificação, a maioria mu lh eres, com escolari-dade primária, ren da familiar men sal in ferior a R$1.000,00 e u ma forte presen ça de n egros e de descen den tes in dígen as, n u m a cidade on de a grande maioria se considera branca. Mesmo que, para o COP, h aja u ma certa variação n esse perfil, sobretu do em termos de ren da, escolaridade e gên ero, já qu e n ão se alteram relações secu lares p ela sim p les m ágica d e u m n ovo d esen h o institucional, o importante é observar as tendências de fu n do, a participação crescen te das mu -lheres, o aumento constante do número de participan tes e o ‘fio terra’ qu e pren de os represen tan tes às su as bases region ais e temáticas: o con -trole dos represen tan tes diretamen te pelos re-presen tados, poden do os con selh eiros ter o seu mandato revogado por decisão do fórum de dele-gados em reunião especialmente convocada para esse fim. (Baierle, 2005, p.22).

Entretanto, embora amplie os espaços e su-jeitos participativos, as experiên cias de OP apre-sentam algumas fragilidades, entre elas a baixa ca-pacidade de pluralização da representação políti-ca. Embora os dados indiquem que o OP incorpo-ra setores mais pobres da população, se compaincorpo-ra- compara-dos ao perfil compara-dos representantes da sociedade civil ju n to aos con selh os gestores, a con firmação, de

acordo com Navarro (2003), de uma participação “rigid am en te d elim itad a, d o p on to d e vista socioeconômico” (p.116) é um importante demons-trativo das dificuldades de incorporar outros seg-men tos e estratos sociais. E ain da, como vimos, o tipo de associativismo predomin an te n as experi-ências de OP é o associativismo comunitário. Esse associativismo constitui-se, de maneira geral, em um tipo de associativismo que, pela trajetória his-tórica do país, pelas especificidades dadas pela demanda e pela base de formação identitária, apre-sen ta u m a forte ten d ên cia a m an ter relações personalistas e clientelistas com o poder político-institucional.

ESPECIFICIDADES DA REPRESENTAÇÃO NAS EXPERIÊNCIAS DE PARTICIPAÇÃO

Diferentemente do padrão da representação eleitoral, a representação no interior desses mode-los apresenta as seguintes características: partici-pação e representação individual e coletiva; parti-cipação voluntária (e, portanto, radicalmente dife-rente da atuação política profissional e com todas as conseqüências dessa implicação); inserção em diferen tes espaços participativos; periodicidade diversa (ditada por diferen tes regimen tos); esco-lh a de represen tantes através de processos varia-dos (fóruns, eleições, indicações, etc.); e, finalmen-te, grande maleabilidade (isto é, baixo controle) de entradas e saídas em espaços representativos. No seu conjunto, tais características colocam a dimen-são das relações entre representantes e representa-dos (mecan ismos de au torização e prestação de con tas) em ou tro patamar, se comparado com o modelo R. Por ou tro lado, essas especificidades ganh am complexidade através da diversidade de form atos d e p &r n o in terior d as exp eriên cias participativas.

No caso dos con selh os gestores, observa-mos dois tipos de participação, como au to-apre-sen tação (Prin cíp io P), em bora am bos sejam min oritários n o in terior dessas experiên cias: por u m lado, a participação direta dos cidadãos, qu e 21 O qu e p od e ser exp licad o p elo qu ad ro geral d e

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se restringe aos rarefeitos momentos de organiza-ção de fóru n s ou con ferên cias (mu n icipais, esta-duais e federais); e, por outro lado, a participação dos segmen tos da sociedade civil escolh idos por critérios de qualificação. Apesar da ocorrência desses in stru men tos, esse modelo está predomin an -temente ancorado em um princípio da representa-ção que ocorre através das organizações da socie-dade civil. Com efeito, esse procedimento traz al-gu mas ambigü idades n o qu e se refere às promes-sas da democracia participativa e deliberativa. Por um lado, a representação por segmentos (ou orga-nizações sociais) reproduz, no espaço institucional, um processo de filtragem que, operacionalizado pela lógica associativa, recorta o campo da representação, por ser eminentemente ocupado pelos setores que apresentam maior nível socioeconômico e cultural. Sabemos que a redução dos sujeitos participativos junto aos processos decisórios é um elemento cen-tral de crítica das teorias participacionistas à nature-za da representação eleitoral. Por outro lado, as clivagens no campo da sociedade civil (e do Esta-do) tensionam o ideal de paridade, estimu lan do reformulações em direção à maior pluralização dos su jeitos e dos setores participativos. Esse parece ser o caso dos Con selh os da área da saú de, qu e vêm testemunhando, historicamente, alterações importantes no perfil de seus representantes. Tal-vez essa pluralidade seja a chave (democrática) para a coexistência das diferentes noções de legitimida-de – ora legitimida-de referência aos grupos e entidalegitimida-des que historicamente lideraram as lutas por direitos, ora remetida ao grau de qualificação (técnica e política), ou, ainda, aos públicos por eles representados.

Já o modelo do OP, por prever a participa-ção direta dos cidadãos, in depen den temen te de vínculos associativos, apresenta maior capacida-de capacida-de inclusão dos setores ou indivíduos com ren-da mais baixa. Aqui, a represen tação (via delega-dos e con selh eiros) desen h a u m sistema qu e se aproxima de um tipo piramidal de articulação en-tre a participação da base junto às assembléias re-gionais (Princípio P) e represen tação (Fóru n s de delegados e COP), através de mecan ismos (man -dato revogável) que permitem maior controle dos

representantes diante dos representados. O perfil socioecon ômico dos participan tes do OP é u m importante indicador da adoção de um critério de legitimidade pautado na idéia de inclusão social, diferentemente, portanto, do desenho ancorado na paridade (nos conselhos), fortemente instruído pelo ideário da sociedade civil.

No seu conjunto, essas experiências trazem à ton a algu mas n ovidades – e especificidades – que parecem desafiar o referencial analítico dispo-nível acerca da representação política, entre elas a dimen são da participação e representação coleti-va; a importância das relações entre os representa-dos, n a medida em qu e u ma representação legíti-m a requ er u legíti-ma participação ativa por parte dos in divídu os, gru pos e organ izações sociais; a di-men são da form ação de opiniões e preferências (para além, portan to, da mera agregação);22 e, por

último, a dimensão referente ao caráter voluntário desse tipo de participação, dimensão essa que pa-rece se con stitu ir n u m in dicador cen tral n as difi-culdades de estabelecimento de mecanismos mais exigentes de prestação de contas.

Trata-se, portanto, de um conjunto de ele-mentos que parece desafiar novos olhares para o fenômeno da representação política nos espaços de participação. Assim, as experiências participativas no Brasil, a exemplo dos conselhos gestores e do orçamento participativo (experiências p&r), apon-tam p ara u m m ovim en to d e ren ovação e d e reacomodação desses instrumentos de ação política no interior das práticas institucionais da sociedade brasileira, indicando que, muito menos do que opo-sição, encontramos combinações e articulações que desenham um processo de concomitante inovação e reprodução das práticas e orientações político-institucionais. As experiências apontam, sobretu-do, para o fato de que a participação não substitui, mas reconfigura a representação.

(Recebido para pu blicação em jan eiro de 2008) (Aceito em março de 2008)

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, Salvador

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. 21, n. 52, p. 185-190, Jan./Abr

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PARTICIPATION AND REPRESENTATION IN MANAGING COUNCILS AND IN

PARTICIPATIVE BUDGET

Lígia Helena Hahn Lüchmann

The contemporary debate, in the field of the democratic theory, is challenging the development of studies and reflections concerning the relations between participation and represen-tation inside participative practices and experiences. In view that, in a general way, the participation happens through representation, this paper aims to analyze, starting from Brazilian experiences, two dimensions regarding the degree of specificity of the representation in participative models, which are: (i) confronting to the model of electoral representation; and (ii) inside participative experiences, especially the ones relative to two paradigmatic representation models: managing councils and participative budget.

KEYWORDS: participation, representation, managing councils, participative budget. PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NOS

CONSELHOS GESTORES E NO ORÇA-MENTO PARTICIPATIVO

Lígia Helena Hahn Lüchmann

O debate contemporâneo, no cam-po da teoria democrática, vem desafian-do o desenvolvimento de estudesafian-dos e re-flexões acerca das relações entre partici-pação e representação no interior das práticas e experiências participativas. Tendo em vista que, de maneira geral, a participação ocorre através da represen-tação, o trabalho objetiva analisar, a par-tir de experiências brasileiras, duas di-mensões referentes ao grau de especificidade da representação no inte-rior de modelos participativos, quais sejam: (i) frente ao modelo de represen-tação eleitoral; e (ii) no interior de expe-riências participativas, notadamente as relativas a dois modelos paradigmáticos de representação: conselhos gestores e orçamento participativo.

PALAVRAS-CHAVE: participação, representa-ção, conselhos gestores, orçamento participativo.

PARTICIPATION ET REPRÉSENTATION, AU SEIN DES CONSEILS DE GESTION ET

POUR UN BUDGET PARTICIPATIF

Lígia Helena Hahn Lüchmann

Dans le champ de la théorie démocratique, le débat contemporain est un véritable défi pour le développement des études et des réfléxions concernant les relations entre la participation et la représentation, au sein des pratiques et des expériences participatives. Etant donné que la participation se fait en général par le biais de la représentation, ce travail se veut d’analyser, à partir d’expériences brésiliennes, deux dimensions qui se rapportent au degré de spécificité de la représentation au sein de modèles participatifs, c’est-à-dire : (i) face au modèle de représentation électorale et (ii) au sein d’expériences participatives, notamment celles relatives à deux modèles pragmatiques de représentation: les conseils de gestion et le budget participatif.

Referências

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