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A noção de objeto na psicanálise freudiana.

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Academic year: 2017

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RES UMOEste artigo tem por objetivo situar e discutir as definições e o estatuto da noção de objeto na teoria psicanalítica de Freud. Será caracterizada a principal concepção freudiana que postula as pulsões com o aspecto originário da constituição da subjetividade e os objetos com o aspectos secundários. Mas será evidenciada tam bém outra po-sição possível de ser derivada de Freud, que considera os objetos com o determ inantes originários na constituição da subjetividade. Será enfatizado que um a das riquezas epistem ológicas da psicanálise está na dupla posição com relação ao estatuto do objeto.

Palavras - chave : psicanálise freudiana, objeto, pulsão e sujeito.

ABSTRACT The concept of the object in the Freudian psychoanaly-sis. The aim of this paper is to discuss and situate the definition of the concept of the object in the Freudian psychoanalysis. The m ain Freud-ian conception that conceives the drive as the original aspect of sub-jectivity, and the object as a secondary one, w ill be characterized. But another position derived from Freud w ill be evinced: the one that considers the object as the original aspect in subjectivity. Thus, it w ill be em phasized that psychoanalysis epistem ological richness derives from this double position regarding the object.

Ke yw o rds : Freudian psychoanalysis, object, drive and subject.

INTRODUÇÃO

Este texto tem por objetivo situar e discutir as definições e o estatuto da noção de objeto na teoria psicanalítica de Freud. Além deste objetivo, busca form ular indicações para se conceber a articulação sujeito/ objeto a partir da obra freudiana. Postulo

Psicanalista, professor do In stitu to de Psicologia da USP.

Ne ls on Er n e s to Coe lh o Jr.

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que a com preensão da concepção de objeto na teoria freudiana é elem ento decisi-vo na definição da concepção de sujeito, com o aliás já foi sugerido, entre outros, por Merea ( 1994) . Em bora Freud não tenha explicitado um a concepção de sujeito em sua teoria, parece ser possível sugerir que as diferentes acepções que o term o objeto adquire no decorrer de sua obra são determ inantes para um a possível defi-nição do que viria a ser o sujeito na teoria psicanalítica freudiana. Entendo que a discussão desse tem a é de fundam ental im portância no m om ento em que em erge com força renovada a proposição de um a teoria e um a prática psicanalítica intersubjetiva, em oposição à tradicional perspectiva intrapsíquica.1 Afinal, o objeto para Freud deve ser entendido sem pre com o um obobjeto psíquico ou é tam -bém um objeto real, externo? Quando os defensores de um a psicanálise inter-subjetiva referem -se a objetos e a sujeitos, essas referências devem ser entendidas em term os de “entidades concretas”, ou em term os de representações psíquicas, ou ainda, nos dois níveis sim ultaneam ente?

Procurarei, de início, caracterizar a concepção m etapsicológica que postula as pulsões com o aspecto originário da constituição da subjetividade e os objetos apenas com o aspecto secundário. Trata-se da posição sobre a noção de objeto que pode ser considerada predom inante na obra de Freud. Por este viés, a noção de objeto aparece basicam ente de dois m odos: ligada à noção de pulsão —neste caso os objetos são correlatos das pulsões, são os objetos das pulsões; e ligada à atração e ao am or/ ódio, quando então são os objetos correlatos do am or e do ódio.

Mas procurarei m ostrar tam bém que é possível derivar de Freud ( com o sugere BERCHERIE, 1988) um a outra posição m etapsicológica que influenciou boa parte dos teóricos da psicanálise pós-freudiana, com o Lacan e Winnicott: aquela que considera os objetos com o determ inantes originários na constituição da subjeti-vidade. Aqui encontram os a evolução do pensam ento freudiano a partir do texto

Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci ( FREUD, 1910) , com destaque ainda para

Int rodução ao narcisism o ( FREU D, 1 9 1 4 ) e, p r in cip alm en te, Lut o e m elancolia

( FREUD,1917/ 1972) em que a concepção de “objetos de identificação” torna-se fundam ental na constituição do sujeito, em particular através da noção de identi-ficação prim ária.

OS DIVERS OS US OS DA NOÇÃO DE OBJETO EM FREUD

O com plexo uso que faz Freud da noção de objeto em suas form ulações teóricas exige que tratem os com m áxim a cautela a proposta de um a apresentação sistem

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tica e “enciclopédica” dos term os e definições estabelecidos no decorrer de um a obra m uito vasta, escrita em um período de m ais de quarenta anos. André Green, em texto recente, chegou a afirm ar que o objeto para Freud é “polissêm ico, existe sem pre m ais que um objeto e, com o um todo, eles cobrem vários cam pos e reali-zam funções que não podem ser abarcadas por um só conceito” ( GREEN, 2000, p. 9) . Assim com o acontece com outras noções centrais do ponto de vista epis-tem ológico,2 tam bém com relação à noção de objeto Freud não chegou a

estabele-cer um a definição única e final em term os conceituais. Utilizando-se dos recursos próprios da língua alem ã para a form ação de palavras, Freud apresenta em suas obras um a série de noções que anunciam a riqueza e a variedade do uso do objeto na construção de sua teoria. Assim , encontram os, num a lista não exaustiva, noções com o Objektwahl ( escolha de objeto), Determinierung des Objectwahl ( determ inação da escolha de objeto), Identifizierung als Vorstufe der Objektwahl ( identificação com o grau elem entar da escolha de objeto) , infantile Objektwahl ( escolha de objeto infantil), inzestuöse Objektwahl ( escolha de objeto incestuosa), homossexuele Objektwahl ( escolha de objeto hom ossexual) , Anlehnungstypus der Objektwahl ( escolha anaclítica de objeto) ,

narzissistische Objektwahl ( escolha narcísica de objeto), Objektfindung ( encontro do obje-to), Objektbesetzung ( investim ento de objeto), Objekt- Libido ( objeto de libido), Objekttriebe

( objeto de pulsões), Objektliebe ( objeto de am or), Objektwechsel ( troca de objeto), Objektwerbung (recrutam ento do objeto), Objektverzicht (renúncia do objeto), Objektverlust

( perda do objeto) , Objektvermeidung ( ato de evitar o objeto) e Mutterbrust als erstes Objekt

( seio m aterno com o prim eiro objeto) .

A partir desses conceitos podem os reconhecer m uitos dos tem as centrais da teoria psicanalítica de Freud e a form a com o a noção de objeto participa da cons-trução do conjunto teórico. Com o um prim eiro ponto seria preciso destacar a relação entre a sexualidade, ou m elhor, as m oções da pulsão sexual, suas “ações”, e os objetos. Em geral, Freud se refere a objetos que são na realidade representações psíquicas. Assim , o m ovim ento a que se refere a m oção pulsional deve ser conside-rado um m ovim ento interno ao psiquism o. A seguir, seria necessário destacar a expressão “escolha de objeto”, que se refere, em geral, à escolha de objetos de am or. Com o bem expressam Laplanche & Pontalis ( 1967) o term o “escolha” não deve ser considerado em seu sentido racional, de um a opção consciente, m as sim com o o que há de irreversível, na eleição feita pelo indivíduo, do seu tipo de ob-jeto de am or. A escolha pode se referir a um a pessoa específica que é eleita com o objeto de am or, ou a tipos de escolha, com o quando Freud se refere, por exem plo, à “escolha de objeto incestuosa”, ou “escolha de objeto hom ossexual”. Há ainda a

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referência ao próprio sujeito, ou m ais precisam ente, ao ego com o instância psí-quica, que pode ser tom ado com o objeto, com o no caso dos investim entos narcísicos. Mas, para Freud ( 1914/ 1972) , escolhas narcísicas de objeto, em bora exercidas a partir do m odelo estabelecido da relação do sujeito consigo m esm o, caracterizam -se tam bém por escolhas de outros objetos que representem de algu-m a foralgu-m a o próprio sujeito ou algualgu-m de seus aspectos. Freud partiu de sua obser-vação da experiência psíquica de indivíduos hom ossexuais que escolheriam seu objeto de am or tom ando a si m esm os com o m odelo. Em oposição a este tipo de escolha, Freud propôs o que ele denom inou “escolhas anaclíticas de objeto”. Nes-ses casos, o objeto de am or é escolhido a partir do m odelo das prim eiras relações objetais, em geral as relações com os pais.

Em sua prim eira teoria das pulsões, Freud propõe que as pulsões sexuais se apoiam originalm ente sobre as pulsões de autoconservação. Assim , as escolhas anaclíticas de objeto estariam se estabelecendo a partir do m odelo de relação pre-sente nos prim eiros m om entos de vida, em que a satisfação sexual se apoiaria sobre objetos responsáveis pela conservação da vida, ou seja, principalm ente so-bre o seio m aterno. Daí outro uso do objeto na form ulação teórica de Freud, aque-le que estabeaque-lece que o seio m aterno é o prim eiro objeto sexual: “Em um tem po em que o início da satisfação sexual ainda está vinculado ao recebim ento de ali-m entos, a pulsão sexual encontra o objeto sexual fora do corpo da criança, na form a do seio m aterno”( FREUD, 1905/ 1972, p.125) . De fato, para Freud, o pri-m eiro objeto será o pri-m odelo para as futuras relações objetais: “Existepri-m , portanto, boas razões para que o ato de um a criança sugar o seio da m ãe se torne o protótipo para toda relação de am or. Encontrar um objeto (die Objektfindung) é na realidade reencontrá-lo” ( FREUD, 1905/ 1972, p.125-126) . Essa é um a frase m uito citada e talvez a m ais reconhecida entre as passagens da obra freudiana em que há um a referência à noção de objeto.

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No texto de 1914, “Introdução ao narcisism o”, Freud retom ará o tem a das escolhas objetais, propondo um resum o, que por sua im portância, reproduzirei na íntegra:

“ Am a-se:

( 1) A partir do tipo narcísico: a) o que se é ( a própria pessoa) , b) o que se foi,

c) o que se gostaria de ser,

d) alguém que foi parte da própria pessoa. ( 2) A partir do tipo anaclítico:

a) a m ulher que alim enta,

b) o hom em que protege, e a sucessão de pessoas substitutivas que venham a ocupar o seu lugar.” ( FREUD, 1914/ 1972, p. 56-57)

Através dessa seqüência, é possível apreender os cam inhos que Freud antevia para cada sujeito em suas escolhas de objeto am orosas. Mais um a vez fica claro o quanto as experiências am orosas infantis determ inam as experiências posteriores. E, com o aponta Merea,

“fica evidente que na escolha de objeto escolhe-se sem pre com base no m odelo que é ao m esm o tem po constitutivo do sujeito ( e portanto tam bém narcisista) e externo ( e portanto anaclítico...) . Desta perspectiva, não se torna tão cortante a distinção entre os dois m odos de escolha de objeto, exceto em suas possibilidades de com binação,

de extraordinária riqueza. ( MAREA, 1994, p. 8-9)

Mas fica claro tam bém que tanto os m ovim entos que buscam no objeto exter-no a realização de um desejo, com o aqueles que buscam exter-no próprio sujeito essa realização, partem de m arcas estabelecidas no psiquism o e de seus registros afetivos e representacionais. Ou seja, os estím ulos, ou se quiserm os, os “convites” que par-tem do m undo externo serão sem pre secundários nessa concepção. Não há aqui nenhum poder de constituição do sujeito atribuído aos objetos enquanto fonte prim ária. A fonte prim ária das ações e escolhas será sem pre algo “interno” ao pró-prio sujeito, ou m elhor, o própró-prio m ovim ento pulsional. Mas, ao m enos poten-cialm ente, no m ovim ento da escolha de objeto, o sujeito entra em contato com a diferença, e assim percebe, ainda que parcialm ente, a existência de um outro, de um não-ego.

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em direção ao reconhecim ento dos processos de identificação para a constituição da subjetividade. Ao procurar com preender a hom ossexualidade a partir das con-cepções psicanalíticas, sugere que o m enino tende a recalcar seu am or pela m ãe e, ao assim proceder, coloca-se em seu lugar, identifica-se com ela e acaba por tom ar-se a si m esm o por m odelo para ar-seus novos objetos de am or. Encontram os assim , já nesse texto, im portantes form ulações sobre a identificação e o narcisism o. Mas é n o texto de 1 9 1 7 , Luto e m elancolia, qu e a n oção de iden tificação tom ará cor po. O que se apresenta nesse texto é que em função da perda de um objeto que pode ser real ou m esm o fantasiada, o sujeito passa a viver um a identificação do objeto perdido com seu próprio ego.

Em bora Freu d trabalh e ain da predom in an tem en te com a con cepção do objeto com o sen do en dopsíqu ico, n esse m om en to de su a obra com eça a se esboçar a idéia da introjeção do objeto, através da identificação ( principalm en te da iden tificação prim ária) , com o elem en to cen tral n a con stitu ição da su bjeti-vidade. Freu d passa pou co a pou co a con siderar o ego com o u m precipitado de iden tificações, em qu e o m odelo fu n dam en tal é a figu ra pater n a. As iden ti-ficações, com o se sabe, ocorrem desde o in ício da vida, e vão preparan do o cam in h o para o Com plexo de Édipo, pedra an gu lar da con stitu ição da su bjeti-vidade para Freu d.

A identificação do m enino com o pai pode servir aqui com o exem plo: há, no início, ao m esm o tem po o desejo sexual pela m ãe e a identificação com o pai. Na m edida em que ocorre a necessidade de um a unificação da experiência psíquica, estes dois aspectos ten dem a se fu n dir, dan do origem ao Com plexo de Édipo. É nesse m om ento que o pai passa a ser claram ente um rival e a identificação pode adquirir um caráter hostil, que inclui m ovim entos de incorporação ( querer ser com o o pai) e substituição ( querer ocupar o lugar do pai) .Vale lem brar que o objeto incorporado ( com o tam bém ocorre na relação objetal inaugural do bebê com o seio da m ãe) não é da ordem do observável, já que é o objeto do desejo sexual, para o qual não há um correlato externo observável. Em bora exista a referên-cia a um objeto externo ( seio da m ãe, o pai, etc.) não há nenhum a garantia de que o objeto visado pelo desejo sexual e incorporado psiquicam ente, seja o objeto externo real. Incorpora-se, em últim a instância, um a relação que passa a produzir efeitos na cadeia de fantasias inconscientes. Freud postula, nesses term os, a consti-tuição da subjetividade com o um processo de sucessivas identificações. Os obje-tos vão sendo substituídos e o sucesso ou o fracasso nas substituições será deter-m inante na fordeter-m ação de sintodeter-m as ou do equilíbrio e das possibilidades criativas de cada sujeito.

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com prove para a instância egóica a ausência do objeto na realidade exterior, no plano das fantasias e dos devaneios o objeto perdido m antém -se presente. Ou com o sugere Pollock:

“... fantasias e devaneios com relação ao finado objeto podem interferir no trabalho de luto e, em instâncias em que o objeto m orto não pode ser apreciado realisticam en-te, o objeto continua a existir com o um objeto introjetado inassim ilável, com o qual conversações internas podem ser m antidas.” ( POLLOCK, 1994, p.155)

A tensão caracterizada pela ausência do objeto externo, acom panhado da pre-sença psíquica do objeto é fonte de grande sofrim ento. O exem plo da m elancolia é elucidativo de um a das form as com que o objeto aparece na teorização freudiana. A sim ultaneidade entre presença e ausência, a im possibilidade de um a parcela do psiquism o em reconhecer a perda do objeto, insistindo em sua presença psíquica, evidencia a com plexidade da noção de objeto em um a teoria que procura justa-m ente ultrapassar os lijusta-m ites da objetividade.

Ao lado disso, en ten do ser im portan te su blin h ar a am bigü idade presen te n a con cepção freu dian a do objeto a partir da form u lação das iden tificações com o elem en to con stitu in te dos processos de su bjetivação. Podse recon h e-cer o esforço de Freu d em n ão estabelee-cer u m a presen ça apen as em pírica dos objetos. Por ou tro lado, seria errôn eo su por qu e Freu d n egu e a realidade dos objetos extern os ou m esm o su a im portân cia n a con stitu ição da su bjetividade. Não h á, em Freu d, a preten são de qu e a represen tação psíqu ica do seio m ater-n o, por exem plo, possa ter se form ado sem qu e existisse u m seio m aterater-n o “ em pírico” . O objeto seria sim ultaneam ente em pírico e psíquico. É deste m odo qu e a teorização freu dian a acaba por con stitu ir su a especificidade qu an to à n oção de objeto. Floren ce ch ega a afirm ar qu e “ a psicologia se refere a objetos da objetividade. A psican álise situ a-se n o n ível da objetalidade” ( FLORENCE, 1 9 9 4 , p.1 6 2 ) . A objetalidade refere-se a u m a exper iên cia da iden tificação qu e n ão se con fu n dir ia com a descrição psicológica da im itação. Não h á, de fato, n essa con cepção, a possibilidade de u m objeto em pír ico “ estável” , qu e ven h a a ser im itado. Nas iden tificações, a ên fase recair ia m u ito m ais sobre a relação en tre u m su jeito e os objetos, do qu e n os ter m os em si, de fo rm a isolada. As-sim , o su jeito criaria seu objeto, da m esm a form a qu e o objeto criaria o su jeito através de su cessivas relações.

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aca-bam por nos colocar. Nenhum a destas idéias está explicitada na obra freudiana, m as são idéias a que se chega a partir das exigências colocadas pelos textos de Freud. Voltarei a isso na conclusão deste artigo.

POS SÍVEIS ORDENAÇÕES PARA A NOÇÃO DE OBJETO

NA PS ICANÁLIS E FREUDIANA

É possível estabelecer diferentes ordenações da noção de objeto na obra freudiana a partir do que já foi exposto. Nenhum a delas é definitiva, m as escolhas precisam ser feitas se quiserm os avançar na com preensão de um pensam ento tanto no que diz respeito a seus acertos quanto a seus erros. É inevitável, nas tentativas didáticas de ordenação de um conceito em um a obra tão com plexa com o a de Freud, algum grau de esquem atism o e sim plificação. Pretendo correr esse risco em favor da cla-reza da exposição e, acreditando que o leitor poderá avançar, a partir da ordenação proposta, para além dela em direção a um a re-com plexificação m ais sistem ática do conceito de objeto e da relação sujeito/ objeto na obra freudiana. Assim , um a ordenação possível seria a seguinte:

O o bje to é o bje to da puls ã o

Considerando a teoria pulsional, Freud afirm a que constitui-se com o objeto da pulsão todo objeto no qual ou através do qual a pulsão consegue atingir seu alvo. O objeto não é fixo, nem previam ente determ inado, é o que há de m ais contingen-te no conjunto de elem entos e processos presencontingen-tes nos atos pulsionais. O objeto é variável e indeterm inado, m as é o que perm ite satisfação às pulsões. Os objetos pulsionais tendem a ser objetos parciais, com o por exem plo partes do corpo. Não precisam ser objetos reais presentes, podem ser objetos fantasiados, o im portante é que sejam objetos que garantam a satisfação. Nesse sentido, o objeto estará sem -pre a serviço dos m ovim entos das pulsões sexuais, tal com o Freud as define em sua prim eira teoria das pulsões.

O o bje to é o bje to de a tra ç ã o e de a m o r

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traba-lhos de Abraham ( 1924/ 1980) e Klein ( 1932) , tornarão essas relações m uito m ais com plexas, envolvendo a experiência do fetichism o e os processos de incorpora-ção, introjeção e projeincorpora-ção, fazendo com que a relação com objetos parciais assum a um papel central.

OBJETO E NARCIS IS MO. O EGO TORNA- S E OBJETO DA PULSÃO

A introdução do ego com o objeto da pulsão abre espaço para um a grande trans-fo rm ação n a obra freu dian a, qu e cu lm in ará com u m a n ova teor ia das pu lsões. A com plexidade das relações entre as pulsões e seus objetos recoloca a questão sobre as form as de vinculação entre os objetos das pulsões sexuais e os objetos de necessidade, vinculados às pulsões de autoconservação. A própria noção de prazer e objetos de prazer precisará ser questionada, ao lado da noção de identificação. E ainda m ais, o ego, nos processos narcísicos é definido com o um objeto de am or. Será o ego um objeto de am or com o qualquer outro?

Obje to e ide n tific a ç ã o

Principalm ente a partir de Luto e melancolia, Freud passa a dar m ais ênfase à im por-tância dos objetos de identificação na constituição do sujeito. Na experiência m e-lancólica há a introjeção de um a relação am bivalente entre o ego e o objeto, objeto que nesse caso é inconsciente. A identificação parcial entre o ego e o objeto “perdi-do” resulta em um processo de grande destrutividade para o ego, na m edida em que o ego não consegue igualar o objeto introjetado e assim partir em busca de novos objetos. Freud estabelece tam bém , com clareza, que o objeto pode ter sua existência no psiquism o m esm o depois de não estar m ais presente com o objeto da percepção. As m últiplas dim ensões psíquicas e em píricas que se desdobram a partir da concepção freudiana das identificações têm papel preponderante nas for-m ulações da noção de objeto de autores pós-freudianos. Pode-se dizer que o obje-to jam ais será o m esm o para a psicanálise a partir da ênfase nas identificações com o elem ento central na constituição da subjetividade.

Pe rc e pç ã o e o bje to . O o bje to da pe rc e pç ã o é o bje to re a l?

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introduz um a novidade, em term os de teorias clássicas da percepção, ao deixar aberta a possibilidade de percepções inconscientes. E nesta m edida perm ite que se postule o reconhecim ento de que nenhum a percepção garante um acesso objetivo à realidade,3 não cabendo, assim , reconhecim entos definitivos sobre a

objetivida-de das percepções.

CONCLUSÃO: S UJEITO E OBJETO SÃO S UPLEMENTARES

Apesar destas diferen tes acepções, podem os con siderar qu e n a teoria freu dia-n a, de u m a form a geral, o objeto está sem pre ligado ao processo da h istória de vida do su jeito, ou seja, se o objeto é determ in ado por algo, n ão o é sim ples-m en te por eleples-m en tos con stitu cion ais de cada su jeito, ples-m as siples-m pela h istória de vida ( fu n dam en talm en te a h istória de vida in fan til) . Neste sen tido, m esm o a assim ch am ada “ escolh a de objeto” presen te n a adolescên cia e n a vida adu lta, se n ão ocorre por acaso, tam bém n ão pode ser con cebida com o com pletam en -te de-term in ada, seja con stitu cion alm en -te, seja por u m a decisão soberan a da con sciên cia ou do ego.

Freud denom inou série complementar a com plem entaridade de fatores exógenos e endógenos na etiologia das neuroses. Esta m esm a concepção nos parece adequada para pensar, em um prim eiro nível, o estatuto do objeto na teoria freudiana. Freud se refere a objeto tanto no sentido de um objeto dito “externo” quanto a um obje-to diobje-to “interno”. O objeobje-to é sim ultaneam ente interno e externo. Trata-se de enten-der as form ulações freudianas para além das tentativas de reduzi-las quer ao em pirism o quer ao idealism o. Assim , seria preciso reconhecer que Freud supõe um sujeito ( pulsional) constituindo objetos e tam bém objetos ( de identificação) constituindo o sujeito.

A partir da trajetória realizada, é possível propor um a concepção freudiana do sujeito, apesar dos riscos envolvidos. Entendo que o sujeito precisaria ser pensado com o resultado, sim ultaneam ente, da com plexa intensidade dos m ovim entos pul-sionais e das sucessivas identificações ( possíveis tam bém graças a um a presença “ativa” de objetos com o a m ãe, o pai, etc.) ocorridos em seu processo constitutivo. A idéia de sim ultaneidade é aqui fundam ental. Não penso que haja anterioridade das pulsões com relação aos objetos de identificação, com o tam pouco m e parece possível dizer que os objetos antecedam os m ovim entos pulsionais. Seria necessá-rio reconhecer em Freud um a lógica não identitária, um a lógica da suplem en-taridade para dar a essa concepção sua form ulação m ais rigorosa.

Os pólos da du alidade ( pu lsão-iden tificação, in tern o-extern o, psíqu ico-em pírico ou m esm o su jeito-objeto) n ão precisam ser pen sados com o cada u m sen do idên tico a si m esm o. Tam pou co bastaria pen sar os pólos com o com

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plem en tares, o qu e ain da m an teria certa u n idade perm an en te e defin itiva n a con cepção de cada u m dos elem en tos com plem en tares, ou en tão a dilu ição de cada pólo em u m n ovo “ produ to” resu ltan te da com plem en tar idade. En ten do que cada um dos pólos traz em si a exigência de suplem entação. Ou com o sugere Figueiredo, a partir do filósofo francês Derrida ( 1973) : “...cada pólo é sem pre um apelo de suplem ento endereçado ao outro, ( ...) cada pólo procura n o ou tro a su plên cia de su as fraqu ezas ou o con trole su plem en tar de seu s excessos” ( FIGUEIREDO, 1 9 9 9 , p. 2 8 ) .

Ao propor a lógica da suplem entaridade com o alternativa à lógica identitária e à lógica dialética, Figueiredo procura enfatizar um a leitura que valoriza as tensões internas e as dificuldades próprias da construção da teoria em Freud, recusando leituras enrijecidas dos conceitos ou a im posição de buscas apressadas de sínteses evolutivas entre polaridades. Mais do que isso, chega a propor que “na perspectiva que acredito ser a de Freud, a subjetividade ( o aparelho psíquico) é constituído na e pela lógica da suplem entaridade” ( FIGUEIREDO, 1999, p. 29) . Outra vez encon-tram os, neste ponto, as concepções de Merleau-Ponty e sua noção de um a dialética sem síntese, que ao invés de reunir polaridades im põe a perm anente exigência de um pólo a outro, que estarão sem pre em constante dinâm ica. Mas isso não im plica no estabelecim ento de relações aleatórias entre os pólos, ou na relativização de qualquer conhecim ento sobre os processos de constituição da dinâm ica:

O que se deve aqui apontar é que a dialética sem síntese de que falam os não é o ceticism o, o relativism o vulgar ou o reino do inefável. ( ...) Em outros term os, o que excluím os da dialética é a idéia do negativo puro, o que procuram os é um a definição

dialética do ser, que não pode ser nem o ser para si nem o ser em si — definições rápidas, frágeis e lábeis...” ( MERLEAU-PONTY, 1964, p.129-130)

Seja através da idéia de suplem entaridade ou de um a dialética sem síntese, o que pretendo expor é a necessária suplem entação dinâm ica entre as concepções de sujeito e objeto na obra freudiana. Parti da tentativa de form ular as diferentes con-cepções de objeto e seus usos nos textos de Freud. Cam inhei para a proposição de possíveis ordenações da noção de objeto em Freud, para chegar a um a especulação sobre a construção de um a relação sujeito-objeto na obra freudiana. Várias tentati-vas de fornecer um a epistem ologia confiável ao trabalho de Freud foram rejeitadas por diversos com entadores, e com razão.4 O que procurei apresentar neste texto,

m ais de que um a proposição epistem ológica, foi a proposta de um a leitura de certas noções que acom panham o percurso realizado por Freud em sua obra,

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gerindo algum as balizas que talvez perm itam novos questionam entos e novas “tra-duções” dos textos freudianos, que parecem ( felizm ente) se m ostrar irredutíveis a qualquer tentativa de um a tradução final e definitiva.

Recebido em 7/ 7/ 2001. Aprovado em 29/ 9/ 2001.

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N elson Ernesto Coelho Jr.

Alam eda Lorena, 1359 ap. 82 01424-001 São Paulo SP Tel.( 11) 288-8202

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