A Teoria das Inteligências Múltiplas no
Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa na
Escola Pública
Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e
Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para a obtenção
do título de MESTRE, pelo Curso de Pós – Graduação em
Estudos Lingüísticos, área de Concentração em Lingüística
Aplicada, Linha de Pesquisa: Ensino e Aprendizagem de
Línguas.
Orientador: Prof. Dr. Douglas Altamiro Consolo
COMISSÃO JULGADORA
a) membros titulares:
Prof. Dr. Douglas Altamiro Consolo (orientador)
•
UNESP- São José do Rio Preto.
Profa. Dra. Vera Lúcia Teixeira da Silva
•
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Profa. Dra. Marilei Amadeu-Sabino
•
UNESP - São José do Rio Preto
b) membros suplentes:
Profa. Dra. Sandra Regina Buttros Gattolin
•
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Profa. Dra. Fernanda Landucci Ortale
Dedicatória
Em uma pesquisa de mestrado, você nunca acaba o mesmo de quando começou,
comigo não foi diferente. Comecei o meu curso de mestrado em maio de 2004. No mesmo
ano, eu também assumi o cargo de professor PEB II no estado, e, me casei. Uma nova vida,
desconhecida, começava ali para mim.
Não foram fáceis esses trinta meses até que eu terminasse essa dissertação. Passei
por muitas dificuldades e dúvidas, e, até cheguei a pensar em desistir por duas vezes.
Mesmo aos trancos e barrancos, eu consegui terminar. Mas nada disso teria sido possível
sem a ajuda de pessoas importantes em minha vida.
A primeira pessoa a quem gostaria de dedicar essa pesquisa, é a professora Denise
de Abreu-e-Lima, da UFSCar. Mais do que uma professora, uma amiga. Ela me ajudou a
enxergar significado nisso tudo e a buscar forças para continuar.
Sem minha esposa Priscila, não sei onde estaria hoje. Ela me deu apoio e amor
quando eu mais precisei. Teve paciência e me ajudou lendo e ouvindo tudo o que eu fazia.
O seu amor me torna mais forte.
Minha mãe, Nilda, professora. Ela sempre me incentivou a estudar e a continuar,
mesmo quando eu estava em dúvidas. Em Dezembro de 2004, ela sofreu um derrame que
deixou seqüelas. Mesmo sem poder andar, e com dificuldades de falar, ela ainda me
pergunta como vai o meu mestrado toda vez que eu a vejo.
Dedico esta dissertação a estas pessoas importantes em minha vida. Sem elas, nada
disso teria sido possível. Elas me deram apoio nas horas difíceis e inspiração para
continuar.
Agradecimentos
Agrade
ço a Deus por ter me dado a chance de realizar este trabalho.
Agradeço a minha esposa Priscila por seu amor incondicional e seu apoio nos
momentos de dificuldades, pela paciência e boa vontade em ler e ouvir minhas idéias.
Obrigado por estar ao meu lado, sempre.
Agradeço a minha mãe, por ter me inspirado e incentivado em meus estudos.
Agradeço a professora Denise, que me apresentou às Inteligências Múltiplas e por
seu apoio durante todo esse tempo.
Agradeço ao professor e orientador Douglas, pela paciência e por acreditar em mim.
Agradeço a todos os alunos do 1º C de 2004 e do 2º C de 2005 da escola
Comendador Pedro Morganti. Sem vocês meu trabalho não teria sido possível.
Agradeço à coordenadora pedagógica da escola Gleyce pela ajuda e colaboração.
Agradeço aos funcionários da secretaria da escola pelo apoio que me deram.
Aos meus amigos e companheiros de longas horas de reflexão Cauê, Bel, Gina,
Haroldo, Luana, Mika e Ronald que me ajudaram muito por toda essa jornada.
Aos meus colegas de curso de Pós-Graduação e aos meus colegas do Grupo
Imagine, por me ajudar a crescer e a progredir.
A todos aqueles que não menciono, mas que de alguma forma, me ajudaram a
realizar este trabalho.
“Você pode perder tudo na vida, mas o que você tem dentro de você, os seus
estudos, ninguém nunca será capaz de tirar.”
Resumo
Esta pesquisa objetivou investigar como a teoria das Inteligências Múltiplas (IM), proposta
por Howard Gardner, pode auxiliar na elaboração e implementação de práticas de ensino
em língua inglesa na escola pública. Um aspecto importante dessa proposta é considerar as
diferentes habilidades e capacidades dos alunos, e suas variadas manifestações como
produtos valorizáveis, no contexto desses alunos. Foi realizada uma pesquisa-ação com
uma classe do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública estadual. Durante dois
semestres foram adaptadas e desenvolvidas atividades didáticas baseadas na teoria das IM,
nesse contexto. Os dados foram coletados por meio de um inventário de inteligências,
questionários, diários e observações por parte do professor-pesquisador, e gravações de
aulas. Apresentam-se as bases teóricas pertinentes às IM e à Abordagem Comunicativa,
utilizada na condução das aulas, a metodologia de pesquisa, exemplos das atividades
aplicadas, os resultados obtidos e as reflexões a partir dos dados coletados. No contexto
investigado, este estudo se volta para possíveis soluções de problemas encontrados na
prática do professor, na expectativa de, ao promover a discussão e reflexão sobre a prática
pedagógica, criarem-se condições de aprimoramento e desenvolvimento de novas e
melhores estratégias de ensino de língua estrangeira.
Palavras-chave: aprendizagem; ensino; escola pública; IM; língua inglesa; planejamento de
Abstract
This research study aimed at investigating how the Multiple Intelligences theory (MI),
proposed by Howard Gardner, can help de design and implementation of teaching practices
in English language teaching in public schools. An important aspect of this proposal is to
consider the students’ different skills and capacities, and their many manifestations as
valuable products in the students’ context. An action-research project was conducted with a
first-year class of a state high school in Brazil, for two semesters. Didactic activities were
adapted, on the basis of the MI theory, and used in that context. Data were collected by
means of an inventory of intelligences, questionnaires, diaries and observations made by
the teacher-researcher, and lessons were recorded. The theoretical bases of the MI theory
and of the Communicative Approach, followed during the lessons, are presented here, as
well as the research methodology, examples of the class activities, the results of the study
and a reflection about the data. In the context investigated, this study focuses on possible
solutions for the problems faced in the teacher’s work and, by promoting reflection and
discussion about pedagogical practices, expects to create conditions for better teaching
conditions and the development of new and better strategies for the teaching of foreign
languages.
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
1.1 Primeiro contato com as Inteligências Múltiplas p.15
1.2 Relato de vida: como a teoria das IM mudou meu modo de ensinar p.17
1.2.1 In
ício de carreira: a escola pública p.21
1.3 As contribuições que a teoria das IM podem trazer para o ensino
e aprendizagem de LI na escola pública p.22
1.4 Objetivos p.23
1.5 Organização da dissertação p.23
CAPÍTULO II
ARCABOUÇO TEÓRICO
2.3.5 Caminho da Compreensão p.48
2.4 Os Pontos de Entrada p.49
2.5 O ensino para a compreensão p.53
2.5.1 A estrutura do Ensino para a Compreensão p.56
2.5.2 Temas p.59
2.5.2.1 Critérios para eleição de temas
segundo o Ensino para a Compreensão p.62
2.5.3 Objetivos de compreensão p.63
2.5.4 Performances de compreensão p.65
2.5.5 Avaliação processual p.67
2.6 A Abordagem Comunicativa e as Inteligências Múltiplas p.69
2.6.1 O ensino por temas de acordo com a Abordagem Comunicativa p.72
2.6.2 Definições da AC, de linguagem e material autêntico
utilizada nesta pesquisa p.74
CAPÍTULO III
METODOLOGIA DE PESQUISA
3.1 Caracterização do estudo p.79
3.2 Contexto de pesquisa p.80
3.2.1 A escola p.81
3.2.2 Perfil do professor-pesquisador p.82
3.2.3 Os alunos p.83
3.3 Análise de Necessidades p.83
3.3.2 Aplicação do Inventário de IM p.84
3.3.3 Avaliação das IM dos alunos p.85
3.3.3.1 Exame de registros escolares p.85
3.3.3.2 Conversa informal com os alunos p.86
3.3.4 Apresentação das IM para os alunos p.87
3.3.5 Entrevista com a coordenadora pedagógica da escola,
com a professora anterior e com os alunos(análise de necessidades) p.87
3.4 Instrumentos de pesquisa e procedimentos de coleta de dados p.88
3.4.1 Diário Reflexivo p.88
3.4.2 Gravações das aulas em vídeo p.89
3.4.3 Discussões como o grupo de professores p.89
3.4.4 Discussão com grupos de estudo p.90
3.4.4 Entrevistas informais com os alunos p.91
3.4.6 Análise da produção dos alunos e questionários p.91
3.5 Desenvolvimento e aplicação de atividades baseadas nas IM p.94
3.5.1 Focalizar um objetivo ou tópico específico p.94
3.5.2 Fazer perguntas de IM para o objetivo ou tópico p.95
3.5.3 Considerar as possibilidades e selecionar atividades apropriadas p.95
3.5.4 Estabelecer um plano seqüencial p.96
3.6 Uma proposta pedagógica baseada na teoria das IM p.96
3.6.1 Observação do comportamento dos alunos p.97
3.6.2 Aplicação do Inventário de IM para os alunos p.98
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DOS DADOS
4.1 A ação do professor pesquisador p.104
42. Os primeiros passos p.104
4.3 Planejando aulas a partir das inteligências mais latentes p.107
4.3.1 Focalizar um objetivo ou tópico específico p.107
4.3.2 Fazer perguntas de IM para o objetivo ou tópico p.108
4.3.3 Considerar as possibilidades p.108
4.3.4 Selecionar atividades apropriadas p.109
4.3.5 Estabelecer um plano seqüencial p.110
4.4 A produção dos alunos p.111
4.5 A avaliação p.115
4.5.1 Avaliação da produção do aluno p.116
4.5.2 Avaliação por participação p.117
4.5.3 Avaliações formais p.118
4.5.4 Sistema de Notas p.119
4.5.5 Considerações a respeito da avaliação p.119
4.6 A Abordagem Comunicativa dentro desta proposta pedagógica:
conflitos e soluções p.120
4.6.1 Os materiais disponíveis para o trabalho em sala de aula p.123
4.6.2 Análise dos questionários para o tema “Trabalho” p.128
4.7 O papel do professor e o manejo da sala de aula p.136
4.7.1 Aula típica p.139
4.9 Opinião dos alunos sobre a intervenção p.149
4.9.1 Comentários dos alunos sobre a atividade “Map from school
to home” p.150
4.9.2 Relato de uma aluna para a atividade “Images and Words” p.153
4.10. As perguntas de pesquisa p.148
CONCIDERAÇÕES FINAIS p. 157
BIBLIOGRAFIA p. 165
ANEXOS p. 173
Lista de abreviações
Abordagem Comunicativa AC
Inteligências Múltiplas IM
Língua Alvo L-Alvo
Língua Estrangeira LE
Língua Inglesa LI
Matriz do Ensino para a Compreensão Matriz EpC
Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs
Lista de figuras
Figura 1 p.58
Figura 2 p.75
Figura 3 p.137
Lista de Gráficos
Gr
áfico 1 p.105
CAPÍTULO I
1.1 Primeiro contato com as Inteligências Múltiplas
É comum o fato de haver alunos que, por apresentarem comportamento escolar
diferente do valorizado pelas escolas e professores - tais andar freqüentemente pela sala,
desenhar na carteira quando deveriam estar fazendo alguma atividade, demonstrar apatia
em sala de aula, entre outros- serem considerados inaptos a uma aprendizagem satisfatória,
e até mesmo rotulados de “burros” ou incapazes.
Em resposta a esse tipo de rotulação, o estudo da teoria das IM, do psicólogo
americano de Harvard, Howard Gardner, sugere que qualquer abordagem educacional
uniforme provavelmente servirá satisfatoriamente apenas a uma pequena porcentagem de
aprendizes (GARDNER, 1999a).
Tendo em vista os diversos problemas que marcam o contexto de ensino de língua
LI LI no ensino médio na escola pública no estado de São Paulo, como, por exemplo,
classes lotadas, carteiras e salas de aula mal conservadas, completa falta de material
didático, entre outros, é possível vislumbrar as possibilidades que uma nova proposta
pedagógica dentro dessa realidade pode nos oferecer. Nesse sentido, encaminhou-se a
proposta deste estudo.
Aliado aos diversos problemas que marcam o contexto de ensino de Língua Inglesa
(LI) no ensino médio na escola pública no estado de São Paulo, como, por exemplo,
classes lotadas, carteiras e salas de aula mal conservadas, completa falta de material
didático, entre outros, há ainda uma clara deficiência quanto às propostas pedagógicas
implementadas, o que tem promovido resultados insatisfatórios quanto ao processo de
que uma nova proposta pedagógica dentro dessa realidade pode nos oferecer. Nesse
sentido, encaminhou-se a proposta deste estudo.
Obviamente, atender a todas as necessidades e dar oportunidades de
desenvolvimento de cada uma das capacidades únicas dos alunos seria presunção. Na
verdade, o que se espera de uma proposta pedagógica baseada na teoria das IM é criar
meios e caminhos para que os professores possam ensinar utilizando aquilo que eles
próprios já sabem fazer de melhor dentro de suas práticas pedagógicas, além de dar foco e
objetivo naquilo que se pretende ensinar.
A teoria das IM foi proposta pelo psicólogo americano Howard Gardner e
primeiramente publicada em seu livro Frames of Mind
1(1983). A princípio, o estudo de
Gardner referia-se apenas a psicólogos, e segundo Baum, Viens & Slatin (2005), apesar de
a teoria dizer muito pouco a respeito da prática de ensino, foi recebida de pronto e de forma
entusiasta por educadores que viram nas IM as variadas habilidades
2que regularmente
observavam e reconheciam em seus alunos. Desde a sua introdução, a teoria das IM tem
sido utilizada por educadores para planejar e dar suporte a programas que consideram os
alunos como indivíduos de habilidades únicas e individuais. No entanto, devido ao fato de a
teoria não ser uma teoria de aprendizagem, nem um modelo curricular, ela não traz uma
prescrição ou conjunto de orientações para a prática.
Ainda segundo Baum, Viens & Slatin (2005), por não ser uma abordagem
específica de ensino, a teoria das IM deve ser traduzida para a prática de ensino. Não há um
único modo correto de aplicá-la. A teoria deve ser utilizada como uma lente por meio da
1 Versão brasileira, Estruturas da Mente, 1994. 2
qual os educadores irão refletir sobre suas pr
áticas e assim ajudar nas diversas
necessidades de seus alunos.
Gardner oferece um meio de mapear a ampla gama de capacidades dos seres
humanos ao agrupá-las em oito categorias ou "inteligências" abrangentes, a saber:
inteligência Lingüística; inteligência Naturalista; inteligência Corporal-Cinestésica;
inteligência Musical; inteligência Intrapessoal; inteligência Interpessoal; e inteligência
Lógico-Matemática. No capítulo II, será explicada, com mais detalhes, cada uma dessas
inteligências (em que se baseia cada , os critérios de classific
ação, pontos do modelo que
precisam ser enfatizados e as implicações da teoria para a pr
ática educacional).
1.2 Relato de vida: como a teoria das IM mudou meu modo de ensinar
Meu interesse pela teoria das IM começou ainda na graduaç
ão, na disciplina de LI
VI. Como trabalho final de semestre, preparei um conjunto de atividades baseadas ao
mesmo tempo na teoria das IM e nos Temas Transversais propostos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) (MEC, 1998). A cada grupo de alunos do curso foi
designada uma das oito inteligências e um Tema Transversal. A proposta do trabalho era de
que se desenvolvessem atividades apli
cáveis a um contexto real de sala de aula que ao
Por questões de praticidade, decidi partir de algo concreto e próximo à minha
realidade profissional. Como já lecionava inglês em uma escola particular de línguas,
embasei-me no próprio material que eu utilizava para lecionar, o livro didático New
Interchange (RICHARDS, JONATHAN & SUSAN, 1997), tendo em vista que o tema da
unidade dois deste livro é “trabalho”. Vislumbrando a possibilidade de se aplicar as
atividades a serem desenvolvidas em um contexto real de sala de aula, mantive o
seqüenciamento original do livro e apenas adaptei e criei novas atividades para a unidade a
partir dos temas propostos. Como novas atividades, foram criados e adaptados um jogo de
quebra-cabeça com frases e figuras, um jogo de mímica e um dominó para o vocabulário.
Essas atividades têm como ponto de partida a inteligência Corporal – Cinestésica
3.
A proposta do trabalho com a teoria não previa o ensino contemplando uma única
inteligência, sendo assim, a seqüência de atividades deveria contemplar também outras
inteligências, tais como a Lingüística e a Interpessoal. O resultado obtido com o trabalho
final entregue para a disciplina foi plenamente satisfatório. Fazendo pequenas modificações
ou adaptações de acordo com os diferentes contextos, pude aplicar a mesma proposta com
sucesso em diferentes contextos de ensino.
Em minha própria história de aprendizagem formal, muitas vezes fui rotulado de
mau aluno. Trata-se de uma tradição do ensino de rotular os alunos de aptos ou não aptos, e
de estabelecer procedimentos educacionais a partir dessa suposição. No meu caso
chegou-se ao cúmulo de uma professora ter atribuído a mim o rótulo de “uva podre”, em alusão a
uma história na qual conclui-se que as uvas podres não são recuperáveis e não têm utilidade
alguma. O que os professores talvez nunca tivessem percebido era, desde sempre, as
3
minhas altas notas em História e mais tarde, boas notas também em Literatura. Hoje eu sei
que isso indicava claramente a minha inclinação para aprender pelo uso de narrativas.
4Durante as leituras para o trabalho da universidade, me deparei com uma história
inspiradora, em CAMPBEL et al, (1999) (anexo 1), a qual reproduzo a seguir.
A DANÇA DE PAULA
Em sua primeira série, Paula foi taxada como tendo distúrbio de aprendizagem. Pelos próximos quatro anos, ela foi colocada em salas de educação especial e obteve pouco, senão nenhum sucesso acadêmico. Comparada com seus colegas de idade, Paula estava atrasada em habilidades básicas duas ou mais séries. A sua auto estima diminuiu, e compreensivelmente, o seu desgosto pela escola aumentou.
Seus pais, cientes da necessidade de prover Paula uma experiência escolar bem sucedida, a direcionaram para uma sala com uma professora sensível. Observando a menina por alguns dias, a professora notou uma graça excepcional. Paula movia-se com pose e dignidade. Alta para sua idade, ela andava e corria com facilidade, seu longo cabelo acompanhando seus movimentos. Sempre que a professora observava Paula, imaginava-a como uma dançarina. Essa informação fez a professora imaginar se Paula poderia aprender de forma mais eficiente utilizando-se de movimento.
Apesar de Paula estar na sexta série, seu aproveitamento para escrever era próximo ao de um aluno de segunda série. Ela recusava-se a ler, escrever ou a praticar listas de ortografia. Seguindo sua intuição de que Paula era cinestesicamente bem dotada, a professora sugeriu à menina que criasse um alfabeto em movimento, utilizando seu corpo para formar cada uma das 26 letras. No dia seguinte, antes da aula, Paula correu para sua sala de aula para mostrar algo a sua professora. Paula começou então sua demonstração, dançando as letras do alfabeto uma a uma, e depois seqüenciando todas as 26 letras em uma única execução. O balé, apresentado com confiança e habilidade, foi executado em silêncio total. Paula, sem constrangimentos, estava satisfeita com seus esforços. A professora estava estática; a menina era uma dançarina.
Em apenas uma semana Paula foi da dança para a escrita. Primeiro, ela dançava palavras isoladas, depois as escrevia. Em seguida, ela começou a dançar sentenças inteiras.
4
O aproveitamento de Paula em ortografia e redação começou a melhorar, tanto quanto a sua auto-confiança em aprender. Após quatro meses, para o deleite de todos, Paula não mais precisava dançar o que escrevia, ela simplesmente permanecia sentada e escrevia suas tarefas junto com seus colegas de sala. Ao final da sexta série, Paula estava lendo e escrevendo em um nível adequado à sua série.
Quatro meses de aprendizado cinestésico, de aprendizado através de uma habilidade inata, transformaram a experiência escolar e a auto-imagem de Paula. Em sua sétima série, Paula freqüentou uma escola normal, onde, valorizada em todas as aulas, ela alcançou aproveitamento acima da média em todas as matérias.
A possibilidade de poder ajudar, tanto alunos com maiores dificuldades, quanto
alunos de desempenho satisfatório a alcançarem o máximo de aproveitamento de suas
capacidades, me animava. A partir das recomendações
5de Armstrong (2001), comecei a
observar as inteligências em meus alunos e descobri que também tinha uma aluna cuja
trajetória parecia-se com a história “A Dança de Paula”. A turma com a qual comecei a
trabalhar era pequena, havia somente duas alunas, uma de doze anos e uma de dez. A mais
nova apresentava problemas em participar da aula, quase nunca parava quieta na carteira e,
em sala de aula, raramente fazia os exercícios de leitura e escrita. Após o contato com a
teoria das IM, decidi mudar minhas aulas de modo a adicionar atividades de jogos,
desenhos, também redimensionei algumas atividades do livro para a lousa, assim como
passei a realizar algumas atividades no chão ao invés de na carteira, entre outras. Mudanças
simples, mas de grande resultado. Para a minha grande surpresa, a aluna passou a se
interessar muito mais pelas minhas aulas, agora raramente reclamava de ter de fazer as
atividades, mesmo as mais tradicionais como escrever, falar e ler, e para o meu deleite, o
seu ar de entediada agora se transformara em de alegria. A partir desta experiência tive a
certeza de que a teoria das IM poderia ajudar muito em minha profissão.
1.2.1 Início de carreira: a escola pública
O in
ício da coleta de dados para esta pesquisa coincidiu com a minha entrada como
professor na escola pública. Antes de lecionar no Estado eu já tinha experiência como
professor de inglês há sete anos, em contextos bastante diversos: aulas particulares, aulas
para crianças, aulas VIPs, escolas de línguas e até aulas de inglês para coreanos treinando
futebol no Brasil. Já na escola pública, resumia-se a duas aulas como professor estagiário.
Essa minha vivência profissional como professor de línguas me levou a uma dupla
experiência: ao mesmo tempo em que estava entrando em um universo novo e
desconhecido, pesquisaria uma proposta pedagógica de ensino de línguas tendo a teoria das
IM como ferramenta.
Acredito que um trabalho de pesquisa dentro deste contexto seja de grande valia,
uma vez que as necessidades, dificuldades e variáveis que influenciam no ensino dentro
dessa realidade são enormes. Há também nesse caso uma grande quantidade de professores
que enfrentam essa mesma realidade diariamente, e que podem se beneficiar de trabalhos
de pesquisa que visem trazer soluções e melhoria em seu trabalho. Outra justificativa para
essa escolha é o fato de que na escola pública encontra-se a grande maioria dos alunos
matriculados no ensino médio, dando assim não somente uma maior validade para a
pesquisa realizada, mas como também uma maior amplitude da aplicabilidade das
atividades desenvolvidas para esta pesquisa. Todas essas características fazem que
pesquisas voltadas para soluções e aprimoramento da prática pedagógica neste contexto
1.3 As contribuições que a teoria das IM pode trazer para o ensino e aprendizagem de
LI na escola pública
Desde minhas primeiras experi
ências com a teoria das IM, uma idéia ficou marcada
em minha mente: a de que não somos todos iguais e não temos todos o mesmo tipo de
mente (GARDNER, 1999). Acredito que o ensino funcionará melhor se essas diferenças,
mais do que simplesmente ignoradas ou negadas, forem consideradas como positivas. Em
suas reflexões sobre a teoria de Krashen, Abreu-e-Lima (1996: p.8) conclui que: “São as
necessidades dos alunos que devem ditar os objetivos do curso, e que cada aprendiz vai
apresentar características específicas de como adquirir língua”. Cada aluno tem um
conjunto específico de inteligências e habilidades
6, as quais podem ajudar a definir as
necessidades dos alunos e os objetivos do curso.
Segundo Brandão (1981), de acordo com o Método Paulo Freire, o professor não é
detentor de todo o conhecimento e não traz tudo pronto; ele modifica e constrói seu plano
de aula a partir da realidade encontrada em sala de aula, e principalmente a partir das
necessidades de seus alunos, tanto individuais como do grupo como um todo. Devido a
essas diferenças, os professores devem usar uma ampla variedade de estratégias de ensino,
que por sua vez, podem ser influenciadas pelas IM.
A teoria das IM oferece uma ferramenta para os professores refletirem sobre seus
métodos de ensino e compreenderem porque funcionam ou não. Ela também ajuda os
professores a expandirem seu atual repertório de ensino, de modo a incluir uma gama cada
vez maior e mais diversa de aprendizes (ABREU-e-LIMA, 2002).
6
1.4 Objetivos
Nesta pesquisa, investigo como a teoria das IM auxilia no planejamento,
desenvolvimento e aplicação de atividades que venham a contribuir para que os alunos
tenham um desempenho mais significativo na aprendizagem de LI na escola pública.
Também investigo quais são os meios possíveis e quais as dificuldades a serem superadas
dentro deste contexto para se aplicar uma proposta de ensino de LI nesse espaço
institucional.
Para orientar esses objetivos de pesquisa, pretendo responder às seguintes perguntas
norteadoras :
1-) Como se configura uma proposta de ensino e aprendizagem de LI no Ensino Médio de
uma escola pública tendo como ferramenta norteadora a teoria das IM?
2-) De que maneira a teoria das IM pode colaborar positivamente, dentro do contexto de
escola pública, para o desempenho escolar e a participação dos alunos em sala de aula?
1.5 Organização da dissertação
seguida, faço uma discussão teórica das aplicações da teoria das IM na prática de ensino,
com foco em teorias de apoio à prática pedagógica.
Por se tratar de uma proposta de ensino de LI, são apresentadas as relações
existentes entre a teoria das IM e o ensino baseado em uma Abordagem Comunicativa
(AC). Levando-se em conta o contexto de ensino em escola pública, também são
apresentados pontos importantes de documentos oficiais tais como os PCNs (MEC, 1998),
e os Temas Transversais (MEC, 1999), que nortearão o trabalho pedagógico e a pesquisa
realizada.
No capítulo II, trato de questões referentes à pesquisa em Lingüística Aplicada,
propriamente dita. Em seguida, apresento, em detalhes, o contexto de pesquisa, os
procedimentos de diagnóstico e os instrumentos de coleta de dados. Finalmente, discuto os
conceitos de reflexão utilizados na pesquisa, bem como os grupos de estudo que serviram
de apoio tanto como grupos de reflexão quanto como fonte bibliográfica.
No capítulo IV, analiso os dados coletados durante a pesquisa, tais como relato do
plano de aula, excertos do diário reflexivo e questionários aplicados aos alunos. Proponho
uma relação direta entre as teorias que serviram de embasamento para o que foi aplicado, os
processos vivenciados pelo professor na elaboração e aplicação da proposta pedagógica, e
os resultados alcançados.
CAPÍTULO II
2.1 A visão tradicional de inteligência e o Quociente de Inteligência (QI)
Grande parte dos conceitos utilizados por Gardner (VEENEMA & GARDNER,
1996) para desenvolver a teoria das IM é baseada em conceitos do cognitivismo. Antes de
explicar essa corrente de pensamento, é importante primeiro explicar as correntes às quais
ela se contrapõe.
Em contraposição ao cognitivistismo, há duas correntes distintas, e ainda assim
correlacionadas. Uma delas é o behaviorismo, que advém do estudo do comportamento
(behavior). A perspectiva behaviorista, consagrada pelo trabalho de Skinmer, despreza
qualquer relação com a mente e seus conteúdos. Dentro dessa perspectiva , os estudos do
comportamento humano estão baseados no que um organismo percebe como sendo um
estímulo e responde a ele, ou, se será recompensado de maneira positiva ou negativa de
acordo com a maneira como age.
A segunda contraposição à perspectiva dos cognitivistas é a visão de que o que a
mente contém é inteligência. De acordo com essa perspectiva, as pessoas nascem com uma
certa quantidade de inteligência, a qual pode variar tanto para mais quanto para menos,
sendo essa quantidade fixa. Poucos perguntavam como era a inteligência, ou como ela
poderia ser melhorada, aumentada ou transformada. De fato, a definição de inteligência se
tornou uma definição de psciometristas, ou seja, “a inteligência é o que os testes testam”.
O teste de QI e seus descentes são exemplos disso.
na vida, se provam duradouras. Mas, muitas outras representaç
ões são criadas,
transformadas, ou dissolvidas com o passar do tempo, como o resultado de experiências ou
reflexões a partir delas.
Uma idéia central do cognitivismo tem grande importância e implicação para a
educação, a de que a mente não é compreendida de uma única representação ou até mesmo
de uma única linguagem de representações. Mais exatamente, todas as pessoas possuem
inúmeras representações internas em suas mentes/cérebros. Essas representações são
chamadas por Gardner (1996) de IM.
De acordo com a teoria das IM, não somente todos os indivíduos possuem inúmeras
representações mentais e linguagens intelectuais, mas também diferem uns dos outros na
forma dessas representações, suas capacidades, e no modo e na facilidade com que essas
representações podem ser modificadas. Existem pelo menos oito inteligências, que
constituem a maneira pela qual as pessoas apreendem informações, retêm e manipulam
essas informações, e demonstram ou não compreensão para elas mesmas e para outras
pessoas. Também faz parte desta concepção o fato de que força ou fraqueza em uma área
não significa força ou fraqueza em outras áreas.
Até agora, a maioria das escolas têm agido como um dispositivo de seleção. Essas
instituições têm dado mérito a um tipo de mente – idealisticamente, uma que combine
linguagem e lógica – e têm tentado selecionar indivíduos que se destacam nessas áreas. Na
maioria das escolas, indivíduos que se apóiam em outras representações mentais têm
recebido pouca atenção.
Em uma visão tradicional de inteligência, cada indivíduo terá suas capacidades
consideradas desde o nascimento. Faz parte dessa noção a inteligência observada de uma
avaliada por uma única forma de inteligência. Nessa visão, os alunos com bom desempenho
acadêmico em matérias que envolvam habilidades lingüísticas ou lógico-matemáticas são
considerados inteligentes. Pouca atenção é dada a qualquer outra forma de expressar
conhecimento, seja pintura, música ou dança.
Uma das correntes dominantes do início do século XX, na relação da discussão
quanto à inteligência, refere-se à sua natureza e distribuição. É conhecido que os primeiros
testes de inteligência foram criados por Alfred Binet (apud VEENEMA, S; GARDNER, H.
1996) em Paris, como um meio de prever quais crianças experimentariam dificuldades na
escola e quais progrediriam. Binet considerou que os testes deveriam ser administrados de
modo informal, e que a inteligência de qualquer criança poderia ser melhorada por meio do
treinamento sensitivo.
Assim que a instrumentação para avaliação de inteligência se desenvolveu nos
Estados Unidos, os testes foram padronizados e normalizados, de modo que qualquer
sujeito testado podia ser comparado em idade mental com qualquer outra pessoa. Criou-se
então, o Quociente de Inteligência, ou QI registrado – a quantidade do traço de inteligência
que eles mostravam numa determinada medida lingüística ou pictórica. Segundo essa
definição, a inteligência é um traço predominantemente genético ou inato, caracteriza uma
única capacidade mental, e não há muito que se possa fazer a respeito da inteligência de
cada indivíduo. (GARDNER, 1999b).
ou, no caso do ensino médio da escola
pública no estado de S
ão Paulo, a aplicação do
SARESP, o qual, até o ano de 2005 apenas avaliou o desempenho em Portugu
ês e
Matem
ática. A utiliz
ação de métodos de avaliação segundo procedimentos padronizados e
normalizados não é totalmente um reflexo do inatismo, e sim o julgamento moral que se faz
a partir do desempenho dos alunos nesses testes. A teoria das IM oferece um outro meio
para que se possa compreender as diferentes e diversas capacidades de cada aluno.
2.1.1 Os fundamentos da teoria das Inteligências Múltiplas
Ao se trabalhar com as IM, faz-se necessário também definir "inteligência" segundo
a teoria. Gardner (1999a), conceitualiza a inteligência como “um potencial biopsicológico
para processar informações que pode ser ativado em um determinado contexto cultural para
solucionar problemas ou criar produtos que são de valor em uma determinada cultura
7.” O
autor sugere que as inteligências não são coisas que possam ser vistas ou contadas; ao
contrário, são potenciais - pressupostamente neurais - que irão ou não ser ativadas,
dependendo dos valores de uma cultura em particular, das oportunidades disponíveis nessa
cultura, e das decisões pessoais feitas por indivíduos e/ou por seus familiares, professores, e
outros. Para Gardner (op. cit), o conceito de inteligência não se limita à capacidade de
aprender, mas principalmente à maneira como se apreende o mundo e se propõem soluções
aos problemas que se apresentam. A maioria das pessoas pode desenvolver todas as suas
intelig
ências em um n
ível relativamente competente, desde que devidamente estimuladas.
Gardner (1999a) oferece um meio de mapear a ampla gama de capacidades dos
seres humanos ao agrup
á-las em oito categorias ou inteligências abrangentes.:
Inteligência Lingüística: Compreende as capacidades de pensar em palavras e usar
a linguagem para expressar e apreciar significados complexos. Escritores, jornalistas,
repentistas e também professores est
ão entre as atividades que demonstram um alto n
ível de
desenvolvimento dessa intelig
ência.
Inteligência Lógico - Matemática: Compreende as capacidades de calcular,
quantificar, considerar proporções e hipóteses, e realizar operações matemáticas complexas.
Cientistas, contadores, engenheiros e pedreiros
8demonstram grande desenvoltura dentro
dessa Inteligência.
Inteligência Espacial: Compreende as capacidades de pensar tridimensionalmente,
perceber imagens internas ou externas, de recriar, transformar, ou modificar imagens, de
localizar a si mesmo e objetos no espaço e de produzir ou deduzir informação gráfica.
Arquitetos, escultores, artistas gráficos, pilotos e motoristas profissionais são profissões que
utilizam habilidades dentro do espectro dessa inteligência.
Inteligência Corporal - Cinestésica:
Compreende as capacidades de usar o corpo
todo para expressar idéias e sentimentos e facilidade no uso das mãos para produzir ou
transformar coisas. Inclui habilidades físicas específicas tais como coordenação, equilíbrio,
capacidades táteis. Atletas, dançarinos, cirurgiões e também artesãos se apóiam
sobremaneira nessa inteligência para suas atividades.
Inteligência Musical:
Compreende as capacidades de perceber, discriminar,
transformar e expressar formas musicais. Inclui a sensibilidade ao ritmo, tom ou melodia, e
timbre. Entre as profissões que demonstram esta inteligência em suas atividades estão
músicos profissionais, maestros, DJs e mecânicos
9.
Inteligência Interpessoal:
Compreende as capacidades de perceber e interagir com
os outros, de perceber e fazer distinções no humor, intenções, motivações e sentimentos das
outras pessoas. Pode incluir a sensibilidade a expressões faciais, voz e gestos; compreende
também a capacidade de discriminar muitos tipos de sinais interpessoais como os citados
acima e de responder efetivamente de uma maneira pragmática. Profissionais como
políticos, atores, agentes sociais e líderes comunitários se apóiam nessa inteligência para
desempenhar suas atividades.
Inteligência Intrapessoal:
Compreende o autoconhecimento e a capacidade de agir
adaptativamente com base neste conhecimento. Inclui possuir uma imagem precisa de si
mesmo e das próprias forças e limitações, consciência dos estados de humor, intenções,
9
motivaç
ões, temperamento e desejos; e a capacidade de autodisciplina, auto-entendimento e
auto-estima. Profissões como psic
ólogos, conselheiros, pastores de igrejas e filósofos se
apóiam nesta intelig
ência, pois se baseiam no auto conhecimento para poder ajudar outras
pessoas e ao meio em que vivem.
Inteligência Naturalista: Compreende a capacidade de observar padrões na
natureza, de identificaç
ão e classificação de objetos, e compreensão de sistemas naturais ou
construídos, estes abrangendo uma grande variedade, desde ecossistemas como uma
floresta ou a inter-relação entre os espaços e seres de uma cidade. Entre naturalistas peritos
encontram-se agricultores, botânicos, ecologistas, paisagistas e cozinheiros.
2.1.2 Critérios científicos para a definição de uma inteligência
Para oferecer fundamentos teóricos sólidos para suas afirmações, Gardner (1999a)
estabeleceu certos “testes” básicos nos quais cada inteligência teria de ser aprovada para ser
considerada uma inteligência e não simplesmente um talento, uma habilidade, ou uma
aptidão. Os critérios
10que ele utilizou incluem os oito fatores a seguir.
•
Isolamento por lesão cerebral
Uma les
ão cerebral pode prejudicar seletivamente uma intelig
ência, deixando todas
as outras intactas. Uma pessoa com uma les
ão no lobo temporal do hemisfério direito pode
ter suas capacidades musicais seletivamente prejudicadas, enquanto les
ões no lobo frontal
podem afetar principalmente as inteligências pessoais. A partir destes dados, Gardner
defende a existência de oito sistemas cerebrais relativamente autônomos. Um exemplo de
como lesões provocadas em áreas espec
íficas atingem habilidades específicas de uma
intelig
ência, deixando habilidades de outras inteligências intactas,
é o m
úsico Hebert
Vianna
11, o qual, apesar de ter perdido massa cerebral, ainda mantêm suas capacidades
musicais intactas.
•
A existência de savants, prodígios e outros indivíduos excepcionais
Em certas pessoas,
é possível observar intelig
ências únicas operando em n
íveis
elevados. Os savants são pessoas que demonstram capacidades superiores em partes de
uma determinada intelig
ência, enquanto suas outras inteligências funcionam num baixo
nível. Pessoas autistas
12geralmente s
ão um ótimo exemplo de savants, como no filme Rain
Man
13, no qual o personagem demonstra excepcional capacidade lógico-matem
ática
.
Os
11
O músico Hebert Vianna, vocalista e guitarrista do grupo Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente aéreo grave e perdeu parte de sua massa cerebral. Graças a um tratamento eficiente e a uma excepcional força de vontade, Hebert voltou não somente a falar, mas também a cantar e a tocar tão bem quanto como antes do acidente.
12
Estado mental caracterizado por devaneios e afastamento do mundo exterior 13
prod
ígios s
ão pessoas que se destacam bastante em um
a área específica, e tamb
ém são
talentosos ou pelo menos apresentam rendimentos razo
áveis em outras áreas.
•
Uma história desenvolvimental distinta e um conjunto defin
ível de
desempenhos peritos de "estados finais"
Segundo Gardner, cada intelig
ência deve ter participa
ç
ão em alguma atividade
culturalmente valorizada, e que o desenvolvimento do indiv
íduo nessa atividade segue um
padr
ão desenvolvimental. Cada atividade baseada numa intelig
ência tem sua própria
trajetória desenvolvimental, ou seja, cada atividade tem seu momento de surgir na inf
ância,
seu momento de pico durante a vida, e seu próprio padrão de dec
línio rápido ou gradual,
conforme a pessoa envelhece. A intelig
ência Ling
ü
ística, por exemplo, “exp lode” na
inf
ância inicial e permanece vigorosa até a velhice. (ARMSTRONG, 2001, p.16-18)
•
Uma história evolutiva, e uma plausibilidade evolutiva
Cada uma das oito intelig
ências passa pelo crit
ério de ter suas ra
ízes profundamente
•
Apoio de achados psicométricos
As medidas padronizadas de capacidade humana oferecem o “teste” que a maioria
das teorias de intelig
ência utiliza para determinar a validade de um modelo. Embora
Gardner n
ão seja nenhum paladino dos testes padronizados, muitos testes padronizados
existentes apóiam a teoria das IM, embora possam avaliar as IM de uma maneira muito
descontextualizada.
•
Apoio de tarefas psicológicas experimentais
Ao examinar estudos psicológicos espec
íficos, pode-se perceber as inteligências
operando isoladas uma das outras. Cada uma das faculdades cognitivas é específica de uma
inteligência, isto é, as pessoas podem demonstrar diferentes níveis de proficiência nas oito
inteligências, em cada área cognitiva.
•
Uma operação ou um conjunto de operações centrais identificável
Para funcionar, cada inteligência tem um conjunto de operações centrais que servem
para acionar as várias atividades inerentes àquela inteligência. Na inteligência musical, por
exemplo, esses componentes podem incluir a sensibilidade ao tom ou a capacidade de
•
Suscetibilidade à codifica
ção em sistema simbólico
Um dos melhores indicadores de comportamento inteligente é a capacidade dos
seres humanos de usar s
ímbolos. Cada uma das oito intelig
ências satisfaz o crit
ério de
poder ser simbolizada. De fato, cada intelig
ência tem seu próprio sistema simbólico ou
notacional. Na inteligência Musical, por exemplo, as partituras e as notas musicais; na
inteligência Ling
ü
ística, as línguas; na intelig
ência Corporal-Cinest
ésica a
língua de sinais
(que também é Ling
ü
ística); na intelig
ência Interpessoal, sinais sociais como gestos e
express
ões sociais; na intelig
ência Naturalista, sistemas de classific
ação de esp
écies; na
intelig
ência Intrapessoal, s
ímbolos do auto-conhecimento, expressados em sonhos e
trabalhos artísticos; na intelig
ência Espacial, linguagens ideogr
áficas, como por exemplo o
mandarim; e, finalmente, na intelig
ência Lógico-Matem
ática, a matemática, com
números e
sinais matem
áticos.
Além da descri
ção das oito inteligências e seus fundamentos te
óricos, certos
princ
ípios da teoria precisam ser enfatizados:
1.
Toda pessoa possui as oito intelig
ências;
2.
A maioria das pessoas pode desenvolver cada inteligência em um n
ível
adequado de compet
ência;
3.
As inteligências normalmente funcionam juntas e de maneira complexa;
4.
Existem muitas maneiras de ser inteligente em cada categoria.
É de grande import
ância os princípios mencionados acima sejam considerados,
uma vez que todo o trabalho realizado com as inteligências múltiplas terá sempre que
obedecer a esses princípios.
Outro princípio relevante na teoria das IM se refere ao seu desenvolvimento. Para
que se desenvolvam, as inteligências dependem de três fatores principais:
•
Dota
ção biológica
– trata-se da hereditariedade ou fatores genéticos e lesões
cerebrais antes, durante e depois do nascimento;
•
História de vida pessoal
– diz respeito às experiências com os pais, professores,
colegas, amigos e outros que possam estimular ou impedir as inteligências de se
desenvolverem;
•
Referencial histórico e cultural
– refere-se à época e ao local de nascimento no
qual a pessoa foi criada, e também à natureza e ao estado de desenvolvimento
cultural ou histórico nas diferentes áreas. Diferentes épocas na história influem no
tipo de desenvolvimento que o indivíduo pode ter, do mesmo modo que diferentes
culturas possuem diferentes valores também influenciam no desenvolvimento do
indivíduo.
As inteligências não devem ser confundidas com habilidades. Como mencionado
anteriormente, as inteligências funcionam juntas e de maneira complexa. Dessa forma, um
além da inteligência Ling
üística, tamb
ém outras inteligências tais como a Intrapessoal, ao
perceber os sentimentos e as inten
ç
ões de outras pessoas e ser capaz de expressar essa
compreensão, ou a inteligência Espacial, ao descrever ambientes com grande riqueza de
detalhes.
2.1.3 A teoria das IM e suas implica
ções para a prática educacional
Gardner (1999a) aponta três importantes razões para se utilizar uma abordagem
baseada nas IM, nas quais pode se pensar ao se planejar o currículo e avaliar a
compreensão:
1. Indivíduos não aprendem todos da mesma maneira; sendo assim mais indivíduos
podem ser alcançados;
2. Quando os alunos descobrem que podem representar um conteúdo específico em
mais de uma maneira – em mais de uma inteligência - eles podem se sentir como bons
conhecedores desse conteúdo;
3. Devido ao fato de a compreensão dos conteúdos poder ser demonstrada de mais
de uma forma, os alunos podem demonstrar compreensões – ou não compreensões – de
diferentes maneiras, seja porque se sentem mais a vontade ou porque também sejam mais
acessíveis a outros alunos.
a. Uma defini
ção de intelig
ência baseada em inteligência do mundo real.
A definição de intelig
ência
14da teoria das IM coloca a inteligência a partir de uma
perspectiva de mundo real, onde o que conta
é a resolução de problemas, a criação de
produtos dentro da dimensão de valores culturais específicos de uma cultura. Ao mudar o
foco da definição de intelig
ência,
é estabelecida uma nova perspectiva de prática
pedagógica, a qual irá seguir a mesma definição ao estabelecer objetivos e métodos de
trabalho.
b. Uma visão pluralística de inteligência.
Existe uma pluralidade de intelig
ências, cada uma com seus pr
óprios sistemas
simbólicos e meios de saber e processar informaç
ões. Essa vis
ão está propositalmente em
contraste com a visão tradicional de intelig
ência, a qual atesta a existência de uma
inteligência
única para resolver qualquer problema, não importando a tarefa ou o domínio.
c. As oito inteligências são universais.
A teoria das IM leva considera as origens biológicas. As oito intelig
ências foram
identificadas em todas as culturas conhecidas. Como seres humanos, todos os indivíduos
têm potencial em cada uma delas. Na pr
ática, esse aspecto nos lembra que todos os alunos,
em todas as turmas, trazem consigo uma coleção das oito intelig
ências, cada uma variando
nos níveis de capacidade
15.
14 “...um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado em um determinado contexto cultural e para solucionar problemas ou criar produtos que são de valor em uma determinada cultura.” (GARDNER, 1999a – p. 33)
15 O termo capacidade nesta dissertação se refer
d. As inteligências s
ão aprendíveis.
A partir de uma constante interação do indivíduo com fatores biol
ógicos e com o
meio, as intelig
ências são aprend
íveis, mudam e crescem. De acordo com essa teoria ,
quanto mais tempo um indivíduo gasta usando uma intelig
ência e quanto melhor a
instru
ção que recebe e os recursos dos quais dispõe, mais astuta torna naquela intelig
ência.
Traduzindo para a pr
ática, significa que “qualquer aluno pode aprender”.
e. Indivíduos possuem perfis únicos de intelig
ências que se desenvolvem e mudam.
Apesar de a teoria das IM sustentar que as intelig
ências possuem origens biol
ógicas,
ou seja, são influenciadas geneticamente, ela não sugere que sejam puramente gen
éticas ou
herdadas. Como e até que ponto as intelig
ências se manifestam depende de um n
ível
significativo de estímulos. Cada indivíduo se desenvolve e muda de acordo com o
ambiente, que inclui pessoas, recursos e outros fatores, tais como culturais, sociol
ógicos e
individuais, modelando a maneira como elas se manifestam.
f. Cada inteligência envolve sub-habilidades.
Ningu
ém é simplesmente inteligente “musicalmente” ou “lingüisticamente”.A
intelig
ência musical de um indiv
íduo pode ser demonstrada por sua habilidade em compor
melodias ou em ouvir e distinguir instrumentos musicais em uma m
úsica. É importante que
os professores tenham em mente essas distinç
ões dentro das intelig
ências ao desenvolver
atividades e avali
ações para seus alunos. (HATCH, apud BAUN, VIENS & SLATIN,
g. As inteligências funcionam em combinação, não isoladas.
Na forma de um potencial biopsicológico, as inteligências são relativamente
autônomas. No entanto, em sua forma de expressão, trabalham juntas no contexto de um
domínio ou disciplina; elas são a mat
éria prima que utilizamos para resolver problemas ou
dar forma a produtos. O do
mínio ou disciplina compõem o contexto que define o problema
e no qual as inteligências são agrupadas.
Nenhuma inteligência está isolada dentro de um domínio específico. inteligências
específicas são aplicadas em variados domínios. Por exemplo, a inteligência Espacial não
é
utilizada unicamente para as artes visuais; ela pode ser utilizada também nas fun
ções de
motoristas, jardineiros, entre outros. Um outro aspecto important
e é que o desenvolvimento
em uma intelig
ência específica pode se manifestar em um ou mais domínios e não se
manifestar em outros, como no exemplo da inteligência Espacial, que pode se manifestar na
habilidade de visualização de ambientes de um arquiteto, mas não em suas habilidades de
localiz
ação no trânsito.
2.2 As IM como ferramenta na prática de ensino
Para esta pesquisa, além da teoria das IM, foram utilizadas outras abordagens que
auxiliaram na montagem de uma proposta de ensino de LI. São, na verdade, interpretações
da teoria das IM direcionadas para a educação e a prática pedagógica.
O ponto de partida foi a teoria das IM; no entanto, elas não se constituem em uma
meta plausível para a educação (BAUM, VIENS, & SLATIN; 2005). Sendo assim, a teoria
aç
ões em seus pr
óprios contextos. Segundo Abreu-e-Lima (2005), o educador deve ter claro
os conte
údos que quer ensinar e fazer que os alunos compreendam a raz
ão de ensiná-los.
2.3 Caminhos para a prática
Tendo claro os conte
údos, aind
a é necess
ário organizá-los de maneira que possam
ser trabalhados em sala de aula, e, para organizá-los,
é necess
ário ter claro aquilo que se
deseja que os alunos retenham do conte
údo. A principal fun
ção dos Caminhos
é auxiliar a
criar e a manter os objetivos pedag
ógicos dos planos de aula.
O modelo dos Caminhos
é uma abordagem que liga as IM a um conjunto de cinco
propostas educacionais nas quais atividades baseadas nas IM podem ser aplicadas. Os cinco
caminhos representam objetivos utilizados por v
ários educadores em suas aplicaç
ões da
teoria das IM na pr
ática pedagógica. Esses objetivos incluem: identificar o conjunto de
inteligências dos alunos; utilizar as IM para a alfabetização; utilizar as IM para planejar
currículo que promova compreensão; engajar os alunos em atividades autênticas onde eles
possam utilizar seu conhecimento para resolver problemas e desenvolver produtos;
identificar e estimular os talentos dos alunos.
Baum, Viens, & Slatin, (2005) sugerem uma forma pela na qual os objetivos dos
educadores podem se organizar em cinco Caminhos diferentes, não excludentes entre si:
•
Caminho da Investigação;
•
Caminho das Potencialidades em Ação;
•
Caminho do Desenvolvimento de Talentos;
•
Caminho da Compreensão.
Em relação aos caminhos Baum; Viens & Slatin (2005) esclarecem:
Os Caminhos não podem ser confinados em si mesmos. Foram elaborados para ajudar os educadores a focarem nas abordagens mais apropriadas para a implementação das IM com o intuito de atingir os objetivos estabelecidos e, mais especificamente, definir qual Caminho é o mais apropriado para se iniciar uma jornada com as IM. É muito comum que os educadores cruzem as fronteiras entre os Caminhos, movendo-se entre eles conforme seus objetivos assim exijam. Além do mais, os Caminhos não se distinguem entre si pelos tipos de atividades que eles incluem. Não há atividades específicas para cada um dos Caminhos; mais exatamente, a distinção está em como as atividades são utilizadas. (p. 39)
O trabalho com o modelo dos Caminhos envolve os seguintes procedimentos:
•
Identificar os objetivos educacionais apropriados para a escola ou a sala;
•
Selecionar os Caminhos que se alinham mais intimamente com os objetivos;
•
Incentivar o trabalho em equipe.
A seguir, discuto cada um dos Caminhos e suas possibilidades de utilização dentro
desta proposta. No capítulo que aborda a Metodologia explico como cada um dos
2.3.1 Caminho da Investiga
ção
O principal objetivo do Caminho da Investigação
é oferecer aos alunos experiências
de aprendizagem variadas e criar um ambiente de aprendizagem prop
ício para revelar os
potenciais cognitivos dos alunos. A teoria das IM
é utilizada como uma ferramenta para
desenvolver um aprendizado voltado para a investiga
ção, com o intuito de dar forma a uma
abordagem preocupada em descrever e identificar as potencialidades e interesses dos
alunos. Esse Caminho se a
póia na premissa de que, ao oferecer uma variedade de
experiências significativas por meio do espectro das inteligências e do tempo, dá-se aos
alunos a chance de descobrir e explorar seu jeito preferido de lidar com o conhecimento.
Atividades assim envolvem descobrir o contexto no qual os alunos estão mais engajados,
além de dar a possibilidade de divertir-se ao aprender, e por conseqüência, se interessam
mais e desempenham com mais afinco e prazer essas atividades.
Baum; Viens & Slatin (2005) resumem como o Caminho da Investigação pode ser
utilizado, dando também uma definição de como se aplica dentro desta pesquisa:
A jornada pelo Caminho da Investigação começa com um exame do ambiente de aprendizagem, identificando oportunidades tanto para atividades de exploração existentes ou ainda ignoradas. Os recursos na sala
de aula, na escola e na comunidade ajudam a prover atividades de exploração que se utilizem de uma grande gama de inteligências. Após
Ainda, sobre a utilização do Caminho da Investigação, Abreu-e-Lima (2005) diz
que:
O Caminho da Investigação parece ser uma condição para que todos os educadores se sintam mais à vontade em organizar suas tarefas curriculares, pois sem saber com quem se trabalha e quais as
potencialidades existentes em sala de aula, fica difícil estabelecer metas a serem atingidas e escolher estratégias mais adequadas àquela turma de alunos. Esse parece ser o caminho inicial, o ponto de partida. (no prelo).