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O museu Beta: estratégias para um museu sempre contemporâneo

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Academic year: 2017

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Lorena Melgaço Silva Marques

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Belo Horizonte

Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Arquitetura

NPGAU

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Lorena Melgaço Silva Marques

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USEU

B

ETA

E

STRAT

É

GIAS PARA UM

M

USEU SEMPRE

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ONTEMPOR

Â

NEO

Dissertação apresentada no Curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Arquitetura.

Área de concentração: Produção, projeto e experiência do espaço e suas relações com as tecnologias digitais.

Orientador: Professor Dr. José dos Santos Cabral Filho.

Belo Horizonte

Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Arquitetura

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Agradecimentos

Agradeço a todos que estão comigo e participam da minha caminhada.

Ao meu orientador, Prof. José dos Santos Cabral Filho, pela paz com que conduziu todo o processo, atribulado por vezes.

À Prof. Ana Paula Baltazar, pelo suporte e pela orientação em toda a vida acadêmica, e em especial neste trabalho.

Ao Lagear, pelas possibilidades de imaginar o impossível.

Aos colegas do mestrado, pelos momentos agradáveis e discussões produtivas.

Aos professores do NPGAU, pela possibilidade de levar a discussão da arquitetura um pouco além.

Aos funcionários do NPGAU pelo apoio ao longo do curso.

À CAPES pela Bolsa CAPES/REUNI para o suporte a minha pesquisa e pelo impulso a minha vida acadêmica.

Aos amigos que sempre apoiaram minhas decisões e estiveram presentes durante todo este processo.

A minha avó, de quem, tenho certeza, herdei a paixão pela Universidade.

Ao Tio Ato, que como um pai, me acolhe e me acode a qualquer momento.

A minha mãe, Delza, que,!com amor incondicional, divide minhas alegrias e frustrações e vibra a cada vitória conquistada.

As minhas irmãs, Luana e Luísa, pelo carinho.

A toda a família, cuja admiração sempre me motivou a ir mais longe.

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(9)

Sumário

LISTA DE FIGURAS

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO 19

CAPÍTULO 2: O MUSEU NO CONTEXTO DO SÉCULO XXI 25

2.1O CENÁRIO DA ARTE E DOS MUSEUS -UMA BREVE ANÁLISE DO SÉCULO XX E XXI 28 2.1.1 A ARTE PARTICIPATIVA E O MUSEU: HÉLIO OITICICA E LYGIA CLARK

2.1.2 O CENÁRIO DOS MUSEUS NO BRASIL NO SÉCULO XX

2.1.3 O MUSEU COMO REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE A PARTIR DOS USOS DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

2.2“CAIXAS PRETAS E CUBOS BRANCOS”: MANUTENÇÃO DO MESMO PARADIGMA 36

2.3A QUESTÃO SOCIAL DO ACESSO À CULTURA 40

2.4OS MUSEUS ESTÃO MESMO DIFERENTES? 50

CAPÍTULO 3: A INTERAÇÃO MEDIADA PELA TECNOLOGIA 53

3.1A“REVOLUÇÃO CULTURAL” E OS APARELHOS SOB A ÓTICA DE VILÉM FLUSSER 56

3.2A TECNOLOGIZAÇÃO DO COTIDIANO E O USO DA INTERNET 57

3.3INTERAÇÃO: CONCEITOS E EQUÍVOCOS 60

3.3.1 O QUE É INTERAÇÃO?

3.3.2 AVATARES REALÍSTICOS E A BUSCA DA COMUNICAÇÃO 3.3.3 DESIGN PARA INTERAÇÕES

3.4CONCLUSÃO:USO DE TECNOLOGIAS E A FALSA CRENÇA DA INTERATIVIDADE 67

CAPÍTULO 4: CIBERNÉTICA COMO ARCABOUÇO PARA A AVALIAÇÃO DOS MUSEUS 69

4.1A CIBERNÉTICA: PRIMEIRA E SEGUNDA ORDENS 73

4.1.1 NORBERT WIENER E O CONCEITO DA CIBERNÉTICA DE PRIMEIRA ORDEM

4.1.2 EXEMPLIFICANDO A CIBERNÉTICA DE PRIMEIRA ORDEM: O SISTEMA DE AQUECIMENTO 4.1.3 A CIBERNÉTICA DE SEGUNDA ORDEM

4.2A CAIXA PRETA PARA A CIBERNÉTICA E O SEU POSSÍVEL BRANQUEAMENTO 77

4.3A CIBERNÉTICA SOCIAL 81

4.3.1 A DIFICULDADE EM SE ESTABELECER UMA CIBERNÉTICA SOCIAL 4.3.2 ESTABELECENDO O CONCEITO DA CIBERNÉTICA SOCIAL

(10)

4.4FLUSSER E PASK:UM DIÁLOGO POSSÍVEL? 87 4.4.1 O DIÁLOGO EM VILÉM FLUSSER

4.4.2 A TEORIA DA CONVERSAÇÃO DE GORDON PASK 4.4.3 CRIANDO UM DIÁLOGO

4.5O PROBLEMA DA VARIEDADE 98

4.6A VIRTUALIDADE NAS INTERFACES 102

4.6.1 O CONCEITO DE INTERFACE 4.6.2 O QUE É VIRTUALIDADE?

4.7AS VIRTUALIDADES NO PROCESSO CRIATIVO E PROJETOS MAIS RESPONSÁVEIS 107

4.7.1 A CELEBRAÇÃO DO CIBERESPAÇO E A PERDA DE SENTIDO DO TERMO 4.7.2 CEDRIC PRICE E CYBERNETIC SERENDIPITY

4.7.3 CIBERNÉTICA E ARTE. UMA ABORDAGEM TECNICISTA?

4.8APONTAMENTOS DA CIBERNÉTICA RUMO A AMBIENTES INTERATIVOS DE FATO 133

CAPÍTULO 5: MUSEUS CONTEMPORÂNEOS E O USO DAS TECNOLOGIAS 135

5.1ARCABOUÇOS DESENVOLVIDOS PARA SE ENTENDER A INTERAÇÃO 139

5.1.1. O ARCABOUÇO DE STROUD CORNOCK E ERNEST EDMONDS 5.1.2. A REVISÃO DE CORNOCK

5.1.3. O ESTUDO DE PANGARO, DUBBERLY E HAQUE PARA AVALIAÇÃO DA INTERATIVIDADE

5.2DO MUSEU FÍSICO AO MUSEU DIGITAL 143

5.2.1 MUSEU VIRTUAL (LJUBLJANA, ESLOVÊNIA)

5.2.2 CENTRO DO PRÊMIO NOBEL DA PAZ (OSLO, NORUEGA) 5.2.3 O MUSEU DA HISTÓRIA ESLOVENA (LJUBLJANA, ESLOVÊNIA) 5.2.4 GOOGLE ART PROJECT (WORLD WIDE WEB)

5.2.5 MUSEU ADOBE DE ARTE DIGITAL (WORLD WIDE WEB)

5.2.6 MUSEUS DAS TELECOMUNICAÇÕES OI FUTURO (BELO HORIZONTE E RIO DE JANEIRO, BRASIL; WORLD WIDE WEB)

5.3MANIFESTOS A FAVOR DE UM MUSEU DIFERENTE:MARINETE,MAURAUX,PRICE 168

5.3.1 CEDRIC PRICE COMO REFERÊNCIA. O MOBILE ART GALLERY, POP-UP MUSEUMS E SOUTH CENTRE BANK

5.3.2 O MUSEU DELIRANTE E O MUSEU COMO REPRESENTAÇÃO DO DIA-A-DIA

5.4PROBLEMAS RELACIONADOS AO USO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NOS

MUSEUS 174

5.4.1 PREOCUPAÇÃO COM A IMERSÃO E NÃO COM A EMERSÃO

5.4.2 NECESSIDADE DO ESPECTADOR SER ATIVO NA PRODUÇÃO DA EXPERIÊNCIA

5.5ABORDAGENS ALTERNATIVAS PARA SE PENSAR EM MUSEUS 182

5.5.1 EXPO’67 (MONTREAL, CANADÁ)

5.5.2 MEDIAFACADES FESTIVAL (BERLIM, BRUXELAS, HELSINKI, MADRI, LIVERPOOL, BUDAPESTE E LINZ) 5.5.3 A WALL IS A SCREEN (BERLIM, ALEMANHA)

5.5.4 PROJETO OCUPAR ESPAÇOS (BELO HORIZONTE, BRASIL)

5.5.5 LONG DISTANCE VOODOO (BELO HORIZONTE, BRASIL E BERLIM, ALEMANHA)

(11)

CONCLUSÃO 195

(12)
(13)

Lista de Figuras

FIGURA1–PARANGOLÉ 04‘CLARK’,1964 ...32

FIGURA2–DETALHE DO PENETRÁVEL ÉDEN, DE 1969.O PÚBLICO ERA CONVIDADO A TIRAR OS SAPATOS ...32

FIGURA3–DIÁLOGO COM AS MÃOS,1966. ...33

FIGURA4–ESTUDO DE CORES PARA GUGGENHEIM DE FRANK LLOYD WRIGHT...36

FIGURA5–JOVENS CAMINHANDO EM DIREÇÃO A UMA LANHOUSE EM BEIJING...59

FIGURA6–BIBLIOTECÁRIA VIRTUAL LILIAN, PROGRAMADA PARA RESPONDER DÚVIDAS DE USUÁRIOS NA OCLC...65

FIGURA7– SARGENT BLACKWELL NO MUSEU COOPER HEWITT EM NOVA IORQUE,2006-2007 ...65

FIGURA8– PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA CAIXA PRETA...78

FIGURA9– RELAÇÃO ENTRE O OBSERVADOR 2 E O SISTEMA “OBSERVADOR 1– CAIXA PRETA” ...80

FIGURA10–CROQUIS DO FUN PALACE...117

FIGURA11–FOTOMONTAGEM DO FUN PALACE...117

FIGURA12–UM DOS POSSÍVEIS LAYOUTS DO FUN PALACE...119

FIGURA13–OSAKA EXPO’70PLAZA...119

FIGURA14– PLANTA PARA UM EVENTO CULTURAL NO CASINO MONTE CARLO...120

FIGURA15–CENTRO GEORGES POMPIDOU...120

FIGURA16–VISTA DA EXPOSIÇÃO CYBERNETIC SERENDIPITY...122

FIGURA17–BICICLETA UTILIZADA PARA VISITA À EXPOSIÇÃO SOBRE EINSTEIN NO MUSEU DE CIÊNCIAS EM LONDRES. 127 FIGURA18–CAMINHO “VIRTUAL” PEDALADO PELOS VISITANTES...127

FIGURA19–ORGANOGRAMA PARA UM CENTRO DE ARTE ...129

FIGURA20–COLLOQUY OF MOBILES DE GORDON PASK,1968 ...132

FIGURA21–MERCURY FOUNTAIN,1937 ...141

FIGURA22–MUSEU VIRTUAL DE LJUBLJANA. ...145

FIGURA23–DIMENSÕES DO MUSEU VIRTUAL...145

FIGURA24–PROJETORES QUE PRODUZEM A IMAGEM ESTEREOSCÓPICA ...145

FIGURA25–IMAGEM ESTEREOSCÓPICA PROJETADA NO MUSEU ...146

FIGURA 26 –XIAOBO SEGURANDO UM GUARDANAPO COM ESCRITOS EM CHINÊS SIGNIFICANDO "BOLA NA LINHA” ....148

FIGURA27–EXPOSIÇÃO I HAVE NO ENEMIES...148

FIGURA28–PASSAPORTE PARA ACESSAR AS ATIVIDADES NA EXPOSIÇÃO NANSEN AND I...150

FIGURA29–CRIANÇA INTERAGINDO COM MARIKA...150

FIGURA30–ATIVIDADE NA EXPOSIÇÃO NANSEN AND I...150

FIGURA31–CAMPOS DE NOBEL...152

FIGURA32–TELA DE LCD DO NOBEL FIELDS ...152

FIGURA33–VISITANTE ACESSANDO AS INFORMAÇÕES NO LIVRO DA INSTALAÇÃO. ...153

FIGURA34–INFORMAÇÕES DE LIU XIAOBO ACESSADAS NO PAPEL DE PAREDE...153

FIGURA35–EXPOSIÇÃO TOPOGRAFIA DO TERROR ANTES DA CONSTRUÇÃO DA SEDE...154

FIGURA36–EDIFÍCIO SEDE DO CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO TOPOGRAPHIE DES TERRORS...154

FIGURA37–TOTENS LARANJAS GARANTEM A LEITURA GERAL NO TOPOGRAPHIE DES TERRORS...155

FIGURA38–ORGANIZAÇÃO DO MUSEU DA HISTÓRIA ESLOVENA...156

FIGURA39–PEÇAS ORIGINAIS, RÉPLICAS E VÍDEOS ASSOCIADOS NA EXPOSIÇÃO...157

FIGURA40–PÁGINA INICIAL DE SELEÇÃO DE MUSEUS NO GOOGLE ART PROJECT...159

FIGURA41–QUADRO AMPLIADO...159

FIGURA42–PÁGINA INICIAL DE SELEÇÃO DE MUSEUS NO GOOGLE ART PROJECT ...159

FIGURA43–MODO 3D ATIVADO DURANTE A VISITA...159

FIGURA44–ÁTRIO DO GVM ...161

FIGURA45–ÁTRIO DO GUGGENHEIM NEW YORK...161

FIGURA46–SIMULAÇÃO DE UMA POSSÍVEL CONSTRUÇÃO DO MUSEU DIGITAL...162

FIGURA47–MENU DE NAVEGAÇÃO DO MUSEU...163

FIGURA48–TOUR VIRTUAL PELO MUSEU...163

FIGURA49–MAPA DO MUSEU ADOBE DE ARTE DIGITAL...164

FIGURA50–PÁGINA “CURRENT EXHIBITIONS” ...164

FIGURA51–VISITA ONLINE DO MUSEU DAS TELECOMUNICAÇÕES, RETIRADA DO MUSEU LOCALIZADO NO RIO DE JANEIRO...166

(14)

FIGURA53–ACIONADOR DAS ATIVIDADES NO MUSEU DAS TELECOMUNICAÇÕES EM BELO HORIZONTE...166

FIGURA54–HOTSPOT PARA ACIONAR AS RENDERIZAÇÕES NO TOUR VIRTUAL...167

FIGURA55–VÍDEOS NO MUSEU DAS TELECOMUNICAÇÕES EM BELO HORIZONTE...167

FIGURA56–UMA AMOSTRA DO MUSEU IMAGINÁRIO DE MALRAUX, COMPOSTO DE FOTOGRAFIAS DAS OBRAS IMPORTANTES...169

FIGURA57–SOUTH BANK CENTRE ...171

FIGURA58–MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA...178

FIGURA59–PLACA EXPLICATIVA DAS INTENÇÕES DE LIBESKIND NA TORRE DO HOLOCAUSTO...180

FIGURA60–PAVILHÃO MAN IN THE COMMUNITY...183

FIGURA61–VISTA INTERNA CITÉRAMA...184

FIGURA62–PESSOAS JOGANDO LUMMOBLOCKS...185

FIGURA63–INTERFACE DE LUMMOBLOCKS...185

FIGURA64–EXIBIÇÃO DO COLETIVO A “WALL IS A SCREEN” NA ALEXANDER PLATZ,BERLIM...187

FIGURA65–PESSOAS INTERAGINDO COM UMA DAS INTERFACES NO PROJETO “OCUPAR ESPAÇOS”...189

FIGURA66–CRIANÇAS INTERAGINDO COM IMAGENS...189

FIGURA67–DANÇARINOS DO GRUPO “CONTATO E IMPROVISAÇÃO” ATIVADOS A PARTIR DE SENSORES ACIONADOS EM BERLIM...191

(15)

Lista de Quadros e Gráficos

(16)

Lista de Abreviaturas

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

Lagear - Laboratório Gráfico para a Experimentação Arquitetônica TICs - Tecnologias de Informação e comunicação

iMAL - Centre for Digital Cultures & Technologies - Brussels (Centro para Culturas Digitais e Tecnologias - Bruxelas)

(17)

Resumo

No cenário de acelerado desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação notam-se mudanças importantes na sociedade. A informação se torna mais fluida, e com ela, a própria produção cultural do homem contemporâneo, se entende-se por “cultura” a produção cotidiana (como afirmam Vilém Flusser e Sharon Zukin). O museu, por sua vez, como instituição que representa a sociedade, tenta adaptar-se a este contexto como “museu virtual”. Para isso, tanto acolhe tais tecnologias em seu interior como se projeta na própria Internet. Ao mesmo tempo, os proponentes de tais museus alegam que estes tenham se tornado mais interativos, acompanhando a própria tendência da sociedade. O uso de computadores, telefones celulares, sensores e GPS, entre outros, é considerado fator determinante desta nova condição humana de estar sempre interligado.

O objetivo desta dissertação foi investigar os museus no contexto das discussões atuais sobre o “virtual” e o “interativo”. A motivação para tal foi a percepção de que o museu contemporâneo não é mais interativo somente por ter se adaptado ao contexto tecnológico atual. Similarmente, o uso da palavra virtual é deslocado, porque se baseia na produção eletrônica do conteúdo exposto. Para tal, a teoria da cibernética de segunda ordem, e em especial a cibernética social, foi utilizada como arcabouço teórico para a avaliação de alguns museus que exploram tal abordagem. Desta maneira, foram selecionados museus que ilustram o espectro físico-digital, isto é: museus físicos que usam as tecnologias dentro do seu espaço ou que criaram versões online semelhantes à física e museus que foram já criados para a Internet.

A partir da análise destas diferentes estratégias museológicas, conclui-se que o museu não se adaptou de fato às novas demandas da sociedade. A instituição utilizou dos meios tecnólogicos mas não absorveu outras mudanças que vão além do meio, refletidas nas próprias relações entre as pessoas. As novas tecnologias nos possibilitam usar o espaço dos museus como lugar da descoberta mútua, em uma interação entre os participantes, o espaço e a obra, mas não é isso que acontece. No geral, o museu ainda está preso a preceitos tradicionalistas tanto de autoria e controle restritivo do participante quanto da arquitetura determinista. Prova disso é a importância dada à parâmetros arquitetônicos do museu mesmo quando não existe a possibilidade de um engajamento corporal.

(18)
(19)

Abstract

Important changes in society can be seen in the context of accelerated development of information and communication technologies. The Information becomes more fluid and accessible, and with it, the cultural production of the contemporary man, if “culture” is taken as the production of the everyday objects and processes (as points out Vilém Flusser and Sharon Zukin). The museum, in turn, as an institution that represents society, tries to adapt itself as “virtual museums” among other names. For that, it houses such technologies as well as it projects itself onto the Internet. At the same time, the proponents of these museums allege that it has more interaction, accompanying the tendencies of the society itself. The use of computer, mobile phones, sensors and GPS, among others, is considered a key factor of this new human condition of being “always online”.

The aim of this dissertation was to investigate museums in the current “virtual” and “interactive” context. The motivation for such a research was the impression that the contemporary museum is not more interactive just because it has adapted itself to the contemporary technological context. Similarly, the use of the word “virtual” is misplaced, or at least misleading, because it is based on the electronic production of content. Therefore, theories of second order cybernetics were used as a framework to evaluate some museum that use such an approach. Different strategies that illustrate the physical-digital spam were selected, i.e. physical museums that use technologies as part of their collection as well as those that have created an online version of themselves, and those which have been designed only for the Internet.

From the analysis of those different strategies, it is possible to conclude that the museum has not in fact adapted to the new demands of society. Although the institution uses technological means to produce content or even itself, it has not absorbed other changes that go beyond the means of production towards different relationships among people. The new technologies give us the possibility to use the museum as the place of mutual discoveries through interactions of people with themselves, the space and the work, but it is not what usually happens. Generally, the museum is still attached to traditionalist precepts, such as authorship, restrictive control and deterministic architecture. A proof of that is the importance given to architectural parameters of the museum even when a embodied engagement to such space is impossible.

(20)
(21)

Introdução

(22)
(23)

A promessa de inesgotável interação trazida pelo eufórico desenvolvimento das

tecnologias recentes de informação e comunicação exige que nos

perguntemos: é assim que queremos? Temos a liberdade de interagir ou somos

obrigados a fazê-lo? Mais importante ainda, qual a qualidade de interação que

temos atualmente?

Essas perguntas são pertinentes em diversos campos da sociedade, uma vez

que as tecnologias nos influenciam e nos rodeiam cada dia mais. No museu,

por sua vez, o questionamento de interação não foi trazido por essas

tecnologias de que falamos, mas é fenômeno bem mais antigo. Diversas

correntes artísticas já questionam a impossibilidade de apresentar seus

trabalhos nos museus, por sua inflexibilidade e caráter tradicionalista. A

inserção de aparatos digitais no espaço do museu exacerba essa questão,

refletindo o posicionamento do caráter do homem do século XXI em relação ao

museu.

O objetivo desta dissertação é avaliar como o museu enquanto instituição

estabelecida em um período muito anterior ao atual apropria-se das

ferramentas correntes de informação e comunicação sob o ponto de vista da

interação. O que me motivou1 para tal estudo foi a sensação de uma falsa

interatividade no espaço do museu. Acredito que, no geral, o museu absorve

ferramentas tecnológicas e as adapta à sua própria estrutura, i.e., as informa

de acordo com sua própria necessidade histórica - e isto inclui não só a obra de

arte como o próprio espaço e sua fruição - ao invés de buscar novas relações,

que de fato, se beneficiam do desenvolvimento destas ferramentas.

Por meio desta pesquisa, pude ampliar a discussão conceitual iniciada no meu

projeto Final de Graduação, intitulado O Museu do Hoje: Uma Fundação para

os movimentos culturais espontâneos, em direção a uma possível implementação do projeto. No Museu do Hoje, estruturas físicas móveis aliadas

Introdução

!"

(24)

a interfaces digitais desenvolvidas para o projeto usam o potencial das

tecnologias de informação e comunicação recentes para criar uma rede

interativa e promover o engajamento social entre os participantes que

co-habitam o espaço temporariamente criado e modificado por eles.

A minha abordagem de pesquisa para esta dissertação envolveu

principalmente uso de fontes secundárias de informação, como livros, revistas

e jornais. Para a análise dos objetos de estudo, conduzi visitas a diferentes

museus no Brasil (Museu das Telecomunicações do Oi Futuro, em Belo

Horizonte) e na Europa (Centro Nobel da Paz, Oslo; Topographie des Terrors, Berlim; Virtual Museum e Museu da História Eslovena, em Ljubljana). Além disso, visitei museus digitais hospedados na Internet. Dentre os analisados

estão o Google Art Project, o Museu Digital da Adobe e o Museu das Telecomunicações. Além disso, trouxe para a análise comparativa experiências

de visitas a museus anteriores ao mestrado, como o Memorial do Holocausto

em Berlim. Para uma análise mais profunda do tema,  lancei mão da

experiência de projetos que trabalhei junto ao Lagear como o Ocupar Espaços

e o Long Distance Voodoo, em 2006 e 2011, respectivamente. Além disso, utilizei de parte do material desenvolvido em estágio de pesquisa na

organização não governamental Public Art Lab durante o período de fevereiro a maio de 2011 em Berlim.

A dissertação foi organizada em cinco capítulos. O primeiro capítulo aborda o

desenvolvimento do museu no século XX e seus desdobramentos no século

XXI assim como questões relacionadas a tal desenvolvimento, como a cultura

de massa como uma ideia de “popularização” da cultura e seu efeito na

sociedade. No capítulo 3, discute-se o conceito de interação, contrapondo-a à

simples reação e no 4, conceitos da cibernética – sua origem, seu

desenvolvimento e possíveis estratégias para seu uso nas ciências sociais. O

capítulo 5 é composto de diferentes estratégias usadas por museus que foram

avaliadas levando-se em conta conceitos desenvolvidos nos capítulos 3 e 4. O

capítulo também aponta para práticas alternativas que podem contribuir para o

desenvolvimento da instituição para além “dos cubos e das caixas”

(25)

disseminados ao longo do século XX de forma que o museu possa de fato

lançar-se, conscientemente, no século XXI. A conclusão aponta para possíveis

caminhos que permitam que alternativas ao museu estabelecido sejam

implementadas. Estes outros museus poderiam ser chamados de Beta, como

referência ao termo utilizado em softwares e páginas de Internet em fase de desenvolvimento e teste, por estarem em constante construção. Algumas

perguntas, porém, ficam em suspenso. Esta estrutura alternativa pode ainda

ser chamada de museu? Podemos imaginar outros tipos de museus que

atendam às demandas correntes de nossa sociedade?

Introdução

(26)
(27)

O museu no contexto do século XXI

(28)
(29)

27

Diversos discursos de campos de estudo diferentes questionam os museus e sua função social. Já no início do ensaio “O museu Válery-Proust” de 1953, Theodor Adorno afirma seu desgosto pelo termo alemão “museal”, porque

descreve objetos os quais o observador não possui nenhuma relação e que estão no processo de morrer. Eles devem sua preservação mais ao respeito histórico do que às necessidades do presente. Museu e mausoléu estão conectados por mais que associação fonética. Museus são como o sepulcro familiar de obras de arte. Eles testemunham a neutralização da cultura1.

Pierre Bourdieu, na introdução de seu livro "A distinção"2, aponta a disputa travada entre diferentes grupos em relação à cultura e às obras de arte desde o século XVII. O modo de apropriação legítima de cultura e arte favorece, inclusive no campo escolar, àqueles que tiveram acesso à "cultura legítima". Isto acontece porque, para se entender a arte, precisa-se dominar um código específico. Quem não o domina, pode se sentir, por vezes, "afogado na confusão de sons ou imagens”. Este "olho" treinado é usado não só para a arte, mas também para as artes não consagradas, ou objetos naturais. Porém existe a intenção pura do artista, que tende a recusar estes programas – para a produção de uma obra aberta, polissêmica. O olhar puro, desta maneira, implica uma ruptura social.

O crítico brasileiro Ulpiano Bezerra de Meneses3 argumenta o caráter histórico do museu: mutável e reciclável; e afirma que, como todo ente histórico, o museu também é passível de perecer, é mortal, e mais importante, não é universal. Acima de tudo, o autor aponta para os perigos da desmaterialização progressiva da sociedade, já que o uso do corpo é uma condição básica do ser humano no mundo.

Capítulo 2

27

1 ADORNO, Theodor. Prisms:Studies in Contemporary German Social Thought, 1983 p. 175. Nossa

tradução. Todas as citações em língua estrangeira serão apresentadas no orginal nas notas de rodapé. Texto original: “it describes objects to which the observer no longer has a vital relationship and which are in the process of dying. They owe their preservation more to historical respect than to the needs of the present. Museum and mausoleum re connected by more than phonetic association. Museums are like family sepulchers of works of art. They testify to the neutralization of culture".

2 BOURDIEU, Piérre. A distinção: Crítica Social do julgamento, 2007, p. 9 – 14.

3 Palestra intitulada “O museu tem Futuro?" proferida na Escola de Ciência da Informação da Universidade

(30)

28

Embora os três autores questionem museus de ponto de vista aparentemente distintos, pode-se perceber que muito da discussão da função social do museu gira em torno de sua estrutura e de como ele serve às condições do presente; quem pode acessá-lo e como a instituição deveria se adaptar atualmente à configuração da sociedade, essencialmente na relação com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação.

Os motivos expostos acima, mesmo se extensamente tratados, não levariam à exaustão da problemática diversa da instituição, mas já apresentam um panorama interessante e, mais importante, relacionam-se com a temática desta dissertação. Desta maneira, dividi este capítulo em três seções. Na primeira, apresento rapidamente o desenvolvimento dos museus nos séculos XX e XXI. Na segunda, enfatizei as relações entre “cubo branco” e “caixa preta”, por serem termos correntemente utilizados para se referir aos museus neste último século, e, assim, estabelecer semelhanças e diferenças entre as duas abordagens. Na terceira, discuto a cultura de massa apresentando os pontos de vista de Adorno e Horkheimer e de Vilém Flusser visando delinear a correlação entre o desenvolvimento dos museus e sua relação com a sociedade ao longo dos séculos XX e XXI.

2.1

O cenário da Arte e dos Museus - Uma breve análise dos séculos XX

e XXI

Falar da história do museu é tarefa complexa, por não ser uniforme e apresentar diferentes nuances em regiões e épocas de seu estabelecimento. Por isso, a opção por por delinear uma breve análise dos museus simplesmente para introduzir a problemática essencial: a possibilidade de interação nos museus, especialmente no século XXI.

A trajetória do museu é particularmente diferente na Europa e no continente Americano. Conforme nos lembra Meneses, se o museu europeu, e sobretudo o francês, é a expressão “da tecnologia do Iluminismo”4, a “inserção histórica O museu no contexto do século XXI

28

(31)

29

dos museus deste lado do Atlântico é sensivelmente diversa, seja nos Estados Unidos, seja na América Latina, recém-tornada independente”5. Tal distinção é ainda muito ampla, porque sua instituição seguiu diferentes padrões na América do Norte e na America Latina6.

O “Movimento dos Museus” ou “Compromisso Americano” entre 1740 e 1870 é resultado da fusão das idéias iluministas que chegavam ao território americano, de suas premissas de cultura democrática e do advento do profissionalismo nas ciências, o que acabou por originar o museu de história natural, o qual tem o objetivo de difundir o conhecimento gerado no próprio museu. Já a criação do museu histórico norte-americano objetivava projetar a futura república, e não olhar para o passado, incorporando, desta forma, o novo: a tecnologia7.

Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, o fim do século XIX foi marcado pela proliferação de museus e bibliotecas por serem considerados fundamentais para o funcionamento de uma ʻsociedade sãʼ8. No Brasil, a criação de museus no século XIX visava estabelecer a identidade nacional de um novo país. Assim, a criação de museus históricos nacionais não fazia sentido, pois o país ainda não possuía sua própria história. Desta maneira, são criados museus de história natural, que não vingam.

Desta maneira, durante o século XIX, os museus exerciam o papel de preservação, pesquisa e capacitação profissional antes mesmo de as universidades se estabelecerem no país9, e as grandes coleções, mesmo fora dos museus naturais, eram representativas da botânica, zoologia, geologia, arqueologia e etnografia; situação diferente da européia, cujas coleções de “objetos históricos” alimentariam os museus históricos10. O museu histórico aparece no Brasil na década de 1920, como o Museu Histórico Nacional e o Capítulo 2

29

5 MENESES, Cometário XII: Visões, visualizações ... 2007, p. 120.

6 MENESES, Ulpiano. Cometário XII: Visões, visualizações e usos do passado, jul - dez 2007.

7 MENESES, Cometário XII: Visões, visualizações ... 2007, p. 120.

8 ROTTEMBERG, B.. Los Museos, la información y la esfera pública, p. 24-33. 2003.

9 BRASIL. José do Nascimento Junior. Política Nacional de Museus, 2007, pp. 14-16.

(32)

30

Museu Paulista que surgem como museu-memória. A proliferação de museus começa de fato na década de 1930, e ganha força nas duas décadas subsequentes, com a criação de museus públicos, privados e mistos11.

Especialmente na Europa, a crítica ao modelo instituído de museus nacionais inicia-se já no fim do século XIX e se difunde ao longo do século XX, quando diversas correntes artísticas de vanguarda passam a pregar uma posição mais autônoma do artista e denunciam o poder do museu em decidir o que é ou não obra de arte12, como o manifesto futurista de Marinetti de 190913. Neste mesmo período, alguns artistas se tornam figuras centrais para o advento da arte moderna, que mais tarde influenciaria o próprio museu. Entre eles, estão Picasso e Braque, que, revolucionando o campo da pintura, rompem com a ideia de representação perceptiva da realidade; e Duchamp, que, com o mictório exposto no espaço do museu, altera a relação do objeto com o espaço para então incluir o observador14.

Embora correntes de vanguarda já tivessem se afastado da ideia estática de obra de arte já na década de 1920, é na década de 1950, quando a crítica ao modernismo influencia mais fortemente as artes, que expressões artísticas mais engajadas questionam o status quo, como os happenings de Allan Kaprow15. Ao descrever a importância de seus happenings, Kaprow afirma que a:

arte distanciou-se do objeto especializado da galeria para o ambiente urbano real; para o corpo e mente reais; para tecnologias de comunicação; e para regiões naturais remotas do oceano, céu e deserto16.

O museu no contexto do século XXI

30

11 BRASIL. José do Nascimento Junior. Política Nacional de Museus, 2007, pp. 14-16.

12 KIEFER, Flávio. Arquitetura de Museus, 2000. p. 18.

13 O manifesto futurista é também citado no cap. 6.

14 BESSET em KIEFER, Flávio. Arquitetura de Museus, 2000. p. 18.

15 GERE, Charlie. Arte como Retroalimetación, 2007. p. 62-78.

16 KAPROW, A. Art which can’t be Art. 1986. “Art shifted away from the specialized object in the gallery to the

(33)

31

Para ele, o fato de algo ser considerado arte pelas galerias (podendo ser ampliado para as instituições convencionais de arte em geral), o reduz a arte convencional. Como exemplo, cita os ready made, que ganham notoriedade a partir da figura de Duchamp. Se em um primeiro momento, o reconhecimento de Duchamp força a reavaliação dos “pressupostos sagrados” isto é, “criatividade, competências profissionais, individualidade, espiritualidade, modernismo, e o valor assumido e função da high art”17, a estetização contínua de muitos objetos, não só por Duchamp, mas todos seus seguidores, trivializou e mascarou a ironia que esses artistas queriam ressaltar.

2.1.1

A Arte Participativa e o Museu: Hélio Oiticica e Lygia Clark

No Brasil, artistas brasileiros na década de 1960, como Hélio Oiticica e Lygia Clark, também questionam a arte produzida no país e a visão que os artistas possuem da obra e do espectador. Contestando o cenário artístico da época, estes dois artistas foram responsáveis pela sua reformulação18. Oiticica fala da impossibilidade da experiência artística em museus e galerias, uma vez que a visão tradicional da arte é burguesa e excludente, e por isso opta por um modo marginal de trabalho que ele chama de “subterrâneo”19. Para ele, a relação entre arte e vida é essencial para atingir a centralidade no ʻespectadorʼ e não no objeto. A principal proposição do objeto é o comportamento perceptivo, a partir de uma participação crescente e o descobrimento da criatividade a partir da acessibilidade e improvisação20.

Seus “parangolés” (FIG. 1), por exemplo, exploram o caráter precário e efêmero, como abrigos que envolvem o corpo e “ampliam e intensificam o tempo da participação, liberando o imaginário, com ações que não se limitam a manipulações”21.

Capítulo 2

31

17 KAPROW, A. Art which can’t be Art. 1986, p. 1.

18 BRETT, Guy.!Oiticica in London, 2007.

19 OSTHOFF, Simone. Lygia Clark and Hélio Oiticica: A Legacy of Interactivity and Participation for a

Telematic Future, 2004.

20 BREITWIESER, S. Vivências, 2000.

(34)

32

“Penetráveis” se constitui em outra série de obras importantes para o desenvolvimento de seu argumento a favor da participação do espectador, a proposição e o trabalho coletivo, Éden (FIG. 02) lançou Oiticica no cenário artístico londrino da década de 1960. Nesta obra, o artista convida os visitantes a habitar o espaço como lazer. Assim como Oiticica, Clark se interessou pela maneira com a qual a arte era desenvolvida ao seu redor. Ela enxergou a necessidade de uma arte que comunicasse e p r o v o c a s s e a p a r t i c i p a ç ã o d o s espectadores. Desta maneira, Clark rejeita a contemplação passiva porque a proposição da arte é mais importante que a

arte em si. A arte deveria ser levada para o campo da experimentação, que O museu no contexto do século XXI

32

FIGURA 1 – Parangolé 04 ‘Clark’, 1964 Fonte: TATE MODERN [2007]

(35)

33

permite que o indivíduo se torne consciente da alienação a que está submetido22.

Em “Diálogo com as Mãos” (FIG. 03) Clark explora o espaço infinito criado a partir da curva de Möbius e das relações do próprio corpo, evidenciando a importância da participação para a efêmera completude da obra. Duas mãos se unem em um diálogo tátil23. Estes artistas anteciparam a discussão que ganharia força na década de 1970 em todo o mundo e que culminaria com o Movimento Internacional da Nova Museologia na década de 1980. Nesse período, as pressões políticas e econômicas no cenário internacional e a disseminação da ideia de que a arte deveria buscar “novas trajetórias que fossem além da mainstream (galeria, museu)”24 forçaram museólogos a repensarem a função do museu em todo o mundo. Isso de fato acontece nas décadas seguintes, levando estes profissionais ao deslocamento da atenção das coleções em si para os visitantes, com o objetivo de tornar museus mais acessíveis à população25.

Capítulo 2

33

22 CLARK, Lygia. Lygia Clark, 1998.

23 OSTHOFF, Simone. Lygia Clark and Hélio Oiticica…, 2004.

24 AGRA, L. As Galerias como espaços modificados, 2010.

25 ROSS, Max. Interpreting the new museology, 2004.

(36)

34

2.1.2

O cenário dos museus no Brasil no século XX

No Brasil, Waldisa Russio propõe “uma museologia popular, politicamente engajada e comprometida com os processos de transformação social”26. Em busca de uma identidade maior com o observador, tudo passa a ser museável (casas, estradas de ferro, minas, campos de concentração) em detrimento dos museus tradicionais e elitistas. Russio tenta estabelecer uma relação mais próxima entre público, obra de arte e o museu enquanto instituição. A partir do movimento e da influência de Russio na reformulação da museologia, a instituição passa a ser entendida como fruto de práticas sociais complexas que deve desenvolver-se no presente visando o presente e o futuro, preservando, dessa maneira, bens e manifestações culturais27.

Na prática, tal pensamento gerou diversificação de instituições e temas, que não implicou, porém, em uma posição mais crítica dos museus na sociedade, porque mesmo que extrapolem a então considerada arte culta, ainda assim, continuam a perpetuar, via de regra, a separação clara entre visitante e objeto, enfraquecendo a autonomia do primeiro.

No Brasil, a década de 1990 é impulsionada pelas leis de incentivo fiscal, criadas na segunda metade da década de 1980. Essas leis “correspondiam ao desejo da sociedade civil de livrar-se da tutela do Estado - não só do governo - a fim de poder inventar e operar seus próprios fins culturais”28. Atualmente, a ideia da autonomia competente possibilitada por estas leis se mostra ilusória pela escassez de pessoal qualificado. A criação de novas instituições, públicas e privadas, sem a consolidação das existentes, por sua vez, é responsável pela presença de museus que não desempenham sua função como poderiam. Acompanhando problemas de ordem econômica e de coordenação do aparelho cultural brasileiro, mudanças de ordem social e o desenvolvimento O museu no contexto do século XXI

34

(37)

35

tecnológico pressionam as instituições a buscarem novas abordagens culturais29.

2.1.3

O Museu como representação da sociedade a partir dos usos das tecnologias de

informação e comunicação

Uma das principais causas para a transformação dos museus ao longo do tempo é acompanhar mudanças sociais e de formação de conhecimento. O museu como receptáculo de objetos é fruto de um período específico bem diferente do atual. Este fato influencia diretamente a relação do museu com o seu passado e, acima de tudo, com as novas disciplinas de criação de conhecimento, como afirmam Bruno Frey e Barbara Kirshenblatt-Gimblett30. Embora os autores acreditem que os objetos digitais representem o nosso período e que, ao final, são semelhantes aos objetos palpáveis, porque podem ser “coletados, estudados, exibidos e interpretados”, devemos ressaltar que as possibilidades que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) nos apresentam vão além da perpetuação de um sistema, no qual a arte é vista como um objeto colecionável que se apropria de outro meio: o digital. Esta abordagem seria, de fato, a reprodução do receptáculo de objetos, o mesmo do qual os autores parecem tentar se afastar. O desenvolvimento tecnológico deve ser visto como um passo para a abertura da experiência. As TICs abrem novas possibilidades para a experimentação do evento: a construção conjunta entre visitantes, obra e espaço. E essas experiências, embora documentáveis, não são colecionáveis.

O desenvolvimento das TICs e sua utilização por artistas na década de 1990, principalmente os media artists, levou à modificação da estrutura física dos museus. A condição necessária para a exibição de produções eletrônicas, como instalações que utilizavam vídeo, exigiu que o cubo branco - símbolo do modernismo, neutro e bem iluminado, se escurecesse. Muitos autores, como Capítulo 2

35

29 BELUZZO, A. et al. Um novo contrato social para o sistema da arte, 200-.

(38)

36

Lev Manovich31, celebraram esta mudança, com o nome de “caixa preta”. É importante ressaltar que a utilização do termo, cunhado por James Clerk Maxwell32 na década de 1920 e amplamente utilizado na ciência, em especial na cibernética, abre espaço para equívocos e deveria ser evitado. Independentemente da nomenclatura, uma nova atitude em relação ao que é arte e como esta deve se apresentar no espaço dos museus é desejada, e para que isso aconteça, uma mudança profunda na estrutura dessas instituições deve tomar lugar.

2.2

“Caixas pretas e cubos brancos”: manutenção de um paradigma

Em meados do século XX surgem tensões entre a exibição de obras de arte e o espaço do museu que se estendem até o presente. Um indicativo dessas tensões é o fato de cerca de um terço das visitas ao Guggenheim New York (FIG. 04), projetado por Frank Lloyd Wright no início do século XX, ser feita para visitar o museu em si, e não as obras lá expostas33.

Se por um lado Josep Montaner34 afirma

que o século XX foi marcado pela experimentação na arquitetura do museu, identificando diversos tipos básicos, e que tal variedade arquitetônica afeta a própria atuação do museu e sua relação com a obra de arte; por outro, é necessário questionar o quanto essas modificações físicas e organizacionais dos museus afetaram realmente a relação dos visitantes com a obra e o O museu no contexto do século XXI

36

31 MANOVICH, Lev.!The language of the new media.!2001. 32 GLANVILLE, R. Second order cybernetics (6.46.3.3), 2001.

33 MERKEL, Jayne. The Museum is the Exhibit, 2010.

34 MONTANER, Josep. Museus para o Século XXI, 2003.

FIGURA 4 – Estudo de cores para Guggenheim de Frank Lloyd Wright.

(39)

37

espaço. Utilizando a comparação frequentemente apresentada entre o “cubo branco” modernista e as salas escurecidas dos museus contemporâneos, é importante compreender quais são as semelhanças entre ambas as abordagens e ainda, se as diferenças produziram dois tipos realmente distintos.

Durante o movimento modernista, arquitetura e museus começam a andar lado a lado35. Museus começam a ser construídos para abrigar as obras modernas, tendo o MoMa - Museum of Modern Art - de Nova Iorque como seu maior ícone. A arquitetura pretendida deveria ser neutra o suficiente para abrigar, de maneira adequada, a arte moderna, e por isso, passa a ser chamada de “cubo branco”.

Este cubo branco é um “anti-recinto, ultra recinto ou recinto ideal”36, onde a relação tempo-espaço é neutralizada e o objeto se torna imortal. Por essa ideia da imortalização da arte, o cubo é comparado com outros recintos onde rituais religiosos acontecem, como as câmaras mortuárias egípcias, que ignoram o mundo exterior em prol da eternidade37.

A galeria é construída de acordo com preceitos tão rigorosos quanto os da construção de uma igreja medieval. O mundo exterior não deve entrar, de modo que as janelas geralmente são lacradas. As paredes são pintadas de branco. O teto se torna fonte de luz38.

A galeria é o espaço “branco ideal que, mais que qualquer quadro isolado, pode construir o arquétipo da arte no século XX”39. Essa postura gerou uma confusão entre a arte e o espaço que a emoldura e por isso, é comum hoje, observarmos o espaço antes que a própria arte40.

Capítulo 2

37

35 LARA FILHO, Durval. O museu no século XXI ou o museu do Século XXI?, 2005.

36 Mc EVILLEY. Introdução, 1986. in: O’DOHERTY, B. No Interior do Cubo Branco. A Ideologia do

Espaço da Arte, 2002, p. XVII.

3737 Mc EVILLEY. Introdução, 1986, pp. XVI.

38 O’DOHERTY, B. No Interior do Cubo Branco. A Ideologia do Espaço da Arte, 2002, p.4.

39 O’DOHERTY, B. No Interior do Cubo Branco...2002, p.3.

(40)

38

A experiência da arte no cubo branco é descrita por O’Doherty41 como olhos

que passeiam desprovidos de corpos. Isto porque a organização do espaço não aspira a visitantes engajados, e sim, coadjuvantes que aderem à sacralidade da arte moderna exposta. Nas décadas de 1960 e 1970 corpos e olhos começam a negociar novamente no museu, uma vez que as novas expressões artísticas, compostas de situações instáveis – “performance, neominimalismo, vídeo, harmonização de ambientes” - precisam de corpos que explorem o espaço42.

Com o desenvolvimento dessas correntes e a culminação do uso das tecnologias de informação e comunicação no campo artístico, o simbolismo sacro do cubo e sua neutralidade não atendem às demandas das media arts, que proliferaram a partir da década de 1990. Estas novas formas de arte exigiram que o espaço de exposição modernista fosse substituído por espaços hermeticamente fechados e isolados acusticamente, chamados por vários autores de caixa preta43. Para Manovich44, a metáfora da caixa preta é retirada da arquitetura do cinema, considerado uma arte inferior que a oferecida pelo museu, exclusiva e autêntica. Com a necessidade de adaptarem-se para as instalações, os museus começam a compartilhar a “caixa preta” dos cinemas.

A media art alega maior possibilidade de “interação”, facilitada pelo

desenvolvimento crescente das tecnologias e seu custo cada vez menor. Del Favero, por exemplo, vídeo artista australiano, utiliza tecnologias como motion

track e banco de imagens para ligar a narrativa à posição do espectador ou ao

seu movimento no espaço da galeria. Para ele, a interatividade propiciada permite a ligação entre características do espaço físico e a determinação (ou indeterminação) da obra. O espaço convida o visitante a construir sua própria O museu no contexto do século XXI

38

41 O’DOHERTY, B. No Interior do Cubo Branco...2002.

42 O’DOHERTY, B. No Interior do Cubo Branco...2002, p. 52-84.

43 MANOVICH, L. The Language of New Media. 2001, p. 229 e MCQUIRE, Scott. E RADYWYL,

Natalie. From Object to Platform: Art, Digital technology and Time, 2010, p. 15.

(41)

39

narrativa através da interação com o espaço e diferentes formas de participação ativa45. Para Mcquire e Radywyl:

Onde o museu tradicional garantiu sua pedagogia hegemônica através de uma coreografia firme de caminhos de movimentos e parâmetros de interação - ao prescrever rotas de visitantes pela arquitetura, ao apresentar os objetos de museus dentro de categorias e histórias firmes e por separar visitantes de objetos que são dispostos atrás de vidros intransponíveis - o museu contemporâneo utiliza interfaces interativas para prover crescentes formas individualizadas de participação. Em particular, a pouca iluminação da então chamada “caixa preta” representa uma mudança na genealogia da pedagogia baseada na racionalidade do esclarecimento para uma mais fundada na percepção sensória e emoções subjetivas46.

Como exposto acima, o discurso de ambas as correntes é antagônico: o cubo branco, por um lado, busca a pureza da arte, o distanciamento do público - os papéis são claramente distribuídos entre visitante, curador e artista. A caixa preta, por sua vez, quer representar o novo, o movimento dentro do museu e a possibilidade da imersão, e celebra o engajamento do visitante com o artista. Os produtos acabados dão lugar à produção da arte47.

Mas, na realidade, o cubo branco e a caixa preta compartilham muitas semelhanças. Por ser artificialmente criada para controlar o comportamento e a recepção da obra pelos espectadores a partir do controle máximo dos artistas sobre o contexto, condições de apresentação e percepção do trabalho48, a caixa preta nada mais é que do cubo escurecido. Tal afirmação é confirmada quando, artistas que celebram a interação dentro do espaço do museu ainda utilizam o termo espectador para descrever os possíveis fruidores da obra, como del Favero, que, ao reduzir o público a espectadores, também reduz a Capítulo 2

39

45 MCQUIRE, Scott. E RADYWYL, Natalie. From Object to Platform…, 2010, p. 19

46 MCQUIRE, Scott. E RADYWYL, Natalie. From Object to Platform…, 2010, p. 19.”Where the traditional

museum asserted its hegemonic pedagogy by tightly choreographing paths of movement and parameters of interaction – by prescribing visitors’ routes architecturally, by presenting museum objects within firm knowledge categories and histories, and by separating visitors from objects housed behind impervious glass – the contemporary museum utilizes interactive interfaces to provide increasingly individualized forms of participation. In particular, the darkness of the so-called ‘black box’ represents a shift in genealogy from a pedagogy based in enlightenment rationality to one more rooted in sensory perception and subjective affect”.

47 MCQUIRE, S. E RADYWYL, N. From Object to Platform…, 2010

(42)

40

experiência. A interação é diretamente afetada pelo controle, seja pela produção fechada da obra, seja pelo espaço, pouco flexível.

2.3

A questão social do acesso à cultura

A recorrente substituição acrítica da arte culta pela cultura de massas é fator marcante. Josep Maria Montaner parece celebrar o que ele denomina museu colagem:

O museu como colagem de fragmentos é expressão do triunfo da cultura de massas e é emblemático da implosão do museu. De baluarte da alta cultura ele passou a ser um soberano da indústria cultural para as massas; converteu-se em um edifício cada vez mais hedonista e popular, divertido e comunicativo [...] 49.

Existe algo de sedutor na ideia de uma arte que é voltada para as massas. Essa possibilidade poderia ser interpretada como a vitória do popular sobre o elitista, se não levássemos em conta o processo de popularização da informação. Vilém Flusser50 discorre sobre o desenvolvimento da cultura da mídia, e coloca uma questão de difícil resposta: permitir o acesso à informação pelas massas é bom ou ruim? Para uma melhor compreensão de tal afirmação é interessante que parte de seu argumento seja incluído nesta seção.

Em seu texto Betrayal51, Flusser afirma que a palavra divulgar [divulge], como um sinônimo mais suave de traição [betrayal], significa de alguma maneira, trair um segredo. E a cultura da mídia é um produto direto desta traição. Isto porque a mídia é uma rede que divulga segredos (ao sugá-los a partir de espiões - repórteres – e ao seduzir pessoas a revelarem suas confidências - com O museu no contexto do século XXI

40

49 MONTANER, Josep. Museus para o Século XXI, 2003, p. 94.

50 Vilém Flusser é um filósofo tcheco-brasileiro comumente associado à teoria da mídia. Seu escopo de

trabalho, é, porém, muito mais abrangente. As idéias do autor são fortemente exploradas neste capítulo e no capítulo 4. FLUSSER, Vilém. Betrayal, in: FLUSSER, Vilém; STRÖHL, Andreas; EISEL, Erik.!Writings, 2002, p. 58-62.

(43)

41

entrevistas, por exemplo). A partir do processamento dessas informações, todos que são conectados a essa rede podem participar dos segredos.

Desta maneira, o autor questiona: “a situação cultural atual é tão vulgar porque a mídia a alimenta, ou nós nos alimentamos da mídia porque nos tornamos tão vulgares?”52 Na verdade, vivemos um ciclo progressivo de retroalimentação e o autor classifica este dilema como o mesmo entre o ovo e a galinha, ou seja, que não se sabe ao certo a origem. Para o problema, ele apresenta duas possíveis respostas: A primeira, que nossa vulgaridade tem suas raízes na fusão da burguesia em declínio e do proletariado em ascensão, com a formação de uma área intermediária plebéia que permite o desenvolvimento da mídia; e a segunda, que progressos técnicos e científicos e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação permitiram que a mídia trabalhasse, e o resultado é uma “maioria silenciosa” plebéia, uma cultura vulgar.

Ambas as abordagens tem um ponto de partida comum: o desenvolvimento da mídia impressa, que, ao divulgar o segredo da escrita, tira da elite letrada sua ferramenta de manipulação da massa iletrada. “Esta revelação progressiva do segredo é chamado de esclarecimento [enlightment], enquanto o murchamento da elite é denominado de ʻprogresso socialʼ. A Cultura de mídia é o triunfo do Iluminismo53 e do progresso social”54. A medida do esclarecimento e do progresso social se baseia na crescente participação dos leigos55. O autor aponta a Alemanha nazista e a Rússia estalinista como o ponto culminante da profanação e vulgarização, que coincide com o auge do rádio e do filme56.

Capítulo 2

41

52 FLUSSER, Vilém. Betrayal, 2002, p. 59. Texto original: Is the present cultural situation as vulgar as it is

because the media feed it, or de we feed on media because we have become so vulgar?

53 O autor usa o mesmo termo – enlightment – no sentido de esclarecimento e como referência ao

iluminismo.

54 FLUSSER, Vilém. Betrayal, 2002, p. 59. This progressive disclosure of the secret is called “enlightment”, and the

withering of the elite is called “social progress”. Media culture is the triumph of enlightment and social progress.

55 o que Flusser chama de laification da sociedade. Layman pode ser entendido tanto como leigo quanto

como não membro do clero.

(44)

42

Adorno, por sua vez, atenta para a impossibilidade de “santificar” a cultura, porque o nível elevado relativo de formação cultural (e a sua abrangência) não impediu o surgimento destes mesmos movimentos totalitários mencionados por Flusser. “Pessoas que usufruíram com paixão e entendimento dos chamados bem culturais puderam impassivelmente se entregar à práxis assassina do nazismo"57. O autor alerta para uma crise nos mecanismos de formação cultural - que, consequentemente, indica uma crise na própria cultura e, pela potencialidade de danos que ela proporciona, não deve ser superficialmente tratada58. Segundo Duarte “não se deve deixar-se iludir quanto à possibilidade de que apenas o âmbito da cultura e da arte garantiria uma sociedade racional, pois como já se mencionou, elas não são necessariamente incompatíveis com a barbárie”59.

Desta maneira, Flusser atenta para a necessidade de nos perguntarmos onde tal busca nos levou no passado e onde pode nos levar no futuro. Não se pode afirmar que o que foi feito na Rússia, por exemplo, não tinha o objetivo de promover o esclarecimento e o progresso social. Por isso esta pergunta é tão complicada. Se, aprendendo com a história, não podemos evitá-la, então estamos em uma situação desconfortável, porque teremos que defender uma cultura elitista, que novamente, buscaria controlar os “plebeus” 60.

A elite pode se valer hoje de uma rede mundial que pode, em breve, abrigar grupos a partir de cabos materiais e imateriais, e permitir que eles criem regras que governem a sociedade sem ao menos serem descobertas pelas massas61. E o seu compromisso é estético contra o kitsch e a banalização [stultification]. O museu no contexto do século XXI

42

57 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica da Indústria Cultural, 2003, p. 93

58 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica da Indústria Cultural, 2003, p. 93

59 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica da Indústria Cultural, 2003, p. 94

60 FLUSSER, Vilém. Betrayal, 2002. p. 61.

61 Este texto foi escrito nos meados da década de 1980, quando a internet a a world wide web não eram uma

(45)

43

Tal elite contemporânea tende a levar a sociedade a lugar algum, e sua falta de objetivo é em si, seu segredo.

Flusser conclui seu ensaio afirmando que mesmo se quisermos escapar da cultura de massa, a opção palpável – a cultura elitista – é extremamente complicada. Desta maneira, ironicamente, ele advoga para a cultura de massas admitindo que “este é um ensaio em louvor à cultura dos mídia, que é uma forma perniciosa de loucura”62, ao mesmo tempo admitindo a contradição de seu próprio artigo. O autor afirma que não é o fato de a cultura elitista não ser democrática que o incomoda63:

Eu acredito que esta [a falta de objetivo da elite em seu compromisso estético] é a razão real do porquê de defender uma cultura elitista atualmente ser tão desconfortável. Não porque é “não-democrática”, mas porque é desiludida, e por isso, sem esperanças. O desgosto que muitos de nós temos ao sermos expostos à cultura de massa pode justificar o nosso desejo de escapar dela, mas se nós considerarmos a opção tecnicamente possível, nós perdemos as esperanças de sua justificativa64.

E, assim, ele abre espaço para mais uma questão: O fato da cultura dos mídia ter difundido o acesso aos bens culturais faz dela uma cultura democrática? Eu argumento que não, pois nesta situação os termos “democrática” e “acessível” adquirem caráter distintos, e, por isso, recorro à Rodrigo Duarte em sua discussão das idéias de Adorno e Horkheimer para delinear o cenário da cultura de massa.

A inclusão da massa na cultura, ao contrário do que possa parecer, não significou a real democratização da arte. Rodrigo Duarte65 ressalta a distinção que Adorno e Horkheimer fazem entre a cultura de massa e a cultura popular, porque a primeira não é uma “cultura feita pela massa para seu consumo, mas Capítulo 2

43

62 Betrayal, em Writings, pp. 62. “This is an essay in praise of media culture, which is a pernicious form of folly”.

63 Betrayal, em Writings, pp. 61

64 Betrayal, em Writings, pp. 61. I believe that such is the true reason why it is so uncomfortable to defend an elitist

culture at present. Not because it is “undemocratic”, but because it is disillusioned, and therefore hopeless. The disgust many of us feel when exposed to mass culture may justify our wish to scape from it, but if we consider the technically feasible alternative, we despair of its justification”.

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44

de um ramo de atividade econômica, industrialmente organizado nos padrões dos grandes conglomerados típicos da fase monopolista do capitalismo”66. A partir do momento em que a cultura é manipulada como mercadoria de uma indústria, uma “necessidade social dos produtos” é gerida mais pela própria indústria e sua repercussão econômica que por uma demanda espontânea dessas “mercadorias culturais”67. Neste contexto, a arte passa a servir como mantenedora do status quo e não como agente de mudança.

A teoria da “semicultura” de Adorno nos fornece uma perspectiva interessante, porém polêmica, como nos mostra Duarte68. Para Adorno, o proletariado atual, ao contrário dos burgueses que lideraram as revoluções francesa e inglesa, não é mais culto que os burgueses “tardios”69 e, desta maneira, não podem suplantá-los. A tradicional exclusão do proletariado não será resolvida pelo “mero” provimento de cultura. Uma subversão da própria ordem burguesa tem que acontecer, porque essa ordem determina a exclusão. Desta maneira, a teoria da semicultura revela a “ideia de que as camadas desfavorecidas da população, antes que tivessem podido se ʻformarʼ propriamente, se tornaram facilmente presas da forma atual - tecnologicamente mediada - da ideologia, i.e. a indústria cultural”70. Uma passagem usada por Duarte ilustra o que Adorno entendia por “semicultura”:

Mas a contradição entre cultura e sociedade não resulta simplesmente em incultura no sentido antigo, i.e., a dos camponeses. Aliás, os distritos agrícolas hoje são usinas de semicultura. Lá - especialmente graças aos meios de massa rádio e televisão - o imaginário pré-burguês, essencialmente dependente da religião tradicional, foi há muito rompido. Ele é recalcado pelo espírito da indústria cultural; entretanto, o a priori do conceito de cultura propriamente burguês, a autonomia, O museu no contexto do século XXI

44

66 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 50

67 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 51

68 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003 p. 94-95

69 ADORNO em DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 95

70 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 95. O autor justifica o uso da palavra “formar” por ser o

termo mais comum para traduzir o termo alemão Bildung - “o projeto subjetivo cujo correlato objetivo é a cultura propriamente dita” além deste termo, o termo “semicultura” é mantido da tradução para o

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45

não teve tempo de se formar. A consciência passa imediatamente de uma heteronomia a outra: no lugar da autoridade da Bíblia, entra a do estado desportivo, da televisão e das "histórias verdadeiras", que se apóiam na exigência daquilo que é literal, da factualidade aquém da imaginação produtiva. O ameaçador nisso, que se revelou no reino de Hitler mais drástico do que apenas um objeto da sociologia da cultura, não foi até hoje corretamente visto.71 Nesta situação, a cultura é vista como inútil e contrapõe-se ao conhecimento técnico, responsável pelo progresso da sociedade72.

O conceito de semicultura é importante não por ser propriamente a falta da cultura, mas “um processo planejado de abortamento das possibilidades libertadoras até mesmo da incultura”73. Segundo Adorno, mesmo a incultura possui potenciais de “dúvida, chiste e ironia”74, e tais características podem criar uma consciência crítica. Desta maneira, a semicultura se baseia em um estado de ignorância, que surge com a perda da tradição e pelo desencantamento do mundo, e, por isso é incompatível com a cultura no sentido tradicional75.

Ao abordarem a cultura de massa e a cultura elitista, Flusser e Adorno chegam a conclusões diferentes. Flusser, ao apresentar sua dúvida, ainda opta pela cultura de massa, com suas reservas. Já Adorno, ao observar a falta de cuidado com que certos assuntos relacionados à cultura são tratados, como, por exemplo, os guias para entendimento da música erudita, aponta que “as manifestações da semicultura não levam de modo algum a um desenvolvimento cultural, afastando, contrário, um possível apreciador da cultura não administrada”76. Nas palavras de Adorno: “aquilo que é semi-compreendido e semi-experienciado não é o estágio prévio da cultura, mas seu inimigo mortal”77.

Capítulo 2

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71 ADORNO em DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 95.

72 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 94-95.

73 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 96.

74 ADORNO em DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p . 96.

75 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 97.

76 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 98.

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Flusser prefere a cultura de massa por ser alternativa a cultura de elite, mas como uma fase em um processo de mudança da sociedade. Adorno não acredita na cultura de massa, porque acha que ela retira o indivíduo da possibilidade de criar uma consciência crítica. Embora ambos os autores alertem para um desenvolvimento cultural acrítico, e inclusive pernicioso, ambos apontam para direções além da cultura de massa (cultura de mídia, semicultura).

Para Adorno, alguns objetos culturais não se enquadram na semicultura e “simbolizam a própria capacidade humana para autonomia e liberdade”78. Estes objetos são os que escapam do fetichismo da cultura, possuidores de uma integridade e forma espiritual que permite a retroação, que não acontece pela “adaptação a seus mandamentos”79. Estes objetos fazem parte da produção artística autônoma80.

Já para Flusser, responder a questão da cultura se relaciona com entender que “o comportamento do indivíduo e da sociedade vai sendo programado por diferentes aparelhos”81. A crítica à civilização contemporânea [Kulturkritik] deve centralizar-se nos programas, que, embora programados por programadores, se automatizam e “funcionam sempre mais independentemente dos motivos de seus programadores”82. Como um ciclo, a própria programação humana começa a ser programada por programas e, embora alguns programadores acreditem que dominam a programação do aparelho, tal certeza é também parte do programa destes funcionários. Para o autor, a Kulturkritk comete o erro de aceitar tal visão ingênua dos programadores, tornando ela mesma, função dos programas.

Flusser aponta a necessidade da passagem de uma sociedade dos mídias de massa para uma sociedade telemática, para uma “revolução cultural O museu no contexto do século XXI

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78 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 99.

79 ADORNO em DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p . 99.

80 DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica..., 2003, p. 99.

81 FLUSSER, Vilém, Nosso Programa,1983, p. 30

Imagem

FIGURA 1 – Parangolé 04 ‘Clark’, 1964 Fonte: TATE MODERN [2007]
FIGURA 4 – Estudo de cores para Guggenheim  de Frank Lloyd Wright.
FIGURA 5: Jovens caminhando em direção a uma lanhouse em Beijing Fonte: Exibição: “I have no Enemies”, Centro Nobel da Paz [2011].
FIGURA 6: Bibliotecária Virtual Lilian,   programada para responder dúvidas de usuários  na OCLC (Online Computer Library Center) Fonte: RUBIN et al [2010].
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Referências

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