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A internacionalização da regulamentação sanitária.

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A internacionalização da regulamentação sanitária

The in tern ation alization of the san itary regulation

1 Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, Gabinete 39B, 70160-900, Brasília DF. gelucchese@yawl.com.br Geraldo Lucchese 1

Abstract T his article discu sses the health-related agreem ents that are part of the Gen-eral A greem ent on Tariffs an d Trade, M ar-rakech, 1994, as well as other in tern ation-al processes in t he harm on izat ion of t ech-nical regulations. It is based on a literature review aim ed at a theorical basis for iden-t ifyin g prin ciples an d argu m en iden-t s, in iden-t h e wording of the agreem ents and regulations. A special focu s is placed on the im pacts for Brazilian in stitu tion s in term s of in tern al dem ocracy an d n at ion al sovereign t y. T he art icle con clu des t hat despit e t he “global-ist ” argu m en t s accordin g t o wh ich t h ese agreem ents and processes define certain pro-cedu res an d ru les for all st at es an d t h u s m ean a step forward in relation to the pre-viou s situ ation, the international system is st ill essen t ially an arch ic, wit h n at ion al st at es m ot ivat ed ex clu sively accordin g t o their own interests. T he super-powers enjoy the prerogative of in terpretin g their du ties an d obligat ion s wit h n o fear of con t radic-t ion or reradic-t aliaradic-t ion , despiradic-t e in sradic-t iradic-t u radic-t ion al-ization at the in tern ation al level. Key wo rds Sanitary agreem ents, Technical barriers, Sanitary regulation, Globalization

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Introdução

Em bora m uito utilizado em textos, debates e conversas dos dias atuais, o term o globaliza-ção não é um conceito de fácil definiglobaliza-ção. Para Shah (2001), a globalização se traduz n a tran sform ação do m un do em um espaço compartilhado mediante conexões globais na economia, na política, na tecnologia, nas co-municações e no direito. Essas conexões ense-jariam uma crescente separação entre os pro-dutos e a sua manufatura e entre os serviços e a sua localização. Tam bém produ ziriam u m aum en to da perm eabilidade das fron teiras e uma redução da influência dos instrumentos de política nacional.

H irst e Thom pson (1998) afirm am que, não obstante sua ampla aceitação e uso gene-ralizado, existem diversas conotações de sig-nificado para o term o, cada um expressando u m pon to de vista ou en fatizan do m ais ou menos alguma das características do processo de internacionalização das econom ias nacio-nais.

O pon to de vista m ais dissem in ado cor -respon deria a um a in terpretação extrem ada do fenômeno de maior interdependência en -tre as nações, ao afirmar que: 1) a maior parte da vida social está determinada por processos globais, o qu e faz dissolver cu ltu ras, econ o-mias e fronteiras nacionais; 2) uma economia realmente global emergiu em suas dinâmicas básicas e é dom in ada por forças de m ercado in con troláveis, um a vez que seus prin cipais agentes são empresas transnacionais, as quais não devem lealdade a nenhuma nação e se es-tabelecem em qualquer parte do m un do que ofereça melhores vantagens de mercado. Essa versão “dura” da globalização é poderosa, conquistou analistas e políticos e tem o efeito de paralisar estratégias nacionais de reformas mais radicais por medo dos julgamentos e das sanções dos mercados internacionais.

Outros pontos de vista menos extremados e mais matizados percebem e analisam tendên-cias à in tern acion alização a partir de u m a perspectiva histórica, adm itin do as m udan -ças atuais, m as assin alan do qu e n ão con sti-tu em n ovidade e n ão im plicam n ecessaria-m en te uecessaria-m ecessaria-m oviecessaria-m en to in exorável para uecessaria-m novo tipo de sistem a econôm ico. Esses enfo-ques con cen tram -se n a in tern acion alização dos principais m ercados fin an ceiros, da tec-nologia – em particular, a da informação e co-municação – e de alguns importan tes setores

da indústria e serviços, porém enfatizam tam-bém as restrições crescentes à governabilida-de nacional, notadam ente, quando as políti-cas m acroeconôm ipolíti-cas são significativam ente divergentes das normas aceitáveis pelos mer-cados financeiros internacionais.

Enquanto a versão “dura” da globalização exige nova com preensão da econom ia inter -n acio-n al -n a m edida em qu e su bordi-n a processos de nível nacional, a versão das tendên -cias à in tern acion alização acom oda um a visão m odificada do sistem a econôm ico m un -dial, qu e ain da atribu i papel im portan te às políticas e atores nacionais.

Destacan do a n ecessidade da diferen cia-ção entre esses diferentes pontos de vista re-lacionados à tese da globalização porque con-fun dem tan to a discu ssão pú blica qu an to a elaboração de políticas, H irst e Thom pson (1998) vêem com ceticismo a versão extrema-da, por n ão iden tificarem , em sua an álise, fu n dam en tos para as declarações dos parti-dários mais radicais da globalização.

Em qualquer das hipóteses, esse movimen-to da globalização acarreta m u dan ças de com portam ento e na estrutura de em presas, de govern os e de agên cias in tern acion ais, as quais, en tretan to, podem usar in stituições e práticas de diferentes formas. A tese dos auto-res é a de qu e existiria m u ito m ais espaço e possibilidades de estratégias e de ações políti-cas para o con trole n acion al e in tern acion al das econom ias de m ercado em direção a m e-tas sociais do que a versão “dura” da tese da globalização faz crer.

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Essas redes de capital, de trabalho, de in for m ação e de m ercados teriam conectado fun -ções, pessoas e locais com valor de m ercado em todo o mundo, ao mesmo tempo em que descon ectaram as populações e territórios desprovidos de valor e de interesse para a dinâ-mica do capitalismo global. Com o fim do es-tatismo, o capitalismo teria aumentado rapi-damente sua penetração nos países, nas cultu-ras e nos domínios da vida e, pela primeira vez na história, todo o planeta estaria organizado com base em um conjunto de regras econômi-cas comuns apesar da diversidade social e cul-tural do mundo.

Entretanto, não apenas regras econômicas ten dem a adquirir abran gên cia global. A re-gu lação san itária sere-gue a m esm a ten dên cia, absorvendo todos os m atizes dessa nova rea-lidade da regulamentação, da inclusão ou ex-clusão do mercado internacional, de maior ou m en or espaço às políticas n acion ais de con -trole do mercado e assim por diante.

Longe da suficiência do Estado m ínim o e da regulação sim ples pelo m ercado – com o prega a tradição liberal m ais ortodoxa –, a realidade atual está a exigir um a intervenção estatal de n ovo tipo, m ais efetiva e eficien te dian te dos riscos e am eaças qu e tam bém se globalizam de m an eira acelerada. O Estado, nos países de economia avançada, envolve-se cada vez menos no sistema produtivo. No en-tan to, exerce in ten sa atividade regulatória, mantendo consistente aparato técnico-buro-crático para regular, fiscalizar e disciplinar o mercado.

Processos internacionais de regulamenta-ção são crescentem ente instituídos em todos os campos da vida social e econômica. Na área da saú de, as m edidas de qu alidade e de pa-drões m ín im os de seguran ça são con stan te-m ente avaliadas e exigidas (Bodstein, 2000). Da mesma forma, são cada vez mais definidas em foros globais com a intenção de ter ascen-dência sobre todos os estados.

No plan o da econ om ia, um a das m ais m arcan tes características da globalização é, certamente, a derrubada das fronteiras alfan-degárias, por m eio da extinção, equiparação ou dim in uição dos im postos aduan eiros. A abertu ra ao com ércio in tern acion al con sti-tuiu-se em um dos prin cipais objetivos do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), uma instituição criada em 1947, no contexto dos entendimentos do pós-guerra, no Tratado de

H avan a, em paralelo à in ten ção de se criar a Organização Internacional do Comércio.

Um pouco antes, em 1944, nos Acordos de Bretton Woods, assinados por 44 estados alia-dos, haviam sido criados o Fundo Monetário In ternacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvim ento (-BIRD). Era um contexto de busca de regula-mentos para o funcionamento mais harmôni-co do sistema eharmôni-conômiharmôni-co internacional, bem como de entendimentos para o melhor diálo-go entre as nações dentro de uma nova ordem mundial.

En qu an to o FMI trataria da qu estão das taxas de câm bio e do sistem a m on etário in -tern acional, o BIRD, m ais conhecido com o Banco Mundial, se ocuparia da reconstrução e desenvolvimento dos países devastados pela guerra. Por sua vez, o GATT surgia como ins-tância regulam entadora, com a preocupação de reduzir os obstáculos aos intercâmbios in -ternacionais, por meio da diminuição das ta-rifas adu an eiras e de ou tros tipos de barrei-ras, e da elim in ação das discrim in ações em matéria de comércio internacional.

As su cessivas rodadas de n egociação do GATT perm itiram que os países chegassem a reduções substanciais dos direitos de aduana, ou seja, um abran dam en to sign ificativo das barreiras alfandegárias ao com ércio interna-cion al. As últim as rodadas – Tóquio (1973 a 1979) e Uruguai (1986 a 1994) – in stituíram os acordos relativos a barreiras não alfande-gárias.

No plano do comércio internacional, o in crem ento do volum e de produtos m anufatu -rados submetidos a controles não tarifários – menos de 1% em 1974, para cerca de 20% em 1985 (Milner, 1997b) – fez aumentar a impor-tância das instituições relacionadas com a re-gulação sanitária. Eles mostram que, enquan-to dim inuiu o u so de restrições tarifárias ao comércio internacional, conforme os avanços do GATT, au m en tou o u so de restrições n ão tarifárias, principalm ente aquelas de nature-za sanitária.

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disfarçadas ao comércio internacional? Neste artigo, apresen to u m a revisão bi-bliográfica na busca de um a base teórica que aju de a iden tificar os pressu postos e argu -m en tos i-m plícitos ou explícitos e-m algun s desses acordos e processos de regulamentação in tern acion al, que apresen tam im portân cia para a atividade de controle sanitário.

Analiso, em especial, o Acordo sobre Apli-cação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (AMSF) e do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Com ércio (BTC) – acordos com ponentes da “Ata Final em que se incorporam os resul-tados da Rodada Uruguai de Negociações Co-mercialis Multilaterais” do GATT, assinada em abril de 1994, na Reunião de Marrakech, Mar-rocos. Essa Ata inclui o Acordo Constitutivo da Organ ização Mun dial do Com ércio (OMC), órgão com personalidade jurídica in-ternacional e estrutura própria para conduzir as relações com erciais en tre seu s m em bros com base nos acordos firmados.

Na parte final do artigo, aponto outros acordos in tern acion ais, em vigên cia ou dis-cu ssão, qu e têm gran de im portân cia para a saúde por tratarem de riscos provenientes de (sérias) questões san itárias ou am bien tais. Tam bém aponto processos internacionais de harm on ização de regulam en tos técn icos so-bre produ tos de in teresse para a saú de qu e, em bora m ais próxim os dos órgãos nacionais e internacionais de saúde, são mediados pela mesma lógica que preside os acordos interna-cionais de não criar constrangimentos ao co-mércio internacional.

Internacionalização e institucionalização

Con form e Keohan e e Miln er (1996) ressal-tam, não se pode mais entender as políticas na-cionais sem compreender a natureza dos vín -culos entre as economias nacionais e a econom ia econom un dial, aléeconom das econom udan ças que ocor -rem em tais vín culos. As m odificações n os custos de transação, que levam o capital a mo-vimentar-se por melhores oportunidades nas taxas de juros e de câm bio, ocasion am pro-fun dos efeitos n as con dições econ ôm icas e políticas nacionais.

Esses au tores, ao an alisarem os vín cu los entre a internacionalização da economia e as políticas internas, consideram que a interna-cionalização afeta os interesses políticos dos

atores in tern os por expan direm os setores econômicos mais internacionalizados e redu-zirem a atividade econômica dos setores mais protegidos das forças do mercado, produzin -do simultaneamente um aumento da sensibi-lidade das economias nacionais às tendências e choques do mercado mundial.

Ao afetar os interesses políticos dos dife-ren tes atores sociais, a in tern acion alização tem produzido m udan ças n as coalizões, n as políticas, e n as in stituições dom ésticas. Os atores políticos respondem tanto aos limites e possibilidades impostos pela economia mun -dial, quan to aos in cen tivos e restrições in e-rentes às instituições nacionais existentes. Ou seja, os resultados políticos dos efeitos da in -tern acion alização econôm ica não são previ-síveis sim plesm ente tom ando-se por base os interesses econômicos. Os julgamentos estra-tégicos, as m an obras políticas, os processos institucionais ou as pressões por radicais mu-dan ças in stitu cion ais, en tre ou tros fatores exógenos, fazem parte das decisões. Não im -porta o grau, ou a seriedade, do im pacto da in tern acion alização sobre os in teresses dos atores; esse impacto sempre será mediado por fatores políticos dom ésticos, os quais refle-tem a diversidade das experiências históricas. Os autores, ao perceberem que a interna-cion alização afeta as políticas e in stitu ições de forma diferente em cada país na dependên-cia do contexto institucional, introduzem ou-tra variável de análise: as instituições políticas que podem bloquear e refrear os efeitos da in-ternacionalização – entre outras, a força dos sin dicatos, as regras eleitorais, o n úm ero de atores com poder de veto e o grau de indepen-dência política de setores-chave da burocra-cia, como os bancos centrais.

Para Milner (1997a), as instituições têm significativo im pacto no plano dom éstico da tom ada de decisões. Elas determ in am quais atores têm maior influência no processo polí-tico e as preferên cias qu e serão assu m idas. Em relação aos efeitos da política dom éstica nas relações internacionais, a autora destaca três fatores in tern os prin cipais: a estru tu ra dos interesses domésticos, a natureza das ins-tituições políticas domésticas e a distribuição interna da informação (Milner, 1997a).

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i-nistração pública e fun cion am en to da buro-cracia civil – fazem a diferença dos im pactos das políticas de comércio internacional sobre os atores domésticos.

Destacan do que Fran ça e In glaterra, por fazerem parte da União Européia, têm grande parte de sua agenda decisória deslocada para os órgãos comunitários supranacionais, Mil-ner aponta que, nesses três países, a natureza dos grupos de interesses domésticos, os obje-tivos políticos das elites e as restrições do sis-tema internacional exercem fortes influências sobre o processo decisório interno.

O deslocamento cada vez maior dos deba-tes e decisões para fóruns internacionais traz u m a série de im plicações n a qu estão da de-m ocracia in tern a. O caso brasileiro parece confirmar a avaliação de Cox (1997), quando afirm a que um a das conseqüências da globa-lização econômica – que diminui os controles governamentais no tocante às economias na-cion ais – seria a de tran sform ar os políticos do nível nacional em gerentes. A política, no sen tido da con stru ção e da escolha en tre al-ternativas oriundas de projetos rivais, não te-ria m ais cabim en to den tro da estru tu ra de pensamento da globalização econômica. Para os países periféricos, em particular, a tomada de decisões seria realizada cada vez m ais em fórun s in tern acion ais ou m oldada pelas im -posições de agên cias, organ ism os e regim es in tern acion ais com an dados pelos estados centrais.

Os program as de ajuste estrutural in tro-duzidos pelo Fundo Monetário Internacional nos países endividados – quase todos os peri-féricos – tornaram-se o principal método pa-ra promover a globalização econômica nestes países. O receituário aplicado é sempre seme-lhante e vai desde a redução das barreiras ao comércio internacional até os cortes nos gas-tos públicos com programas sociais. Modelos de economia e sociedade alternativos são ex-cluídos. O trabalho a fazer é um só e a política in tern a fica reduzida à com petição en tre os políticos para m ostrar quem é m ais eficiente para realizá-lo (Cox, 1997).

Na concepção desse autor, as conseqüên -cias para a dem ocracia podem ser trágicas. A população torn a-se cada vez m ais cética em relação à política e aos políticos, que parecem ser in capazes de resolver os problem as bási-cos, com o o desem prego, a deterioração dos serviços públicos e a corrupção, entre outros. A democracia compatível com a globalização

econ ôm ica gera ceticism o n aqueles prejudi-cados pela exclusão do m ercado e, se leva à apatia cívica, por um lado, pode levar, por ou-tro, a atividades extraparlam entares, m uitas vezes, ilegais ou n egativas, com o o apareci-mento de grupos neonazistas, que protestam con tra o em prego dos estran geiros em seus países, de grupos organ izados para a violên -cia e o crime e assim por diante.

O declínio da confiança pública nas auto-ridades políticas tradicion ais, a apatia, o ci-nismo e a despolitização deixam um espaço li-vre en tre as altas posições dos govern os e a fragilizada sociedade civil, o qual é ocupado por atores ocultos, aventureiros e criminosos dificilm ente con troláveis por u m a tran spa-rente autoridade pública. Nesse cenário, a con-fiança pública no processo dem ocrático fica enfraquecida; assim, a tendência de fragiliza-ção da democracia liberal parece mais prová-vel do que as perspectivas de seu aperfeiçoa-mento (Cox, 1997).

Segundo Putnam (1988), os grupos nacio-n ais pressionacio-n am o governacio-n o para qu e realize políticas de acordo com seus interesses e bus-cam poder para isso, formando coalizões polí-ticas; no nível internacional, o governo busca m axim izar su a habilidade para satisfazer os gru pos dom ésticos e m in im izar as con seqüências dos compromissos externos. O con -flito interno acontece em torno da definição do qu e é o in teresse n acion al para cada gru -po.

H á con sen so en tre m uitos autores (cf. Held, 1995; Rosenau, 1995; Cox, 1997; Kras-ner, 1995, entre outros) de que a soberania e a autonomia dos estados-nação está sob severa pressão em muitos locais. Essa pressão é exer-cida, por um lado, pela estrutura do sistem a internacional – em particular, a organização da economia global, isto é, empresas transna-cionais, produção difusa, mercado financeiro, mercados nacionais m ais abertos e assim por diante – e, por outro, pelas políticas e ativida-des das agências e organizações, regionais ou in tern acion ais, com o a União Européia, o Fundo Monetário Internacion al, o Ban co Mun dial, e agora tam bém os acordos do GATT através da Organ ização Mun dial do Comércio, entre outros.

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quais, junto com as organizações internacio-nais, têm levado a im portantes m udanças na estru tu ra de tom ada de decisões da política mundial. Para ele, qualquer concepção de so-berania que a afirme indivisível, ilimitada, ex-clu siva e perpétu a form a de poder pú blico, corporificada em um estado individual, está sepultada. H eld aponta o aum ento dos foros de decisão coletiva entre governos: de 37, em 1909, para 300, em 1989; e tam bém das orga-nizações não-governam entais (ONGs) inter-nacionais – de 176, em 1909, a 4.624, em 1989 – para afirmar a crescente importância da co-m un idade in tern acion al eco-m detrico-m en to dos estados nacionais.

Rosenau (1995) ressalta que as fronteiras dos estados nacionais não m ais conseguem con fin ar o fluxo de in form ações, ben s, di-n heiro e pessoas. Ao codi-n trário, para ele, o processo de globalização tornou-se predomi-nante e, mesmo, permanente. O autor identi-fica uma variedade de tendências e de conteú-dos que apontam para o declínio da efetivida-de do Estado, como certa erosão efetivida-de sua auto-ridade e um correspon den te aum en to n a competência de organizações internacionais, que ultrapassam os reclames estatais de plena jurisdição acerca de seus afazeres domésticos. Essa mesma linha de raciocínio argumen-ta qu e u m a fu n dam en argumen-tal m u dan ça esargumen-taria ocorren do e sugere a possibilidade de que o longo período de estabilidade do conceito de soberania estaria chegando ao fim . O Estado não m ais deteria o m onopólio do respeito de seus cidadãos, que agora buscam outras insti-tuições para o suprim ento de suas necessida-des básicas. In dica, ainda, que a m aioria dos estados, n a form a com o estão con stituídos, n ão teria m eios para realizar plen am en te os objetivos essen ciais de prover seguran ça e bem-estar a seus habitantes.

Kratochwil (1995) acrescenta que, à seme-lhança da propriedade – conceito igualmente construído socialmente –, a soberania impli-ca n ão som en te direitos, m as, tam bém , res-ponsabilidades. Por conseqüência, há limites para a soberan ia, em especial, em relação às respon sabilidades que os estados soberan os têm com os que eles govern am e, da m esm a forma, em relação a outros soberanos. Se, no passado, as grandes potências arrogantemente tom avam para si o julgam en to da respon -sabilidade e intervinham conforme seus inte-resses, atualm ente, com a expansão da socie-dade in tern acion al, os estados m ais

podero-sos n ecessitariam cada vez m ais de legitim i-dade coletiva para fazer intervenções; tal legi-timação viria de decisões tomadas em conso-nância com procedim entos aceitos e norm as acordadas de comportamento.

Esses autores, en tre outros, m an ifestam um a visão denom inada globalista no cenário das relações internacionais. Para os globalis-tas, o conceito de comunidade internacional é sign ificativo, pois o m un do seria, cada vez m ais, um a ún ica coletividade com in teresse global comum. Ou seja, os membros da comu-nidade internacional compartilham um senso de direitos, deveres, valores e obrigações. As-sim , as ações in tern acion ais seriam m otiva-das a proteger ou promover certos valores ou a defender certos princípios e não meramente a defender interesses e valores de estados par-ticulares.

Os globalistas tam bém enfatizam o papel chave das ONGs, argumentando que elas cres-ceram tan to, que n ão faz m ais sen tido falar dos estados com o atores exclusivos n o siste-ma internacional. Para eles, as ONGs são ato-res n ão estatais da sociedade in tern acion al, que com partilham valores dessa sociedade. Suas participações em intervenções interna-cionais seriam evidências da crescente impor-tân cia dos atores n ão estatais e da n atureza mutante da sociedade internacional (Lyons e Mastanduno, 1995). Para a tradição globalis-ta, existem evidências suficientes para que se perceba o atual m om en to histórico com o o in ício de um lon go processo de expan são da autoridade da comunidade internacional.

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estados poderosos disfarçam seus interesses na linguagem do bem comum e justificam sua ação em nome da comunidade internacional. No fundo, são mais guiados pelos cálculos de seus in teresses particulares do que por valo-res com partilhados na com unidade. Consti-tui-se prática histórica das grandes potências a articu lação de seu s in teresses particu lares n a lin guagem dos prin cípios un iversais, em um esforço para persuadir os outros estados a aceitá-los (Lyons e Mastanduno, 1995).

Krasner (1995) é autor de tendência realis-ta e fu n dam en realis-ta su a posição em an álises de casos passados de in terven ções que in voca-vam o bem comum como justificativa, tais co-mo a estabilidade internacional ou a proteção das minorias. Argumenta que todas acontece-ram porque as grandes potências, que são ca-pazes de intervir efetivam ente, decidiram fa-zê-lo sob pressão de seus próprios interesses n acion ais ou de im portan tes in teresses do-mésticos.

No Conselho de Segurança da ONU, um dos maiores expoentes da comunidade inter-nacional, por exemplo, os cinco membros per-manentes têm poder de veto, que é usado em favor de seus próprios interesses.

Entretanto, todos esses autores assinalam as contradições e lim ites de suas alternativas de abordagen s. O próprio Krasn er (1995) aponta a insuficiência do realismo para expli-car adequadam ente as intervenções. Autores globalistas, como Held (1995), não deixam de perceber que as agên cias m u ltilaterais reali-zam os interesses daqueles estados poderosos que mais contribuem para seu sustento. O autor assinala que o Banco Mundial, por exem -plo, encontrou-se envolvido em intenso deba-te a respeito do direcionam ento de suas polí-ticas: se elas seriam baseadas em juízos eco-nômicos ou se representariam uma estratégia de recolonização.

Lyons e Mastanduno (1995) destacam que, em acordos internacionais, as maiores potên-cias têm a prerrogativa de in terpretar su as responsabilidades e obrigações sem qualquer medo de contradição ou retaliação. Nas rela-ções econ ôm icas in tern acion ais, as m aiores potên cias m an têm , através do Grupo dos 7, su a dom in ação sobre as agên cias m u ltilate-rais de fin an ciam en to e sua in fluên cia sobre os m aiores bancos privados transnacionais e as corporações empresariais que operam den-tro de seus sistemas regulatórios nacionais.

Os acordos relacionados ao controle sanitário

Historicamente, os países desenvolvidos sempre adotaram medidas protecionistas na área da agricultura, em especial, por meio de barreiras não tarifárias, alegando motivos ambientais, tra-balhistas ou sanitárias. Em razão disso, os países periféricos viram as regulamentações do comér-cio internacomér-cional e das políticas nessa área como vitória.

O Acordo sobre Aplicação de Medidas Sani-tárias e FitossaniSani-tárias (AMSF) insere-se na série dos acordos multilaterais de comércio de bens, e é fruto do esforço para eliminar restrições ao co-mércio de produtos agrícolas, estabelecendo re-gulamentos baseados em referências internacio-nais de amplo acesso a todos os países-membros. Seu principal objetivo é a definição de regras para a aplicação de medidas sanitárias e fitossa-nitárias de forma adequada aos princípios do GATT, visando não criar barreiras desnecessárias ao comércio internacional. Tem a sua preocupa-ção voltada para a possibilidade de entrada, esta-belecimento ou disseminação de praga ou doen-ça no território do país importador, bem como para os efeitos adversos resultantes do uso de aditivos, da presença de contaminantes, toxinas ou organismos patogênicos em alimentos, bebi-das ou ração animal.

O AMSF preserva a autonomia dos membros para que adotem ou apliquem medidas indispen-sáveis à proteção da vida ou saúde humana, vege-tal ou animal, mas enfatiza a necessidade de que sejam fundadas em princípios científicos e que não sejam mantidas sem evidência científica su-ficiente.

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sanitá-rias.

Outra questão desfavorável aos países em de-senvolvimento é que, embora tenham direito à plena participação nos organismos internacio-nais normatizadores, como o Codex Alimenta-rius, o Escritório Internacional de Epizootias, e outros, a fim de promoverem a elaboração ou a revisão periódica de normas, guias e recomenda-ções a respeito de medidas sanitárias, esses países não têm recursos – principalmente, científicos, humanos e financeiros – para participar em igualdade com os desenvolvidos. As normas e re-comendações desses organismos são, quase sem-pre, resultado de monitoramentos ou de pesqui-sas toxicológicas oneropesqui-sas e complexas, realiza-das às expensas dos países mais ricos e refletem, para além do conhecimento científico, os interes-ses econômicos e políticos desinteres-ses paíinteres-ses.

A adoção de medidas sanitárias deve-se dar de tal forma que não ponha em risco os interes-ses comerciais entre os membros. Com o receio de que algum Estado membro use medidas sani-tárias como forma de colocar restrições veladas ao comércio internacional e discriminações arbi-trárias ou injustificáveis entre os países, o acordo acaba por instituir uma rigidez científica exacer-bada, que limita o poder da ação sanitária quan-do o país-membro não tiver sistema de regula-mentação e controle sanitário forte, eficiente e ágil, o que é a regra em todos os estados periféri-cos.

O AMSF estabelece muitos condicionamen-tos – fundamencondicionamen-tos técnico-científicos e procedi-mentos administrativos ágeis e objetivos, gra-duais e criteriosos, além de oportunos – à ação autônoma das autoridades sanitárias, o que é po-sitivo sob o ponto de vista do comércio, pois ini-be as barreiras não alfandegárias. Porém, sob o ponto de vista sanitário, torna necessário dotar os sistemas de controle de maior qualificação e maior eficiência, em termos de conhecimentos, infra-estrutura, recursos técnicos e força políti-ca.

Para não impedir uma ação necessária ao en-frentamento de um risco, mesmo nos casos em que a evidência científica seja insuficiente, o acordo permite a ação provisória até que se obte-nham maiores esclarecimentos, via informação adicional ou investigação, para uma avaliação mais objetiva do risco e da conveniência de ma-nutenção da ação.

Sob o ponto de vista da saúde, essa providên-cia é positiva, embora possa prejudicar injusta-mente a reputação de um produto ou de uma empresa, caso se comprove que o risco envolvido

não tem origem intrínseca no produto ou em seu processo produtivo. Contudo, a interdição é ba-seada no primado do interesse sanitário e coleti-vo, sobre o comercial e o particular, e também na ascendência da prevenção dos riscos e agravos sobre a ação curativa ou remediadora, devendo ser seguida por toda autoridade pública respon-sável. A questão é ter força, meios, instituições e recursos suficientes.

O Acordo cria um Comitê sobre Medidas Sa-nitárias e FitossaSa-nitárias no âmbito da OMC, que servirá de foro para consultas e facilitação das negociações entre os membros por meio de estu-dos e consultas técnicas.

Quando aborda a responsabilidade de cada Estado membro na implementação do Acordo, o texto surpreende, negativamente, ao enquadrar as ONGs aos seus dispositivos. Os governos de-vem adotar medidas razoáveis que estiverem ao seu alcance para assegurar que essas instituições existentes em seu território cumpram o estabele-cido pelo Acordo. Ademais, devem considerar e estimular apenas aquelas que assim o fazem (-AMSF, art. 13).

No que se refere ao conceito e às funções das ONGs na sociedade, parece haver aqui uma evi-dente inversão de entendimento, pois essas insti-tuições surgiram exatamente em setores nos quais o Estado jamais conseguiu atuar de forma satisfatória junto à sociedade. Fiscalizar as ações estatais pode ser, até mesmo, um dos interesses e funções das ONGs.

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sanitá-rio, tendo a oportunidade de se manifestar a res-peito e de emendar o regulamento proposto. Mais uma vez, é exigida uma infra-estrutura ágil e eficiente sob o ponto de vista político e admi-nistrativo, além de competente em termos técni-cos, econômicos e sociais.

O outro acordo, o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (BTC), por sua vez, difere do AMSF por aplicar-se a todos os tipos de pro-dutos, mas tem diretrizes básicas muito seme-lhantes. Ou seja, os regulamentos técnicos adota-dos não podem criar obstáculos injustificaadota-dos ao comércio internacional e devem ser baseados, sempre que possível, em referências internacio-nais. Além de garantir tratamento igual aos pro-dutos nacionais e importados, o acordo estabele-ce que os regulamentos não serão mais restriti-vos ao comércio do que o necessário para realizar um objetivo legítimo tendo em conta os riscos que a não realização criaria (BTC, art. 2; 2.2).

Tais objetivos legítimos relacionam-se a im-perativos de segurança nacional; à prevenção de práticas fraudulentas; à proteção da saúde ou se-gurança humanas, da saúde ou vida animal ou vegetal; ou do meio ambiente, a fatores climáti-cos ou outros fatores geográficlimáti-cos fundamentais; e a problemas tecnológicos e de infra-estrutura. Há, portanto, uma amplitude de possibilidades de aplicação dos regulamentos que visam aos in-teresses nacionais, dependendo, para serem ado-tados, da força e dos recursos que cada país tem.

No texto, mereceram detalhada disciplinari-zação os temas da preparação, adoção e aplicação de regulamentos técnicos e normas; dos procedi-mentos para avaliação de conformidade; da equi-valência de sistemas de avaliação de conformida-de e acordos conformida-de reconhecimento mútuo; das no-tificações, bem como o da informação e da coo-peração técnica dos países desenvolvidos aos me-nos desenvolvidos.

O BTC prevê a criação do Comitê de Barrei-ras Técnicas ao Comércio na OMC, constituído por um representante de cada país-membro, que terá a principal função de fornecer consultas e promover o cumprimento do Acordo. Em anexo, consta um Código de Boa Conduta para a Elabo-ração, Adoção e Aplicação de Normas, o qual re-pete muitas regras que estão no Acordo na busca de maior racionalidade entre os diversos siste-mas e instituições normalizadoras, públicas ou não públicas, internacionais, regionais e locais, inclusive, de poderes públicos distintos do gover-no central dos membros.

A exemplo do Acordo AMSF, o BTC estabele-ce que, quando houver ameaça de problemas

ur-gentes em termos de segurança, saúde, proteção do meio ambiente ou outros objetivos legítimos, os procedimentos obrigatórios serão simplifica-dos, mas também devem ser notificados aos ou-tros países-membros.

Como foi anteriormente apontado, a questão da institucionalidade interna parece ser fator de bastante importância na análise das conseqüên-cias que os acordos do GATT podem ter no plano doméstico. Nesse sentido, a questão mais impor-tante para o Brasil é certamente a carência estru-tural das instituições públicas do país encarrega-das de assegurar o cumprimento encarrega-das disposições do acordo na forma em que estão colocadas. Ou, dito de outra forma, a fragilidade das instituições políticas brasileiras, que poderiam filtrar e mol-dar os efeitos da internacionalização no plano doméstico, deixa o Brasil mais vulnerável aos movimentos diretos da atividade econômica.

Assim, para “jogar” no processo de regula-mentação sanitária internacional, para partici-par com chances iguais de aproveitar a regula-mentação de modo a proteger sua população e promover os seus interesses sanitários e ambien-tais, os países em desenvolvimento deveriam contar com uma estrutura que lhes falta de ime-diato: de informação, de documentação, de pes-soal qualificado em comércio e direito interna-cional e, também, em diferentes tecnologias, de recursos de comunicação e de deslocamento ágeis e eficientes, de argumentação científica e de pesquisa nas áreas de maior importância econô-mica. Tudo isso solidamente institucionalizado e regulado por uma democracia qualificada e con-solidada em instituições políticas, jurídicas, éti-cas e administrativas sólidas e enraizadas na cul-tura do país.

O perfil oligárquico e patrimonial da admi-nistração pública brasileira, a precária consistên-cia técnica e administrativa da maior parte da burocracia estatal, a instabilidade e descontinui-dade administrativa, os baixos salários, a falta de pessoal qualificado e a precariedade dos recursos financeiros, por exemplo, representam óbices in-transponíveis, em curto prazo, para que o Brasil possa cumprir os termos dos acordos.

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que é a unidade do sistema internacional –, maior será sua globalização, no sentido passivo do termo.

Com o crescimento da importância da eco-nomia internacional, verifica-se a concentração de poderes em certas arenas, como as do FMI, do BID, do G-7 e, agora, da OMC. Muitos temas da agenda interna são tratados nas agendas interna-cionais desses organismos multilaterais, em es-pecial quando se trata de países periféricos, em virtude da importância de suas dívidas com a maioria desses organismos. Com isso, ocorre au-tomaticamente um fortalecimento do Poder Exe-cutivo, que é a autoridade representante do Esta-do e o negociaEsta-dor frente a esses agentes e aos ou-tros estados vistos como outras unidades do sis-tema internacional.

Nesse aspecto, o poder que inova é o Executi-vo, pois é ele o ator que vai às frentes internacio-nais e tem maior grau de liberdade de ação. Ade-mais, toda negociação internacional pretende transformar-se, de alguma forma, em política pública implementada pelo Executivo de cada país.

Segundo Putnam (1988), uma das principais atribuições do Estado seria gerenciar a dicotomia que se forma entre as demandas por políticas pú-blicas internas e as negociações internacionais – os jogos de dois níveis –, não cedendo necessaria-mente soberania ou democracia. Com a interna-cionalização crescente da economia e das agen-das, o jogo democrático torna-se mais complexo, pois toda negociação internacional deve ser pen-sada na possibilidade da aprovação doméstica.

Com efeito, a certeza da ratificação interna do acordo ou compromisso assumido externa-mente é fundamental para o Executivo. Sem essa capacidade, seu poder de barganha, como nego-ciador, se enfraquece muito. Conseqüentemente, o custo, para o Legislativo, de não ratificar um acordo feito ou um compromisso assumido pelo Executivo é muito alto. O déficit para a democra-cia interna parece evidente. O espaço da repre-sentação dos segmentos sociais constitutivos da nação – baseada nos princípios da soberania e territorialidade – fica com campo limitadíssimo de participação nestas decisões que, sem dúvida, ditam o rumo da inserção do país no contexto in-ternacional.

O processo de ratificação dos acordos do GATT no parlamento nacional representa um emblema da antinomia existente entre a demo-cracia interna e os compromissos internacionais. O presidente da República do Brasil, como chefe de Estado, no exercício de sua competência

constitucional de conduzir a política externa do país e de representá-lo perante estados estrangei-ros e organismos internacionais, submeteu ao Congresso Nacional os textos dos acordos cons-titutivos da Ata Final da Rodada Uruguai de Ne-gociações Multilaterais.

Cabe ao Congresso Nacional, conforme man-da o artigo 49 man-da Constituição Federal, resolver definitivamente tratados, acordos ou atos inter-nacionais que acarretem encargos ou compro-missos gravosos ao patrimônio nacional. A apre-ciação de tal acordo internacional constitui tare-fa das duas casas legislativas, primeiramente da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Fe-deral, como casa revisora. Ao Parlamento, como legítimo representante da soberania popular, ca-beria o criterioso exame e a avaliação do real con-teúdo dos direitos, obrigações e compromissos internacionais implícitos no referido acordo e sua manifestação representaria a vontade do po-vo brasileiro. Depois de aprovado o ato interna-cional pelo Congresso através de decreto legisla-tivo, ficaria ele ratificado, podendo o chefe do Es-tado assumir legitimamente os compromissos internacionais (Fontanive, 1994).

Por esses motivos, em razão da complexidade da matéria e pelo elevado grau de compromissos assumidos e de interferências nas políticas e re-gulamentações nacionais, seria de esperar que o Congresso Nacional procedesse a uma análise bastante criteriosa, em tempo adequado, buscan-do conhecimentos mais aprofundabuscan-dos acerca buscan-dos efeitos – de ordem política, econômica ou social – decorrentes da adesão do país ao acordo.

No entanto, não era esse o espírito da ação do Congresso Nacional. Os longos e complexos acordos da Rodada Uruguai não seriam analisa-dos em cada um de seus mandamentos. Foram frutos de sete anos de difíceis negociações entre centenas de representantes dos países-membros. Alguns acordos, como o da agricultura e o dos têxteis, representavam mais do que isso, pois fo-ram buscados durante os 47 anos de vigência do GATT em suas diferentes rodadas de negocia-ções.

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iní-cio das operações da OMC, em janeiro de 1995. Os elaboradores dos textos desses acordos tiveram o cuidado de inserir a impossibilidade de um Estado fazer ressalvas ou reservas na eta-pa da ratificação, ou seja, a proibição da hipóte-se de que algum Estado possa não concordar com algum dispositivo de um acordo, ou com um acordo por inteiro, e colocar-se à margem de seu cumprimento. Aqui, o déficit para a sobera-nia parece também evidente.

A mensagem presidencial, então, expôs o as-sunto para o Congresso Nacional de forma bas-tante restrita: ou o Brasil ratificava o Acordo por inteiro e da forma como foi elaborado, ou se situava fora da regulamentação do comércio in-ternacional e pagaria caríssimo pelo custo dessa decisão, ficando até mesmo à margem da OMC como país não-signatário. Essa era a decisão a ser tomada. O mérito dos acordos constitutivos da Ata Final não estava em pauta. Não cabia à sociedade representada apreciá-los, tampouco modificá-los ou determinar sua ressalva àque-les pontos que pudessem prejudicar a estratégia nacional de desenvolvimento.

Tomando conhecimento do vastíssimo elen-co de textos somente no momento de seu envio para iniciar o processo de ratificação, restava, pois, ao Congresso Nacional, aceitar ou recusar todo o conjunto de acordos negociados pelo Executivo na Rodada Uruguai, sem dispor de es-tudos concernentes aos seus conteúdos e aos impactos que certamente teriam na sociedade brasileira, a não ser os depoimentos dos repre-sentantes do ministério do próprio governo, em particular, os da área diplomática.

Essa tensão entre a política internacional e a política doméstica, em especial, no que se refere aos princípios da democracia, mas também aos da soberania, de acordo com Held (1995), colo-ca a questão de como compensar a defasagem entre o espaço de representação – no parlamen-to, onde representantes de segmentos sociais tentam maximizar seus interesses – e o espaço de decisão – no executivo, onde os governantes tentam alocar recursos e instituir políticas e programas para responder às demandas inter-nas e exterinter-nas.

A assinatura do Acordo era fundamental ao Governo para a inserção do Brasil no mundo globalizado, conforme as diretrizes da Rodada Uruguai, e para melhorar suas chances de com-petitividade. Fora do Acordo, o país seria mar-ginalizado e ficaria em condições ainda mais di-fíceis na competição pelos mercados externos no processo de globalização.

Soberania e democracia

Para Cox (1997), o significado m ais am plo e geral da globalização refere-se à crescente co-nexão e interdependência – dos países – em es-cala m undial, sendo que esta conexão seria m ultidim en sion al, pois abran geria aspectos de segurança, economia e bem-estar, ecologia, cultura e valores de todas as espécies.

Segundo esse autor, a globalização fez com que a com petitividade nos m ercados m un -diais se transformasse no objetivo número um das políticas de Estado. E o conjunto de medi-das para alcançar este objetivo compreendia a desregulação dos controles econôm icos e fi-nanceiros, a privatização de em presas públi-cas, as restrições fiscais e a redução drástica dos gastos públicos com políticas sociais, en -tre outras receitas dos organism os m ultilate-rais financiadores (Cox, 1997).

Tal perfil de políticas de Estado, nas quais se inclui a imposição da austeridade via ajuste estrutural para os países periféricos, inviabili-zaria as esperan ças dos países do Terceiro Mun do em con struir políticas de bem -estar social e de evitar suas conseqüências, como o desemprego massivo, a crescente polarização social e o avanço da violência em todas as suas formas, que comprometeriam, de modo signi-ficativo, o processo de desenvolvimento da de-mocracia interna (Cox, 1997).

Pode-se dizer que um bom sistem a de regulam entação e controle sanitário é im por -tante para uma política de bem-estar social e, também, que, nos países periféricos, ele sofre a m esm a lógica de m inim ização em favor da com petitividade econôm ica. Em term os eco-nômicos, essa minimização favorece os países centrais que têm instituições mais fortes e me-lhores estruturas de regulamentação e contro-les sanitários, motivo pelo qual seus produtos gozam de credibilidade adicional. Sem barrei-ras alfandegárias, estes entram facilmente nos mercados dos países em desenvolvimento, on-de o controle sanitário é on-deficiente e precário.

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seguem os regulam entos rigorosos das insti-tuições dos países importadores. A democra-cia interna ainda não é suficiente para enfren-tar esta questão.

Em relação à soberania, os acordos sanitá-rios do GATT podem ser avaliados por essas diferen tes abordagen s. Sob o pon to de vista in stitucion al – e globalista – é possível con -cluir que, por definir certos procedimentos e regras para todos os estados, estes significam avanço em relação à situação anterior, na qual os estados mais fracos ficavam sujeitos a qual-quer tipo de arbitrariedade por parte dos mais poderosos. H á um a in stitucion alização n o plano internacional que constitui mais um fo-ro de busca de entendim entos, contribuindo para dim inuir a anarquia do am biente inter -nacional e, assim, ao menos formalmente, ha-veria melhores possibilidades para os estados periféricos.

Por outro lado, é um acordo que deixa os estados mais poderosos perfeitamente à von -tade para fixarem o nível de exigência que en-tendem ser o certo, pois dispõem de recursos e m ediações in stitucion ais que lhes perm item justificar e sustentar, política e cientificamen-te, suas escolhas e seus interesses, filtrando as conseqüências indesejáveis. Da maneira como estão colocados os procedimentos nos acordos san itários, os estados m ais fracos ficam com imensa dificuldade de se constituírem interlo-cutores no mesmo plano dos estados centrais. No fundo, a determinação das medidas sanitá-rias segue a lógica da divisão do poder en tre os estados nacionais do sistema internacional. En quan to n ão se con strói a dem ocracia cosm opolita heldiana, é forçoso reconhecer que a internacionalização tem causado cres-centes prejuízos no plano da política interna. Isso se verifica tanto no aspecto da dem ocra-cia liberal – da participação no processo deci-sório de construção de políticas de Estado vol-tadas ao bem-estar coletivo segundo objetivos nacionais – quanto no plano da soberania de cada nação, no sentido de tomar a si a decisão e condução do que acontece dentro de suas fronteiras.

O processo de ratificação dos acordos do GATT no Congresso dem onstra claram ente que a discussão dos acordos e a adesão do Bra-sil a eles realizam-se em detrimento da demo-cracia interna. Ainda mais, o Executivo usur-pa o poder do Legislativo como foro de elabo-rações políticas sobre regulamentação de ma-térias do interesse de toda a sociedade.

São muito preocupantes as advertências de Cox (1997) acerca do esvaziamento do proces-so político de escolhas en tre altern ativas de desenvolvimento, além da redução da ativida-de política à programação e à gerência ativida-de pro-jetos definidos alhures, em foros nos quais a hegemonia pertence aos estados centrais, co-mo foi o caso dos acordos do GATT. Ainda m ais preocupante é o conseqüente ceticism o que se desenvolve na população em virtude da incapacidade de a política interna enfrentar os problemas básicos de desemprego, corrupção e, ain da, a deterioração dos serviços básicos com o a saúde e a seguran ça. A globalização das decisões, incluindo aqui a regulamentação de aspectos da vida nacional, gera descrédito nas autoridades políticas e apatia cívica em re-lação à participação e ao aperfeiçoamento do processo dem ocrático. O vazio na dim ensão da política deprime o movimento social, reti-ra o vigor do processo participativo, prin ci-palmente, do segmento excluído, e tende a ser preenchido por outros movimentos, em geral, con stitutivos da violên cia e da organ ização criminosa.

A soberania parece estar, da mesma forma, em processo de enfraquecim ento face às ten -dências das relações internacionais. Aqui, os questionamentos aparentam ser maiores, por-quanto se relacionam à fragilização do Estado, com a erosão de sua autoridade, e a um corres-pondente aumento da competência de organi-zações internacionais, com o sugere Rosenau (1995).

Se, por um lado, o globalismo estimula os estados soberan os a respon sabilizarem -se m ais dian te de suas populações e dos outros estados, por outro, ele perpetua as diferenças, pois retira a soberania das unidades, fazendo-as trilhar os caminhos homogêneos propostos pelas agên cias m ultilaterais. As em presas transnacionais também exercem destacadíssi-mo papel nesse processo e acabam autonomi-zando-se das autoridades nacionais nos países periféricos.

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internacional. O Acordo sobre Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relaciona-dos ao Comércio (ADPIRC), mais conhecido pela sigla em inglês TRIPS, também constante do Acordo do GATT, que dispõe sobre a prote-ção patentária de inovações tecnológicas, se-ria outro exemplo emblemático dessa estraté-gia.

As exigências dos acordos sanitários signi-ficam , por um lado, um a institucionalização no plano internacional que pode dificultar o arbítrio ao in stituir n orm as com un s a todas as unidades. Por outro lado, determ inam maior dificuldade à competitividade dos paí-ses m enos desenvolvidos por sua fragilidade econôm ica, tecnológica e institucional, con -tribuindo para a eternização das diferenças.

Con struir sistem as de regulam en tação e con trole san itário voltados para a proteção dos cidadãos de um território definido, com autonomia face a outros estados para determi-n ar as regras e as m edidas determi-n ecessárias a essa população parece ser, cada vez mais, algo difí-cil, somente suportado pelos estados mais po-derosos. Para os cidadãos da periferia essa é uma situação de desconforto e inconformida-de.

Outros acordos e regulamentos internacionais de interesse sanitário

Ou tros acordos in tern acion ais têm gran de importância para o controle sanitário, pois se relacionam direta ou indiretamente com o ge-renciam ento de riscos à saúde. São aqui ape-nas enumerados com o objetivo de aumentar a informação ao público e a consciência sobre suas implicações:

1) a Convenção da Basiléia – que define dire-trizes para o tran sporte tran sfron teiriço de cargas perigosas; aborda igu alm en te o pro-blem a do destino seguro dos resíduos indus-triais tóxicos, vendidos ou doados, muitas ve-zes, aos países da Am érica Latina, da Ásia ou da África pelas in dú strias dos países desen -volvidos.

Sabe-se qu e os resídu os in du striais são fon tes inequívocas de contam inações – em particular, de superfícies e de lençóis freáticos – que trazem graves riscos à saúde. O caso da im portação de baterias de carro u sadas n o Brasil é típico. Depois de aproveitados alguns componentes das baterias usadas, suas carca-ças são abandonadas nos lixões ou aterros

sa-nitários m unicipais, con tam in an do com chum bo m uitos locais e águas. O saturnism o e outras doenças não têm estatísticas precisas qu e perm itam avaliar a m agn itu de do dan o ambiental e sanitário envolvido.

2) o Acordo de Montreal – que aborda o pro-blema da camada de ozônio, busca diminuir o uso dos gases que causam sua destruição, em especial o cloro-flúor-carbono (CFC), bastan-te utilizado em m uitos cam pos in dustriais, principalmente a fabricação de refrigeradores e assemelhados, bem como em produtos (cos-méticos, in seticidas, san ean tes, etc.) do tipo

spray.

Além das im plicações am bien tais, a des-truição da camada de ozônio é um dos fatores comprovadamente determinantes do aumen -to do câncer de pele tan-to no Brasil como em várias partes do mundo.

3) o Protocolo de Kyoto – sobre o problem a do aquecim ento global, busca dim inuir as emanações de gás carbônico (CO2) por meio de cotas máximas permitidas aos países, com o objetivo de estancar o aumento gradativo da temperatura média no planeta.

O aquecimento global desequilibra todo o re-gime do clima – temperatura, geleiras, chuvas e assim por diante –, comprometendo toda a eco-logia e, em especial, o futuro das novas gerações. 4) o Programa Internacional de Controle de Substâncias Químicas – que busca avaliar o risco das milhares de substâncias químicas utilizadas industrialmente.

O desvendamento dos efeitos sobre a saúde humana no que diz respeito ao uso de milhares de produtos químicos, certamente trará explica-ções acerca da ocorrência de muitas doenças – principalmente, as crônicas – que hoje acometem as populações de todos os lugares do mundo. O Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos estima que são conhecidas cerca de 5 mi-lhões de substâncias químicas e que mais de 70 mil delas são hoje utilizadas comercialmente. Dessas, apenas 3,5 mil têm alguma consideração relacionada a suas implicações ambientais e 2 mil têm estudos relacionados ao seu uso em alimen-tos. Para cerca de 80% das 70 mil substâncias não há qualquer estudo a respeito do risco à saúde (NRC, 1988).

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Essa Convenção talvez seja um dos mais im-portantes acordos da comunidade internacional, pois seus temas têm importância crucial para a manutenção das condições de vida de todas as es-pécies naturais e poderiam servir de fundamen-to para as políticas de desenvolvimenfundamen-to e de re-gulamentação em vários campos da vida social e econômica.

6) o Protocolo de Cartagena – que faz parte da Convenção da Diversidade Biológica e busca proteger a diversidade biológica dos riscos po-tenciais relacionados aos organismos genetica-mente modificados, resultantes da biotecnologia moderna, estabelece acordo de informação como procedimento para que os países manifestem concordância no que se refere a importações de organismos geneticamente modificados.

Esses acordos internacionais podem ser per-cebidos como verdadeiros processos de regula-mentação de riscos relacionados a temas de gran-de interesse para a saúgran-de pública nacional e in-ternacional. Além deles, negociados comumente pela área diplomática, existem outros processos regulatórios de grande importância para o con-trole sanitário, que são negociados por instâncias mais técnicas do Poder Executivo nacional: a) Comissão do Codex Alimentarius, aprovada na Conferência da Organização da Alimentação e Agricultura (FAO), de 1961, e na Assembléia Mundial da Saúde da Organização Mundial da Saúde (WHO), de 1963, juntamente ao seu esta-tuto, que define os objetivos e as funções, e seu re-gimento, que estabelece os procedimentos de tra-balho.

A função da Comissão do Codex Alimenta-rius é constituir e executar o Programa Conjunto FAO/WHO sobre Normas Alimentares, que tem como objetivos: 1) proteger a saúde dos consu-midores e assegurar práticas eqüitativas no co-mércio de alimentos; 2) coordenar todos os tra-balhos relativos a normas alimentares empreen-didas por organizações governamentais ou não-governamentais; 3) determinar a ordem de prio-ridades e iniciar e dirigir a preparação de proje-tos de normas através de organizações apropria-das e com a ajuda destas; 4) finalizar as normas elaboradas conforme o item anterior e, depois de sua aceitação pelos governos, publicá-las em um Codex Alimentarius como normas regionais ou mundiais, junto às normas internacionais já fi-nalizadas por outros organismos, em acordo com o item 2) anterior, sempre que seja possível; e, 5) modificar as normas publicadas, depois de estudo oportuno, à luz das circunstâncias.

Além das normas de produtos, o Codex

con-tém normas gerais sobre: rotulagem de alimen-tos; aditivos alimentares; contaminantes; méto-dos de análises e amostragem; higiene méto-dos ali-mentos; nutrição e alimentos para regimes espe-ciais; sistemas de inspeção e certificação de im-portações e exim-portações de alimentos; resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos; e resíduos de praguicidas nos alimentos. Todas as normas aprovadas compõem o Codex Alimenta-rius e estão distribuídas em 13 volumes, os quais são classificados por tipos de alimentos, e com-preendem: 237 normas para produtos; 42 códi-gos de práticas de higiene ou tecnológicas; 185 agrotóxicos avaliados; 3.274 limites para resí-duos de agrotóxicos; 25 diretrizes para contami-nantes; 1.005 aditivos avaliados; e 54 medica-mentos veterinários avaliados (Los logros del Codex, disponível em: <www.fao.org>).

b) Conferência Internacional sobre Harmoni-zação (ICH), criada em 1990, mas com início em abril de 1991, quando foi estabelecido um Comi-tê Diretivo composto de seis representantes ofi-ciais – dois da Comissão Européia, dois da FDA/EUA e dois do Ministério da Saúde, Traba-lho e Bem-Estar do Japão – e de seis representan-tes das respectivas federações das indústrias far-macêuticas. Autoridades do Canadá e da Suíça – representando a Área Européia de Livre Comér-cio –, bem como da Organização Mundial da Saúde, participam como observadores da Confe-rência e têm assento no Comitê Diretivo.

A Conferência envolve agentes reguladores e representantes da indústria regulada como par-ceiros iguais nas discussões científicas e técnicas dos procedimentos, além de testes que são reque-ridos para avaliar a segurança, qualidade e eficá-cia dos medicamentos. Busca a harmonização dos requisitos de licenciamento de novos medi-camentos em seus mercados. O foco principal centra-se nos requerimentos relacionados aos novos fármacos que, em sua maioria, são desen-volvidos na Europa Ocidental, Estados Unidos ou Japão, razão pela qual a Conferência definiu que a harmonização vale apenas para o registro nessas três regiões, embora o objetivo seja o de expandir seu uso a todas as partes do mundo.

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c) Harmonização de regulamentos técnicos de produtos de interesse para a saúde no Mercosul. Depois de participarem de múltiplas formas e es-forços regionais de integração e de cooperação – entre os quais a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), em 1960, e a sua sucesso-ra, a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), em 1980 –, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai constituíram um bloco de integração econômica chamado de Mercado Comum do Sul (Mercosul), mediante a assinatura do Tratado de Assunção em 1991. O Tratado de Assunção pre-vê: 1) a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os quatro países; 2) o estabele-cimento de tarifas aduaneiras comuns e a adoção de uma política comercial comum com relação a outros estados; 3) a coordenação de políticas ma-croeconômicas e setoriais; e, 4) o compromisso de harmonizar suas legislações nas áreas corres-pondentes (Brasil, 1996).

O programa de liberação comercial prevê re-duções tarifárias progressivas, lineares e automá-ticas, acompanhadas da eliminação de restrições não tarifárias ou medidas de efeito equivalente. Nesse sentido, para que os produtos e serviços circulem livremente pelo mercado integrado, torna-se necessária a harmonização de leis e re-gulamentos técnicos que possam significar bar-reiras não alfandegárias aos fluxos comerciais.

Os regulamentos sanitários são um dos tipos mais freqüentes e importantes de barreiras não alfandegárias. Um elenco grande de produtos é enquadrado em legislação especial, de natureza sanitária, porque tem componentes cujo consu-mo ou uso pode trazer riscos, de diferentes ní-veis, para a saúde dos indivíduos e da coletivida-de. Assim, regulamentados desta forma, temos, na área de produtos: 1) os alimentos; 2) os medi-camentos; 3) os artigos de higiene pessoal, os cos-méticos e perfumes; 4) os saneantes domiciliares; e, 5) os produtos de uso médico, hospitalar, labo-ratorial e odontológico.

O trabalho de harmonização dos regulamen-tos técnicos sobre esses produregulamen-tos é realizado no âmbito das comissões temáticas que constituem o Subgrupo de Trabalho n. 11 – Saúde, ligado ao Grupo Mercado Comum, o órgão executivo mais importante do Mercosul. A agenda de cada reu-nião de trabalho deve abordar os temas previstos nas pautas negociadoras.

O tema dos alimentos, pela sua amplitude e complexidade, é tratado, desde o início, em 1991, em comissão específica, ligada ao SGT 3 – Regu-lamentos Técnicos e Avaliação de Conformidade. A Comissão de Alimentos é coordenada, no

Bra-sil, pelo Ministério da Agricultura embora a par-ticipação técnica mais importante seja do Minis-tério da Saúde, por meio da vigilância sanitária.

Cada regulamento técnico harmonizado é re-metido, pela comissão que fez o trabalho, ao SGT respectivo e este o remete, como recomendação, ao Grupo Mercado Comum (GMC) que, estando de acordo, edita uma resolução. Uma resolução do GMC significa um compromisso de cada Es-tado-parte em incorporá-la ao seu ordenamento jurídico, passando a vigorar em seu território. d) Conferência Internacional de Autoridades Regulatórias, promovida pela Organização Mun-dial da Saúde (OMS), a cada dois anos. Nos últi-mos vinte anos já foram realizados nove encon-tros, o último deles na Alemanha, em abril de 1999, reunindo mais de 280 participantes oriun-dos de 90 países. Nessa reunião foram abordaoriun-dos os seguintes temas: boas práticas de regulação; certificação de produtos objetos de comércio in-ternacional segundo esquema da OMS; medica-mentos falsificados; qualidade na regulamenta-ção; zonas de livre comércio; estudos de utiliza-ção de medicamentos; esforços regionais sobre a regulação do tabaco; implicações da comunica-ção eletrônica na regulacomunica-ção; sessões para grupos especiais de pessoas como idosos e crianças; bioequivalência; medicamentos derivados do plasma humano; produtos naturais; e medica-mentos essenciais – acesso e regulação.

e) Conferência Pan-Americana de Harmoniza-ção da RegulamentaHarmoniza-ção Farmacêutica, realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPS), desde 1997, seguindo a sistemática da OMS. A primeira Conferência realizou-se em no-vembro de 1997, a segunda em nono-vembro de 1999, ambas em Washington (EUA), e a terceira em 2001. A organização das Conferências conta com a colaboração das entidades representantes das indústrias: a Federação Latino-Americana da Indústria Farmacêutica (Fifarma), que represen-ta majorirepresen-tariamente as empresas multinacionais; e a Associação Latino-americana de Indústrias Farmacêuticas (Alifar), que representa as indús-trias de capital nacional na região. Os represen-tantes da indústria participam também de todos os trabalhos da Conferência.

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concei-to de países de referência; o fortalecimenconcei-to das agências reguladoras; processos de harmoniza-ção por blocos econômicos; e a aproximaharmoniza-ção com a Conferência Internacional de Harmonização (ICH).

A II Conferência abordou principalmente os temas dos testes de bioequivalência e biodisponi-bilidade; as boas práticas clínicas; as boas práti-cas de fabricação; a falsificação de medicamen-tos; e a classificação de medicamentos (com e sem prescrição). Também foram abordados os temas da formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), do processo de harmoniza-ção farmacêutica na Europa e informes sobre a 9aConferência Internacional de Autoridades

Re-guladoras (ICDRA).

Embora sejam chamadas de Conferências Pan-Americanas de Harmonização da Regula-mentação Farmacêutica, não há regimento para orientar o processo de harmonização, não são discutidas especialmente propostas de harmoni-zações e tampouco há prazos ou compromissos dos países.

Considerações finais

A in tern acion alização da econ om ia e seu con texto de con seqü ên cias – in ten sificação das trocas com erciais e m udan ças n as estratégias de produção (com o terceirização, au -m ento de escala e concentração das fábricas) – m udaram as relações en tre o com ércio e a saúde, aqui en ten dida com o a regulam en ta-ção e o con trole san itário. Para os san itaristas, a questão é clara: a proteção e a seguran -ça d a p op u lação são p r ep on d er an tes sobr e os in teresses com erciais. Para os econ om is-t as e em p r esár ios, as bar r eir as san iis-t ár ias são, an tes, obstácu los ao desen volvim en to do com ércio e devem ser lim itadas ao estri-tam ente necessário.

A própria Organ ização Mu n dial da Saú -de (OMS) está preocupada com os processos relativos a conflitos com erciais que são analisad os e ar bit r ad os n a O r gan ização Mu n -dial do Com ércio (OMC) sem qu e se con si-dere a existên cia de padrões ou de con heci-m ento técnico-científico sisteheci-m atizado, dis-pon ível e adequado. As decisões acerca desses con flitos – qu e en volvem govern os, em -presas e con su m idores – vão con form an do gr ad at ivam en t e u m a esp écie d e ju r isp r u -dên cia em in en tem en te pragm ática, qu e po

-de con sagrar van t agen s com erciais e n ovos

prot ecion ism os, ju st ificados em con sidera-ções de du vidosa base cien t ífica e t écn ica, qu e t en h am u m im pact o n egat ivo sobre a saú de das popu lações ou preju diqu em o de-senvolvim ento adequado das relações com er-ciais(OPS/OMS, 1997).

A OMS busca form alizar com a OMC um protocolo de cooperação técn ica para atuar n essa área de preocupação, en ten den do que

os govern os, em presários e os con su m idores devem esforçar- se para qu e se t en h a n íveis su periores de regu lam en t ação, defin ição e adoção de padrões e de con t role san it ário a respeito da com ercialização de produ tos e de seu im pacto no am biente(OPS/ OMS, 1999). Avaliações na linha realista a respeito das negociações dos regulam entos sanitários ex-plicitam um processo em que os valores uni-versais da lógica san itária n ão são o fu n da-m en to e o deterda-m in an te prin cipal das posi-ções dos delegados. Com m aior ou m en or ên fase, as preocu pações com o aspecto eco-n ôm ico e os ieco-n ter esses eco-n acioeco-n ais d eter m i-n am a bu sca, p or m eio d a r egu lam ei-n tação sanitária, de vantagens relativas para os paí-ses m ais desenvolvidos.

Além do m ais, apesar de todas as regula-m en tações, h ar regula-m on izadas ou n ão, seregula-m pre haverá a possibilidade de que um país neces-site adotar m edidas san itárias que sejam diferentes ou m ais rigorosas do que as existen -tes. O argu m en to form al é qu e deve h aver ju stificação cien tífica, ou seja, decisão coe-r en te e con sisten te, decoe-r ivada da adequ ada avaliação do risco en volvido, em todas as su as dim en sões. Para isso, com o já foi afir -mado anteriormente, é extremamente neces-sária u m a in stitu cion alidade especializada, p ar a qu e o p aís ten h a for ça su ficien te p ar a afirm ar su a decisão tan to n o plan o técn ico como jurídico, político e administrativo.

Por outro lado, de acordo com o enfoque globalista, a norm atividade no com ércio in ternacional – fundam entada em regulam en -tos harm on izados por blocos de in tegração r egion al, n as r egr as d a O r gan ização Mu n -dial do Comércio, no Codex Alimentarius ou em acordos bilaterais en tre países – estabe-lece-se gradativam en te n o sen tido da con s-tru ção de ju rispru dên cia in tern acion al, n a qu al as dem on strações e con ven cim en tos m ú tu os acer ca d as n ecessid ad es d e n íveis apropriados de proteção san itária às popu -lações têm im portância fundam ental.

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sobr e os r eflexos ( n egativos) n o espaço da dem ocracia ou da soberania dos estados m e-n os desee-n volvidos, é e-n ecessário que se refli-ta m ais p r ofu n d am en te sobr e os acor d os e p r ocessos d e r egu lam en tação san itár ia in -ter n acion al qu e, n a m aior p ar te d as vezes, n ão qu estion am as ten d ên cias e os p r oble-m as de fu n do qu e in tervêoble-m n o risco san itá-rio. A avaliação e a gerên cia do risco são co-locad as n a estr eita m old u r a d a r elação r is-co-benefício (Griffiths et al., 1997), calcula-do apenas em term os biológicos, em lugar de um a visão m ais com pleta, em que os objeti-vos in clu am per spectivas de lon go pr azo, m odelos produ tivos su sten táveis, qu estões culturais, sociais e éticas, ou seja, que incor por em cer ta exegese da tecn ologia e da ca -deia produtiva.

O Com itê do Codex sobre Resídu os de Pesticidas, por exem plo, trabalh a para de-term in ar os lim ites de resíduos destas subs-tân cias n os alim en tos. No en tan to, n ão lida de m odo adequ ado com tem as tais com o as doen ças ocu pacion ais e os im pactos dos agrotóxicos n a águ a, n o solo e ar (Avery, Drake e Lan g, 1993) . O m esm o raciocín io pode ser aplicado às drogas veterinárias, aos aditivos alim entares, à biotecnologia e assim por dian te. É u m a r egu lam en tação ex post

qu e tem gr an d e cu id ad o em n ão in ter fer ir ou questionar as tecnologias que aum entam a produ tividade. Avery et al. fizeram u m a avaliação sobr e os par ticipan tes dos tr aba-lh os de regu lam en tação e con clu íram qu e predom in am os delegados privados, repre-sen tan tes de em presas diretam en te in teres-sadas n os tem as, em detr im en to de delega-dos gover n am en tais ou de or gan izações de defesa do consumidor.

É n essa m esm a lin ha de crítica que auto-res com o Porto e Freitas (1997) question am as m etodologias fragm en tadas de avaliação de risco n o cam po do trabalho, propugn an -do n ovas abordagen s teórico-m eto-dológi- etodológicas, m ais in tegradoras com a dim en são am -bien tal m ais ger al, qu e p ossibilitem d iag-nósticos integrados e sínteses sistêm icas, em bu sca de políticas pú blicas m ais globais de avaliação e gerenciam ento de risco. Os m es-mos autores preocupam-se com a velocidade da capacidade de in ovação tecn ológica n o ram o da quím ica, que coloca n o m ercado, a cada an o, en tre m il e du as m il n ovas su bs-tâncias. Apenas um a pequena parcela dessas n ovas su bstân cias tem avaliação m in im

a-m en te adequ ada sobre os riscos ao H oa-m ea-m e ao am biente. Essas inovações tecnológicas, qu e alim en tam o desen volvim en to in du strial n o ram o da qu ím ica, vêm determ in an -do u m au m en to -dos riscos em velocidade bem superior à capacidade científica e insti-tucional de avaliá-los e gerenciá-los.

Tom an do com o exem plo o que acon tece na área dos alim entos, vê-se que a Com issão do Codex e o Acordo sobre Medidas San itá-rias e Fitossanitáitá-rias (AMSF) tratam os pro-du tos pr in cipalm en te com o com m odit iese n ão com o alim en tos em su a dim en são total e em sua im portân cia vital para os seres hu -m an os. Seu processo segu e as diretrizes e a lógica d o sistem a in d u str ial d e p r od u ção, que direcion a hoje toda a produção agrope-cu ária, e a ele respon de m ais do qu e à preo-cupação com os graves problem as do acesso da população à comida (food secu rity) e à se-gurança sanitária (food safety).

Atualm ente, as exigências do m undo são difer en tes daqu elas dos an os 60, qu an do a “revolução verde” acen ava com a abun dân -cia d a p r od u ção m ecan izad a d e alim en tos para o mundo. Como foi debatido no Encon -tro da Terra ( Earth Su m m it, realizado n o Rio de Jan eiro, em 1992), a im portân cia do desen volvim en to su sten tável e da proteção do am bien te torn ou -se prim ordial. A Cm issão do Codex precisa in corporar as n o-vas n ecessidades, defin in do n ovos fu n da-m entos para sua estrutura, forda-m a e doutrina de tr abalh o. A atu al tecn ologia pr odu tiva tan to d e alim en tos p r im ár ios com o d e in -du str ializados, sem cr íticas e avaliações de seu s fu n dam en tos, ten de a segu ir u m cam inho que agrava os atuais problem as de segu -ran ça alim en tar e segu -ran ça san itária. A ló-gica básica do atual sistem a produtivo, preo-cupada quase que exclusivam en te com a di-m ensão econôdi-m ica – audi-m ento de produtivi-dade –, dem anda, de form a crescente, m ais e m ais pesquisas e avaliações de risco e m ais e m ais r egu lam en tações, sem deixar espaço para abordagen s diferen tes e de outra n atu -reza.

Referências

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