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Paraplegia após revascularização cirúrgica do miocárdio: relato de caso.

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* Recebido (Received from) do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP

1. Médico Associado da Clinica de Anestesia São Paulo; Coordenador do Serviço de Anestesia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

2. Especialista de Anestesia Cardiovascular pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia; Anestesiologista em Quito, Equador

3. Professora Adjunta da Disciplina de Anestesiologia Dor e Terapia Intensiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

Apresentado (Submitted) em 8 de julho de 2009

Aceito (Accepted) para publicação em 24 de dezembro de 2009 Endereço para correspondência (Correspondence to): Dr. Caetano Nigro Neto

Rua Peixoto Gomide, 502/173-B Jardim Paulista

01409-000 São Paulo, SP E-mail: caenigro@uol.com.br

Paraplegia após Revascularização Cirúrgica do Miocárdio.

Relato de Caso *

Paraplegia after Myocardial Revascularization. Case Report

Caetano Nigro Neto, TSA 1, Milton Patricio Chango Iza 2,Maria Angela Tardelli, TSA 3

RESUMO

Nigro Neto C, Iza MPC, Tardelli MA – Paraplegia após Revasculari-zacão Cirúrgica do Miocárdio. Relato de Caso

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os avanços ocorridos na Aneste-siologia permitiram melhores índices de segurança. Várias técnicas e agentes são utilizados visando controlar a resposta hemodinâmica e minimizar os efeitos adversos do estimulo cirúrgico em pacientes submetidos a procedimentos cardíacos.

RELATO DO CASO: Paciente de 70 anos, masculino, 1,74 m, 75 kg, ASA III, e NYHA II. Portador de dislipidemia, diabetes mellitus tipo II e hipertensão arterial controladas; tabagismo, enfermida-de vascular periférica e história enfermida-de infarto agudo do miocárdio há 20 anos. O paciente foi submetido a revascularização com artéria mamária interna esquerda e enxertos de safena com pinçamen-to intermitente da aorta em circulação extracorpórea. Durante as primeiras 24 horas na UTI apresentou eventos de instabilidade hemodinâmica, hipotensão súbita e fibrilação atrial. Após 26 ho-ras do final do procedimento cirúrgico, o paciente estava acorda-do, hemodinamicamente estável e com boa dinâmica respiratória quando foi extubado. O paciente estava comunicativo, orientado, porém com imobilidade e reflexos abolidos nos membros inferio-res. Na avaliação neurológica: pares de nervos cranianos sem alteração, ausência de queixa de dor de qualquer tipo da cintura pélvica para baixo, preservação da sensibilidade superficial e pro-funda, perfusão distal adequada sem edemas, e paraplegia flácida na região abaixo de T8. Exame de ecocardiografia sem alterações. A tomografia computadorizada da coluna lombo-sacra, não mos-trou massa compressiva no espaço epidural ou adjacente.

CONCLUSÃO: A síndrome da artéria espinhal anterior, deve ser sempre considerada nos procedimentos de manipulação da aorta. A prevenção, particularmente nos pacientes de risco é necessária. A tomografia computadorizada é importante para o diagnóstico diferen-cial e a ressonância magnética para a localização da lesão.

Unitermos: CIRURGIA, Cardíaca: Revascularização do miocárdio; COMPLICAÇÕES: paraplegia; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regio-nal: raquianestesia.

SUMMARY

Nigro Neto C, Iza MPC, Tardelli MA – Paraplegia after Myocardial Revascularization. Case Report.

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Developments in anesthesio-logy have improved safety indices. Several techniques and agents are used to control the hemodynamic response and minimize adver-se effects triggered by surgical stimuli in patients undergoing cardiac procedures.

CASE REPORT: This is a 70 years old male patient, 1.74 m, 75 kg, ASA III, and NYHA II. The patient had controlled dyslipedemia, type II diabe-tes mellitus, and hypertension; history of smoking, peripheral vascular disease, and myocardial infarction 20 years ago. The patient underwent revascularization with the left internal mammary artery and saphenous grafts with extracorporeal circulation with intermittent clamping of the aorta. During the first 24 hours in the ICU, the patient developed hemo-dynamic instability, sudden hypotension, and atrial fibrillation. Twenty-six hours after the end of the surgery, the patient was awake, hemodynami-cally stable, and with good respiratory dynamics, being extubated. The patient was talkative and oriented, but immobile and negative reflexes in the lower limbs. Neurological evaluation showed: cranial nerves without changes, no complaints of pain below the hips, preserved superficial and deep sensitivity, adequate distal perfusion without edema, and flaccid paraplegia below T8. The echocardiogram did not show any changes. CT scan of the lumbosacral spine was negative for compressive mass in the epidural space or adjacent to it.

CONCLUSION: Anterior spinal artery syndrome should be conside-red in procedures with manipulation of the aorta. Prevention, espe-cially in patients at risk, is necessary. Computed tomography, for the differential diagnosis, and MRI, to localize the lesion, are important.

Keywords: ANESTHETIC TECHNIQUE, Regional: spinal anesthe-sia; COMPLICATIONS: paraplegia; SURGERY, cardiac: myocardial revascularization.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, os avanços ocorridos na Anestesiologia resultaram em redução dos índices de morbidade e mortalida-de 1. Neste contexto, várias técnicas e agentes anestésicos têm

sido utilizados visando controlar a resposta hemodinâmica e mi-nimizar os efeitos deletérios decorrentes do estimulo cirúrgico em pacientes submetidos a procedimentos cardíacos 1,2.

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Revista Brasileira de Anestesiologia 199 Vol. 60, No 2, Março-Abril, 2010

PARAPLEGIA APÓS REVASCULARIZAÇÃO CIRÚRGICA DO MIOCÁRDIO. RELATO DE CASO

Quadro 1 – Protocolo do Setor de Anestesia do Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese

Prevenção da Isquemia Medular

Identificação de ramos colaterais e artéria de Adamkiewicz pré-cirúrgicos

Mediante estudos com ressonância magnética e TAC helicoidal

Monitorização sensitiva e motora

Mediante a monitorização perioperatória dos potenciais evocados sensitivos e motores

Otimização do fluxo distal ao sítio do pinçamento proximal (cirurgia de aorta descendente)

Pontes passivas de Gott, pontes externas extra-anatômicas transitórias axilofemurais, aortoaórticas e axilares-ilíacas. Derivação cardiopulmonar parcial para realizar perfusão aórtica distal

Monitorização da pressão e drenagem do líquido cefalorraquidiano

Mediante a inserção de um cateter no espaço subaracnoide

Manter a integridade das artérias intercostais

Reimplante das artérias intercostais

Reduzir o metabolismo e os requerimentos energéticos celulares da medula espinhal

Hipotermia

Evitar hipotensão e hipoperfusão durante anestesia e CEC

Manter a pressão arterial média acima de 70 mmHg

Aumentar a tolerância medular à isquemia

Utilização de fármacos – corticoides (uso controverso)

Pós-operatório Avaliação da função sensitiva e motora após cirurgia

estudos nos últimos anos. Potenciais benefícios das técnicas de anestesia regional incluem intensa analgesia pós-operató-ria, diminuição da resposta ao estresse cirúrgico e simpatec-tomia cardíaca torácica 2-4. No entanto, ainda é muito difícil

estabelecer as complicações que são decorrentes dessa as-sociação, principalmente devido ao número e à complexidade dos eventos envolvidos no ato cirúrgico.

As complicações neurológicas são situações devastadoras que podem ocorrer após cirurgia cardiovascular. Dentre elas, a paraplegia e a paraparesia, que são déficits neurológicos raros, podem ocorrer após vários tipos de procedimentos ci-rúrgicos, como reparação de coartação de aorta, toracotomia, lobectomia, pneumectomia, reparação de dissecção da aor-ta, cirurgia valvar, transplante cardíaco e revascularização do miocárdio.

O objetivo deste artigo foi relatar um caso de paraplegia ocorrida em um paciente após cirurgia de revascularização do miocárdio no qual foi associado opioide subaracnóideo à anestesia geral.

RELATO DO CASO

Paciente de 70 anos do sexo masculino, 174 cm, 75 kg, es-tado físico ASA III, NYHA II, com os seguintes fatores de ris-co para doença ris-coronariana: dislipidemia, diabetes mellitus tipo II e hipertensão arterial, todas controladas; tabagismo, enfermidade vascular periférica e história de infarto agudo do miocárdio há 20 anos.

Ao exame físico, o paciente encontrava-se em regular es-tado geral, orienes-tado no tempo e no espaço, com mucosas coradas, hidratado e em estado nutricional regular. Relata-va cansaço aos médios esforços e deambulaRelata-va com certa dificuldade. Exame neurológico sem alterações aparentes. Ausculta pulmonar e cardíaca sem anormalidades. Abdômen sem anormalidades. Extremidades inferiores com sinais de doença vascular periférica. Pressão arterial de 140 mmHg por 80 mmHg e frequência cardíaca de 80 batimentos por minuto em ritmo regular.

Entre as medicações em uso incluíam-se: losartana, furose-mida, aldactone, sinvastatina, metformina, glibenclamida e ácido acetil salicílico. Os hipoglicemiantes orais foram subs-tituídos por insulina 48 horas antes do ato cirúrgico e o ácido acetil salicílico suspenso cinco dias antes do procedimento. Dentre os exames complementares prévios, os achados mais importantes foram: hematócrito = 34%; hemoglobina = 10,9 mg.dL-1; tempo de protrombina = 14 segundos; tempo

de tromboplastina parcial ativado = 32 segundos; plaquetas= 262.000 mm3; sódio = 138 mEq.L-1; potássio = 3,8 mEq.L-1;

cálcio = 0,98 mmo.L-1; glicose = 126 mg.dL-1

O ecocardiograma do ventrículo esquerdo evidenciava hipoci-nesia difusa com incompetência da válvula mitral e fração de ejeção de 40%. O ecodoppler de carótida apresentava obs-trução de 50% a 69% do ramo interno da carótida esquerda. Cateterismo cardíaco mostrava artéria circunflexa com lesão de 50% no terço proximal; artéria marginal 1 com lesão de 70% no terço proximal; ramo intermédio com lesão de 60%;

artéria descendente anterior com lesão de 40% no terço pro-ximal; artéria diagonal 1 de fino calibre com lesão distal de 40%; coronária direita dominante; ventrículo esquerdo pouco aumentado; hipocinesia moderada inferomediobasal.

Proposta cirúrgica: revascularização das artérias mamária interna esquerda à descendente anterior, aorta à coronária direita e aorta ao ramo intermédio com enxertos venosos da safena anterior, com pinçamento intermitente da aorta em cir-culação extracorpórea.

Foi feita a monitorização da pressão arterial invasiva em ar-téria femural esquerda, oximetria de pulso, eletrocardiografia, capnografia, temperatura esofágica e diurese, além de con-trole seriado de gasometria arterial e tempo de coagulação ativado. Acesso venoso periférico com cateter 16G e coloca-ção de linha central na veia subclávia direita.

A seguir à monitorização, foram realizados bloqueio espinhal com raquianestesia lombar, punção em L3-L4, com agulha

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Após a realização do bloqueio foi iniciada a anestesia geral com oxigenação sob máscara facial com oxigênio a 100% e indução anestésica com midazolam 5 mg, fentanil 250 µg e pancurônio 0,1 mg.kg-1. Foi realizada a intubação traqueal

com sonda no 8 com balonete e a manutenção da anestesia

com oxigênio 60% em mistura com ar comprimido, sevoflu-rano até 1 CAM (concentração alveolar mínima) de fração expirada máxima, além de doses suplementares de 2 µg.kg-1

de fentanil, por via venosa, para manter a pressão arterial mé-dia entre 65 e 90 mmHg. Durante a circulação extracorpórea (CEC) foram administrados dois bolus de 3 mg de midazolam e pancurônio 0,1 mg.kg-1.

Durante todo o procedimento cirúrgico o controle da glicemia foi realizado para manter níveis entre 80 e 120 mg.dL-1 com infusão

contínua da solução: 10 mL de glicose 50%, 10 mL de cloreto de potássio 19,6% e 20 UI de insulina regular. A velocidade de infu-são inicial foi de 2 mL.h-1, sendo aumentada em 1 mL.h-1

quan-do a glicemia era maior que 120 mg.dL-1, e eram administradas

doses em bolus de insulina regular venosa de 5 UI, 10 UI e 15 UI quando a glicemia atingia 200 mg.dL-1, 250 mg.dL-1 e 300

mg.dL-1, respectivamente. A solução de infusão era interrompida

quando a glicemia era menor que 80 mg.dL-1.

Durante a CEC foi realizado clampeamento aórtico intermiten-te mais hipointermiten-termia leve com intermiten-temperatura mantida entre 33°C e 34°C, com fluxo arterial de 40 a 60 mL.kg-1.min-1, mantendo a

pressão arterial média entre 45 e 85 mmHg. Nos picos hiperten-sivos foi administrado bolus de nitroprussiato de sódio. A revas-cularização do miocárdio foi feita com pinçamento intermitente da aorta, com intervalo de dois minutos entre os pinçamentos, sendo realizados três enxertos: mamária interna esquerda à descendente anterior, aorta à coronária direita e aorta ao ramo intermédio. O tempo total de perfusão foi de 80 minutos e o tem-po total de clampeamento da aorta de 57 minutos. No final da perfusão foi administrada dopamina na dose de 5 µg.kg-1.min-1

para manutenção de débito cardíaco adequado.

A duração da anestesia foi de 5 horas e do procedimento ci-rúrgico 3 horas e 50 minutos.

Logo após a chegada do paciente à UTI, ainda sob efeito da anestesia e com suporte de dopamina, a gasometria arterial evi-denciou os seguintes dados: hematócrito = 30%, hemoglobina = 9,2 mg.dL-1, pH = 7,33, PCO

2 = 34,2, SpO2 = 99,4%, excesso de

base = +2,6, bicarbonato de sódio = 18,9 mEq.L-1, sódio = 152

mEq.L-1, potássio = 4,6 mEq.L-1 e cálcio +0,97 mEq.L-1.

Durante as primeiras 24 horas na UTI apresentou eventos de instabilidade hemodinâmica com hipotensão súbita. Para re-versão do quadro associaram-se dobutamina 5 µg.Kg-1.min-1

e transfusão simultânea de concentrado de hemácias. Nesse mesmo período, o paciente apresentou fibrilação atrial, sendo necessário substituir a dobutamina e dopamina por no-radrenalina e amiodarona e realizar anticoagulação com 40 mg de heparina de baixo peso molecular a cada 12 horas por via subcutânea.

Após 26 horas do final do procedimento cirúrgico, o pacien-te estava acordado, hemodinamicamenpacien-te estável e com boa dinâmica respiratória, quando foi realizada a retirada do tubo traqueal. Nesse momento o paciente estava comunicativo e orientado, porém com imobilidade dos membros inferiores. A

avaliação neurológica reportou: pares de nervos cranianos sem alteração, ausência de queixa de dor de qualquer tipo da cintura pélvica para baixo, preservação da sensibilidade su-perficial e profunda, reflexos abolidos nos membros inferiores com tônus diminuído, perfusão distal adequada sem edemas e paraplegia flácida na região abaixo de T8.

De imediato foi realizado ecocardiograma, o qual descartou a presença de dissecção da aorta, e tomografia computado-rizada de coluna lombossacra, que descartou a presença de massa compressiva no espaço epidural ou adjacente.

DISCUSSÃO

A paraplegia após cirurgia de revascularização do miocárdio é um evento raro. A literatura relata sete casos no MEDLI-NE e CINAHL 5. Entretanto, após procedimentos

toracoa-bdominais ou aortoatoracoa-bdominais, a incidência varia de 4% a 80% dependendo da complexidade cirúrgica 5,6. Esse tipo de

complicação possui vários fatores desencadeantes relaciona-dos ao paciente e à doença vascular periférica, bem como ao procedimento anestésico cirúrgico. Quanto aos fatores asso-ciados ao procedimento anestésico cirúrgico, de forma geral relacionam-se à isquemia medular por pinçamento da aorta, fenômenos de reperfusão, fracasso de reimplantação das ar-térias intercostais, formação de hematoma epidural após pun-ção intratecal ou epidural, hipotensão aguda, hipoperfusão, efeitos tóxicos de fármacos, utilização de balão intraórtico, embolização, hipocalemia, trauma e coagulopatia 5-8.

Os êmbolos provenientes da manipulação da aorta ascendente com lesões ateroscleróticas ulceradas são uma das causas de ictus em pacientes submetidos a intervenções cardíacas. Em pa-cientes que serão submetidos à revascularização do miocárdio, a identificação de uma placa móvel de ateroma por ecografia tran-sesofágica (ETE) aumenta em 33% o risco de acidente vascular encefálico, frente a 2,7% naqueles pacientes em que não se de-tecta. A liberação de êmbolos no momento da injeção da car-dioplegia, canulação aórtica, no início ou finalização do bypass cardiopulmonar e clampeamento ou desclampeamento da aorta, especialmente este último, são sugeridos como sendo a origem de mais de 60% dos êmbolos detectados. A enfermidade vascu-lar periférica concomitante à hipertensão arterial, o tabagismo e a ateromatose difusa também são fatores desencadeantes impor-tantes, pois podem gerar uma ruptura de placas com consequen-te embolização das artérias da medula espinhal 7-11.

Um segundo fator que gera déficits neurológicos durante o pe-ríodo perioperatório é a hipoperfusão. Apesar de ser um evento constante em tais procedimentos cirúrgicos, a duração desse evento e as condições prévias do paciente são decisivas no aumento da morbidade 5-8. Os pacientes idosos são os mais

comumente afetados, pois em geral apresentam vários fato-res de risco associados, como: hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença vascular periférica e antecedente de infarto do miocárdio; condições que favorecem alterações na perfusão arterial microvascular e instabilidade hemodinâmica durante o procedimento anestésico cirúrgico 5,6,12,13. É importante

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Revista Brasileira de Anestesiologia 201 Vol. 60, No 2, Março-Abril, 2010

PARAPLEGIA APÓS REVASCULARIZAÇÃO CIRÚRGICA DO MIOCÁRDIO. RELATO DE CASO

ocorre maior resposta inflamatória sistêmica, que pode resultar com maior frequência na síndrome de vasoplegia associada à CEC 14. Todos esses fatores de risco associados podem

contribuir para a isquemia da medula espinhal, resultando em paraplegia 8. Recomenda-se, nos pacientes que apresentam

esses fatores de risco associados à senilidade, manter durante anestesia e CEC a pressão arterial média acima de 70 mmHg, objetivando melhor perfusão na microvasculatura medular 14.

No caso apresentado, durante vários períodos da cirurgia e do pós-operatório, o paciente apresentou episódios de hipotensão acentuada com duração prolongada, motivo que poderia ter gerado as complicações descritas anteriormente.

A utilização de pontes aortocoronarianas também pode levar a decréscimo da perfusão e da circulação colateral das arté-rias da medula espinal. Isto se deve geralmente à utilização da artéria mamária interna 5. Além disso, a ruptura das

anas-tomoses dos enxertos coronarianos pode conduzir a um qua-dro de hipotensão sistêmica que nestes pacientes também geram um maior hipofluxo medular.

É importante salientar que a vascularização medular é muito variável. A medula espinal possui aporte sanguíneo intrínseco, no qual a artéria espinal anterior, a posterior e seus ramos são responsáveis por 74% da irrigação, e aporte extrínseco, no qual as artérias radiculares irrigam as raízes nervosas. As artérias vertebrais proporcionam principal aporte sanguíneo nas regiões cervical, torácica alta, intercostais, lombares e ramos sacros la-terais. O segmento toracolombar apresenta um significativo ris-co de isquemia, pois recebe irrigação somente de uma artéria raquimedular, conhecida como artéria radicular magna ou de Adamkiewicz. Esta é responsável pela vascularização dos dois terços anteriores da medula; em 75% dos indivíduos se origi-na da artéria intercostal esquerda, origi-na coluorigi-na torácica em T10 e

T11. Em uma pequena porcentagem, a artéria de

Adamkiewi-cz origina-se em região mais cefálica em T5, tornando-se mais

vulnerável a eventos isquêmicos nos procedimentos de cirurgia cardíaca, toracotomia esquerda, cirurgia vascular maior, retrope-ritonio e nefrectomia esquerda. Uma possível alteração do fluxo pode ocorrer por trauma direto, pressão de perfusão reduzida ou congestão venosa. A mielopatia isquêmica é consequente à in-terrupção transitória ou permanente da circulação medular, que na maioria das vezes ocorre durante o procedimento cirúrgico, em especial na cirurgia toracolombar, e raramente após cirurgia de revascularização do miocárdio 5,6,15-17.

Outros estudos relatam que, em apenas 5,7% dos casos de cirurgia cardiovascular, as alterações clínicas por redução na irrigação medular são observadas nas primeiras horas ou dias seguintes ao procedimento, estabelecendo que o seg-mento toracolombar encontra-se submetido a um delicado e permanente balanço de reperfusão 8. Consequentemente,

essa região é extremamente sensível a lesões isquêmicas, reperfusão, edema, trauma cirúrgico, dano compartimental secundário à compressão, que podem conduzir à complica-ção neurológica conhecida como síndrome da artéria espinhal anterior. Esta síndrome caracteriza-se por paraplegia flácida, com nível espinhal no segmento torácico T9, com mínimo

dé-ficit sensitivo como resultado de comprometimento do fluxo na região espinhal anterior 5,6,17-20.

A síndrome de Guillain-Barré pode ser descartada como diag-nóstico diferencial porque se caracteriza principalmente pela debilidade muscular progressiva, diminuição ou ausência de reflexos de estiramento muscular, debilidade ascendente da musculatura pélvica e braquial, em 50% dos pacientes para-lisia facial uni ou bilateral e em alguns casos debilidade ocu-lomotora 21.

A possibilidade de lesões tóxicas por medicamentos injeta-dos no espaço subaracnóideo de forma inadvertida ou por contaminação também pode ser descartada, pois esse tipo de toxicidade cursaria clinicamente com alterações sensitivas e motoras de aparecimento súbito, geralmente com quadro álgico associado 22. A aracnoidite adesiva também é

descar-tada por apresentar hipoestesia progressiva dos membros inferiores com início após dias ou meses da realização da anestesia espinhal 22,23.

A realização de anestesia epidural ou subaracnóidea em pacientes recebendo fármacos que alteram a coagulação sistêmica ou que receberão anticoagulação plena durante a cirurgia, como naquelas que requerem circulação extracorpó-rea, leva à preocupação com o sangramento persistente no local da punção. A característica anatômica fechada do espa-ço tanto peridural como subdural pode favorecer a formação de um hematoma local, que, por efeito de massa, venha a comprimir a medula espinhal e as raízes espinhais, trazendo alterações isquêmicas no local. Existem relatos dessa com-plicação desde o início da utilização das técnicas de bloqueio regional até dias mais recentes 24,25. Um estudo de revisão

feito por Vandermeulen em 1994 26 demonstrou que tal fato é

uma complicação rara (1:120.000 com a peridural e 1:220.000 para a raquianestesia) e que vários fatores adversos, como a existência prévia de coagulopatias, comorbidades, e o uso de cateter peridural durante a cirurgia, aumentavam o risco de formação de hematoma. Nos anos que sucederam esse estudo, apenas as medicações mais recentes introduzidas na prática clínica é que mudaram os protocolos para a re-alização segura dos bloqueios espinhais e os cuidados com a formação de hematoma espinhal, fato este que pode ser observado com a divulgação do consenso sobre a realização de bloqueios espinhais e anticoagulação, em 2002 27.

Antes da operação, o paciente encontrava-se clinicamente estável do ponto de vista de coagulação, conforme exames descritos anteriormente, cumprindo os requisitos básicos de nosso protocolo para realização de bloqueio espinhal em procedimento com anticoagulação. Associado a isso e a não observação de massas compressivas na tomografia compu-tadorizada toracolombar, a possibilidade de compressão da medula espinhal por hematoma epidural pós punção raquídea pode ser descartada 22,23. A ocorrência de hematoma epidural

espontâneo também foi descartada pelos mesmos motivos 23.

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mencio-nados, mielograma, eletromiografia e ressonância magnética da coluna toracolombar 5,6. a ressonância magnética neste

paciente não foi realizada e seria um exame fundamental para estabelecer o tipo e nível de mielopatia isquêmica. re-comendamos, na eventualidade de paraplegia pós-cirúrgica para um diagnóstico mais preciso que todos os exames men-cionados sejam realizados para determinar de forma mais precisa o melhor e mais adequado tratamento imediato e de longo prazo.

a síndrome da artéria espinhal anterior, embora rara, deve ser sempre considerada nos procedimentos de manipulação da aorta havendo necessidade de sua prevenção, particular-mente nos pacientes de risco.

a tomografia computadorizada é de fundamental importância para o diagnóstico diferencial e a ressonância magnética para a localização da lesão.

AGRADECIMENTOS

agradecimentos aos colaboradores pelo estudo: Dr. Bilal Smaili e Dr. Miguel angel Mercado.

Quadro 2 – Condutas para Prevenção de isquemia Medular intraoperatória

Protocolo de recomendações gerais para realizar Bloqueio Neuroaxial Bloqueio Não

recomendado (adulto)

Bloqueio Não

recomendado (Criança)

taP < 60% taP < 60%

Plaquetas < 100.000 mm3 Plaquetas < 150.000 mm3

Fibrinogênio < 100 mg.dl-1 Fibrinogênio < 150 mg.dl-1

ttP > 40 segundos ttP > 40 segundos tP > 14 segundos tP > 14 segundos

iNr > 1,5 iNr > 1,5

Normas de anticoagulação para realizar Bloqueio Neuroaxial Heparina • Heparina venosa suspensa há 4 horas

administrar heparina 1 hora após •

punção

remover o cateter 4 horas após o •

uso da heparina Heparina de baixo peso

molecular

Punção ou remoção de cateter após •

12 horas da última dose da HBPM após a retirada do cateter, esperar 2 •

horas para administrar HBPM anticoagulantes orais • Suspenso 7 dias antes do bloqueio

espinhal

remover cateter com iNr < 1,5 •

reduzir ou suspender o •

anticoagulante caso iNr > 3

trombolíticos • Punção recomendado apos 21 dias da data da utilização do trombolítico antiagregantes

plaquetários

ticlopidina suspender 14 dias antes •

Clopidogrel suspender 14 dias antes •

abciximab – 24-48 horas antes •

eptifibatide e tirofibato 4-8 horas antes •

após bloqueio esperar 4 semanas •

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NIGRO NETO, IZA AND TARDELLI

206 Revista Brasileira de Anestesiologia

Vol. 60, No 2, Março-Abril, 2010

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RESUMEN

Nigro Neto C, Chango Iza MP,Tardelli MA – Paraplejia después de la Revascularización Quirúrgica del Miocardio. Relato de Caso.

Referências

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