.-i'r
'-•
o
PROFESSOR E A
P~TICA EDUCA~IVAo
PROFESSOR E A PRÁTICA EDUCATIVA
ERANECI DA COSTA SILVEIRA
Dissertação submetida como requisito
parcial para obtenção
do
grau de
Mestre em Educação
RIO DE JANEIRO
FUNDAÇÃO GETOLIO VARGAS
INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM EDUCAÇÃO
DEPARTA~ffiNTO
DE PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
•
A A
i i i
Hugo e Antonia, meus pais,
Nanci, minha irma,
-que compartilharam comigo
o tempo dedicado a este
estudo, refletindo em
suas açoes amor,
incentivo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a colaboração de todos os que,
direta
ou indiretamente, contribuíram para a realização deste tra
balho.
Especialmente expresso meus agradecimentos a:
Angela Valadares Dutra de Souza Campos, professo
ra orientadora, pela disponibilidade, incentivo e
observa-ções oportunas que transformaram uma proposta neste
traba-lho concreto;
Anna Maria Bianchini Baeta, pela leitura do
tra-balho e observações valiosas que permitiram repensar criti
camente alguns conceitos elaborados.
N9
Título
pág.
1
Distribuição dos professores por nível
de
escolaridade
2
Distribuição dos professores por tempo
de
serviço no magistério
3
Distribuição dos professores por tempo
de
experiência na série
4
Distribuição dos professores por faixa etá
ria
5
Distribuição dos professores quanto
à
exp~riência em outras séries
6
Distribuição dos professores por série, em
outras séries de experiência
7
Percentual relativo aos
indicadores
"bom aluno" para o professor, por série
de
8
Percentual relativo aos indicadores que de
finem a situação do aluno que nao
venceu
os objetivos escolares. por especificação
49
50
51
52
52
53
65
e série
729
Percentual relativo aos
indicadores
"mau aluno" para o professor, por série
de
10
Percentual dos indicadores de alunos
repr,~vados, por critério e por série
v
77
N9
Título
pág.
l~
Percentual dos indicadores que
significa~interação entre a escola e a família
o professor, por série
para
12
Percentual dos indicadores de
estratégias
utilizados pela escola para promover
inte-ração com a família, por categoria
13
14
Atitudes observadas pelos professores
de
l a
. ,
Za
. e
3a
. serles, que expressam interes-
~.
se/desinteresse dos pais
Percentuais relativos
à
origem do
afasta-mento da família, por série
lS
Resumo dos motivos que afastam os pais
da
escola, por origem.
vi
84
90
94
9S
•
SUMÃRIO
INTRODUÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA
2. REFERENCIAL TEORICO
3. METODOLOGIA
3.1. Suj ei tos
3.2. Instrumentos
3.3. Procedimentos
4. APRESENTAÇÃO E ANÃLISE DOS RESULTADOS
4.1. Histórico docente
4.2. Significado e apropriação de conceitos que
compõem o universo escolar
4.2.1. Percepção do papel de professor
4.2.2. Habilidades (requisitos) para o exer
cício da profissão
4.2.3. A figura do aluno no contexto
esco-lar
4.3. Interação da comunidade escolar com o
mun-pág.
1
15
21
43
43
44
45
47
48
54
54
59
60
do real familiar
82
4.3.1. Significado da interação escola-fa
mília, para o docente
82
4.3.2. Estratégias utilizadas para
propi-ciar a interação escola/família
85•
5.
4.3.3. Atitudes que expressam interesse ou
desinteresse dos pais pelo trabalho
escolar
4.3.4. Motivos da ausência da família
escola
na
4.4. Encaminhamento das tarefas e
de rendimento escolar
significado
4.4.1. Proposição de atividades e recursos
4.4.2. Orientação quanto às tarefas escola
res
4.4.3. Significado de rendimento escolar
AN~LISE
DAS OBSERVAÇOES DAS AULAS
pág.
92
95
99
99
100
102
105
6. CONCLUSOES
116
ANEXO 1 - Quadro de categorias e especificações
119
ANEXO 2 - Roteiro para a entrevista
121
ANEXO 3 - Tabela de classificação sócio-econôriica
124
BIBLIOGRAFIA
125
•
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o
dis-curso e a prática docentes desenvolvidos nas
três
primei-ras séries do ensino de 1
9grau, em sete escolas estaduais
da periferia urbana de Sant'Ana do Livramento, RS.
O estudo surgiu das críticas que
os
diferentes
segmentos da sociedade têm feito
à
ação pedagógica
desen-volvida no interior da instituição escolar.
Fundamentam-se tais críticas na ausência de relação direta entre o
mo-do de operar o saber escolar e as reais necessidades de um
sujeito concreto, num contexto social definido.
Visando melhor compreensão do tema abordado,
fo-ram utilizados os instrumentos: a) entrevista, para anali
sar os conceitos básicos que compõem a prática
docente;
b) observação em sala de aula, para verificar o
de transformação do discurso em prática.
processo
A
análise e interpretação dos resultados permit!
ram concluir que:
- as estratégias colocadas no discurso
docente
nao acontecem com regularidade no exercício da práxis;
- o único momento de coerência entre discurso e
prática encontra-se no tratamento dispensado ao "aluno-fra
casso": ele
é
considerado "carente";
- existe tendência a adotar um ritual comum
de
açao pedagógica, exclusivamente voltada para a
apresenta-ção do conteúdo, supervalorizando o aspecto
da aprendizagem;
quantitativo
- a prática docente, permeada pelos valores
cul-turais da classe dominante, tem reproduzido o papel discri
•
minatório da educação através do emprego de mecanismos que
impedem às camadas majoritárias o acesso ao saber escolar;
- o professor transfere para fatores extra-inst!
tucionais a culpa pelo fracasso escolar. Esta postura ideg
tifica um mecanismo de defesa em face do ideário
pedagógi-co, que não consegue reduzir e/ou eliminar as
barreiras
existentes entre o saber escolar e o saber popular.
RESOO
This work intends to analise teaching deve 1 opment
and practice held in the three first grades of grade school,
in seven public schools of the urbanic periphery of
Sant'~Ana do Livramento, RS.
It started due to criticism made to pedagogical
work at public schools.
Those carne from different segments
of our sociaty which complained about the distance between
the way of operating school knowlegde and the real
needs
of a concrete subject.
Interviews, to analise the basic
teaching and class tutoring, to verify the
concents
of
transformation
process of the studies, were some of the methods used
to
obtain a better work.
The concluding analises were:
- The goals aimed by the teaching strategies are
seldom reached.
a
relation
- The only moment you can do find
between teaching and practice is through the
weak students.
lV'ork
with
- The tendency is to use a common
~ayof
peda-gical action which overvalues the quantitative aspects
of
learning.
- The teaching value in upper classes has
repro-duced the discerning role of education through ways
which
the majority of the population to receive school educatian.
•
- The teachers transfer to
extra-institutional
factors the guilt of education failure.
This
behavior
identifies the protétting mechanism against the pedagogical
method which neither reduces nor eliminates the
obstacles between school and popular knowlegde.
xii
•
INTRODUÇÃO
A açao pedagógica desenvolvida no interior da
instituição escolar tem sido objeto de severas críticas
oriundas dos diferentes segmentos da sociedade.
Fundamen-tam-se estas críticas na ausência de relação direta entre
o modo de operar o saber escolar e as reais necessidades
de um sujeito concreto, num contexto social definido.
A partir dessa consideração torna-se necessarlO ~
.
destacar que a escola foi constituída para suprir as
defi-ciências da educação familiar, cabendo ao Estado o
compro-misso de assumir os encargos da educação. Deste ponto de
vista a escola tem duas funções principais: transmitir a
cultura e melhorar a sociedade.
Para cumprir esse objetivo, a escola pública of~
rece "ensino gratuito" a fim de absorver todos os
candida-tos, desempenhando, assim,o papel de agente propiciador de
oportunidade igualitária para acesso ao consumo da
educa-çao. Por outro lado, as críticas apontam-na como
executo-ra de um papel dissimulador na eliminação das
desigualda-des sociais, criando mecanismos de seleçção que supostame~
te oferecem oportunidades iguais a todos para evidenciarem
suas condições pessoais. Premia socialmente, no entanto,
aqueles que assimilam .os seus valores fazendo-os crer que
sao as condições pessoais de esforço, personalidade e inte
resse os determinantes da ascensão social, na
histó-ria de vida dos sujeitos.
Outro aspecto a ser refletido é que a escola nao
pode emergir de um mundo irreal; seus recursos têm de ser
tomados do ambiente físico e social, isto é, tanto seu con
teúdo e materiais de ensino como seus métodos devem expre~ sar o real.
métodos didáticos se propoem atender às características, i~ teresses e experiências do aluno. Toma-se como exemplo o
método de projetos, os centros de interesse, o método de
contos, o trabalho de grupos e até o método global. Estes
procedimentos procuram vivenciar o que as pessoas fazem
nas atividades profissionais ou de lazer, ou até seguir o
processo que o "indivíduo adota em uma ação natural.
o
que estaria falhando então? O ideário pedagó-gico é suficiente para dar conta (explicar) dessação?
situa-A (pré)ocupação da escola enquanto instituição em
preparar o homem para ser agente e sua própria história,
interferindo e modificando o meio, apesar da autoridade
que ela representa e do poder que exerce, afigura-se
impo-tente, ineficiente nesta tarefa.
Precisamente nesse momento questiona-se a ação
da escola como responsável pelo produto que oferece ao gr~
po social: que grupos beneficia? Como analisa e questiona
seu papel social? Que proposta teórica está subjacente a
seu currículo? Que visão de mundo irradia?
Considera-se que o ideário pedagógico nao parte
do pressuposto de que a interação do sujeito com seu meio
ambiente é determinada pelas relações historicamente
esta-belecidas, cabendo à escola a função de mediadora e respo~
sável pela condução do processo de aprendizagem e
adapta-çao. Reconhece-se, pois, a necessidade de garantia e
am-pliação de oportunidades de educação para as diferentes ca
madas sociais como um direito legítimo do homem.
Numa sociedade capitalista, a educação é instru
mento de discriminação soclal uma vez que a escola -
espe-cificamente a brasileira inserida nesse sistema de
pro-dução, visa transformar em marginalidade cultural as dife
renças de cultura entre os diferentes grupos sociais.
seron (1975, p.2l-2) que, ao analisarem o sistema das rela
ções entre o sistema de ensino e a estrutura das relações
entre as classes, consideram que
"( ... ) a aç~o pedag5giaa (AP)
i
objetivamente umaviolin-aia simb51iaa~ num primeiro sentido~ enquanto que as
rela-ções de força entre os grupos ou as alasses aonstitutivas
de uma formaç~o soaial est~o-na base do poder arbitr~rio
que
é
a aondiç~o da instauração de uma relação de aomuniaaç~o pedagógiaa~ isto é~ da imposiç~o e da inculaação de um
arbitr~rio aultural segundo um modo arbitr~rio de
imposi-ç~o e de inaulaação (eduaaç~o) ( ... ) num segundo sentido~
na medida em que a delimitaç~o objetivamente impliaada no
fato de impor e de inaulaar aertas signifiaações~
aonven-aionadas~ pela seleção e a exalusão que lhe
i
aorrelativa~aomo dignas de ser produzidas por um AP~ re-produz (no
du-plo sentido do termo) a seleç~o arbitr~ria de um grupo ou
uma alasse opera objetivamente em e por seu arb{trio aultu
ra L. "
A relação de interdepend~ncia do sistema escolar
e o contexto onde está inserido (realidade política, econ~
mica, social e cultural), ressalvado o caráter próprio de
tempo e espaço, expressa o sistema sócio-econômico
capita-lista que, com refer~ncia
à
educação, manipula o processode "escolorização" como preparo necessário, porém não suf,!
ciente, do exército da força de trabalho, identificado
pe-las camadas majoritárias e compulsório
conseqUentemente, ao acúmulo do capital.
-
a produtividade,De outra perspectiva, torna-se significativo cog
siderar a educação como fator essencial para a sobreviv~n
cia do homem, refletindo-o através das alterações que ope-ra a partir das relações com o meio social e não como mero
mecanismo manipulado pela força do poder vigent~ para aten d~-lo e mant~-lo.
A partir dessas considerações, convêm registrar
algumas posturas teóricas que contribuem para a
"
Inicialmente, num sentido mais amplo, a educação
se orienta nitidamente para-o social. Ela compreende os
processos que transmitem às gerações jovens determinados
conhecimentos e/ou comportamentos que garantem a
continui-dade da sociecontinui-dade.
~ nessa concepção sociológica da educação, como formadora do ser social no homem, que se baseia a teoria
pedagógica de Durkheim (1966, p.90): "O homem que a
eduaa-ç50 deve realizar em n6s n50 i o homem tal aomo o fez a na
tureza~ sen50 tal aomo a soaiedade quer que seja."
A força dessa herança sociológica transmitiu-se
fielmente na educação, podendo ser encontrada, mais
recen-temente, por exemplo, nesta definição de Clausse (apud Mo!
lo, 1977, p.lO): "A eduaaç50 i a transmiss5o~ de uma
gera-ç50
à
seguinte~ ( ... ) dos aonheaimentos~ das tianiaas~ dasatitudes e dos valores~ impostos ou sugeridos pelo meio da
aivilizaç50 aorrespondente."
Esse sistema de concepções dogmáticas tem
paira-do sobre a história da educação, diriginpaira-do a ação da
esco-la que, em nome da "perpetuação da cultura" e amparada
pe-lo código de seleção, por ela formulado e mantido, vem
re-alizando muitas injustiças identificáveis pela forma como
elege os possíveis fracassados (em geral, de origem
sócio-econômico-cultural estranha às camadas dominantes) e pelo
compromisso assumido com o sistema que os produziu, manten
do-se conivente com aquela situação.
Berger (1962, p.119), refletindo sobre os
esfor-ços da moderna pedagogia, dá uma definição relativista da
educação, levando em conta o que ele chama de um mundo em
~c~leração: "A instruç50 que propora~ona aonheaimentos de-ve aeder lugar a uma eduaaç50 que forma homens; a eduaaç50
deve ser permanente."
Cabe, então, à escola, como instituição social,
com seu universo pedagógico, desenvolver a sociedade ofere
..
..
real, através da instrumentalização que o tornará capaz de
interferir ativa e' conscientemente na produção hist6ria.
Para melhor compreensão dessa proposta,
ê
impre~cindível questionar o oferecimento de oportunidades iguali
tárias.
Entende-se que uma questão
é
o
oferecimento de
oportunidades, e outra diz respeito ao ensejo de condições
iguais de acesso a essas oportunidades.
Questiona-se, então:
• a modern~
pedagogia que está subjacente ao trabalho
esc~lar tem, realmente, oportunizado, ao aluno das camadas
ma-joritárias, condições de acesso ao saber escolar?
• poderá o professor, -comprometido com os valores
crista-lizados da classe média, ter abertura para oferecer
situa-çoes que permitam questionar a estrutura vigente?
Retoma-se, novamente, a questão
da
legitimação
do papel confiado
à
escola como responsável pela tarefa de
transmissora da cultura.
Estando, portanto,
implantada
numa sociedade onde a cultura a ser perpetuada é
a
cultu-ra da classe dominante,
ela exercerá sobre as camadas
ma-joritárias (classe dominada) um processo de inculcação que
permitirá a reprodução arbitrária de um modelo vigente. E,
através da clareza da linguagem de
Bourdieu e
Passeron
(1975, p. 70), confirma-se que"a
tendênciaà
auto-reprod:±ção jamais se realiza tão completamente quanto num Sistema
de Ensino (SE) em que a pedagogia permanece impltcita~
is-to é~ num Sistema de Ensino (SE) em que os agentes encarre
gados da inculcação não possuam princtpios pedagógicos
se-não em estado prático~ pelo fato de que eles os adquiriram
inconscientemente pela freql1entação prolongada de mestres
que não os dominan a não ser no estado prático ( . . . )."
indu-..
zir ao aluno "o que" e "como" ela (escola) presume seja co
nhecido.
A
evid~nciadesse fato apresenta-se
n~postura
defensiva de um "ideário pedagógico" assumido pela escola
e legitimado por seus agentes, que, desenvolvendo um
arse-nal de armas técnico pedagógicas, criam mecanismos dissimu
ladores dos reais motivos - todos de
ordem
estrutural
que determinam o fracasso ou o sucesso escolar.
Pergunta-se, novamente, como fica o papel da
es-cola de promotora da igualdade social e propiciadora de as
censao social para todos?
A contradição dessa perspectiva liberal da
esco-la torna-se evidente quando analisadas constatações de que
"ha pelo menos quatro dicadas que de cada 1.000 crianças
ingressantes na 1~ sirie da escola elementar~ cerca de 600
não conseguem passar para a segunda sirie~ são reprovadas
ou abandonam a escola"
(Mello, 1982, p.44).
Vê-se que esta escola é completamente contrária
àquela definida por Piaget (1976, p.39-40):
,~ educação i ( ... ) uma condição formadora~ necessaria ao
próprio desenvolvimento natural. Proclamar que toda pessoa
humana tem direito
à
educação não i, pois, unicamente sugerir, tal como supõe a psicologia individualist~ tributaria
do senso comum~ que todo indiv{duo~ garantido por sua nat~
reza psicobiológica, ao atingir um nivel de
desenvolvimen-to ja elevado, possui alim disso o direito de receber da $0
ciedade a iniciação às tradições culturais e morais; i, p~
lo contrario, e mais aprofundadament~ afirmar que o indivi
duo não poderia adquirir suas estruturas mentais ma~s
es-senciais sem uma contribuição exterior, a exigir um certo
meio social de formação, e que em todos os n{veis (desde
os mais elementares ati os mais altos) o fator social ou
educativo constitui condição do desenvolvimento. C ... ) O prQ
blema essencial esta em fazer com que a escola se torne o
meio formador que a fam{lia aspira realizar, sem que nem
sempre o consiga satisfatoriamente e que constitui a condi
ção sine qua non para um desenvolvimento intelectual e af~
...
Para quem é dirigida a açao da escola? Para uma
clientela escolar originária das classes dominantes e domi
nadas, prevalecendo, porém, um grande grupo de alunos oriun
dos das camadas majoritárias. Para estes, a açao
tornar-se-a distante e sem significado real.
E
importante destacar aqui o papel desempenhado pela clientela escolar, pois o contingente de crianças queprocuram o sistema educacional tem crescido assustadoramen
te nas últimas décadas, e a instituição esco1~ baseada nos princípios de "obrigatoriedade", "gratuidade" e "democrati
zação", recebe essa clientela operando duas realidades:
19 ) realidade de quantidade, socialmente caracterizada co-mo benéfica, na medida em que oferece vagas e recebe um ex
pressivo número de alunos; 29 ) realidade de qualidade, p!
radoxalmente expressa pela preocupaçao com a análise do
produto e a não-ocupação com o processo, esquecendo-se que
este determina aquele.
A partir dessa colocação, enfoca-se a tese da
queda na qualidade do ensino que vem sendo constantemente
questionada, com relação não só àqueles que conseguiram
atingir níveis mais elevados de escolarização, como também
aos que abandonaram a escola rotulados como reprovados e
evadidos.
o
que parece evidente na análise sobre a qualid! de do ensino, é a variável heterogeneidade da clientelaoriunda das camadas sociais que só recentemente tiveram
acesso à escola, que compõe o universo significativo do
grupo de classe social denominado de baixa renda.
Constata-se, pois, na realidade educacional
bra-sileira, que a escola recebe uma clientela que traz
ã
salade aula uma bagagem de semélhanças e diferenças em relação
às aspirações escolares e capital cultural, decorrente das
experiências e valores vivenciados em seu ambiente.
Esse momento torna-se propício ao questionamento,
•
as percepçoes de mundo, mas de como a escola está buscando
soluções para esta problemática, no âmbito da prática
edu-cacional.
Convém precisar que, quando referimos "escola",
interessa, para o presente estudo, a figura do
professor,
diretamente responsabilizado pela iniciação, permanência e
eliminação do aluno na instituição escolar, pela análise e
estudo da visão de mundo trazida por esse aluno, bem como,
pelo conhecimento da ação legitimada e assumida pela
esco-la como sendo a melhor para ele.
Evidencia-se a necessidade de saber até que
pon-to a escola tem trabalhado as desigualdades da
chamada "carente".
clientela
Estudos realizados por Cunha (1978), Freitag (1978)
e Brandão et alii (1983), entre outros, têm
demonstrado
que as crianças "carentes" que conseguem chegar ao fim
do
1
9grau - quando o conseguem - abandonam a escola, nao por
falta de inteligência, por incapacidade intelectual ou ren
dimento insuficiente, mas sim porque, por sua própria
SI-tuação sócio-econômica deficitária, impuseram-lhes um
tra-balho diferente daquele apresentado aos demais.
Portanto,
quando os diferentes segmentos sociais apontam a escola co
•
mo responsável pelo insucesso do aluno, o professor
torna-se a figura central de tal insucesso.
E
evidente que cada professor tem suas
próprias
"teorias" a respeito do por que e como os alunos se compo!,
tam, e, baseado na interação dos elementos que compoem
o
seu mundo de valores de classe, elege para si o que
seja
um bom ensino.
Essa evidência é um ponto de partida para uma
r~flexão, não sendo, porém,
~uficientepara entendimento
da
profunda realidade existente entre a articulação do
desem-penho da ação escolar que, legitimruID0 o seu saber como ver
dade, desenvolve e mantém a luta de classe
1,
e a
dissimul~1 Marilena Chauí analisa a sociedade civil que,
çao do seu fracasso como instituição através dos
mecanis-mos que adota.
A ação docente operacionaliza e mantém
es-te saber,
tornando~oútil e justo.
Por outro lado, nao se pode incorrer no pensamen
to ingênuo de que o professor
é
o responsável pelo
fracas-so ou sucesfracas-so da escola.
Tal postura tem dificultado
a
análise crítica daquela instituição, na busca de alternati
vas que ofereçam condições de executar propostas para,
a
partir da redução e/ou eliminação dos pontos de
estrangul~mento, desemperrar o próprio sistema.
Aparentemente torna-se acadêmica, porém prática
e oportuna, a distinção entre "o que as escolas fazem"
e
"o que as escolas são." Coerente com esta concepçao,
con-vém citar Mackenzie et alii (1974, p.4-S): "( ... )
asanti-gas instituições para a educação de uma elite devem hoje
aprender a receber e instruir massas. ·/Seus antecedentes~
suas experiências~ que anteriormente funcionavam como
ve{-culo de uma cultura de um sistema de valores~ não são mais
suficientes se a eles não se ajustem a capacidade e a
von-tade de inovar."
Pode-se visualizar o dilema com que se defronta
a escola -
as
dificul~adesem definir os problemas e
elab~rar as possíveis estratégias alternativas para superar os
pontos de estrangulamento - porque adota uma prática
meto-um conjunto de instituições sociais (família, escola, igr~
ja, polícia, partidos políticos, imprensa, meios de infor-mação, magistraturas, Estado, etc.) encarregadas de permi-tir a reprodução ou reposição das relações sociais. Nó seu
interior esta a luta de classe, que é a base para a sua
realização. Aqui, luta de classe é entendida não sendo ape nas o confronto armado das classes, mas também o que ocor= re no cotidiano da sociedade civil.
Isto significa dizer que a "luta de c'lasse esta na
políti-ca salarial, sanitaria e edupolíti-cacional, esta na propaganda,
esta nas greves e nas eleições, esta nas relações entre
pais e filhos, professores e estudantes, policiais e povo,
juízes e réus, patrões e empregados".
(Ver Chauí, Marilena
dológica reprodutora de uma cultura legitimada, onde o
en-sino é planejado numa linha processual que envolve os
se-guintes momentos: a) delimitação do conteúdo; b) definição
de objetivos e resultados; c) escolha de um método; d)
de-finição do processo de avaliação (medida).
Poderá essa linha de planejamento atender as
di-ferenças individuais?
o
professor estará preocupado com o
não-ofereci
mento de condições apropriadas para a aprendizagem, ou
em
impor e cumprir um conjunto predeterminado de condições?
o
professor tem-se questionado sobre o valor e o
significado dessas experiências para as camadas
majoritá-rias?
Para ser possível entender-se mais claramente es
sa questão, é necessário perguntar:
1. Quem prepara esse professor?
2. Onde ele é formado?
3. Que tipo de ensino as agências formadoras têm oferecido
aos egressos dos cursos?
Fica evidente que um professor produzido em
uma
matriz elaborada, mantida e supervisionada pelo Estado, com
sua prática pedagógica trabalha na reprodução do
sistema
que o gerou, determinando e mantendo o seu valor simbólico,
legitimado e aceito através da sanção escolar,
(re)produ-zindo o próprio mercado de trabalho, no qual tem
todo
o
seu préstimo.
Sperry (1977, p.230) argumenta que o
professor
só estará apto a responder às diferenças individuais
quan-do souber apreciar certas dimensões quan-do "estilo de
aprendi-zagem" do aluno (modalidades, tempo, estratégia de solução
de problema) e for capaz de aceitar estas diferenças.
re-sultados catastróficos para com a aprendizagem e para a c~
munidade mais ampla são gerados pela pouca sensibilidade e
a grande falta de conhecimento do professor, a respeito
dos padrões culturais diferentes do seu próprio. Não
é
suficiente reciclar o professor. O sistema educacional
bra-sileiro
é
rico na execuçao de projetos magníficos detrei-namentos para o professor, e os problemas comuns
permane-cem sem alterações positivas.
Reforçando esse fato, a mesma autora salienta
que o importante
é
"lidar oom as ati tudes do professor ( ... ).Ignoram-se assuntos oomo neoessidades básioas, olasses
so-oiais, oultura dominante e suboultura, valores em eduoaçã~
hábitos eduoaoionais e de famtlia, interrelação entre oom~
nidade e a esoola e o papel dos pais na eduoação formal e
informal" Cp.53).
Portanto, o que se pretende no âmbito deste
tra-balho
é,
a partir da análise e interpretação do discursodo professor e da observação realizada em sala de aula, d~
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SPERRY, Lem.
Desempenhos de aprendizagem e diferençasin-·dividuais.
Seleçio e traduçio de Juraci Marques.
Porto
1. DELIMITAÇÃO DO PROBLE}M
Considerando-se os dados estatísticos relativos
ao ensino, observa-se elevado índice de reprovação nas pri
meiras séries do ensino de 19 grau. Embora a taxa de apr~ vação tenha crescido nos últimos anos, a percentagem de
alunos aprovados ainda se mantém em níveis baixos, identi
ficando a expressão "níveis baixos" a resultante de uma p~
lítica educacional que, em geral, calca a natureza dos pr~ blemas relativos
ã
educação, no binômio qualidade/quantid~de.
Rogers (1971) considera o professor como o
faci-litador do processo ensino-aprendizagem e diretamente
co--responsabilizado pela qualidade do "rendimento escolar".
A aprendizagem constitui, portanto, um processo amplo,
en-volvendo a formação de conceitos, aquisição de habilidades
e desenvolvimento de atitudes. Por esse enfoque, o aluno
tem de ser encarado como o agente de um processo que faz
do aproveitamento o fator dinamizador da caminhada de
via-bilização do "ser mais do homem".
O rendimento escolar representa um dos aspectos
da avaliação da aprendizagem que, na Lei n9 5.692/71, fica
condicionado a dois indicadores: aproveitamento e
assidui-dade (Brasil, 1971, p. 6.377). Ao deixar a verificação do ~
rendimento escolar a cargo dos estabelecimentos de ensino,
na forma regimental, a própria lei pôs termo a uma
avalia-ção baseada em padrões únicos e rígidos. Caberá ao profe~
sor, portanto, avaliar seus alunos de forma global e ao
longo de todo o período letivo. Para essa tarefa
utiliza-rá instrumentos de medida para os aspectos mensuutiliza-ráveis, e
procedimentos subjetivos controlados para os
comportamen-tos não-mensuráveis.
A verificação do rendimento escolar nao se
esgo-ta em si mesma, pois reflete um objetivo mais amplo que
o de propiciar o replanejarnento do trabalho educativo,
-e
função dos objetivos educacionais visados e das potenciali
dades do aluno.
Para que o professor desempenhe esta
fun-ção, destacam-se dois fatores importantes:
a) a
habilita-ção -
essencial, pois é o instrumento de trabalho do educa
dor; b) o grau de satisfação profissional, elemento dinami
zador que impulsiona a atividade docente.
Convém
lembrar
que a posse de instrumentalização não garante, por si só,
a eficiência do trabalho, como afirma também
Oscar Vera
(apud Niskier, 1978): "( ... )
não se pode subestimar ava-liosissima contribuição de muitos professores sem estudo
para as tarefas do ensino~ nem considerar o diploma como
garantia suficiente de competência~ pode-se afirmar que
à
qualidade do ensino pesa~ sobretudo~ uma eficiente qualifi
cação~ acrescida da satisfação profissional do educador."
A legislação em vigor
2privilegia o
professor
mais qualificado, e o espírito da lei incentiva o
docente
de 1
9e 2
9graus a buscar níveis superiores de
qualifica-ção, aperfeiçoamento ou especializaqualifica-ção, premiando com
me-lhores salários o professor mais graduado.
Seria simp1ismo discutir a questão da
qualidade
do ensino vinculada diretamente ao incentivo de níveis
ca-da vez mais superiores (em grau) para a habilitação do
pr~fessor, posto que esta
é
uma tese ainda não reveladora da
realidade, podendo ser analisada da seguinte forma:
a) nem todos os professores têm acesso a esses cursos;
b) embora a estratégia "aperfeiçoamento do recurso humano"
seja necessária, não
é
suficiente para
interferir, direta
e exclusivamente, na melhor qualidade do desempenho e, con
seqUentemente, com melhor resultado da e na educação;
2 A Lei n9 6.672, de 22 de abril de 1974 - Estatuto e
Pla-no de Carreira do Magistério Público do Rio Grande do
Sul - preconiza em seu art. 39.:
tiA carreira do magistério público estadual tem como pri~
cípios básicos: (
...
)IV - Valorização da qualificação decorrente de cursos
de formação, atualização, aperfei~oamento ou especializ~
- ti
c) conforme registro oficia1,3 o profissional da educação,
egresso de cursos de
gradu~çãoe/ou p6s-graduação, esti
s~frendo a "síndrome de rejeição da função"; ou
lhe ser conferido melhor
(oumaior) grau de
seja,
ap6s
habilitação,
ele se nega a prerrogativa de desempenhar a função de
ori-gem que, na realidade, foi o determinante de sua esneciali
zaçao.
A percepçao desses fatores coloca o professor
c~mo agente mediador entre o conhecimento, car.acterizado
pe-lo saber escolar, e as potencialidades e realidades do a1u
no, exigindo-lhe um ocupar-se com o processo, e nao com
o
produto da escolarização (aprendizagem).
~
o
que tem caracterizado a escola, no
entanto, e
ser uma empresa que procura analisar o produto que
em seu sistema de produção.
Este modo de produção
jeto de estudo para Lembo
(1975,p.39-40), quando
operou
foi
ob-comenta:
"( ... ) a principal preocupação da maior parte dos
adminis-tradores
i
estabelecer uma polttica que resulte em umaes-cola econômica, que funciona sem problemas. Muitos deles
acham que dirigir uma escola
é
o mesmo que dirigir umain-dústria. Em Fortune, de outubro de 1958, encontramos uma
analogia entre a escola e a indústria. Afirmava o autor
que 'a escola, não menos que a indústria de automóveis,
ti
nha um problema inevitável de produção'. Para ele, a
tare-3 O Setor de Informática da 19~ Delegacia de Educação,
en-tre outras atribuições, mantém atualizado o Quadro de Pes
soaI das Escolas (QPE) das redes estadual, municipal
e
particular da região.
Os itens que compõem esta ficha de controle fornecem in-formações sobre recurso físico (número de salas, capaci-dade do predio, banheiros, cozinha, refeitório, etc.); re
curso humano (corpo docente - formação, serie de atuaçã~
regime de trabalho, situação funcional - quadro
adminis-trativo, quadro de especialistas, quadro de funcionários, corpo discente), entre outras informações.
A partir da análise das fichas de controle, percebe-se o
desvio progressivo em relação
ã
formação do professor efa básica da escola não
é
muito diferente da tarefa básicada General Motors. O trabalho da escola - diz ele consis
te em 'otimizar o número de alunos e minimizar o consumo
de homens-hora e de capital'.
t
bastante evidente que asescolas e as classes são~ como a General Motors~
organiza-das no sentido de fornecer um produto homogêneo e
unifor-me. Ao contrário da General Motors~ entretanto~ os
defei-tos de produção da escola são atribu{dos ao produto e não
ao processo."
Quem recebe poder (embora restrito) para definir
abordag~ e estratégias necessárias (nem sempre
suficien-tes) ao desenvolvimento dos conteúdos que compõem o saber
escolar?
Esse compromisso é repassado ao professor.
o
recurso humano em educação, preparado nasins-tituições privadas ou oficiais, recebe uma formação embas~
da em princípios legais e instrumentais, definidos pela e~
trutura vigente e inculcados de tal forma a garantir sua
perpetuação. Portanto, o professor é uma das peças que
compõem e emprestam significado ao sistema. Neste
contex-to é que será criticamente desvendada sua postura
profis-sional. Considerá-lo responsável pelo fracasso institucio
nal (baixa qualidade do ensino) revela um pensamento
sim-plista, improdutivo. Esta defesa apenas reforçaria o
pa-pel do Estado (poder constituído) como garantidor das
van-tagens que, contraditoriamente, acentuam as diferenças
en-tre o saber escolar e o popular.
Essa perspectiva empresta significado
à
dimensãocrítica de considerar o professor uma das variáveis que i~
t~rferem na qualidade da ação pedagógica, abrindo espaço
ao emprego de estratégias que levam
à
descoberta econtro-le de outras variáveis geradoras do fracasso escolar.
g
objetivo deste estudo elaborar um quadro de referências que possibilite descrever, a partir da análise
com-ponentes subjacentes
ã
práxis - neste espaço representados
pelas categorias professor, aluno, família e metodologia
-determinando e perpetuando um modelo de prática docente na
a
a
a
~REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Leis, decretos, etc. Lei n
95.692, de 11 de agosto
de 1971.
Fixa diretrizes e bases para o ensino de 19 e
29 graus e dá outras providências.
Diário Oficial,Bra-sília, 12
~go.1971.
LEMBO, John M.
Por que falhamos
professores?Editora Pedagógica e Universitária/Editora
dade de são Paulo, 1975.
são Paulo,
da
Universi-NISKIER, Arnaldo.
A Nova escola.9.ed.
Rio
de Janeiro,
B1och, 1978.
2. REFERENCIAL TEdRICO
A compreensao dos problemas educacionais
torna-se possível quando estes são referenciados a um
determina-do contexto social historicamente definidetermina-do.
Historicamente definida
é
a situação brasileira,que se apresenta como singular e original.
O
povobrasi-leiro aspira
ã
restauração dos seus direitos políticos, reivindica a recuperação de sua capacidade de influir nas
de-cisões que afetam seu destino. Sabe que somos uma socieda
de parcialmente integrada, em processo de transformação,
com uma pauta de questões substantivas que não podem ser
ignoradas ou relegadas a plano secundário.
Para esta realidade, exige-se uma educação que
deve ser entendida como processo caracterizado por uma ati
vidade mediadora no seio da prática social global, porque
"( ... ) dentro deste contexto o processo ensino-aprendiz~
gem
é
organizado intencionalmente de modo a atingir adequ~da~ eficaz e eficientemente o objetivo fundamental da
edu-caç~o: a promoç~o do homem" (Saviani, 1980, p.lOl).
Essa interpretação, embasada na premissa de que
a educação, enquanto fenômeno, se apresenta como sendo
"( ... ) comunicação entre pessoas livres em graus
diferen-tes de maturação humana3 numa situaç~o histórica determina
da ( ... )" (Saviani, 1980, p.45), conduz
ã
questão dos valores.
No universo dos princípios básicos da educação
há necessidade de reformular-se a ação que, a partir da d~
finição de prioridades, determinará os objetivos do proce~
so educativo, que só poderão ser compreendidos se tomarmos
como base os valores do homem, em particular do homem
bra-sileiro, pois "uma vez que a experiincia axiológica e uma
experiincia tipicamente humana3
é
a partir do conhecimentoZores. E como a educação se destina (senão de fato, peZo
menos de direito) à promoção do homem, percebe-se já a con
dição básica para aZguém ser educador: ser profundo
conhe-cedor do homem"
(Saviani, 1980, p.39).
Portanto, a reflexão sobre a prática da educação
começa por repensar o papel do professor, que deverá
extra-polar o de policial da educação, constituindo-se em
cria-dor da própria educação, refletindo a realidade social, fo.!.
mando a consciência crítica de si mesmo e da sociedade.
Gadotti (1980, p.74), na análise que faz sobre a
postura do educador numa sociedade em conflito, afirma que
"0 educador mede-se, portanto, peZo grau de consciência de
cZasse que tiver ( . . . )"
(grifo do autor).
Esse intelectual, se perpetuador da ideologia da
classe dominante, será um educador-domesticador; e, se tra
balhar com e para as massas populares, será um
educador-conscientizador, porque, como diz Gramsci (1968, p.7), "( ... )
todos os homens são inteZectuais, mas nem todos os homens
desempenham na sociedade a função de inteZectuais".
Cada classe tem, portanto, seus intelectuais,seus
ideólogos, seus educadores, cujas tarefas na sociedade dis
tinguem-se por grau e por maior ou menor incidência do tra
balho intelectual na sua prática profissional.
(Gadotti,
1980, p.75).
A complexidade da questão abordada exige um
tra-tamento exaustivo, o que não será possível nos limites
de~te trabalho.
Porém, reveste-se de significativa
importân-cia o fato de que, através da história, a educação
tem-se
preocupado em preparar (formar) determinados tipos de
ho-mem para atender às exigências sociais de diferentes
epo-
-caso
A pritica tem demonstrado que a educaçio
(desen-volvida na escola como orocesso sistemitico e
massifica-dor), situada num marco institucional de cariter
autoriti-rio, tem deixado ã margem de seu processo decisório a fig~ ra do aluno. Este aluno, aqui identificado como pertence~
te
ã
considerivel parcela majoritiria (camadas populares),tem, em contrapartida, assegurado (teoricamente) seu lugar
na escola através do oferecimento de vagas.
Este aspecto quantitativo da educaçio esti, para
o documento oficial, na base da, expressiva taxa de
desen-volvimento brasileiro, julgada pelos detentores do poder
como suficiente para coonestar a estratégia (desenvolvime~ tista) adotada (Cunha, 1978).
Torna-se indispensivel retomar a questio do
des-tinatirio da educação, ou seja, quem a recebe.
Tradicionalmente a educação é destinada ao aluno,
portanto, ao homem. Se o homem é o objeto da educação con
vém, neste momento, reoensi-lo.
Mas o que é o homem? Segundo anilise de SavianL
o homem existe situado num meio natural e cultural, defini
do pelas coordenadas espaço/tempo que o condicionam e o de
terminam. Porém, a relação de nio-indiferença do homem
com o meio, dando significado e valorã multiplicidade dos
elementos que o comp6em, torna-o capaz de, superando os
condicionamentos da situação, ser autônomo, portanto, nao
totalmente determinado.
o
"estar situado", pertencer a um contexto dete!. minado propicia ao homem subsídios necessirios ãsobrevi-vência: o domínio da natureza (elementos do meio ambiente:
igua, terra, fauna, flora, etc.) e o domínio da cultura
(as instituiç6es, as ciências, as técnicas). A postura do
"não ser indiferente" revela que o homem exerce uma atitude
axiológica perante os elementos do meio, pois no domínio
do oritico-utilitirio - indicador de que ele transforma a
natureza produzindo cultura e sendo por ela produzido
chega naturalmente
à
valorização e aos valores parasatis-fazer sua necessidade.
Qual o papel da educação na formação deste homem?
O que significa educar?
Para Saviani (1980, p.4l), educar "( ... ) signifi
aa tornar o homem aada vez mais aapaz de aonheaer os
ele-mentos de sua situação para intervir nela transformando-a
no sentido de uma ampliação da liberdade~ da aomuniaação e
aolaboração entre os homens".
Segundo Gadotti (1980, p.90), a educação assim
pensada somente se realizará quando o professor deixar de
ser obediente e formador de gente obediente e submissa,
pois "eduaar
é
fazer ato de sujeito~é
problematizar o mundo em que vivemos para superar suas aontradições~
aompro-meter-se aom esse mundo~ para reariá-lo aonstantemente.
Não é aonsumir idéias ( ... )" (grifo do autor).
Mais uma vez, no bojo desses pressupostos
encon-tra-se a questão dos valores e a relação que mantém com os
objetivos em educação. Entende-se que, em educação, os va
lores devem ser tomados como referencial para a
compreen-são dos seus objetivos. Por isso, compreender e realizar
a tarefa de ~roporcionar ao homem condições de transformar o meio para sua promoçao dá destaque
à
função da valoraçãoe dos valores, do ser e do dever ser no espaço existencial
humano, porque TIos valores indiaam as expeatativas~ as
as-pirações que aaraaterizam o homem em seu esforço de
trans-cender-se a si mesmo e à sua situação históriaa ( ... ) a va
lorização é o próprio esforço do homem em transformar o
que é naquilo que deve ser" (Saviani, 1980, p.41).
A percepção dos valores, do que "deve ser"
ex-pressa aquilo que ainda não foi, mas que deve ser
alcança-do - o objetivo. Somente a partir da valoração é possível
definir objetivos para a educação, que deverão atender
-
asnecessidades concretas do homem, através de uma ação educa
Através da análise dos valores, em confronto com
a realidade existencial concreta do homem brasileiro,
Sa-viani (1980, p.43) define os seguintes objetivos gerais p~
ra a educação brasileira:
a) educação para a subsistência - aprender a tirar
provei-to das possibilidades da situação;
b) educação para a libertação - saber escolher e ampliar
as possibilidades de opção;
c) educação para a comunicação - adquirir instrumentos
ap-tos para a comunicação intersubjetiva;
d) educação para a transformação - adquirir instrumental
para interferir e realizar uma sensível mudança no meio.
Nessa perspectiva, o homem que a educação
preci-sa considerar e esse homem histórico que, além do fato de
ser real e de estar em situação, se explica por ser um
su-jeito dominador da situação, capaz de afastar-se ou
inter-vir, optar, decidir, escolher e responsabilizar-se, lutar
pelo alcance de seu objetivo.
Na atual conjuntura política do país, a importân
cia atribuída
à
educação é reflexo de uma estratégia maisampla dos grupos dominantes, visando uma ampliação de sua
base de sustentação popular. Esta estratégia se expressa
por meio de uma política revestida de benefícios sociais
como saúde, educação, habitação, alimentação, lazer e
ou-tros, que, como política social, atinge amplas camadas ali
jadas do poder de decisão, estabelecendo a hegemonia dos
grupos dominantes.
Considere-se, entretanto, que, na verdade, o
al-cance desses "benefícios" não representa concessões
espon-tâneas dos detentores do poder, mas expressa uma conquista
das pressões e reivindicações das camadas majoritárias (Gol~ berg et alii, 1981, p.20).
ocupado com a preparaçao do homem para a leitura e a escri
ta, fragmentando e distor~endo o conhecimento, ideologica-mente usado de acordo com os interesses dominantes.
Em Cartas à Guiné-Bissau, Paulo Freire (1978, p.27--29) declara que "o aprendizado da escrita e da lei tura,
como um ato criador, envolve, aqui, necessariamente, a co~
preensão cr{tica da realidade. O conhecimento do
conheci-mento anterior ( ... ) desvela a razão de ser dos fatos, de~
mistificando, assim, as falsas interpretações dos mesmos.
( ..• ) a leitura de um texto demanda a 'leitura' do contex
to social a que se refere".
Constata-se, portanto, a existência de uma
iden-tidade entre educação e pOlítica, havendo necessidade de
abrir espaço para a análise da realidade sócio-política,
dando oportunidade
à
discussão dos problemas nacionais.Althusser (1974), mediante sua teoria dos
Apare-lhos Ideológicos do Estado (AlE), entre outros teóricos,
fornece contribuições para a avaliação do caráter político
da educação.
Para o autor, os Aparelhos Ideológicos do Estado
(escolar, religioso, familiar, jurídico, político,
sindi-cal, de informação e cultural) permitem
à
classe dominanteexercer sua hegemonia tanto quanto os Aparelhos Repressivos
do Estado (ARE) (Exército, Poder Judiciário, Polícia,etc.),
tornando-se instrumentos operaciona1izadores de
estraté-gias no sentido de ideologizar a "consciência das massas",
neutralizar os conflitos de classe e garantir a reprodução
das relações de produção.
A escola é compreendida como o AlE mais importan
te das sociedades capitalistas contemporâneas, pois é
res-ponsável pela reprodução e formação da força de trabalho
para suprir as necessidades do mercado em termos de
mao--de-obra (a baixo custo) exigida pelos diferentes setores
da produção. Além disso, inculca, sistematicamente, uma
legiti-maçao e dissimulação das desigualdades, pois
"( ... ) a escola toma a seu encargo as crianças de todas as
classes sociais desde o jardim da infância e desde o
jar-dim da infância lhes inculca - com novos e velhos métodos,
durante muitos anos, precisamente aqueles em que a criança
imprensada entre o Aparelho de Estado Fam{lia e o Aparelho
de Estado Escola é mais vulnerável - 'habilidades' recober
tas pela ideologia dominante (o idioma, o cálculo,
histó-ria natural, as ciências, a leitura) ou mais diretamente,
a ideologia dominante no estado puro (moral, instrução
c{-vica, filosofia)" (Althusser, 1974, p.43).
Essa concepçao do papel da educação está clara
na proposta do Plano Setorial de Educação e Cultura, nas
versões 1972-74 e 1975-79, que fixou uma estratégia os
objetivos permanentes e conjunturais e os projetos
priori-tários, dos quais Arnaldo Niskier destaca (1978, p.25):
"- a importância de um Sistema Educacional capaz de contri
buir eficazmente para modelar uma sociedade, em função de
objetivos definidos, suas estruturas econômica, institucio
nal e cultural;
- que a educação brasileira deve orientar o esforço de
aperfeiçoamento do processo pol{tico nacional, no sentido
da construção de uma sociedade de participação cada vez
mais justa;
- que a aceleração da revolução na educação brasileira d~
ve ser fundamentada na formação de uma adequada estrutura
de recursoS humanos condizentes com as necessidades
sócio-econômicas, pol{ticas e culturais, e no incremento da
ren-tabilidade, produtividade e eficiência do sistema educacio
nal;
- que para tanto deverá haver a melhoria da qualidade do
ensino, a eliminação da capacidade ociosa, a planificação
do crescimento quantitativo da oferta de vagas, a
regionais e a artiauZação da eduaação~ da pesquisa e da
teanoZogia aom o desenvoZvimento gZobaZ do pa{s;
- o objetivo de se visar aprimorar~ gradativamente~
aesso de demoaratização de oportunidades de formação
uma aonsaiinaia naaionaZ" (grifo nosso). (Niskier,
p. 25) .
o prE,.
de
1978,
Estudos têm demonstrado, ao longo da história do
ensino no Brasil, o uso da educação como veículo da
efeti-vação do poder das classes dominantes, determinando objeti
vos que se apresentam alheios aos interesses e
necessida-des de uma classe dominada.
Busca-se como exemplo a análise histórica da ins
trução popular no Brasil, realizada por Maria de Lourdes
Haidar, que demonstra como o poder dominante, através do
Estado, estabelece as diretrizes da educação.
Segundo a autora (in Brejon et alii, 1982,
p.46-47),
"( .•. ) em 1854~ o governo aentraZ~ ao reformar o ensino na
aápitaZ do Império~ propusera a criação do ensino primário
de
29
grau. O ReguZamento da Instrução Primária eSeaundá-ria no munia{pio da Corte., baixado aom o Dea. 1.331 A de 17 de
fevereiro de 1854~ peZo Ministro do Império do Gabinete P~
raná Luiz Pereira do Couto Ferraz~ entre outras
importan-tes providinaias~ ariou a Inspetoria GeraZ da Instrução
Primária e Seaundária - órgão Zigado ao Ministério do Imp~
rio e destinado a fisaaZizar e orientar o ensino púbZiao e
partiauZar dos n{veis primário e seaundário na aidade do
Rio de Janeiro~ sede da aorte - e estruturou em dois
n{-veis a instrução primária gratuita que a Constituição
pro-metera a todos.
Determina o regulamento em seu Cap{tulo III:
'Art. 47. O ensino primário nas esaolas púbZiaas
aom-preende: a instrução moraZ e reZigiosa~ a leitura e a
es-arita~ as noções essenaiais da geometria~ os
elementares da aritmétiaa~ o sistema de pesos
prina{pios