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INDIVIDUALISMO,LIBERALISMOEFILOSOFIADA
HISTÓRIA*
JoãoPauloBachur
OnúcleopolíticofundamentaldoIluminismo(Aufklärung,
esclarecimento),compostoporumparticulararranjoconcei-tualenvolvendoindividualismo,liberalismoefilosofiadahistória, permeouateoriapolíticacontemporâneasobaformadever-sõesrevistaseadaptadas,masemalgumamedidaderivadas doarranjoconceitualoriginal–essaéahipóteseimediata desteartigo.Há,ainda,umahipótesemediataemenosele-mentar: o individualismo iluminista fora verdadeiramente herdadonãopeloneoliberalismo,comosempresepretende,
massimemaispropriamentepelasociologia“deesquerda”1.
Cabeindagar,depronto,porqueonúcleoconceitual doIluminismosefezpresentenateoriapolíticacontempo-
rânea?Arazãoéqueateoriapolíticatemcomopreocupa- *Esteartigotemorigemnadissertaçãodemestrado“CríticasaoEstadodeBem-EstarSocial:Individualismo,EsclarecimentoeEmancipação”,defendidaperante oDepartamentodeCiênciaPolíticadaFaculdadedeFilosofia,LetraseCiências HumanasdaUniversidadedeSãoPaulo.
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çãopivotalalegitimaçãodopoderpolíticodohomemsobre ohomem,contudo,partindodoarranjoconceitualbásico doIluminismo,essatarefadelegitimaçãorevela-seaporé-tica:oinacabadoprojetoiluministaserenovoudetempos emtempos,masnãosepôdeconcluirsatisfatoriamenteno correrdamodernidade.Essesconceitosestãonaordemdo
diae,muitoemboranãopreservem,isoladamente,suacar-gaoriginal,osentidopolíticodoarranjoestápreservado:a
aporiadalegitimaçãopolítica.Seriapossívelfazeropercurso
da“dialéticadoesclarecimento”nachavematerialistada teoriacríticadasociedade–masesteartigopretendeabor- darespecificamenteaarticulaçãointernaentreindividualis-mo,liberalismoefilosofiadahistórianainescapáveltensão oriundadesseamálgama.
Ospontosdeapoioparademonstrarapresentehipóte-seserãoJürgenHabermaseFriedrichAugustvonHayek.Se JohnRawlspareceseraescolhamaisintuitiva,Habermase Hayekpermitirãoreflexõesmaisagudas:comefeito,parece sertarefamaisestimulanteanalisarporqueHabermas–e nãoHayek–éoverdadeiroherdeirode,digamos,Adam Smith,e,ainda,porquenenhumdosdoisconseguiuresol-veroproblemaherdadodosclássicos.
Oroteiroaserseguido,portanto,mostraráqueaapo-riadalegitimaçãopolíticasobreviveuaoneoliberalismoeà social-democracia;osconceitoscentraisdoprojetoiluminis- taserenovaramsem,contudo,resolverseuproblemapolí-ticobásico.Eessacircunstância,afinal,podepôrateoria políticaemquestão.
OprojetodoIluminismo
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Liberalismo,nosentidosintetizadopelaclássicaexpres-são“laissezfaire,laissezpasser”deorigemfisiocrata,nãose reportaapenaseimediatamenteaomercado,mastemem
contaumalutapolítica
contraoabsolutismo.Esseliberalis- moécorrelatoaumindividualismomuitoespecífico,obti- doapartirdoconfrontoentreimpulsosegoístaseimpul-sos“sociais”ou“sociáveis”,porassimdizer.Édessatensão extremamentesensívelqueemergeomercadoliberal–ea
questãodadesigualdade,preçoaserpagopelodesenvol-vimentoepelaliberdadeeconômicaepolítica,tementão
deserremetidaaofuturo,àutopiadoprogressohumano garantidapelafilosofiadahistória.Oproblemapostopela desigualdadenãosepoderesolvernopresente,paracada indivíduoisolado,masreporta-seaogênerohumano.
Decertamaneira,seriapossívelidentificarumatradição liberalrazoavelmenteunitáriadeSmithaRawls(eHaber-mas),partindo,e.g.,da“primaziamoraldapessoacontra qualquerpretensãodacolectividadesocial”,queassegura“a todososhomensomesmoestatutomoralenegaarelevân-ciadegrausdediferenciação”,afirmandoumatendência de“correcçãoeaperfeiçoamentodetodasasinstituições sociaisedosacordospolíticos”(Gray,1988,p.12).
Masindividualismoeliberalismonãosãosinônimos,
nãoestão,perse,automaticamenteimbricados–comojá
estiveramquandodaorigemdoprojetoiluminista.Portan- to,apesardapossibilidadedesecompreenderoliberalis- mocomotradiçãorazoavelmenteunitária(semestendê-laatéoneoliberalismo,comoseverá),oindividualismoé maispropriamentedescritopelafragmentação(Bellamy, 1994).Ora,searelaçãoentreliberalismoeindividualismo
nãoé,dopontodevistaconceitual,automática,mas
his-tórica
,énecessáriorecomporesseimbricamentoespecífi-co.Atarefaimplica,deumlado,desfazeromal-entendido fixado em torno da associação
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deMandeville;e,deoutro,projetaroindividualismoeo liberalismodeSmithemumpressupostobásicodesuafilo-sofiamoral.
Mandeville,noentãopolêmicopoema
FábuladasAbe-lhas, de 1714, vincula conceitualmente os progressos da
épocaaoegoísmo/individualismo,poisadualidademoral polarizadapor“vício”e“virtude”éaplainadaemumúnico conceito:oegoísmo.Nesseaspecto,Mandevilledestoada tradiçãodafilosofiamoralescocesadeSmithedeAdam Ferguson,porexemplo,poisoperaumainversãoconcei-tualfundamental,popularizadanafórmula“víciosprivados, benefíciospúblicos”(Mandeville,1934,p.230).
Diferentemente de Smith e Ferguson, não se tratava deinseriroindividualismoemumafilosofiamoralcom-prometidacomoIluminismo,comofizeramosescoceses, oidealismoalemãoeoracionalismofrancês.Aocontrário, aprosperidadesocialforaderivadadopuroegoísmo.Mas esseegoísmonãoésinônimodeindividualismo,pelomenos não no sentido da filosofia iluminista. Hayek tem muito maisdeMandevillequedeSmith.Nãoéporoutrarazão queopróprioSmithcriticouosistemadefilosofiamoral
deMandevilleemsuaTeoriadosSentimentosMorais(1759)
como“sistemalicencioso”,poistodapaixãoforareduzida aovícioetodavirtudeàrenúnciapessoal;oegoísmopuro
eindiferenciadosubstituiuoself-lovetãofundamentalpara
asociedade:“ÉagrandefaláciadolivrodoDr.Mandevil-lerepresentarcadapaixãocomointeiramenteviciosa,em qualquergrauesentido”(Smith,1999,p.387).
Smith tem sido sempre lido na chave “quanto mais extensoomercado,maioravantagemparaomaiornúme-ro” (Smith, 1994, p. 320), tornada palavra de ordem do glossárioneoliberal,isoladadocorpodesuafilosofiamoral.
Invoca-sesempreaclássicapassagemdeARiquezadasNações
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“Nãoédabenevolênciadoaçougueiro,docervejeiro oudopadeiroqueesperamosnossojantar,masdesua consideraçãoporseusprópriosinteresses.Nósnosdirigimos nãoasuahumanidademasaseuauto-interesse(self-love),e nuncafalamo-lhesdenossasprópriasnecessidades,masde suasvantagens”(Smith,1994,p.20).
Aocompararabenevolênciaaoauto-interesse,Smithnão
comparaumavirtudeaumvício,massimduasvirtudesou paixões,cujadiferençaresidenomaioroumenorgraude sociabilidade.Opressupostofundamentaldafilosofiamoral deSmithestánacompreensãodetodaaambigüidadedo
individualismo:oself-loveéabsolutamenteindispensávelà
sociedade,éalinhatênuequeequilibraimpulsosegoístas eimpulsossociáveis.As“paixõesegoístas”estãosituadasem uma zona de penumbra entre as “paixões sociáveis” e as “paixõesinsociáveis”:
“Alémdessesdoisgruposopostosdepaixões,associáveise asinsociáveis,existeumoutroqueocupaumaespéciede posiçãointermediáriaentreeles;nuncaétãograciosoquanto àsvezeséoprimeirogrupo,nemtãoodiosoquantoàsvezes éosegundo.Dorealegria,quandoconcebidasdeacordo comanossaboaoumáfortunaparticular,constituemesse terceirogrupodepaixões.Mesmoquandoexcessivas,nunca sãotãodesagradáveisquantooexcessivoressentimento (...);emesmoquandomaisadequadasaseusobjetos,essas paixõesnuncasãotãoagradáveisquantoahumanidade imparcialeajustabenevolência”(Smith,1999,ps.46/47 –grifosacrescidos).
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(1767).Oself-lovedafilosofiamoralescocesatemparalelo
naambivalênciadoimpulsoparaaautopreservação,presen-tenasteoriascontratualistasdeHobbesaKant.Todaessa tradiçãodafilosofiapolíticavê,noprincípiodaautopre-servação,riscosparaasociabilidadehumana,mas,também eprecisamenteaí,aúnicaformadeviabilizaraassociação política:omedoquelevaàagressãodefensivaantecipató-riaedegeneraoestadonaturalnaguerradetodoscontra todoséomesmoquefundeoshomensindividualizadosno
LeviathandeHobbes;osinconvenientesparaapreservação
dapropriedadedeLocke,arigor,pré-existenteaogoverno civil,sãoosfundamentosparasuaprópriaconstituição;a instabilidadedoestadonaturalquecorrompeobomsel-vagemdeRousseauéamolaparaaexpressãodavontade geralnainstituiçãodolegislador(tãofundamentalcontra
oAncien Régime); e, finalmente, a “insociável
sociabilida-de”(ungeselligeGeselligkeil)dafilosofiadahistóriadeKant, expressão mais nítida da incontornável tensão moral do individualismo,queviabilizaasociedadeenquantoameaça sempredissolvê-la.
Contra o raciocínio intuitivo desavisado, oself-love é absolutamenteessencialparaasociedadeburguesa–mui- toembora,nolimite,possadestruí-la.Éessatensãoextre-mamentesensívelquemarcaasimbioseentreliberalismoe individualismonoséculoXVIII.Essasíntese,mesmopartin-dodeumaigualdadebásica,tendeadesigualaroshomens, oque,nolimite,levariaacomprometerosfundamentosdo próprioIluminismo–paraamainaressatensãointrínseca,o séculoXVIIIdesenvolveuafilosofiadahistória,nosentido deReinhartKoselleck.
Koselleck,emseuconhecido
Críticaecrise:Umacontri-buiçãoàpatogênesedomundoburguês(1959),expressatodaa
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moraisdopoderpolítico,garantidaspelareligião,asquais nãopodiamserplenamentesubstituídaspelapolítica“neu-tra”–i.e.,desvencilhadadareligiãoeapoiadanodireito–ironicamenteinauguradaporHobbes(insecretfree):“O
individualismo de Hobbes é o pressuposto de um Esta-doordenadoe,aomesmotempo,acondiçãodeumlivre desenvolvimentodoindivíduo”(Koselleck,1999,p.27).
Aseparaçãoentremoralepolíticainstaurouummovi-mentopermanentedecríticaecrisedopoderpolítico,e ensejouanecessidadedeumafilosofiadahistória:“Acri-sepolítica(que,umavezdeflagrada,exigeumadecisão)e asrespectivasfilosofiasdahistória(emcujonometenta-se anteciparessadecisão,influenciá-la,orientá-laou,emcaso decatástrofe,evitá-la)formamumúnicofenômenohistó-rico,cujaraizdeveserprocuradanoséculoXVIII”,pois“o processocríticodoIluminismoconjurouacrisenamedida emqueosentidopolíticodessacrisepermaneceuencober-to.Acriseseagravavanamesmamedidaemqueafilosofia dahistóriaaobscurecia”(Koselleck,1999,p.9;p.13).
Aúnicamaneiraderesolveracriseeraautopiadafiloso-fiadahistória,substituindoateologiapelarazão.Pautadapela fénoprogresso,afilosofiadahistóriaaumsótempoobscure-ciaacriseeremetiasuasolução(pendentedesdeaseparação entremoralepolítica)paraumfuturoremoto,isentandode responsabilidadeoindividualismoliberal-burguês.
AsfilosofiasdahistóriadoséculoXVIIItêmemconta
umprocessodeformaçãohumana(Bildung2),assentado
sobreapressupostaperfectibilidadehumana,jádetectável emFerguson(1995,p.14)e,emtodaasuadimensão,em Condorcet:“queanaturezanãoindicounenhumtermoao
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aperfeiçoamentodasfaculdadeshumanas;queaperfectibi-lidadedohomemérealmenteindefinida:queosprogressos dessaperfectibilidade,doravanteindependentesdavonta-dedaquelesquedesejariamdetê-los,nãotêmoutrostermos senãoaduraçãodogloboondeanaturezanoslançou.Sem dúvida,estesprogressospoderãoseguirumamarchamais oumenosrápida,maseladevesercontínuaenuncaretró-gradaenquantoaterraocuparomesmolugarnosistema douniverso”(Condorcet,1993,p.20/21).
AfilosofiadahistóriadeCondorcetéparadigmática: ahistóriahumanaprogrediriaemumaseqüênciadeestá- giosevolutivos,compreendendoumprocessodedesenvol-vimentoprogressivoconstantementeapoiadonosavanços técnicosalcançadospelasgeraçõespassadas,osquais,pela educação,sãoincorporadosaopatrimôniocientíficoecul-turaldosmodernos.Nessaescalada,oshomenspassamde (1)povoadosprimitivosa(2)comunidadesdepastorese agricultores;(3)momentoapartirdoqualsedesenvolve aescritaalfabética;(4)chegando-seàGréciaclássica;(5) momentoapósoqualoprogressohumanoentraemdeca-dênciaepermaneceobscurecidoaté(6)asCruzadas;apóso que(7)asciênciaseatipografiapromovemumnovosurto deexpansãodoprogressocientíficoetecnológico;(8)que forneceasbasesparaqueaciênciaeafilosofiaseoponham econdenemojugodoabsolutismo;(9)fazendocomquea razãodesdeDescartespossacomporaRepúblicaFrancesa; culminando(10)naépocamoderna.Essaprogressãohistó-rica,concebidacomoumaescadariamarcadapeloavanço tecnológico,temseusentidonamedidaemqueodesenvol-vimentodoespíritohumanocondicionaodesenvolvimento dasprópriasfaculdadesindividuais.
Herdertambémapresentaumimportanteexemplo,a
começarpelotítulodesuaobrade1774:
TambémumaFilo-
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comexatidãoo“espíritodaépoca”,tornandomaisexplícitooprojetodeformaçãodahumanidade.Compartilhacom seutempoanoçãodequeaperfectibilidadehumanaadvin- dadaeducaçãoéumagarantiadeseuspassosfuturos,justa-menteporqueoprogressoestáassociadoaumprocessode formaçãoplenaegradual:daíporquenãosepodeafirmar asuperioridadedesteoudaquelepovonesteounaquele período(Herderusa“idade”),justaeexatamenteporque todososperíodosforamesãoimportantesparaaformação dahumanidadetalcomoelaseencontra.
“Seanaturezahumananadatemavercomumadivindadeque autonomamenteseorientasseparaobem,setudotemque aprender,setemqueseirformandoporsucessivospassos, setemqueirsempreprogredindonumalutagradual,é naturalqueseváformando,quasesempre,senãomesmo sempre,nosdomíniosemqueencontramotivosque conduzemàvirtude,àluta,aoprogresso.Emcertosentido dir-se-ápoisquetodaaperfeiçãohumanaénacional,secular e–seobservarmoscomomáximorigor–individual.” (Herder,1995,p.38–grifosacrescidos.)
Eacrescentaainda,quantoàBildung
dogênerohuma-no: “Tem que passar por diferentes idades, sempre em manifesta progressão contínua, sempre num esforço de continuidade!Entrecadaidadeparecehavermomentosde repouso,revoluções,transformações!Econtudo,cadaum dosestádioscontémemsimesmoopontocentraldasua felicidade”(Herder,1995,p.45).
Mas talvez Kant seja, ainda, o melhor exemplo do arranjo estabelecido entre liberalismo, individualismo e
filosofiadahistória.Seupequenoescritode1784,Idéiade
umaHistóriaUniversaldeumpontodevistacosmopolita
siçõesnaturaisdeumacriaturaestãofadadasasedesen-176
volveremcompletamenteconformeumfimdeterminado; (2)nohomem,taisdisposiçõessignificamousodarazãoe devemsemanifestarnodesenvolvimentonãodoindivíduo, masdaespécie;(3)anaturezaproporcionaumafelicida-delivredoinstintoaohomem;(4)oinstrumentoutilizado pelanaturezaparaqueaespéciehumanadesenvolvacom-pletamentesuasdeterminaçõeséoantagonismosocial,a
insociávelsociabilidade(ungeselligeGeselligkeit)queforçaos
homens a entrar em sociedade mas ameaça dissolvê-la a cadamomento;(5)deformaqueomaiorproblemapara aespéciehumanaéalcançarumaorganizaçãodasocieda-decivilperfeitamentejustaelivre;(6)problemaesteque, porseromaisdifícil,seráresolvidoporúltimopelaespé-ciehumana;(7)oproblemadaperfeitaconstituiçãocivil somentepoderáserresolvidoapartirdasoluçãodopro-blemaexternodarelaçãoentreosEstados;(8)deforma queahistóriadaespéciehumanarepresentaarealização deumplanoocultodanatureza,tantonaconstituiçãocivil interna quanto externa, desenvolvendo plenamente as determinaçõeshumanas;e,finalmente,(9)umatentativa deelaboraçãofilosóficadesseplanodanaturezaénãoape-naspossívelquantomesmofavorávelparaopropósitoda natureza(Kant,1986,ps.9/24).
Todaessaprogressãotememvistaumatarefasingu-lar,formulada,comonãopodiadeixardeser,pelopróprio Kant,emRespostaàPergunta:QueÉEsclarecimento? ,cujares-postaéóbvia:“Esclarecimentoéasaídadohomemdesua menoridade,daqualelepróprioéculpado.Amenoridade éaincapacidadedefazerusodeseuentendimentosema direçãodeoutroindivíduo”(Kant,1985,p.100).
séculoXVIII.Todaaquestãodoesclarecimentoeraeman-177
ciparohomemdatradiçãopelarazão,e,dopontodevista político,essatarefasetraduzianabuscaporumfundamen- toracionalparaopoderpolítico.ArazãonaturaldoIlumi-nismonaturalizou,porassimdizer,aordemsocialquese constituíaàimagemesemelhançadoburguês.Dondeaconcepçãodasociedade–edomercadocapi- talistaemconstituição–dar-seemtermosnaturaiseespon- tâneos:aordemnaturaldascoisas,aabstraçãodoindivi-dualismoliberal-burguêsquetantoincomodaraMarx,está completamenteenraizadanafilosofiadahistóriadoséculo XVIII;elafoioverdadeiroelementofilosóficodapolíticae daeconomiaburguesas,poiseximiuoburguêsdejustificar ofardodadesigualdadeedaexploração.Aqui,acorreção dasdesigualdadesnãoestáassentadanaeficiênciaregula-doradocapitalismo,masnautopiadoprogressohumano –eadiferençanãoéretórica:
“Oobjetivodoscidadãosseráaperfeiçoar-semoralmente atéopontodesaberefetivamente,ecadaumporsi,oque ébomeoqueémau.Assim,cadaumtorna-seumjuiz que,emvirtudedoesclarecimentoalcançado,considera-seautorizadoaprocessarasdeterminaçõesheterônomas quecontradizemsuaautonomiamoral.Assim,aseparação, realizadapeloEstado,entrepolíticaemoralvolta-secontra opróprioEstado,queéobrigadoaaceitarumprocesso moral”(Koselleck,1999,p.16).
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ComaRevoluçãoFrancesa,inaugura-seumanovatem-poralidade,encerra-seotempodafilosofiadahistóriaao mesmotempoemquenãoseconsumaoprojetoiluminis- ta.NãoéàtoaqueoséculoXIX,tensionadopelocons-titucionalismodemocráticoepelomovimentoproletário revolucionário, conheceu a sociologia e o romantismo, dadaafrustraçãode1848.Duasguerrasmundiaisdepois, entremeadaspelaRevoluçãoRussa,pelacrisede1929,pelo nazi-fascismo,porumKeyneseumBeveridge,oOcidente construiuasocial-democracia–umarecusaàmemóriada primeirametadedoséculoXXeumaretomadadoélando séculoXVIII.Eessadeterminaçãohistóricaébastantecons-ciente:“ApenasesteprojetodoEstadosocialfezsuaaherança
dosmovimentosburguesesdeemancipação”(Habermas,1987,p.
106).Aponteestáenfimcompleta:oEstadosocialéa“últi-ma”etapadoprojetoiluminista:
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EssapercepçãoéabsolutamenteclaratantoparaHaber- masquantoparaHayek.Eéoposicionamentoquantoàsitua-çãodoEstadodeBem-EstarSocialvis-a-vis oprojetoiluminis-taquedeterminaráosentidodateoriapolíticamaisrecente.
Neoliberalismoeindividualismoeconômico:Hayek
Umavezfeitaarelaçãoentreindividualismo,liberalismo efilosofiadahistórianotranscorrerdamodernidadeem trânsitodoséculoXVIIIparaoséculoXIX,cumpreagora desfazerumarelaçãoconceitualgeralmentecompreendida demaneiraexcessivamentelinear,qualseja:aderivaçãodo
neoliberalismoapartirdoliberalismo.Oapeloaoself-love
comocritérioparaastrocasmercantis,naclássicapassagem deAdamSmith,jácitada,égeralmentereduzidoàação mercantil–deHayekàteoriadaescolharacional,passan-doporRobertNozick,JamesBuchananeGordonTullock, o“homemeconômico”éreivindicadocomopedraangular danovadireita,muitoemboraessanovadireitatenhagene-ralizadoumaposturateóricabemdistintadamoralidade
econômica-liberaldeSmith3.
Para aclarar os termos, é necessário investigar como
Hayeklidacomatradiçãoliberal.OclássicoTheRoadto
Serfdom,de1944,denunciava:“Nósaindaacreditamosque
atébemrecentementeéramosgovernadospeloqueévaga-mentechamadodeidéiasdoséculodezenoveouprincípio
dolaissezfaire”(Hayek,1994,p.15).Acríticaédirigidaao
abandono da liberdade econômica individual tipicamen-teliberal,experimentadonocorrerdoséculoXX–mas talabandonodecorre,segundoopróprioHayek,deuma matrizliberalracionalistaexacerbadaqueculminanopla-nejamentocoletivista.
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Em “Individualism: True and False”, na coletânea
IndividualismandEconomicOrder(1948),amaiorpreocupação
é a decomposição do individualismo, fundamento da civilização ocidental. O individualismo de que fala Hayek pretenderesgatarareferênciaaoRenascimento,paraoqualo homemévistoenquantotal,soberanoemsuaprópriaesfera. Énecessário,então,matizaratradiçãoliberaliluminista,pois nãoétodaelaquesegueessalinha:háumindividualismo “verdadeiro” e outro “falso”. O primeiro remonta ao empirismobritânicoepassaporLocke,Mandeville,Hume, SmitheBurke,culminandoemTocquevilleeLordActon;o falsoindividualismoseremeteàtradiçãoracional-cartesiana francesa, incluindo Voltaire, Rousseau, os fisiocratas e os enciclopedistas (especialmente D’Alembert e Diderot). Hayekimputaaconfusãoentreo“verdadeiro”eo“falso” individualismoaJohnStuartMilleHerbertSpencer,que promoveram a fusão entre o racionalismo francês e o empirismo anglo-saxônico – no caso de Mill, claramente tomadodeKant,tributáriodoracionalismodeRousseau– mastambém,ébomlembrar,doempirismodeHume.
Oprincipalproblemaéque“esseindividualismoracio- nalistasempretendeasedesenvolvercomooopostodoindi-vidualismo,asaber,socialismooucoletivismo”(Hayek,1984, p.4)–avinculaçãoentreoracionalismoiluministaeoEsta-dodeBem-EstarSocialéaquibastanteevidenteparaHayek (1979b,p.13).
Overdadeiroindividualismoéprecipuamenteumateo-riadasociedadeeapenasapartirdaípermitededuzirum conjuntodemáximaspolíticas:aúnicamaneiradecompre-enderosfenômenossociaiséapartirdasaçõesindividuais orientadas pelo comportamento e pelas expectativas dos demaisindivíduos:
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orientadasemdireçãoàsoutraspessoaseguiadaspelo comportamentoquedelaséesperado”(Hayek,1984,p.6).
NãoobstanteHayekpretenda,comoverdadeiroindi- vidualismo,retomaro“homemeconômico”liberal,eleaca-basecolocandomaispróximodeMaxWeberedeVilfredo Pareto que do próprio Smith. Como se pode perceber, o individualismodeHayekoaproximadoindividualismoeco-nômicodeWeberePareto–indispensável,nessamedida, paracomporsuaprópriateoriadoconhecimento.Veja-se, respectivamente:
“Açãocomoorientaçãocompreensívelpelosentidodo própriocomportamentosempreexisteparanósunicamente naformadecomportamentodeumouváriosindivíduos. (...)ParaainterpretaçãocompreensivapelaSociologia,ao contrário,essasformações(sociais)nadamaissãodoque desenvolvimentoseconcatenaçõesdeaçõesespecíficas depessoasindividuais,poissóestassãoportadoras
compreensíveisparanósdeaçõesorientadasporumsentido. (...)Açãosocial,porsuavez,significaumaaçãoque,quanto aseusentidovisadopeloagenteouosagentes,serefereao comportamentodeoutros,orientando-seporesteemseucurso” (Weber,2000,v.I,p.8/9–grifosacrescidos).
“Todoindivíduo,àmedidaqueatualogicamente,procura atingirummáximodeutilidadeindividual”;“Otermo indivíduoépreciso:serveparaindicarseresvivosconsiderados isoladamente.Otermosociedadeéumpoucovago:designa, geralmente,umagregadodetaisindivíduos,consideradosem seuconjunto”(Pareto,1984,p.96;p.174).
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individuaisnãosubmetidasaumplanodeaçãoprévio,em clararejeiçãoaoracionalismocartesiano.Nessesentido,é possívelcompreenderaformaçãodearranjossociaisespon-tâneosenãoplanejadose,maisainda,refutaropreceito racionalistadequearazãodeveserviraosfinsindividuais –poistalcircunstâncialevariaaoplanejamentoe,emúlti-mainstância,aosocialismo.Osresultadossociaisadvindos deaçõesindividuaissãomuitomelhoresdoqueoplaneja-mentoracionalpoderiaeventualmenteprever.
ComHayek,arejeiçãoqueoconceitodeindividualis-moprovocaranasegundametadedoséculoXXéimputada aosentidodeegoísmogeralmenteaeleassociado,deforma queosdoisconceitossãotomadoscomosucedâneos.Contra essarejeição,argumentaquenalinguagemdoséculoXVIII,
oself-loveeoselfishinterest
nãosignificavamoegoísmohedo-nistaqueconhecemoshoje,relacionadoexclusivamenteao interesseeconômicodemaiscurtoprazo.Atéaqui,Hayek argumentacomtodaaretidão.MasasdiferençasentreMan-
devilleeSmith,comovisto,nãosereduzemaquestõestermi-nológicas;adiferençaentreeleséfundamentalmente
filosófi-ca;melhordizendo,éumadiferençadefilosofiamoral.
Partindodasaçõesindividuaisorientadasporexpectati- vassociais,premissaclaramenteweberiana,Hayektemdefor-çaraleituraquefazdoliberalismoescocêsdoséculoXVIII: apoiadoemFerguson,asseveraque“rastreandoosefeitos combinadosdeaçõesindividuais,nósdescobrimosquemui-tasdasinstituiçõessobreasquaisseapóiamasrealizações humanassurgiramefuncionamsemumamenteidealizado-raeplanejadora”(1984,p.6/7);equeodesenvolvimento espontâneodaordemsocialapartirdasaçõesindividuaiséo “grandetema”dafilosofiamoralescocesa(1984,p.7).
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Mas,comovistonaseçãoanterior,oindividualismosubjacenteaessaconcepçãonãoserelacionaàsaçõesindividuaisorientadaspor expectativassociais,massimàtensãointrínsecaaoindividualismo
liberal,representadanainsociávelsociabilidadetipicamenteiluminis-ta,amainadapelafilosofiadahistória.Nessamedida,asolução
dosefeitoscolateraisdoindividualismoliberal-burguêsdo séculoXVIIIéremetidaparaofuturo,paraaevoluçãohuma-na.Masessenãoé,isoladamente,ograndetemadeSmithe Ferguson.TantoéassimqueHayek,nãoobstanteasinúme-rasremissõesaSmith,emesmoquandorecorreaMandeville, deixaentreveroviésdesualeitura–principalmentenoartigo “Dr.BernardMandeville”,publicadonosFreiburgerStudien:
“Talvezele[Mandeville]nãotenhademaneiraalguma mostradoexatamentecomoumaordempodeseconstituir semumplano,maselecompreendeuplenaeclaramente queelaassimsefaz”(Hayek,1969,p.128).
Defato,se,naesteiradatradiçãodafilosofiamoralclás-sica,oindividualismonãosereduzaohedonismoestritomas projeta-senoanteparomoralgarantidopelafilosofiadahistó- ria,Hayeksedistanciadessatradiçãoeseaproximadoempi-rismocéticoaonegaraoindivíduoacondiçãoparamelhor descobrirquaissãoseusverdadeirosinteresses.Essatarefa temdeficar,porisso,acargodeumprocessosocialemque todospodemigualmenteparticiparetentaromelhorresul-tado;arazãohumananãoéumatributoindividualdadoao homem,maseminentementeumprocessointer-pessoal,no qualaaçãodeumindivíduoétestadaemfacedaaçãodos
outrosindivíduos,sendoentãoaprovada,reprovada,corrigi-daouconfirmada4.
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OpontocentraldoindividualismodeHayeknãoéum atestadodacondutaempírica,masdizrespeitoàspossibili-dadescognitivasintrinsecamentelimitadas,jáqueohomem nãoécapazdeconhecereapreendermuitomaisalémdo queumapequenaparceladasociedadeesomentepode levaremconsideraçãoaquiloquesuacapacidadeintelecti-vaécapazdeprocessarnacircunscritaesferaindividualda prediçãopossível.Trata-sedeumateoriadoconhecimento de caráter essencialmente cético-empirista (na matriz de
KanteHume)5.
Com isso, Hayek se aproxima e se afasta da tradição liberalclássicaaquesepretendefiliar,poisseuindividualis-moémuitomaisconectadoaumateoriadoconhecimento queaumafilosofiamoralpropriamentedita–eoprinci- palproblemadeHayekéquesuateoriadoconhecimen- to,nãoobstantesuaconotaçãomoral,édeterminadapre-cipuamenteporpressupostoseconômicose,emespecial, porpressupostostípicosdomercadocompetitivo.Pormais quesuateoriadoconhecimentoempiricamentelimitadoo aproximedeKanteHume,epormaisqueseuconceitode ordemespontâneaaponteparaMandeville(e,conceda-se, paraFergusoneSmith),falta-lhe,contudo,agarantiateó- ricarepresentadaporumprojetomoral,dadoseudescom-promissocomoiluminismo.MasHayeknãopodefazê-lo, emfunçãodesuacompreensãodoverdadeiroindividualis-mo,eminentementeanti-racionalista.
NoindividualismodeHayek,oindivíduo,unidadebási-cadaordemsocialespontânea,somentetemacessoaum conhecimentomuitolimitado,empiricamenteapreensível.
Époressarazãoqueindividualismo,teoriadoconhecimen-toemercadoseimbricaminexoravelmenteemHayek:ora,o
185
zesdeumconhecimentomuitolimitadoentrememcon-tatoumascomasoutrasparaaproduçãodeefeitossociais delongoalcanceéomercado,apoiadonapropriedadepri-vadaenatroca.Masessateoriadoconhecimentotemum víciointrínsecoinsanável.Vejamos:
“Emsuma,devoafirmarqueoelementoempíriconateoria econômica–aúnicapartequeconcernenãoapenas implicaçõesmascausaseefeitosequeleva,portanto,a conclusõesasquais,dequalquerforma,sãoemprincípio susceptíveisdeverificação–consistedeproposiçõessobre aaquisiçãodeconhecimento”(Hayek,1984,p.33–grifos acrescidos).
Equaléoelementoempíricodateoriaeconômicaque viabilizaoconhecimento?
“Competiçãoé,assimcomoaexperimentaçãonaciência, primeiroesobretudoumprocessodedescoberta”(1979a, p.68–grifosacrescidos).
Hayekparecenãodarsoluçãosatisfatóriaestáemrelacio-186
narindividualismoeteoriadoconhecimento.Acompeti-çãocomopremissanãoéamelhoropção.Apressuposição do mercado em sua neutralidade abstrata condiciona a teoriadoconhecimento:Hayeknãopartedoindivíduoem seuconhecimentolimitadoeessencialmenteempíricopara chegaraomercado,masfazocontrário:omercadocom- petitivoestápressupostonaprópriadefiniçãodoconheci-mento,poiséacompetiçãoquecaracterizaoprocessode descoberta;oconhecimentoestádiretamentesubordinado aoelementoempíricodateoriaeconômica.
Comojámencionado,Hayektemdefugirdoindivi-dualismoracionalista,queconduzaosocialismo.Masessa circunstânciaforçasuaconstruçãoteóricaeimpõecustos muitoaltos.Emúltimainstância,apreocupaçãodeHayek éassegurarumaordemsocialque,mesmonãosustentada pelaracionalidadeindividualestrita,constituaumconjunto socialnotodoracional.MasseoindividualismodeHayek
nãoéomesmodeSmith–poisoself-lovecondicionavaa
extensãodadivisãodotrabalhoedomercado,e,noneoli-beralismo,éumaconcepçãoapriori
domercadoquepermi- teligarindividualismoeteoriadoconhecimento–aliber-dade individual do neoliberalismo não pode ser liberal6.
EmHayek,liberdadeéumconceitoextremamenterestrito, reduzidoàmeraausênciadecoerçãofísico-corporalpor partedeoutroshomens:
“Estamospreocupadosnestelivrocomaquelacondiçãona qualacoerçãodoshomensporoutroshomenssejareduzida tantoquantopossívelemsociedade.Devemosdescreveresse estadodaquiemdiantecomoestadodeliberdade.(...)O estadonoqualumhomemnãoestásujeitoàcoerçãopela
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vontadearbitráriadeoutrosétambémfreqüentemente distinguidocomoliberdade‘individual’ou‘pessoal’”(1960, p.11).
Assim,liberdadeecoerçãoadquiremumsentidoexclu- sivamentepessoal,poissereferemapenasàsaçõesestabe-lecidasentrehomensindividualizados,enãosignifiquema ausênciadeoutrasbarreirasimpessoais:
“Nessesentido,‘liberdade’refere-sesomenteàrelaçãoentre oshomens,esuaúnicainfraçãoéacoerçãoporoutros homens.”(Hayek,1960,p.12)
Liberdadeecoerção,comoépossívelperceber,advêm daconcepçãodeummercadoespontâneoenão-coercitivo noqualosindivíduossemovemlivremente.Essacircuns- tância,aocontráriodaintuição,émuitomaisumadiferen-çaqueumasemelhançaentreliberalismoeneoliberalismo. Comovisto,anaturalizaçãodaordemsocialnoliberalismo eragarantidapelafilosofiadahistória:paraosliberais,a liberdadefundavaomercadolivre;paraosneoliberaisa liberdadeestácontidanomercado.
O conceito de “ordem espontânea” (kosmos –
socie-dade),emoposiçãoaode“organização”(taxisou“ordem
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relacionaàemancipação,massimàmanutençãodadesi- gualdadee,nessamedida,àcontençãosocial.Esseparado- xotemrelaçãonovínculointrínsecoentreprogressoedesi-gualdade,poiselepermitequebensmateriaisemprincípio disponíveis apenas para as classes sociais mais abastadas possamsetornaracessíveistambémàsclassessociaismais baixas.Justamenteainevitabilidadedadesigualdadeeconô- micaéoargumentoutilizadoparadefenderaespontanei-dadedaordemsocialcapitalista,poiséimpossívelantever osresultadosdomercadooupreverocursodoprogresso:
“Emsentidoestrito,apenasacondutahumanapodeser chamadajustaouinjusta.Seaplicarmostaistermosaum estadodecoisas,elesfarãosentidoapenasnamedidaem quejulgarmosalguémresponsávelporinstituiresseestado decoisasouporpermiti-lo.Umfatopuroouumestadode coisasqueninguémpodemudarpodeserbomouruim, masnãojustoouinjusto.(...)Evidentemente,nãoapenas asaçõesindividuaismastambémaaçãoconcertadade váriosindivíduosouaaçãodeorganizaçõespodemser justasouinjustas.Ogovernoéumatalorganização,masa sociedadenão.E,emboraaordemsocialsejaafetadapelas açõesdogoverno,edesdequeelaremanesçaumaordem espontânea,osresultadosparticularesdoprocessosocialnão podemserjustosouinjustos”(Hayek,1976,p.31/32–grifos acrescidos).
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nãoseprestamsequerajulgamento:amelhordefesado mercadoétorná-loumpressupostoaxiológicoeepistemo-lógico. O arcabouço conceitual de Hayek permite que a ordemsocialeogovernosejamconcebidosemplanosdis-tintos,sendoainteraçãoentreambosregidapelocritério dacompetição,pelasrazõesjávistas.Éporissoque:“Tem-sequeadmitirclaramentequeamaneirapelaqual osbenefícioseencargossãodistribuídospelomecanismo demercadodeveriaserconsideradocomomuitoinjusto emváriasinstânciassefossemoresultadodeumaalocação deliberadaapessoasparticulares.Masnãoéesseocaso” (Hayek,1976,p.64–grifosoriginais).
Semafilosofiadahistóriacomoanteparomoral,Hayek forçaacaracterizaçãodomercadocomoalgoespontâneo, oquefragilizaarelaçãoentreoneoliberalismoeadefesa daliberdadeindividual.Essaconclusão,apósaidentifica-çãodoarranjoclássicoentreliberalismo,individualismoe filosofiadahistória,chegaasoarquaseelementar:seHayek nãosefiliaaoprojetodoesclarecimento,seaemancipa- çãonãoestánohorizontedoneoliberalismo,nãosepode-riaesperarmuitodeseuconceitodeliberdade.Époressa
razãoquesuadefesamoral
daliberdadeémitigadaemati-zadapeladefesaeconômicadomercadocompetitivo–Hayek
operaumadepuraçãomoraldohomemeconômicodeSmith, porassimdizer.
190
oracionalismofrancêseoidealismoalemãopossuíamem comumumindividualismoliberalque,emboraprojetasse efetivamenteconseqüênciaseconômicasbastantesignifica-tivasparaodesenvolvimentodaeconomiademercado,não seexauriaemtaltarefa,nãoselimitavaajustificaromer-cado.Aausênciadeumanteparomoralcomofundamento
filosófico-políticoprecípuomarcaafronteiraentreHayeke
oliberalismoclássico,jáqueessafunçãoédesempenhada pelacompetição7.
Agircomunicativoefilosofiadahistória:Habermas
SeHayekdesfazaarticulaçãoentreindividualismo,libera-lismoefilosofiadahistória,reconfigurandoo“verdadeiro” individualismoàsuamaneira(i.e.,essencialmentemarcado pelacompetiçãocapitalista),Habermasreorganizaatríadeiluministaemumacrítica–manontroppo
–àsocial-demo- cracia.Hayek,comovisto,nãopodeherdarnadadoproje-toiluministaalémdeumindividualismoeconomicamente hipostasiadomuitodistantedeSmith.Habermas,tidopor mentordeuma“segundageração”dateoriacríticadasocie-dade(leia-se:filiado,nessamedida,aomarxismoocidental dasegundametadedoséculoXX),é,naverdade,oautên-ticoherdeirodoindividualismoliberal-burguês;temmuito maisdeSmtihdoquedeFrankfurt.
Eachaveemquesedáessaapropriaçãonãoestáno individualismoemsi,queaparececomodefesadaindivi-dualidade,masnatraduçãodafilosofiadahistórialiberalà teoriadoagircomunicativo.
CompreenderHabermasimplica,portanto,recompor umduplomovimentoemseutrajetoteórico:aapropriação doélaniluministaemchavesocial-democratae,simultanea-mente,odistanciamentodomaterialismohistórico.
191
Aapropriaçãohabermasianadatradiçãoiluministaestáconcentradanoconceitodefilosofiadahistória,conforme desenvolvido por Koselleck: um expediente para reme-teraofuturoasoluçãodaaporiadalegitimaçãopolítica. Individualismoeliberalismo,porsuavez,estãopresentes emHabermasdemaneirabastantepeculiar:o“liberalismo”
decorredacríticaaoWelfareState
,oumelhor,aseusexces-sos juridicizantes – mas não às conquistas representadas pelosdireitossociais.Oliberalismoclássicotinhaemcon-taaliberdadecomoemancipação–Habermasirámitigar esseaspecto,comoseverá.Oindividualismo,aseuturno, énaverdadeadefesadaindividualidadecontraoaparato depoderestatal–oqueremeteHabermas,pelomenosem algumamedida,àtradiçãosociológica.
Defato,nãoobstanteocélebrelivrodeHayek,Roadto
Serfdom,tenhasidobatizadoporinspiraçãoemTocqueville,
Habermasestámaispertodofrancêsdoquesepretendeo próprioHayek.OséculoXIXapresentouinúmerasreações aoindividualismo,nãocircunscritasaoperímetrosocialista: umdiagnósticocomumerafeitotantoporMarxquantopor Tocqueville;ambosjádelineavamumadefesadoindivíduo peranteoaparatodepoderestatal.Oargumentoseriaradi-calizadoporWebernastesesdaperdadesentidoedaperda daliberdade,coroláriosinevitáveisdodesencantamentodo mundocomomodernizaçãosocialpautadapelaaçãoracio-nalcomrelaçãoafins.
192
acentralizaçãopolíticajápresentedesdeoAncienRégime,
submetendotodaasociedadeàadministraçãopública,“A sociedadequeprogridegeraacadainstantenovasneces-sidades,cadaumadasquaisrepresentaumanovafontede poderparaogoverno,jáquesóeleécapazdesatisfazê-las” (Tocqueville,1997,p.94),culminandoemumaespéciede “servidãoregulada”(Tocqueville,1998,p.531/532).
Habermas concede que a perda de liberdade é, em algumamedida,ocustopararecuperarumsentidoracio-nalespecíficoparaaaçãosocial.Masnessatentativaacaba recaindoemalgocomoumafilosofiadahistóriadecaráter comunicativo,porassimdizer.
Paradesenvolverateoriadoagircomunicativo,Haber-masseafastoudomaterialismohistórico.Asociologiade esquerdacomoumtodonãohesitouemdescartarMarxà
luzdoWelfareState
:odiagnósticodocapitalismoinvalida-riaasconclusõesmarxistas;odogmatismodoManifestonão
poderiaresistiràprovadahistória,ao“ganhosemambi-güidades” representado pelo Estado de Bem-Estar Social (Habermas,2001b,p.53).Nãoéàtoa,e.g.,que“Aaplica-çãodateoriamarxistadascrises,àmodificadarealidadedo capitalismoavançado,conduzadificuldades”(Habermas, 1999,p.9).Namesmalinha,ClausOffereverbera:“Gros-seiramente,éaseguinteadificuldadeepistemológicaque desdeaSegundaGuerraMundialvemtorturandoateoria políticamarxista:faltamàteoriatradicionaldacrisepontos dereferênciaempíricos,enquanto,aocontrário,faltauma teoriaadequadaaosprocessosreaisdacrise”(1984,p.296). Asocial-democraciafoivistacomoarefutaçãodateoriade classes,datesedocolapsoinevitáveldocapitalismoeda tesedaproletarizaçãoprogressiva,trêsdogmascentraisda
SegundaInternacional(Heimann,1991).Masopassodeci-sivodeHabermasestáemTécnicaeCiênciacomo‘Ideologia’,
193
“Por‘trabalho’ouacçãoracionalteleológicaentendoou aacçãoinstrumentalouaescolharacionalou,então, umacombinaçãodeduas.Aacçãoinstrumentalorienta-seporregrastécnicasqueseapóiamnosaberempírico. (...)Poroutrolado,entendoporacçãocomunicativauma interacçãosimbolicamentemediada.Elaorienta-sesegundo normasdevigênciaobrigatóriaquedefinemasexpectativas recíprocasdecomportamentoequetêmdeserentendidas ereconhecidas,pelomenos,pordoissujeitosagentes” (2001a,p.57–grifosoriginais).
Nãoéobjetodestetrabalhoproblematizar,naexten-sãodevida,oconceitodetrabalhodeHabermas.Éevidente queareduçãonãosesustentaesomentefazsentidoem umaseparaçãoidealistaeartificialdarealidade;deHegela
Marcuse,passandoporMarx,otrabalhoécategoriada
pra-xissocial,paradizeromínimo.Aseparaçãoentresistemae
mundodavida–comoâmbitosdotrabalhoedainteração, respectivamente–épordemaisforçada,jáqueotrabalho
assalariadoé“umaatividadequeserealizanaesfera
públi-ca(...).Porisso,asociedadeindustrialpodeperceberasi
mesmacomouma‘sociedadedetrabalhadores’,distintade todasasdemaisqueaprecederam”(Gorz,2003,p.21–gri-fosoriginais).
Habermas,seguindoOffe,demonstraoesgotamento
dautopiadasociedadedotrabalhoemnomedeumauto-piacomunicativa–eesseéopilardesuacríticaaoWelfare
State(cf.Offe,1989,p.171).NãoobstanteHabermasseja
plenamenteconscientedovínculodoEstadosocialaopro-jetoesclarecedor,comojávisto,acriseéinegáveldianteda
perdadacentralidadesociológicadacategoriatrabalho:“O
fundamentaarecuperaçãodesentidopeloagircomuni-194
cativamenteorientadoàobtençãolivredoconsenso–o projetoesclarecedortransitadotrabalhoàinteração;da reproduçãomaterialàreproduçãosimbólicadomundo davida.
Ora,masseareproduçãosimbólicadomundodavida ésustentadaporsuareproduçãomaterial(Habermas,v.II, 1995,p.209),nãosepodeabrirmãodeumaesferaprópria doagirinstrumental,emquepeseacorrelatadominação inerenteàestruturasocialerigidaapartirdotrabalhoassa- lariado.AssiméqueHabermasseenvolveemumacircu-laridadeestérileinsolúvel:seotrabalho,amanipulação
técnica,enfim,osistema,constituiesferaindispensávelpara
areproduçãodomundodavida,éextremamenteimpro-dutivoargumentarpelaperdadacentralidadedacategoria trabalho:natesedoesgotamentodasociedadedotrabalho, acategoria“trabalho”nãopodeserameramanipulação instrumentaldanatureza,temdesertrabalhocomointeração –casocontrário,asolidariedadecomunicativanãoseriaum sucedâneosatisfatório.Mas,deoutrolado,otrabalhocomo agir instrumental é absolutamente incontornável para a própriaracionalizaçãosimbólicadomundodavida–nesse sentido,otrabalhonãopodeperderacentralidade.Mas, comojádito,oargumentodaperdadacentralidadeexige
queotrabalhosejaalgoalémdoagirinstrumental,oquenão
édesenvolvidonateoriadoagircomunicativo
–daíacontradi-çãodoconceitodetrabalhodeHabermas.
195
comunicaçãoe,maisespecificamente,naorientaçãodaação
comunicativacentradanoconsenso(Habermas,1989)8.
A ausência do potencial negativo da dialética exige, emcontrapartida,umapositividade,umsucedâneocomu-nicativoparaafilosofiadahistória.Essapositividadeestá naesferapública,instânciacomunicativacapazderevitali- zarosprocessosdelegitimaçãopolíticadoEstadodedirei-to(Habermas,1984,p.269/270).Énelaquesedáo“uso públicodarazão”,paralembrarKant(1985,p.104).Mas paraquetalseprocesse,osrequisitosnãosãopoucoexi- gentes:astrêsficçõesnecessáriasàteoriadoagircomuni- cativorezam:autonomiadosagentes,independência(ain- daquerelativa)daculturaetransparênciadacomunica-ção(Habermas,1995,v.II,ps.224/225).Maisainda,são
condiçõesparaodiscursoracional:(i)avedaçãodeuma
interrupção não motivada da argumentação, a liberdade naescolhadostópicosdadiscussãoeainclusãodamelhor
informaçãodisponível;(ii)oacessouniversalequânimee
igualàargumentação,bemcomoparticipaçãoigualesimé-trica;e,finalmente,(iii )aexclusãodetodaequalquercoa-çãoalémdomelhorargumento,nabuscacooperativapela verdade(Habermas,1996,p.230).
Tais ficções são fortes e abstratas demais para passa-remsemcrítica.Somentefazemsentidoquandoseadmite arepresentaçãobipolareidealistadasociedadecomosis-temaemundodavida(trabalhoeinteração),conformea qualoshomensdesempenhampapéissociaisabsolutamen-teindependentesentresi,sobaorientaçãodabuscapor umconceitode“consenso”abstratoenormativoque,por issomesmo,torna-sevaziodesentidopolítico.Abuscapelo
196
senso–comisso,Habermaseliminaadimensãonegativada
linguagem,cujafunçãoéprecisamenteoperarodissenso.
Valeconsiderarqueessadimensãonegativadacomunica-çãoestápresenteemLuhmann9.
Comefeito,aapreensãodasociedadecomosistemae mundodavidaenfraqueceoindividualismoe,porconse-guinte,adefesadaindividualidade:oself-loveea“insociável sociabilidade”marcavamatensãoentreegoísmoesociabi- lidade(querdizer,entreaçãoinstrumentaleaçãocomuni-cativa),momentosmediadosquenãoestavamdados.Sea integraçãosistêmicasedápelaaçãoestratégica,cujosmeios sãodinheiroepoder;eseaintegraçãosocialsedápela interaçãodialógica,cujomeioéoconsenso;atensãoínsita doindividualismoliberal-burguêsdesaparece.Pormaisque Habermaspretendatocaroprojetoiluminista,falta-lhea intransigêncianadefesasubstancialdaliberdade,presente noséculoXVIII.OindividualismodeHabermas,portanto, emboranãoseassemelheaoindividualismoeconômicode
Hayek,nãoretomaintegralmenteSmith10.
Diantedessadefesarelativadaindividualidade,Haber-mastemdeconstruirumafilosofiadahistóriacomunicativa: odesacoplamentoentresistemaemundodavidaéreme-tidoàintegraçãocomunicativaalcançadaemumaesfera públicauniversal,apoiadaemumparadigmaprocedimen-taldodireitoedademocracia,cujomodeloéaevoluçãode níveisdeconsciênciamoraldeterminadospeloparalelismo entreaontogênese(desenvolvimentodoindivíduoisolado) eafilogênese(desenvolvimentodogênerohumano).
9.AapreensãodateoriadesistemasdeTalcottParsonsedeNiklasLuhmannpor Habermasmereceriaporsisóumoutrotrabalho.Masbastaressaltar,aqui,quetal apreensãoéabsolutamentetendenciosaeunilateral,poiseliminaoconceitocentral dateoriadesistemas:acomunicaçãoabertaaodissenso.Ainteraçãoficaassim“reservada” àteoriadoagircomunicativoeconceitualmentevinculadaaoconsenso.
197
EmParaaReconstruçãodoMaterialismoHistórico
,Haber-mas conflui a teoria do agir comunicativo e a psicologia cognoscitiva do desenvolvimento. A composição permite avaliaraevoluçãodeníveisdeconsciênciamoralestrutura- dosconformeumaintersubjetividadeproduzidalingüistica- menteeumadinâmicadodesenvolvimentodapersonalida-de,emreferência“àsestruturasdeconsciênciadodireitoe
damoral–quesãohomólogasnahistóriadoindivíduoenado
gênero”(Habermas,1983,p.15–grifosacrescidos).
PartindodePiaget,Habermasofereceumaevolução daaprendizagemconformeainteraçãoentreacriançae
oambiente,deformaqueépelaconfrontaçãocomoalter
queseformaoego.Issofazcomqueoegoserelacione,de
umlado,comumalterqueéanaturezaexternae,deoutro
lado,comumalter
queéanaturezainterna.Odesenvolvi-mentoda“identidade-do-Eu”(ich-Identität)temparalelona
evoluçãodeimagensdemundo.Comefeito,aidentidade- do-Eusedesenvolveemestágiosqueaprimoramadelimita-çãoentreasubjetividadeeaobjetividade,dopontodevista
cognoscitivo,lingüísticoeinterativo.Assim,oEudesenvol-ve-senaseqüênciadosestágiossimbiótico(emqueacriança
nãosedelimitaperanteoentorno,asubjetividadeainda
nãotemsentido);egocêntrico
(acriançaageapenaseexclu-sivamentecomreferênciaaseuprópriocorpo);
sócio-cêntri-coobjetivista(acriançatomaconsciênciadesuaperspectiva
subjetivaejádelimitaperfeitamenteanaturezaexternaea
sociedade);efinalmenteuniversalista(oadolescenteselivra
dodogmatismoprecedenteeassumeapossibilidadedeum pontodevistareflexivoerelativista).
198
Comisso,Habermasestabeleceumaanalogiaevolutiva entre:(i)oestágiosimbióticoeasociedadepaleolítica;(ii)o
estágioegocêntricoeasociedadetribal,marcadapelaexplica-çãonarrativamíticaesócio-mórficadomundo;(iii)oestágio
sócio-cêntricoobjetivistaeassociedadespré-modernas,em queanarrativamíticaésubstituídapelajustificaçãodopoder, jáobtidacomargumentosmasaindaatreladaaprincípios
fundamentaisalémdosquaisnãosepodeavançar;e(iv)o
estágiouniversalistaeassociedadesestataismodernas:
“QuandoseafirmamnaeconomiacapitalistaenoEstado modernoformasuniversalistasderelacionamento,aatitude emfacedatradiçãojudaico-cristãegrego-ontológica sofreumafraturadetiposubjetivista(Reformaefilosofia moderna).Osprincípiossupremosperdemoseucaráterde indubitabilidade;aféreligiosaeaatitudeteóricatornam-se reflexivas”(Habermas,1983,p.20).
Ora,Habermas,leitordeKoselleck,nãopoderiadeixar passardesapercebidaaafinidade(“eletiva”)entreocaráter utópicodafilosofiadahistórialiberaleoidealético-discur-sivouniversalistadesuaprópriateoria,inclusivequantoao paraleloentreahistóriaindividualeahistóriadogênero humano: por isso Habermas insiste em impingir à teoria críticadasociedadeapechadeuma“filosofiadahistória catastrófica”(Habermas,1995,v.I,p.508/509),oferecendo, porisso,ateoriadoagircomunicativocomoalternativaà filosofiadahistória:
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Comefeito,comoépossívelnotar,ateoriadoagircomu-nicativonãoéumaalternativaàfilosofiadahistóriamassim emaispropriamenteseusubstituto.Abuscapeloconsenso nateoriadoagircomunicativoredundanapostergaçãoroti-neiradadecisão,noadiamentoprocedimentaldadecisão
políticaparaofuturo;querdizer,oagircomunicativofun-ciona–apósostemposáureosdoWelfareStateeaenxurrada
neoliberal–exatamentecomoafilosofiautópicadahistória funcionavaparaoliberalismo:acobertandoacrisedelegiti- maçãodopoderpolíticoeremetendo-aaofuturo.Omode-loprocedimentaldodireitoedademocraciadeduzidoda açãocomunicativasignifica,naverdade,aliviarofardode tomardecisõespolíticassubstanciais,adiadaspeloprocesso políticoinstitucionalizado(Habermas,1996,p.362).
Ateoriadoagircomunicativoseincumbiudetocaro Iluminismoe,paratanto,tevederecorreraumprograma
políticopositivo–que,emúltimainstância,funcionacomo
umequivalenteteóricoparaasfilosofiasdahistórialiberaisutópicas
pré-revolucionárias.Restacomprometida,nessepasso,atarefa
doesclarecimentoqueoagircomunicativochamouasi11.
Postscriptum
:legitimaçãopeloprocedimento?
Diantedoquatroatéaquiesboçado,nota-sequeaconjun-çãoentreindividualismo,liberalismoefilosofiadahistória, engendradanobojodoprojetoiluminista,continhauma determinaçãopolíticaaporéticaque–adespeitodapreten-saretomadadoindividualismoliberalpeloneoliberalismo, deumlado,edaherançadafilosofiadahistóriautópica retomadadeformasubreptíciaemregistrosocial-democra-tapelateoriadoagircomunicativo,deoutrolado–nãofoi solucionada.