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Livros digitais infantis: narrativa e leitura na era do tablet

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA

ARYANE BEATRYZ CARARO

Livros digitais infantis Narrativa e leitura na era do tablet

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ARYANE BEATRYZ CARARO

Livros digitais infantis Narrativa e leitura na era do tablet

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades Estética e História da Arte (PGEHA) do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo.

Área de concentração: Teoria e Crítica de Arte

Orientadora:

Profa. Dra. Katia Canton

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação da Publicação Biblioteca Lourival Gomes Machado

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

 

Cararo, Aryane Beatryz.

Livros digitais infantis : narrativa e leitura na era do tablet / Aryane Beatryz Cararo ; orientadora Katia Canton Monteiro. -- São Paulo, 2014.

185 f. : il.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte) -- Universidade de São Paulo, 2014.

1. Literatura Infanto-Juvenil. 2. Livros Eletrônicos. 3. Livro Infantil. 4. Teoria Literária. I. Canton, Katia. II. Título.

CDD 028.5

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Nome: CARARO, Aryane Beatryz

Título: Livros digitais infantis – Narrativa e leitura na era do tablet

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Aprovado em: __________________

Banca Examinadora

Prof. Dr. _________________________________________________________

Instituição: _________________ Julgamento: ____________________________

Assinatura: _______________________________________________________

Prof. Dr. _________________________________________________________

Instituição: _________________ Julgamento: ____________________________

Assinatura: _______________________________________________________

Prof. Dr. _________________________________________________________

Instituição: _________________ Julgamento: ____________________________

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AGRADECIMENTOS

À querida Katia Canton, que aceitou orientar esta empreitada.

Aos colegas de mestrado, que ajudaram com dicas preciosas.

Ao sempre divertido casal Blandina Franco e José Carlos Lollo, que não só concedeu entrevista como auxiliou com outros contatos.

A Erick Santos Cardoso, que me ajudou muito com as informações prestadas.

À gentil Julia Schwarcz, que concedeu entrevista quase prontamente, apesar de todos os compromissos.

À Claire Gervaise, fundadora da e-Toiles, que respondeu imediatamente minhas solicitações, após um mês de tentativa infrutífera para falar com o autor de Dans Mon Rêve.

A todos os amigos que aguentaram meu estresse e me deram forças para continuar.

À minha família, pela força.

Ao Marcos, meu companheiro, que esteve ao meu lado nesta caminhada.

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“- O que é isso? - É um livro.

- Como se desce a página?

- Não desce. Eu viro a página. É um livro. - É tipo um blog?

- Não. É um livro. - Cadê o seu mouse?”

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RESUMO

CARARO, A. B. Livros digitais infantis – Narrativa e leitura na era do tablet. 2014. 185 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação Interunidades Estética e História da Arte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014

Os livros digitais interativos são presenças cada vez mais constantes no cotidiano das crianças. Diante desta tendência, esta dissertação tem como objetivo analisar a nova forma de apresentação das histórias infantis nos tablets, um suporte midiático que completa agora quatro anos de existência. A pesquisa compreende o contexto histórico das plataformas de leitura, as origens dos recursos interativos ainda em papel, as funcionalidades presentes nos livros digitais ampliados, também conhecidos como enhanced e-books, suas características, seu processo de produção, as mudanças provocadas na narrativa e uma análise de três casos para compreensão mais aprofundada do funcionamento do livro no tablet – A Menina do Narizinho Arrebitado, Quem Soltou o Pum? e Dans Mon Rêve. Esta dissertação oferece um breve panorama dos livros digitais interativos para as crianças, que não elimina o livro impresso, como se chegou a cogitar no início, mas oferece uma nova experiência de leitura multimídia, sem deixar sua essência de lado: a de continuar sendo um livro.

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ABSTRACT

CARARO, A. B. Children’s eBooks – Narrative and Reading in the age of tablet. 2014. 185 f. Dissertation (Master’s degree) – Programa de Pós-Graduação Interunidades Estética e História da Arte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014

The interactive digital books are constantly increasing presence in children’s quotidian. In the face of this trend, this thesis aims to analyze the new way of presenting children’s stories in tablets, a media support that completes now four years old. The research comprises the historical context of reading platforms; the origins of the interactive features still on paper; the features present in extended digital books, also known as enhanced e-books; its characteristics; production process; the changes induced in the narrative; and an analysis of three cases for further understanding of the functioning of the book in the tablet – A Menina do Narizinho Arrebitado, Quem Soltou o Pum? e Dans Mon Rêve. This dissertation provides a brief overview of interactive digital books for children, which does not eliminate the printed book, as it was considered at first, but offers a new multimedia reading experience, without leaving aside their essence: to remain a book.

Keywords: eBook. Tablet. Enhanced e-book. Children’s literature.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1 – Capa do livro digital A Menina do Narizinho Arrebitado... 92

Figura 2 –Modelo de página de abertura de capítulo ... 93

Figura 3 – As carpas podem ser movimentadas com o chacoalhar do tablet ... 94

Figura 4 – Cena do espirro ... 95

Figura 5 – Efeito lanterna ... 96

Figura 6 – O espelho reproduz o efeito de máscara ... 97

Figura 7 – Rufar dos tambores ... 98

Figura 8 – Carruagem pode ser movimentada para todos os lados ... 99

Figura 9 – Prova de roupas ... 101

Figura 10 – Pêndulo: Dona Aranha pode ser arrastada para lá e para cá ... 102

Figura 11 – Luta sob comando ... 104

Figura 12 – Cirurgia em Mestre Agarra ... 106

Figura 13 – Sequestro surpresa ... 108

Figura 14 – Narizinho está feliz no trono ... 109

Figura 15 – Capa do livro digital Quem Soltou o Pum? ... 111

Figura 16 – Cachorro Pum, triste, na lavanderia fechada ... 111

Figura 17 – Folia no quintal ... 113

Figura 18 – Segredos no escuro ... 114

Figura 19 – Brincadeira na chuva ... 114

Figura 20 – Efeito carimbo ... 115

Figura 21 – Pum no banheiro ... 116

Figura 22 – Capa do livro digital Dans Mon Rêve .... 119

Figura 23 – Uma combinação de tercetos e imagens de Dans Mon Rêve ... 121

Figura 24 – Mexendo na parte inferior apenas ... 121

Figura 25 – Troca da tira do meio para nova configuração ... 122

Figura 26 – Com a troca da parte superior, aparece uma taturana colorida ... 122

Figura 27 – Nova imagem, novo poema ... 123

Figura 28 – Nova troca da tira do meio: outro micropoema ... 124

Figura 29 – Substituição da tira superior: surge um caracol na história ... 124

Figura 30 – Mudando tudo ao mesmo tempo: orelhas de burro se combinam com renas e focas ... 125

Figura 31 – Limpeza de tela ... 132

Figura 32 – Apagar o fogo ... 132

Figura 33 – Pintura com dedo ... 132

Figura 34 – Lessmore trabalha na recuperação de um livro ... 134

Figura 35 – Sopa de letrinhas ... 134

Figura 36 – Um céu cinza pode ficar azul com o poder de um dedo ... 135

Figura 37 – Qualquer um pode tocar ... 135

Figura 38 – Personagens se transformam à medida que os livros são arrastados para eles ... 136

Figura 39 – Comparação de cenas: retirada do curta de animação ... 137

Figura 40 – Cena retirada do livro digital, muito semelhante à primeira ... 137

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

1.1 Apenas mais um episódio na história da comunicação e escrita ... 14

1.2 A busca por uma definição ... 15

1.3 Revolução ou (r)evolução? ... 18

2 HISTÓRIA DO LIVRO E EVOLUÇÃO DOS SUPORTES ... 23

2.1 A prensa de Gutenberg ... 25

2.2 Uma questão de suportes ... 27

2.2.1 Os instrumentos de escrita ... 29

2.2.2 As plataformas mecânicas ... 30

2.2.3 Impressão industrial ... 32

3 BREVE PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL ... 34

3.1 Os nomes que mudaram a literatura infantil ... 35

3.1.1 Charles Perrault ... 35

3.1.2 Irmãos Grimm ... 36

3.1.3 Hans Christian Andersen ... 38

3.2 Ilustração ... 39

3.3 Em busca de um caminho nacional ... 44

4 OS LIVROS MÓVEIS E POP-UPS: AVÓS DOS TABLETS ... 46

4.1 As obras móveis ganham novo público ... 47

4.2 A hegemonia alemã ... 50

4.3 A derrocada ... 52

4.4 O renascimento ... 54

4.5 Um olhar para o público adulto ... 55

5 UM LIVRO É DEFINIDO POR UM FORMATO? ... 57

6 OS LIVROS DIGITAIS: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS ... 61

6.1 Um salto na portabilidade e mobilidade ... 63

6.2 O texto eletrônico ... 64

7 O QUE É O LIVRO DIGITAL? ... 68

7.1 O propósito da interatividade ... 70

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7.3 Tipos existentes de recursos e interação ... 75

8 COMO É FEITO O LIVRO DIGITAL AMPLIADO? ... 83

8.1 Quem Soltou o Pum?: exemplo 1 ... 83

8.2 A Menina do Narizinho Arrebitado: exemplo 2 ... 86

9 ESTUDO DE CASO 1: A MENINA DO NARIZINHO ARREBITADO ... 89

10 ESTUDO DE CASO 2: QUEM SOLTOU O PUM? ... 110

11 ESTUDO DE CASO 3: DANS MON RÊVE ... 117

12 MUDANÇAS NA NARRATIVA ... 126

12.1 Interação a serviço da leitura ... 130

12.1.1 O exemplo de Dragoberto ... 131

12.1.2 O exemplo de The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore ...... 133

12.2 Caminhos trilhados ... 138

13 TENDÊNCIAS ... 141

13.1 O mercado de tablets e aplicativos: tendência de crescimento ... 143

13.1.1 Os aparelhos se multiplicam ... 144

13.1.2 A caminhada dos livros digitais ... 146

13.2 É o fim do livro de papel? ... 148

14 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 151

15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 155

16 APÊNDICES ... 163

16.1 Apêndice A: Entrevista com Erick Cardoso Santos, realizada em fev. 2012, em São Paulo... 163

16.2 Apêndice B: Entrevista com Blandina Franco e José Carlos Lollo, realizada em fev. 2012, em São Paulo ... 173

16.3 Apêndice C: Entrevista com Claire Gervaise, recebida por aryane.cararo@gmail.com em jul. 2014 ... 182

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1 INTRODUÇÃO

Tablet. Esta palavra com a qual a sociedade contemporânea está tão acostumada hoje, quase não fazia sentido pouco mais de quatro anos atrás. Em 27 de janeiro de 2010, quando a companhia americana Apple anunciou o lançamento da primeira versão do iPad, o mundo logo viu que estava por vir uma revolução na forma de se comunicar. Houve um frenesi generalizado para adquirir o aparelho que seria o futuro. E, em seguida, uma curiosidade enorme sobre o quanto ele, de fato, mudaria as relações humanas no sentido das comunicações. Minha, inclusive.

Definido inicialmente pelo fundador da empresa, Steve Jobs, como um minicomputador com uma interface que “parecia o iPhone expandido”, o equipamento chegou às prateleiras dos Estados Unidos três meses depois. Mas não era um simples computador. O iPad logo mostrou ser um novo meio de comunicação e de interação entre homens, máquinas e homens na outra ponta. Trazendo ao público uma nova possibilidade de leitura, com interface sensível ao toque, gerou um crescente mercado de aplicativos feitos exclusivamente para seu formato, como os livros digitais interativos, e virou sucesso mundial – no Brasil, o equipamento da Apple chegou em dezembro de 2010.

Muitas empresas fizeram suas próprias apostas lançando tablets diferentes em tamanho e recursos e, com eles, surgiu uma gama de aplicativos (apps) de games, de entretenimento, de serviços, de conteúdo informativo e um tipo especial de app que trazia uma nova forma de narrar e ler histórias: os livros digitais. E também uma dúvida: continuava sendo um livro? O produto que enfrenta cada vez menos resistência em ser chamado de livro, de fato, tem características peculiares que provocaram mudanças na narrativa e na leitura de histórias, especialmente pelo fato de permitirem interatividade e introdução de outras mídias e recursos tecnológicos, como imagem, animação, vídeo, áudio, conexão, hiperlinks, entre outros. E isso implica uma mudança na forma de se relacionar com a obra, uma mudança de postura do autor e do leitor.

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muitas vezes misturando o texto lido com figuras animadas e até incluindo animação; interferir no processo gráfico de composição do livro, ora escolhendo as cores das imagens, ora determinando a continuidade de uma cena ao pintar um céu nublado de azul, por exemplo; atuar diretamente no prosseguimento da história, resolvendo problemas, cumprindo etapas que remetem aos modelos adotados pelos games; e até escolhendo as direções da história para que o leitor possa ter prosseguimento na leitura.

Evidentemente, as possibilidades interativas não são infinitas e, quando o leitor ajuda a construir uma história, ele o está fazendo dentro de parâmetros tecnológicos e de conteúdo pré-definidos pelos autores do produto, tendo em vista os desejos de interação deles e os limites impostos pela programação de software desenvolvida. Mas é tudo tão diferente do que os leitores tinham até então que o tal novo livro envolvia-se numa aura de magia, de modernidade, da alta tecnologia e seus encantos...

1.1 Apenas mais um episódio na história da comunicação e escrita

Abro aqui um parênteses para contar uma história pessoal que, por um ou outro caminho, acabou me levando para o que aqui estou, em um mestrado que se propôs a pesquisar, analisar e compreender o processo de produção, as características, os recursos e funcionalidades disponíveis e as mudanças trazidas pelo novo suporte nos livros infantis.

Ganhei meu iPad na primeira onda de frenesi, pouco depois que ele começou a ser comercializado no Brasil. Era um objeto de desejo forte para quem, na época, era editora do suplemento infantil Estadinho, de O Estado de S.Paulo, e lidava diretamente na indicação de literatura para crianças. Na primeira oportunidade, mostrei-o à família. Havia curiosidade por parte de todos. Minha avó, então com quase 80 anos, esperou a explicação sobre seu funcionamento, pegou-o na mão para deslizar seus próprios dedos cansados e disse:

“Ah, a tabuleta...”

“É tablet, vó”, respondi, ciente da mania de modificar as palavras que minha avó tem. Ela riu e me olhou nos olhos:

“Não, tabuleta.” “Tabuleta?”

“É, tabuleta. Você sabe que eu também tinha uma tabuleta na escola?”

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“Era uma tabuleta de pedra, pequena assim. A gente escrevia com outra pedra e depois apagava. Naquele tempo não tinha caderno.”

Quando era criança, na década de 1930-1940, minha avó frequentava uma escola rural no Paraná. De família muito pobre, não dispunha de cadernos ou livros, ou de papel de qualquer sorte. Seu material consistia da tabuleta, uma espécie de minilousa de ardósia em que o aluno escrevia com uma pedra, cujo atrito deixava um rastro branco, e apagava com esponja seca. Era conhecida como o “papel dos pobres”. Não por acaso, a França quis adotar o nome ardoise (ardósia) para os primeiros iPads em seu território. E ela finalizou:

“É... Eu posso dizer que sou da Idade da Pedra das tabuletas, viu?”

Foi neste momento que aquele elemento mágico chamado iPad, que parecia ter aparecido como do nada na face da Terra, um salto tecnológico sem precedentes, se contextualizou dentro de uma longa história da comunicação. Havia uma Idade da Pedra das tabuletas. Ele era uma evolução de suportes de escrita que já estavam aí e, como toda nova plataforma sempre modifica as relações dos homens com a comunicação, esta também deveria mudar a experiência de narrativa e leitura. Era importante para mim entender esse processo, observar essas mudanças não apenas como espectadora passiva e, sim como leitora crítica e consumidora não-alienada. E talvez não apenas como espectadora. Queria entender que processo de produção novo era aquele para me habilitar a, também, fazer parte daquela forma de contar histórias como autora, se assim o desejasse.

Descobri logo que essas não eram dúvidas ou angústias apenas minhas. Havia muito mais gente tentando entender o que estávamos vivendo. Por se tratar de um tema absolutamente recente, não havia livros, material acadêmico ou artigos que tivessem se debruçado naquele momento sobre esta questão. E o mercado, especialmente na venda de tablets, apontava para uma tendência de ampliação do uso desses gadgets. Na falta de material de leitura, resolvi eu mesma pesquisar. E, assim, em 2011, prestei a prova para este mestrado.

1.2 A busca por uma definição

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e Kobo, ao incluir ilustrações, possibilitando a entrada de arte pictórica de uma nova maneira, áudio, vídeo, e um novo conceito na interação com o livro. E, mais especificamente, o objeto desta dissertação são os livros digitais infantis.

Não se trata, portanto, de analisar os e-books que são lidos em e-readers simples como os citados acima, que suportam uma transposição simplificada do texto do livro em papel para a plataforma digital – em arquivos de formato pdf ou ePub, geralmente – sem mudanças profundas com relação à interatividade e à narrativa. Também não é objeto desta pesquisa o livro em papel, muito embora não seja possível falar dos livros digitais sem contextualizá-los, bem como sem citar os e-readers, que fazem parte de sua história.

Ainda hoje, três anos após o início da pesquisa, é difícil encontrar material de referência sobre o assunto. Essa é uma dificuldade com a qual esta pesquisa se deparou ao longo de todo o processo de coleta de informações. Se já existe algum material de consulta sobre livros digitais em livros, artigos acadêmicos e artigos jornalísticos, dificilmente eles referem-se aos enhanced e-books. Geralmente, tratam de seus primos-irmãos comercializados pela Amazon ou outras revendedoras de livros digitais, disponíveis para e-readers comuns, que possuem estrutura narrativa e interativa muito diferente, servindo pouco como parâmetro quando se trata de analisar suas características.

Por este motivo, esta pesquisa se apoiou em entrevistas, especialmente para os três objetos de estudo que foram selecionados para serem analisados, os livros ampliados A Menina do Naziriznho Arrebitado (editora Globo Livros), Quem Soltou o Pum? (editora Companhia das Letrinhas) e Dans Mon Rêve (editora e-Toiles). Quando os autores envolvidos com a produção do livro não puderam ser ouvidos – autores propriamente ditos e editores –, entrevistas concedidas para jornais e sites foram consultadas e utilizadas como material de pesquisa. Fato é que a rapidez da internet como meio de comunicação faz com que a história seja registrada muitas vezes antes nessa plataforma do que em livros e publicações impressas. E, claro, para toda a contextualização histórica, livros, sites e outras publicações foram consultados. Além disso, serviram como fornecedores de material teórico para esta pesquisa as palestras, os resultados de congressos, as dissertações e teses de alunos disponíveis, as análises de caso e as pesquisas científicas a respeito do tema.

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a ser tratado. Para este filtro, bem como para a coleta de informações nas entrevistas, foram utilizadas técnicas de jornalismo e mecanismo de inversão de tendências, com investimento na atualidade, no tema atual.

O resultado é uma tentativa de caracterizar e categorizar o livro digital, desvendando o que é, suas características, seu processo de produção, os autores envolvidos na elaboração, contextualizar seu processo histórico, analisar mais profundamente os três exemplos já citados e procurar entender o que muda na narrativa e na experiência de leitura, mesmo que aqui não sejam abordados com profundidade a recepção sob o ponto de vista do leitor. A proposta vem de acordo com o que diz a filósofa, escritora e artista francesa Anne Cauquelin1 em Arte Contemporânea: Uma Introdução:

Ao lado dessas duas séries – uma atividade artística que leva a sério a pesquisa conceitual e questiona as condições de possibilidade da obra, e uma atividade sobretudo relacional, que adota como suporte uma tradição pictórica antiga no que ela tem de mais banal – instaura-se outra atitude diante das técnicas de comunicação: a utilização, como matéria-prima, de uma atividade artística, de máquinas que se comunicam por si. Têm, pois, de ser repensados um processo ‘criativo’, a imagem do artista, a ideia de uma ‘obra’ terminada, de um objeto de arte. Em suma, a arte em seu conjunto está em busca de uma nova definição, em busca também de uma posição conhecida pelo conjunto dos atores de cena artística.

Cabe aqui explicar a escolha dos três livros analisados, que não foi aleatória. A Menina do Narizinho Arrebitado foi o primeiro enhanced e-book produzido no Brasil e, mesmo que não fosse o primeiro, dois bons argumentos o colocariam como forte candidato à análise: é bem feito (com interatividade acertada) e trata-se de uma obra do pai da literatura infantil brasileira, Monteiro Lobato, aliás, sua primeira história infantil publicada, de 1920.

Quem Soltou o Pum? é a versão digital do livro impresso de mesmo nome, dos autores Blandina Franco e José Carlos Lollo, que fez muito sucesso entre as crianças – lançado em papel em 2010, ele já tinha ultrapassado a marca de 30 mil livros vendidos no início de 2012, o que é um número espetacular para padrões brasileiros. Mas não foi por isto que ele foi escolhido. Sua versão digital ficou em terceiro lugar no prêmio BolognaRagazzi Digital Award 2012, ganhando a menção honrosa após concorrer com 252 trabalhos de 25 países.

E o terceiro, o francês Dans Mon Rêve, de Stéphane Kiehl, também foi escolhido pelo mesmo motivo: foi o vencedor deste prêmio na mesma edição, exatamente a primeira dedicada ao livro digital dentro da Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália, a mais representativa do setor. É evidente que, durante o processo de pesquisa, muitos outros livros

                                                                                                               

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digitais ampliados foram estudados e, eventualmente, entram nesta pesquisa para exemplificar outras funcionalidades que servem para elaborar o vasto panorama de características possíveis entre eles – e, portanto, podem ser citados nesta dissertação.

No decorrer dos anos, outros fatos noticiosos deram cada vez mais certeza de que a escolha da pesquisa havia sido acertada. O mercado de tablets e aplicativos cresceu – muito! – e entender esse crescimento ajuda a mostrar as tendências para o futuro do livro digital. Evidentemente, um tablet não serve apenas à leitura de e-books, uma vez que substitui, em parte, os notebooks. Portanto, a gama de atividades ali desenvolvidas passa pelos games, redes sociais, leitura de e-mails e notícias – pois ler livros, agora, também pode ser navegar por um universo de recursos ao alcance dos dedos na tela. Mas o fato de estar mais disponível para a população faz vencer uma barreira na própria produção: há cada vez mais público consumidor e que pode tornar o livro digital um produto cultural rentável ou, pelo menos, um negócio sustentável.

Nessa esteira de crescimento, até mesmo o governo federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), decidiu no início de 2013 que, a partir de 2015, os alunos da rede pública deverão contar com obras multimídia em sala de aula. Um movimento que vem acompanhar um caminho já trilhado por muitas instituições de ensino privadas, que oferecem os equipamentos embutidos na mensalidade ou os incluem nas listas de material escolar a ser adquiridos para o ano letivo.

Como aconteceu com o próprio papel e a internet, serão necessários ainda muitos anos para identificar o quanto a tecnologia dos tablets – bem como dos smartphones, cada vez maiores – veio para ficar e o quanto ela de fato mudou a forma de nos comunicarmos. Em alguns anos, é possível que os livros de história da comunicação dediquem um capítulo para contar sobre a revolução que aconteceu no mundo da escrita em 2010, a partir do lançamento do primeiro tablet. Fica aqui uma tentativa, dentre tantas que certamente aparecerão, de decodificar o recente suporte e a nova forma de ler livros. Fica também uma pergunta que só o tempo poderá responder com absoluta convicção: é o fim do livro de papel?

1.3 Revolução ou (r)evolução?

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apegadas às delícias de manusear uma obra de papel, sentindo seu cheiro e sua textura e vendo-a em um espaço físico apenas seu na estante, viram com maus olhos a novidade. No entanto, esta não é a primeira vez na história da escrita e das comunicações que o novo é rejeitado. A própria escrita, um ganho indiscutível hoje para a humanidade e tida como uma tecnologia, foi objeto de duras críticas por parte de Platão. Ong (1998) cita, por exemplo, a objeção do filósofo em Fedro (274-277) e Sétima Carta. Para Platão, a escrita era inumana pois “pretende estabelecer fora da mente o que na realidade só pode estar na mente. É uma coisa, um produto manufaturado”, observou Ong, “aqueles que usam a escrita se tornarão desmemoriados e se apoiarão apenas em um recurso externo para aquilo de que carecem internamente. A escrita enfraquece a mente”. E, por fim,

(...) o Sócrates de Platão também defende contra a escrita que a palavra escrita não pode se defender como a palavra natural falada: o discurso e o pensamento reais sempre existem fundamentalmente em um contexto de toma-lá-dá-cá entre indivíduos reais. Fora dele, a escrita é passiva, fora de contexto, em um mundo irreal, artificial.2

Ong se pergunta se não é a mesma objeção feita aos computadores. E não seria proveniente deste mesmo lugar-comum-reacionário a objeção feita aos livros digitais? – dizendo que ele enfraquece a leitura, dispersa, perde o sentido de compreensão de um texto e de apreensão de um conteúdo. Curioso, como o próprio Ong nota, é que críticas também foram feitas à impressão:

Hieronimo Squarciafico, que na verdade promoveu a impressão dos clássicos latinos, também argumentou em 1477 que a ‘abundância de livros torna os homens menos atentos’: ela destrói a memória e enfraquece a mente ao aliviá-la do trabalho árduo (novamente a queixa contra o computador de bolso), rebaixando o sábio em favor do compêndio de bolso.3

Não é engraçado como alguns discursos simplesmente se repetem ao longo da história da transmissão de conhecimento? Atenção especial cabe aqui para o argumento, que é o mesmo: “enfraquece a memória”. Com palavras semelhantes, também a leitura no tablet já foi acusada de ser menos profunda e de causar distração em excesso por causa da abundância de recursos – e talvez as críticas tenham razão se pensadas somente dentro de um contexto de leitura linear. A verdade é que um suporte não é pior ou melhor que outro, são todos suportes, com suas vantagens, desvantagens e consequências. E cada um implica numa mudança na

                                                                                                               

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estrutura de pensamento a que se deve ficar atento e aberto, mas não temeroso. Como resume Ong:

A escrita, a impressão e os computadores são todos meios de tecnologizar a palavra. (...) Essas considerações alertam para os paradoxos que cercam as relações entre a palavra falada original e todas as suas transformações tecnológicas. O motivo para as complexidades torturantes aqui é obviamente que a inteligência é inexoravelmente reflexiva, de modo que até mesmo as ferramentas externas que ela usa para implementar seus procedimentos se tornam ‘internalizadas’, isto é, parte de seu próprio processo reflexivo.

(...) Platão estava pensando na escrita como uma tecnologia externa, hostil, como muitas pessoas atualmente fazem em relação ao computador. Em virtude de termos hoje interiorizado a escrita, absorvendo-a tão completamente em nós mesmos, de uma forma que a era de Platão ainda não fizera, julgamos difícil considerá-la uma tecnologia tal como aceitamos fazer com o computador. No entanto, a escrita (e especialmente a alfabética) é uma tecnologia, exige o uso de ferramentas e outros equipamentos: estiletes, pincéis ou canetas, superfícies cuidadosamente preparadas, peles de animais, tiras de madeira, assim como tintas, e muito mais. (...) A escrita é, de certo modo, a mais drástica das três tecnologias. Ela iniciou o que a impressão e os computadores apenas continuam, a redução do som dinâmico a um espaço mudo, o afastamento da palavra em relação ao presente vivo, único lugar em que as palavras faladas podem existir. Ao contrário da linguagem natural, oral, a escrita é inteiramente artificial.4

Este é um ponto interessante para reflexão. A sociedade contemporânea está tão acostumada com a escrita e com o papel, que eles parecem ser senhores absolutos da verdade, a maneira natural e correta de transmitir conhecimento, de contar histórias. Porém, eles não existiram desde sempre. Também foram criticados, e representaram avanços para a humanidade. Como já foi dito, só o tempo dirá se a leitura no papel sobreviverá e o que representará para a história a experiência no tablet. Fato é que, na impossibilidade de prever o futuro, o presente e o passado podem dar respostas para outras questões que têm sido levantadas com o aparecimento desses gadgets. Passado o encantamento inicial, em que o novo suporte foi visto como uma revolução para a leitura de obras literárias e para a própria escrita e comunicação, fica a dúvida: foi mesmo uma revolução?

Descontextualizado de milênios de história, o fato isolado pode até apontar para algo extraordinário, como costumam apontar todas as conquistas tecnológicas. Pode até parecer uma reviravolta tão grande quanto a que a prensa de Gutenberg proporcionou para a leitura, expandindo-a. Mas, sem desmerecer as mudanças efetivas que o novo suporte trouxe para a experiência de escrever e de ler, quando se analisa milhares de anos de escrita, percebe-se que essa não foi a primeira revolução, talvez não seja nem uma revolução no sentido de romper

                                                                                                               

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com tudo o que se tem de conhecido e projetar algo totalmente novo (como se diz do texto eletrônico na internet) e, neste caso, melhor seja chamá-la de evolução.

Também não se pode dizer que o livro digital foi uma ruptura, que aconteceu do dia para a noite. O texto eletrônico já existe com os computadores há alguns anos e certamente foi pré-requisito necessário para que a sociedade contemporânea chegasse aos dispositivos móveis, muito embora eles mantenham suas diferenças. O próprio formato, de tabuleta, já teve seus primos pobres, que circularam pelo Brasil até meados do século XX. Da mesma forma, também os livros de papel brincaram com seu suporte a ponto de haver uma bem aceita indústria de livros pop-up e livros-brinquedo. Tampouco o livro de papel como o conhecemos hoje é o senhor da história da escrita da humanidade, uma vez que a argila, por exemplo, permaneceu por muito mais tempo como suporte para a escrita cuneiforme do que o papel para os manuscritos e livros impressos.

Para que se possa entender que (r)evolução é essa, é necessário voltar 5 mil anos na história da humanidade para analisar desde o momento em que o homem deixou de usar exclusivamente a oralidade na transmissão de histórias e memórias e adotou um sistema de escrita, com os mesopotâmicos até chegar à leitura nos tablets. Uma história que não deixa de ser contada também por uma maior ou menor corporalidade, desde quando o discurso só tinha o corpo como suporte para o expressar, com canções, rimas e alguma teatralidade, até chegar à leitura solitária que virou regra e moda no século XIX – uma mudança que não deixa de ocorrer ainda hoje sempre que uma criança começa a ser alfabetizada. E, da leitura quieta no papel para uma em que as mãos são requisitadas não só para virar páginas, mas que necessita dos dedos para fazer a história ter prosseguimento nos tablets, voltando a trazer elementos de corporalidade para o ato de aprender ou ler uma obra literária – que não tem mais elementos apenas de texto, com a possibilidade de introdução do som, animações, interação touch screen

e vídeos.

A primeira tentação é comparar a revolução eletrônica com a revolução de Gutenberg. Em meados da década de 1450, só era possível reproduzir um texto copiando-o à mão, e de repente uma nova técnica, baseada nos tipos móveis e na prensa, transfigurou a relação com a cultura escrita. O custo do livro diminui, através da distribuição das despesas pela totalidade da tiragem, muito modesta aliás, entre mil e mil e quinhentos exemplares. Analogamente, o tempo de reprodução do texto é reduzido graças ao trabalho da oficina tipográfica.

Contudo, a transformação não é tão absoluta como se diz: um livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos, XIV e XV) e um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais – as do códex.5

                                                                                                               

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Com algumas alterações nos elementos, não parece que a história se repete? Não se abordará nesta dissertação uma volta tão profunda na história da transmissão de histórias desde os povos primitivos, pois não caberia um relato tão prolongado. Mas é preciso voltar ao tempo para contar um pouco do próprio surgimento do códex, que permitiu uma estrutura de livro que temos reproduzida até hoje no tablet, e de como a evolução nos suportes materiais não acabou com a “entidade” livro.

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2 HISTÓRIA DO LIVRO E EVOLUÇÃO DOS SUPORTES  

Pode parecer uma eternidade para a nossa sociedade, tão dependente da tecnologia da escrita. Mas fato é que ela representa muito pouco tempo de nossa evolução como homens, se considerarmos que o Homo sapiens tem cerca de 50 mil anos na Terra, como bem pontua Ong (1998). Foi só em 3.500 antes de Cristo (a.C.), aproximadamente, que o primeiro registro escrito foi feito em tabuletas ou tabuinhas de argila, entre os sumérios na antiga Mesopotâmia, um dos berços da civilização, evoluindo de desenhos que representavam coisas para um conceito mais abstrato de representação de sons para codificar mensagens.

Foram milhares de anos de evolução para que da escrita surgisse o texto tal qual o conhecemos. Antes um apanhado de palavras, frases e ideias consecutivas em um rolo de papel, o texto só fica organizado quando surgem elementos de clareza e divisão ao conteúdo escrito. O primeiro deles foi as letras maiúsculas e minúsculas, já conhecidas por volta do século IV d.C., mas que só foram usadas mescladas numa mesma palavra na Idade Média, período histórico que teve início no século seguinte – o latim clássico optava por uma ou outra forma para todas as palavras, preferencialmente a maiúscula. Foi também na Idade Média que apareceram estilos de caligrafia diferentes de acordo com os países – como o itálico, da Itália, e o gótico, da Alemanha. Além disso, surgiu a divisão em capítulos e parágrafos, índice alfabético e subtítulos, conforme explica Morrison (1995) no livro Cultura, Pensamento e Escrita:

Nossas modernas convenções textuais baseiam-se nas inovações dos séculos V, XII e XIII, que começam a ocorrer durante a passagem da tecnologia do rolo de papiro para os códices latinos, de estrutura mais semelhante ao livro. Começando com a tradição do códice dos séculos IV e V d.C., e seguida dos aperfeiçoamentos dos séculos XII e XIII, pode-se afirmar que o texto só começou a existir quando a página – e não a frase ou a declaração – tornou-se a unidade predominante de sua organização.6

Esta é uma mostra clara de que a mudança de suportes – neste caso especialmente depois que os textos deixaram de ser apresentados em rolos para serem expostos em códices – determina mais do que um novo local de leitura, mas pode trazer reflexos profundos na experiência de ler e escrever e ganhos na inteligibilidade (ou não) de um conteúdo.

O rolo, forma como muitos papiros e pergaminhos foram conservados, tinham algumas restrições e desvantagens, entre elas o fato de precisar das duas mãos para segurá-lo

                                                                                                               

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durante a leitura – e que mobilizava muito mais o corpo numa leitura contínua. Pensando assim, era impossível que um autor conseguisse nele escrever e, ao mesmo tempo, ler o que foi escrito, voltar a ideias anteriores. É de se imaginar que o autor não era aquele que escrevia, ele apenas ditava a um escriba e, assim, a voz tem um papel importante na transmissão de conhecimento – o autor oral e suas performances voltam a ter importância, uma importância que nunca havia sido perdida no teatro, para o qual o texto não servia se fosse impresso, passível de reprodução e cópia (para reproduzi-lo, acreditavam os dramaturgos da época, seria necessário assistir à peça inúmeras vezes e o texto das lembranças do copista jamais seria igual ao da encenação).

Também ao leitor era tarefa quase impossível voltar a um trecho para relembrar algo. “A leitura antiga é leitura de uma forma de livro que não tem nada de semelhante com o livro tal como o conhecemos, tal como o conhecia Gutenberg e tal como conheciam os homens da Idade Média.”7

Com o códice, a estrutura do texto mudou e o papel do autor também. Ficava mais fácil voltar a um trecho anterior, citar uma parte, folhear. A distribuição em capítulos, páginas numeradas, índices fez com que a leitura ficasse mais organizada – e que a escrita pudesse ser feita por aquele que refletia e ditava. Além disso, permitia uma leitura fragmentada, que poderia ocorrer por capítulos aleatórios – contudo, sem perder a noção de totalidade da obra, que o próprio suporte material confere, ao permitir sua visualização por completo.

Neste sentido, um conceito muito importante mudou: o do autor. O livro passou a pertencer a ele, ao autor, e a noção de direito autoral se fortaleceu. Quando o códice foi associado à impressão, permitiu também uma outra figura: a da reprodutibilidade da obra em larga escala e da pirataria. Foi preciso criar mecanismos que defendessem o trabalho do autor, já que o texto passara a pertencer a ele. Então, é nessa época que o conceito de entendimento de autor e consequentemente de texto se modificou.

Na prática da comunidade dos livreiros e gráficos de Londres, considerava-se que o objeto da propriedade, do copyright, era o manuscrito da obra que o livreiro tinha depositado e registrado. Este manuscrito devia ser transformado em livro impresso, mas ele continuava sendo o fundamento, a garantia e o objeto mesmo sobre o qual se aplicava o conceito de right in copies, isto é, do direito sobre o exemplar, direito sobre o objeto. Durante o século XVIII, todo um trabalho foi feito para desmaterializar essa propriedade, para fazer com que ela se exercesse não sobre um objeto no qual se encontra um texto, mas sobre o próprio texto, definido de maneira abstrata pela unidade e identidade de sentimentos que aí se exprimem, do estilo que tem, da singularidade que traduz e transmite. Abre-se aqui um caminho para esclarecer a situação contemporânea. O que produz de fato a revolução do texto

                                                                                                               

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eletrônico, senão um passo suplementar no processo de desmaterialização, de descorporalização da obra, que se torna muito difícil de estancar?8

Em outras palavras, os critérios que caracterizam uma obra não passavam mais por sua materialidade. Seu valor se desprendeu do material em que estava inserido, virou transcendente. Se definiu-se lá atrás que o livro não era mais o objeto impresso, parece não caber, hoje em dia, o questionamento se o livro digital é, de fato, livro. Afinal, o que é um livro? O papel que o abriga ou o conceito por trás do suporte, a história que ele conta? Neste caso, um livro em um tablet não continua sendo livro? Para Chartier, a obra não deixa de ser obra. No entanto, muda conforme o material em que está inserida:

A obra não é jamais a mesma quando inscrita em formas distintas, ela carrega, a cada vez, um outro significado. (...) Talvez os autores da era multimídia, um pouco como o autor de teatro, sejam governados, não mais pela tirania das formas do objeto-livro tradicional, mas, no próprio processo da criação, pela pluralidade das formas de apresentação do texto permitida pelo suporte eletrônico.9

Há pouco se falou sobre a reprodutibilidade em massa das obras literárias que surgiu com o advento do livro impresso, mais precisamente, com a prensa de Gutenberg. É necessário retroceder um pouco para entender que fenômeno foi esse, que Chartier também não considera uma “revolução”, a despeito de meia humanidade.

2.1 A prensa de Gutenberg

Em meados do século XV, muito provavelmente entre 1452 e 1455, Johannes Gutenberg apresentou ao mundo o primeiro livro impresso: a Bíblia de 42 linhas. Estima-se que 180 cópias foram feitas, 45 em papiro e 135 em papel. A prensa de Gutenberg tirou a confecção dos livros das mãos de escribas e copistas e a pôs em uma escala mecânica e industrial, de impressão por tipos móveis – ainda que compostos artesanalmente, tipo por tipo, o método permitia a criação de um molde em que muitas cópias podiam ser reproduzidas.

                                                                                                               

8  CHARTIER, 1998, p. 67 9  Ibid, p. 72

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A invenção de Gutenberg ganhou fama, espalhou-se rapidamente e permitiu algo que até então era impossível: uma velocidade de reprodução e de multiplicação de livros e de oficinas nunca vista, especialmente em Veneza, na Itália, e a popularização da leitura. Acredita-se que entre 1460 e 1500, foram produzidas cerca de 20 milhões de obras, a maioria em latim.

A invenção, vista por muitos como uma revolução, certamente foi extremamente importante para a escrita. Mas Chartier prefere vê-la como uma evolução, uma adaptação. E ele não deixa de ter certa razão, argumentando que um e outro são objetos feitos de folhas dobradas, com vários cadernos montados, costurados e encadernados, onde o texto é distribuído na superfície do papel e os elementos de identificação, como a paginação, índices e capítulos, existem desde a época do manuscrito. Ou seja, a estrutura do códice não sofre mudanças. São argumentos que fazem sentido mesmo hoje, com os livros digitais, muitos deles provenientes de livros impressos, com poucas adaptações para o suporte tecnológico. Além disso, tanto a obra literária manuscrita como a impressa conviveram por muito tempo.

Há portanto uma continuidade muito forte entre a cultura do manuscrito e a cultura do impresso, embora durante muito tempo se tenha acreditado numa ruptura total entre uma e outra. (...) Na realidade, o escrito copiado à mão sobreviveu por muito tempo à invenção de Gutenberg, até o século XVIII, e mesmo o XIX. Para os textos proibidos, cuja existência devia permanecer secreta, a cópia manuscrita continuava sendo a regra. (...) De modo geral, persistia uma forte suspeita diante do impresso, que supostamente romperia a familiaridade entre o autor e seus leitores e corromperia a correção dos textos, colocando-os em mãos ‘mecânicas’ e nas práticas do comércio.10

Mas a (r)evolução de Gutenberg não foi exatamente original, apenas a mais bem sucedida. A verdade é que prensas semelhantes vinham sendo desenvolvidas muito tempo antes: por volta de 1045, os chineses já usavam tipos móveis – a princípio, eram de terracota, com caracteres que não podiam ser reutilizados, porém, entre 1041 e 1048, os tipos foram aperfeiçoados pelo ferreiro chinês Bi Sheng. Em 1230, os coreanos também faziam uso de caracteres metálicos em vez de blocos de madeira e, em 1377, eles publicaram o primeiro livro impresso.

Aliás, foi na Ásia, muitos séculos antes, que o papel surgiu, tornando possível a impressão em larga escala, já que isso não seria possível utilizando o pergaminho ou o papiro. O papel foi inventado em 105 d.C. pelos chineses a partir de fibras de cânhamo ou casca de árvore. O material mais prático e mais barato tornou possível a produção, ainda que artesanal,

                                                                                                               

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de um número maior de livros. E não só deles. O papel viu o nascimento da xilografia, processo de gravar imagens e textos por estampagem usando uma prancha de madeira, que também foi bastante praticado na Coreia e no Japão do século VII.

Retornando ao Ocidente, a impressão de livros ganhou novo impulso a partir dos anos 1830, com a industrialização da atividade gráfica – a prensa de Gutenberg deixou de ser usada nos anos 1860-70 e deu lugar à era do monotipo e, depois, do linotipo. A velocidade de reprodução aumentou muito e a dúvida que assolava a sociedade naquele momento era se ela estava pronta para absorver a enxurrada de livros e se este excesso não seria prejudicial – uma questão que volta a bater em nossas portas com a oferta textual que o computador e a internet propiciam.

Cabe relatar aqui uma curiosidade destacada por Chartier sobre os livros de bolso, que passaram a ser produzidos no século XX e tinham a vantagem de ser mais fáceis de serem transportados – justamente por causa disso fizeram multiplicar as tiragens e, potencialmente, a leitura. A verdade é que eles não foram bem recebidos, ao contrário do que se podia esperar. Chartier11 conta que:

Aqueles que o menosprezavam ou temiam expressavam sua nostalgia por uma forma nobre do livro e receavam a perda do controle sobre a cultura escrita, apoiada em um conjunto de dispositivos, como o comentário ou a crítica, que produzem uma triagem entre as diferentes classes de leitores e as diferentes categorias de leitura.

O novo, de fato, sempre assusta. O que aos olhos de hoje parece apenas um ganho para a leitura, na época foi visto como uma ameaça ao livro como objeto quase sagrado da intelectualidade. No fim das contas, explica o historiador, o livro de bolso aumentou o universo de leitores, introduzindo uma cultura de leitura àqueles que não estavam familiarizados com ela. Será que estamos prestes a ver a história se repetir com o livro digital para tablet?

2.2 Uma questão de suportes

Da mesma forma que convivemos com papel, computador e dispositivos eletrônicos como os tablets e smartphones, a escrita ao longo dos tempos permitiu o uso concomitante de

                                                                                                               

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mais de um suporte. E cada suporte não foi exclusividade de apenas um povo. A argila, por exemplo, não foi usada apenas pelos sumérios e acadianos.

Como já foi dito, o primeiro suporte registrado de escrita antiga foi encontrado na Mesopotâmia. Eram as tabuinhas de argila que, após serem cunhadas quando o barro ainda estava mole, eram postas para secar ao sol ou cozidas, um processo que conferiu bastante durabilidade ao material mesmo quando enterrado. Mas também havia nessa civilização muitas inscrições em pedra, especialmente nos monumentos públicos – que sofreram com o desgaste do tempo e as rachaduras. A escrita cuneiforme chegou à Anatólia, à Síria e ao Egito, por exemplo, no entanto, suas tabuinhas de argila não foram soberanas em terras egípcias, onde o papiro era o material de suporte por excelência, cuja planta era fartamente encontrada em suas terras, e foi empregado principalmente para documentos literários e legais em aramaico. A facilidade de transporte, ou seja, a maior portabilidade do papiro e do pergaminho fizeram desses suportes os preferidos do império persa Aquemênida (550-323 a.C.) para as questões de administração imperial, em detrimento da escrita cuneiforme da Pérsia antiga, pesada e volumosa.

Acredita-se que o papiro foi bastante usado na Fenícia, Síria e Palestina, mas poucos indícios sobraram para contar história, devido à fragilidade do material (o Egito tinha a vantagem de possuir um clima mais seco, mais propício à conservação). O papiro tinha ainda um problema para ser utilizado em escala mundial: a planta da qual derivava era restrita à área do Egito – o monopólio tornava sua importação cara. Conta-se que foi por um “embargo econômico” egípcio imposto à cidade de Pérgamo que o rei Eumenes II (197-159 a.C.) decidiu apostar no pergaminho, ou seja, na pele de animais: ovelhas, cabras, carneiros e até bezerros – como os últimos são bichos de pele mais delicada, seu pergaminho recebeu nome próprio, velino, e foi empregado em documentos e obras importantes. Ele queria criar uma biblioteca maior do que a de Alexandria, que possuía 500 mil rolos, e teve de arranjar um substituto para o papiro, mesmo que caro. O pergaminho já era usado há bastante tempo – o exemplar mais antigo conhecido data de 2300 a.C., no Egito – e, embora custoso, foi bastante empregado até a Idade Média, nos manuscritos.

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suporte. Na Grécia, cacos de cerâmica (óstracos) inscritos eram usados até para as votações. E houve quem utilizasse mesmo folhas de palmeira como suporte, caso dos povos do Oriente, que escreviam seus textos até o século XIX com tinta à base de carvão.

2.2.1 Os instrumentos de escrita

Os instrumentos de escrita, que atuam sobre os suportes, também variaram muito. Pedaços de ossos, pregos, bambu, cana, junco, todos eles foram empregados nas inscrições, das mais rudimentares às feitas pelas maiores civilizações. As cunhas que marcavam a argila, por exemplo, podiam ser de metal, bambu e até junco. Sabe-se que os pincéis já eram usados na China do ano 1000 a.C. – mas também o foram bastante utilizados por escribas egípcios que, por volta de 300 a.C., também faziam uso de varetas de bambu. Até mesmo uma espécie de caneta rudimentar com ponta de bronze foi encontrada sob as cinzas da cidade italiana de Pompeia, soterrada pelo vulcão Vesúvio em 79 d.C.

De todos, foi a pena que teve mais sucesso na história do mundo ocidental. Utilizada desde 600 a.C., durante mais de 2 mil anos foi soberana nas sociedades civilizadas e geralmente era retratada na mão de literatos e homens cultos. Feitas de penas de ganso, cisne ou pato, eram limpas e afiadas em bisel. E, apesar do surgimento do lápis e da caneta, a partir do século XVIII, a pena foi usada até o século XX.

Na realidade, a primeira menção ao que seria um lápis rudimentar foi feita pelo humanista e médico Konrad von Gesner (1516-1565), do Reino Unido, que descreveu um instrumento em que o elemento grafite estaria inserido em um invólucro de madeira. Aliás, muito antes os homens já haviam usado instrumentos semelhantes para escrever. Os romanos, por exemplo, empregavam o “stillus” de chumbo para redigir sobre papiro e, na Idade Média, existiam lápis feitos com misturas de chumbo e prata ou estanho.

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Mas o lápis não substituía com eficiência as penas. Este papel coube à caneta, feita com haste e aparo de metal – e chamada, inicialmente, de caneta de pena. Como as penas, elas precisavam ser mergulhadas em tinteiros. Aliás, a tinta já era usada desde a Antiguidade, especialmente no Egito, na Índia e na China, produzida a partir de negro-de-fumo (fuligem) – para as tintas coloridas, usavam-se corantes naturais, que só foram substituídos por artificiais no século XIX, na Alemanha e na Inglaterra.

A caneta de tinta permanente, que aposentaria os tinteiros, só surgiu no começo do século XVIII, no Reino Unido, com reservatório próprio de tinta, porém, constantemente entupia. A esferográfica só foi patenteada em 1938, pelo húngaro Lazlo Josef Biro, que levou seis anos para chegar ao design final, só que era muito cara (cerca de cem dólares cada). Biro passou a patente para o francês Marcel Bich em meados dos anos 1940, o inventor da Bic, que popularizou o uso da caneta.

2.2.2 As plataformas mecânicas

Da pena à caneta, a história que se escreve é a do manuscrito. Mas e as formas mecânicas de escrita pessoal? Não se sabe ao certo quem merece o título de inventor da máquina de escrever. Há relatos não comprovados de que em 1714 o inglês Henry Mill já havia desenvolvido um protótipo. Fato é que, em 1808, o italiano Pellegrine Turri construiu uma máquina que datilografava textos. Também no princípio do século XIX o norte-americano William Austin Burth lançou a Typograph e o italiano Giuseppe Ravisa desenvolveu um equipamento com teclado fixo e fita impregnada de tinta. No entanto, foi só em 1864, com o invento do austríaco Peter Mitterhofer, que apareceu a primeira máquina de fato funcional, feita de madeira e arames metálicos. Porém, a Dinamarca clama para si esse título, com a invenção da Maillin-Hansen Writing Ball, em 1867. A máquina com teclado como conhecemos (adotada hoje nos computadores), ou seja, a de teclado QWERTY que foi produzida comercialmente pela primeira vez é uma criação do tipógrafo norte-americano Christopher Latham Sholes (1819-1890) e de Carlos Glidden.

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Blickensderfer, que trouxe mais velocidade à escrita. E, em 1961, a IBM lançou um equipamento que tinha a possibilidade de o operador escolher o tipo de letra e incluir outros sinais gráficos. Mas a máquina de escrever foi tão amplamente utilizada que até no início dos anos 2000, nas redações dos jornais brasileiros, havia quem ainda fizesse uso dela para redigir textos que não fossem para imediata publicação e preencher documentos internos.

O computador, a máquina que nasceu para fazer cálculos, acabou revolucionando a maneira de produzir textos. O primeiro computador totalmente eletrônico, o Eniac (Eletronic Numerical Integrator and Calculator) foi criado entre 1943 e 1946, ocupava 1/3 de um campo de futebol e pesava 30 toneladas. Mas o primeiro, efetivamente, a entrar em linha de produção foi o Univac I (Computador Automático Universal), dos mesmos criadores do Eniac, em 1951. Dois anos depois, a IBM, que desde o começo do século vinha desenvolvendo e aperfeiçoando suas máquinas de cálculo, lançou o IBM 650 e vendeu mil unidades.

No entanto, o primeiro computador pessoal só foi lançado em 1975. Batizado de Altair, teve seu sistema operacional desenvolvido pelo então estudante de Harvard Bill Gates e seu colega Paul Allen, que um ano depois fundariam a Microsoft. Também em 1976, Steve Jobs e Steve Wozniac lançaram o Apple I, então o computador pessoal mais bem-sucedido em vendas. De lá para cá, o que era uma máquina de calcular acabou incorporando a escrita e virou praticamente seu principal instrumento e suporte. A praticidade e a facilidade (e também a relativa portabilidade com os notebooks) elevaram o computador ao meio preferido, adotado em escritórios e até nas salas de aula. É também na tela que boa parte da população se atualiza sobre as notícias do dia a dia e se corresponde com quem necessita.

Porém, ele não só virou instrumento e suporte de escrita como a modificou. A relação que se criou entre os usuários e a máquina permitiu, por exemplo, o aparecimento de uma linguagem própria da internet e de sua rapidez. Muitas palavras passaram a ser reduzidas a abreviaturas e, na redução de caracteres a serem digitados, QU virou K, “você” é apenas “vc”, “também” virou “tb”, “cadê” é “kd” e novos signos foram criados, como ocorreu com as risadas: kkkkkk, huahuahua, hahaha, hehehe e rs, cada uma com uma entonação, intenção e intensidade diferentes.

É em relação com a textualidade eletrônica que se esboça um novo idioma formal imediatamente decifrável por todos. É o caso da invenção dos símbolos, os

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ilustram a procura de uma linguagem não verbal e que, por essa mesma razão, possa permitir a comunicação universal das emoções e o sentido do discurso.12

E, com o lançamento dos smartphones, vemos as mesmas funcionalidades dos computadores presentes nos celulares e, agora, nos tablets. Mas com a vantagem de terem muito mais mobilidade e portabilidade e criando conceitos como o do mundo cíbrido, na relação entre o real e o virtual.

2.2.3 Impressão industrial

Voltando para a escala industrial, é importante vislumbrar a evolução do mecanismo de Gutenberg no século XV para entender as mudanças que elas implicaram na arte de ler e escrever. Poucas foram as modificações que a prensa sofreu nos dois primeiros séculos após sua invenção. Então, em 1620, a introdução de um mecanismo que erguia automaticamente a platina – quadro de metal revestido de almofada que pressionava a forma –, diminuiu o esforço feito pelo operador e aumentou a produção. Em 1719, outra transformação ocorreu com a impressão a cores, patenteada pelo alemão Jacob Christo Le Blon. Em 1787, o livreiro e impressor francês François-Ambroise Didot, concebeu um prelo que permitia a impressão de uma folha inteira de uma só vez. Foi também Didot quem criou o ponto tipográfico, para uniformizar o tamanho dos tipos.

No ano de 1780, o conde inglês Charles Stanhope substituiu todas as peças que ainda restavam de madeira na prensa por metal e, assim, o equipamento ganhou mais força e agilidade, embora continuasse usando a força manual. A prensa só se mecanizou com a introdução do vapor, a princípio com o prelo cilíndrico e o rolo de tintagem do inglês Nicholson, em 1791; depois, com os aperfeiçoamentos do tipógrafo alemão Friedrich Koening, que introduziu a energia a vapor e o movimento rotativo, inaugurando uma fase moderna na tipografia. O Times foi o primeiro jornal a adotar o novo sistema, em 1814.

Muitas pequenas modificações foram feitas ao longo dos anos. Entre as mais importantes estão a rotativa de Hippolyte Marinoni, em Paris, que tinha a composição tipográfica adaptada a um cilindro horizontal e o papel enrolado numa bobina, e adotava o uso de um segundo cilindro para pressão sobre o primeiro – o que aumentou sobremaneira a

                                                                                                               

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agilidade na impressão. Em 1886, o relojoeiro alemão Ottmar Mergenthaler, que morava nos Estados Unidos, inventou a linotipia e, a partir de então, os caracteres não precisavam mais ser colocados um a um no componedor: a composição era feita, agora, linha a linha. Cabe nota também o aperfeiçoamento da impressão a cores, em 1899, e a dobragem do papel pela própria máquina.

Já a impressão de gravuras seguiu outros caminhos. Até o século XVII e começo do XVIII, ela era feita a partir de gravuras em madeira. Só em 1798 o checo-alemão Aloys Senefelder conseguiu reproduzir as imagens com um processo físico-químico em que utilizou a gravação em placas de pedra de calcário, inventando a litografia ou impressão química.

Frutos da falta de recursos, em alguns casos, ou do avanço da tecnologia à época, as plataformas e instrumentos de escrita ao longo dos milênios variaram bastante. E, embora sua evolução mostre que alguns foram preferidos a outros em determinados tempos e povos, não houve um suporte único, senhor da escrita. O papel com que tanto a sociedade contemporânea está acostumada, como se fosse uma conquista da humanidade desde sempre, só apareceu, de fato, na era cristã e demorou muito para ser popularizado – o pergaminho ainda era o suporte adotado na maioria dos manuscritos da Idade Média.

Embora pareça óbvio, é importante marcar bem esse fato para que se deixem de lado os temores com as novas tecnologias, possíveis preconceitos ou negação. O papel é só um capítulo da história do homem. E continuará sendo parte dela por muito tempo.  

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3 BREVE PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL

Considerando que as crianças são a maior classe leitora hoje no Brasil, segundo dados do próprio relatório Retratos da Leitura no Brasil, de 2011, é difícil imaginar que os pequenos leitores e a própria literatura infantil fazem parte de uma história muito recente, e não só em território brasileiro, mas no mundo. Os livros voltados às crianças têm pouco mais de 300 anos, isso se considerarmos as primeiras narrativas escritas, e menos ainda quando se leva em conta que nem mesmo os contos de fadas foram elaborados pensando nelas. O que hoje está sacralizado como “pertencente ao mundo infantil”, na verdade, era história de gente grande, e nem um pouco açucarada, como são as versões da Disney que os pais se habituaram a repassar para as crianças. Afinal, o que eram as crianças até o século XVII senão mini-adultos? Não havia o conceito de infância como se entende hoje e, se as “pessoas pequenas” não eram tratadas com suas especificidades de idade, para que ter histórias só para elas?

Mais do que isso, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Bela Adormecida e tantas outras sequer nasceram no papel, nem mesmo têm uma pessoa para ser apontada como autora. Suas origens são incertas e estão perdidas no tempo. Nascidos na tradição oral, e repassados pelos povos ao longo de suas gerações, tais contos foram ganhando detalhes diferentes por onde passaram, a ponto de Cinderela chegar a ter hoje 400 versões catalogadas. Nem todas adequadas para menores.

Aliás, nenhuma história que circulava até o século XVII parecia ser apropriada para uma criança, aos olhos da sociedade moderna. Canibalismo, estupro, assassinato, sexo, ogros que comiam criancinhas eram ingredientes comuns entre os contos que corriam pelo povo. Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, em uma versão mais antiga, não só deita-se com o lobo como bebe o sangue da avó e come seu coração – o que é analisado hoje como um rito selvagem e simbólico da passagem da infância para a fase adulta. Bela Adormecida teria sido estuprada pelo príncipe e dado à luz gêmeos, que quase se tornaram banquete da mãe do príncipe, uma ogra. Nada disso talvez espantasse muito a população, que trazia das cruzadas, na Idade Média, as histórias reais da prática indiscriminada de estupro e dos momentos de grandes períodos de fome, o canibalismo.

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pelos empregados e apropriados pelos nobres, ficaram muito populares – essa era uma forma que Luís XIV tinha de entreter a aristocracia, mantendo-os ocupados no Palácio de Versalhes, que ele mandou construir e ficou pronto em 1664.

3.1 Os nomes que mudaram a literatura infantil 3.1.1 Charles Perrault

Embora as narrativas do povo tenham virado modismo entre a aristocracia, foi um burguês formado em Direito, que circulava livremente pela corte, quem entrou para a história dos contos de fadas. Charles Perrault (1628-1703) começou a frequentar o palácio a convite de seu irmão Pierre, que era recebedor geral das finanças. Acabou conquistando a simpatia de Colbert, ministro de Luís XIV, que o incumbiu de aconselhá-lo em assuntos literários e artísticos. Ao fim da década de 1660, Perrault já era figura muito popular entre os nobres.

Pai de três filhos, ele publicou em 1694 o conto Pele-de-Asno e, em 1697, Histórias ou Contos do Tempo Passado, mais conhecido pelo subtítulo, Contos da Mamãe Gansa, que reunia por escrito oito contos de fadas como Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, O Gato de Botas e Barba Azul. Eles eram transcrições das histórias populares, porém, com um refinamento acrescentado por Perrault – sua Cinderela tinha sapatinho de cristal – e também uma lição de moral adicionada por ele (talvez por conta ou influência da educação dos filhos). Deste modo, as histórias do francês se prestavam não só à diversão, mas também como um instrumento para a educação moralizadora. Embora elas não estivessem destinadas às crianças, e sim aos adultos, acabaram se adequando ao público infantil a ponto de Perrault ficar conhecido como o “pai da literatura infantil”.

A corte de Luís XIV trouxe ainda outra contribuição para as leituras que acabaram sendo apropriadas pelas crianças: as fábulas de Jean de La Fontaine (1621-1695), que conviveu com Perrault e em 1668 publicou sua primeira coletânea de 124 fábulas em forma de poemas, dividida em seis volumes, as Fables Choisies – grande parte inspirada em textos de Esopo. Suas fábulas, repletas de ironia e crítica social, mas ainda com mensagens moralizantes, eram fáceis de absorver e, por isso, prestavam-se bem à educação das crianças.

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Figura 2 –Modelo de página de abertura de capítulo. À esquerda, sem interação do leitor
Figura 3 – As carpas podem ser movimentadas com o chacoalhar do tablet.
Figura 5 – Efeito lanterna. Da esquerda para a direita: a página aparece desta forma para o leitor, com o vaga- vaga-lume no canto inferior
Figura 6 – O espelho reproduz o efeito de máscara. Se o leitor o arrastar, conseguirá ver o que está atrás do sapo,  bem como ele de corpo inteiro
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