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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
ARTIGO
ORIGINAL
Os
Jogos
Desportivos
Luso-Brasileiros
e
os
Congressos
Luso-Brasileiros
de
Educac
¸ão
Física
no
âmbito
das
relac
¸ões
internacionais
Brasil-Portugal
(década
de
1960)
Victor
Andrade
de
Melo
ProgramadePós-Graduac¸ãoemHistóriaComparada,InstitutodeHistóriaeProgramadePós-Graduac¸ãoemEducac¸ão, UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,RiodeJaneiro,RJ,Brasil
Recebidoem16deabrilde2012;aceitoem11dejunhode2013 DisponívelnaInternetem23deoutubrode2015
PALAVRAS-CHAVE
Históriadoesporte; Históriadaeducac¸ão física;
Relac¸ões internacionais; Relac¸ão Brasil-Portugal
Resumo Este estudo objetiva discutir os Jogos Desportivos Luso-Brasileirose os Congres-sosLuso-BrasileirosdeEducac¸ãoFísicanoâmbitodasrelac¸ões internacionaisBrasil-Portugal (décadade1960).Paraalcancedoobjetivo,comofontesforamusados:oBoletimdoUltramar, aRevistadeEducac¸ãoFísicaeosArquivosdaEscolaNacionaldeEducac¸ãoFísicaeDesportos (Enefd). Ointuitoélanc¸ar novosolhares paraamobilizac¸ãodo esportenoâmbitoda polí-ticacolonialportuguesa,bemcomoparaorelacionamentoentreBrasilePortugalnaesferada educac¸ãofísica/ciênciasdoesporte.Aofim,chamamosaatenc¸ãoparaanecessidadedeavaliar comcuidadoasiniciativascontemporâneassemelhantesàsinvestigadas.
©2015ColégioBrasileirodeCiênciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
KEYWORDS
Sporthistory; Physicaleducation history;
International relations; Brasil-Portugal relations
Luso-BrazilianGamesandLuso-BrazilianCongressofPhysicalEducationinthecontext ofBrazil-Portugalinternationalrelations(1960’s)
Abstract ThisstudyaimstodiscusstheLuso-BrazilianGamesandLuso-BrazilianCongressof PhysicalEducationinthecontextofBrazil-Portugalinternationalrelations(1960’s).Toreach thegoal,assourceswereusedBoletimdoUltramar,RevistadeEducac¸ãoFísicaandArquivos daENEFD.TheaimistolaunchnewlookstothemobilizationofsportinPortuguesecolonial policyandtorelationbetweenBrazilandPortugalinPhysicalEducation/SportSciencearea.
E-mail:victor.a.melo@uol.com.br
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2015.10.005
Attheend,wedrawattentiontotheneedtocarefullyevaluatecontemporaryinitiativessimilar tothoseinvestigated.
©2015ColégioBrasileirodeCiênciasdoEsporte.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Allrights reserved.
PALABRASCLAVE
Historiadeldeporte; Historiadela educaciónfísica; Relaciones internacionales; RelaciónentreBrasil yPortugal
LosJuegosDeportivos Luso-Brasile˜nos ylosCongresos Luso-Brasile˜nos deEducación FísicaenelámbitodelasrelacionesinternacionalesentreBrasilyPortugal(década de1960)
Resumen EsteestudiotieneporobjetivoabordarlarealizacióndelosJuegosDeportivos Luso-Brasile˜nosylosCongresosLuso-Brasile˜nosdeEducaciónFísicaenelcontextodelasrelaciones internacionalesentreBrasilyPortugalenladécadade1960.Paraalcanzarelobjetivo,se uti-lizaroncomofuenteselBoletimdoUltramar,laRevistadeEducac¸ãoFísicaylosArquivosda
ENEFD.Laintencióneslanzarnuevasmiradassobrelamovilizacióndeldeporteenlapolítica
colonialportuguesa,asícomosobrelasrelacionesentreBrasilyPortugalenelámbitodela educaciónfísica/cienciasdeldeporte.Alfinal,llamamoslaatenciónsobrelanecesidadde eva-luarcuidadosamentelasiniciativascontemporáneassimilaresalascelebracionesinvestigadas. ©2015ColégioBrasileirodeCiênciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todoslos derechosreservados.
Introduc
¸ão
Nopós-SegundaGrandeGuerra,Portugalencontrava-seem umasituac¸ãodelicadanocenáriodiplomáticointernacional. Emfunc¸ãodoregimeautoritárioquepersistianaquelanac¸ão desde1933,suacandidaturaamembrodaOrganizac¸ãodas Nac¸õesUnidassequerforaaceitaaté1955.Damesmaforma, haviapressõesinternacionaisparaqueopaísencerrasseseus lac¸oscoloniais(Pimenta,2010).
Portugal relutava tanto em adotar umanova forma de governoquantoemdarfimasuapolíticacolonial.Para res-ponder às múltiplas pressões, entabulou-se uma série de iniciativas, entre as quais investir na construc¸ão de uma imagemdequeacolonizac¸ãoportuguesaeradiferenciada, porpromovera‘‘civilizac¸ão’’erespeitaraspeculiaridades locais. Nesse sentido, uma das ac¸ões mais notáveis foi a mobilizac¸ãodasideiaslusotropicalistasdeGilbertoFreyre.1 Essaaproximac¸ãofoiainspirac¸ãodeoutraestratégia ado-tada:abuscadeintensificararelac¸ãocomoBrasil,aantiga colôniaquesupostamenteseriaaprincipalcomprovac¸ãodas tesesfreyreanas.
Considerandoessequadro,esteestudotemporobjetivo discutir os Jogos Desportivos Luso-Brasileiros e os Con-gressos Luso-Brasileiros de Educac¸ão Física, promovidos entre1960 e 1966, noâmbito das relac¸ões internacionais estabelecidasentreBrasilePortugal.Paraalcancedo obje-tivo,como fontesforamusados:o BoletimdoUltramar, a RevistadeEducac¸ãoFísicaeosArquivosdaEscolaNacional de Educac¸ão Física e Desportos (Enefd), periódicos que
1Paramaisinformac¸õessobreouso,porpartedogoverno
portu-guês,dasideiasdeFreyre,verCastelo(1998).
refletiamuma posic¸ãofavorável aoseventos.Também foi usadooDiáriodeLisboa,maiscríticoaogovernoportuguês (dentro dos limites possíveis no âmbito de um regime autoritário).
Ointuito é lanc¸arnovos olharesparaamobilizac¸ãodo esporte no âmbito da política colonial portuguesa, bem comoparaorelacionamentoentreBrasilePortugalnaesfera daeducac¸ãofísica/ciênciasdoesporte.Aofim,chamamos aindaaatenc¸ãoparaanecessidadedeavaliarcomcuidado iniciativascontemporâneassemelhantesàsinvestigadas.
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jogos,
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congresso
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relacionamento
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Como fimdamonarquiabrasileira(1889), estremeceram--se as relac¸ões diplomáticas com Portugal. Esse quadro comec¸ou paulatinamente a mudar, a princípio de forma tímida,comaproclamac¸ãodarepúblicaportuguesa(1910). Alémdealgumasiniciativaspordistintosmotivosfrustradas, basicamenteorelacionamentoseestabeleceupormeiode encontrosocasionaisatéascomemorac¸õesdocentenárioda independênciado Brasil (1922), ocasiãoem que, segundo Marie-JoFerreira(2008,p.119):
Minimizandoaomáximotodososconflitosatuaisou pas-sados entre os dois países, os governos português e brasileiro (...)reinterpretarama história da separac¸ão políticade1822eafirmaramamodernidadedasrelac¸ões luso-brasileiras,baseadasnoconceitodefraternidade.
luso-brasileira (Santos e Amorim, 2010).2 Para Gonc¸alves
(2009,p.266):
Doperíodoquesesegueà SegundaGuerra Mundialaté meadosdadécada de1960, asrelac¸õesBrasil-Portugal foram marcadas pela intensidade, pelo alto grau de participac¸ãodasociedadeepelaimportânciaqueosdois Estadosaelasemprestavam.Desdequeaindependência doBrasilfoiproclamada,nuncaosdoispaísesmarcharam tãojuntoscomonessesanos.
Depois de intensas negociac¸ões, com muitos fluxos e refluxos,em novembrode1953,aindanogovernoVargas, foiassinado entreospaíses oTratado daAmizade e Con-sulta, antes mesmo, perceba-se, do ingresso de Portugal naONU.Oficialmenteconfigurava-seaideiadeComunidade Luso-Brasileira.
AochegaràPresidênciadaRepública,Juscelino Kubits-cheknãosómantémcomoestreitaocontatocomPortugal, regulamenta e age para operacionalizar o Tratado. Para
Gonc¸alves (2009), nesse período observa-se o ápice da relac¸ão entre os países. Quatro motivac¸ões teriam sido responsáveis por tal proximidade: para o governo por-tuguês tratava-se de uma estratégia para reduzir seu isolamentodiplomático e conseguirumaliadona sua luta pela manutenc¸ão das suas colônias na África e na Ásia; parao governo brasileirohavia a ideiade que isso possi-bilitariaumamaiorentradanaEuropaemaiorproximidade comaOrganizac¸ãodoTratadodoAtlânticoNorte(Otan),da qualPortugalfaziaparte;internamente,noBrasil,haviaa influênciadograndenúmerodeimigrantesportugueses;por fim,nãomenosimportante,devemoslembrarosucessoda circulac¸ãodasideias deGilberto Freyrenosdois lados do Atlântico.
PortugalconsideravaqueoBrasiltinhagrandeexpressão na América Latina e bom trânsito na ONU e pode-ria ser sensibilizado para a causa portuguesa tanto por preocupac¸õescomaseguranc¸adoAtlânticoSulquantopela mobilizac¸ãodaideiadequeexistiamlac¸osdefraternidade emfunc¸ãodalínguae deumpassadocomum(Gonc¸alves, 2009).
Conformadoonovoalinhamento,Portugalefetivamente passouademandaroapoiodoBrasilnassuasquestões diplo-máticasmaisdelicadas. Aomesmo tempo, seencaminhou ummaior númerode ac¸ões para consolidar a imagem de amizadee união entreosdois países.Entre outras inicia-tivas,sãocriadasentidadesbinacionais, reflexõessobreo temasãoapresentadasem eventoseperiódicosesão fei-toscongressosluso-brasileirosdeváriosassuntos,3inclusive deeducac¸ãofísica,queaconteceram emconjunto comos JogosDesportivosLuso-Brasileiros.
2Rampinelli(2007)lembraqueaideiasurgiraoriginalmenteem
1917,lanc¸adaporBettencourtRodrigues.
3Aideiadecomunidadelusófona,porexemplo,foiotemacentral
doIVColóquiodeEstudosLuso-Brasileiros,em1959,emSalvador. Chefiavaadelegac¸ãodePortugalnadamenosdoqueMarcelo Cae-tano,naalturareitordaUniversidadedeLisboa,futuropresidente doConselhodeMinistros.
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Dentro do conjunto de iniciativas de aproximac¸ão entre os países,o Brasil foi convidadoa ocupar espac¸o de des-taque nas comemorac¸ões do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, as festas henriquinas, em 1960. Para Portugal, tratava-se deuma formade reiterara tão importante alianc¸a, expressar a gratidão à antiga colônia emundialmentedemonstraroslac¸osdefraternidadeentre oslusófonos,umsinaldequeacolonizac¸ãoportuguesaera supostamente distinta emitido em um momento em que cresciamascríticasaocolonialismoportuguês.
Comopartedascomemorac¸õeshenriquinas,entre3e14 deagostode1960,ecomeventosemváriascidades portu-guesas,foramfeitososIJogosDesportivosLuso-Brasileiros. O evento teveinício, portanto,dias antesda chegadade Juscelinoa Portugal (6de agosto), numasemana em que osjornaisfartamenteexaltaram apresenc¸adopresidente brasileiro.
Um dos idealizadores e principais artífices dos Jogos foi João Havelange, que acabara de assumir a presidên-cia da Confederac¸ão Brasileira de Desportos e desejava ampliar seu protagonismo internacional. A competic¸ão, a seraprincípioorganizadaacadadoisanos,foicriadapara serumacelebrac¸ãodoslac¸osdeamizadeentreosdois paí-ses.Sugeriu-seatéquenãohouvesseatradicionalpremiac¸ão por colocac¸ão (ouro,prata e bronze),mas sim que todos recebessemmedalhascomemorativas.
Os jornais lisboetas, inclusive o normalmente menos eufórico Diário de Lisboa,não pouparam elogiosà inicia-tiva:‘‘Constituiuumespectáculoinolvidávelainaugurac¸ão noPortodosJogosDesportivosLuso-Brasileiros’’.4Na repor-tagemem que comenta a‘‘extraordinária cerimônia,que será sempre recordada’’, o periódico enche de elogios o embaixadorbrasileiroNegrãodeLima,que,emsubstituic¸ão aÁlvaroLins,manifestadamentecríticoaSalazar,aténoque serefereàsuapolíticacolonial,foiumdosresponsáveispor alinharoBrasilcomosinteressesportugueses.Faz-se ques-tãodeobservarque:‘‘CáforadoEstádio,amultidãovoltou aaplaudiroDr.NegrãodeLima,queergueuosbrac¸os, entu-siasmado,soltandoumvivaaoPorto,retribuídocomoutros vivasaoBrasileaoDr.KubitschekdeOliveira’’.
Ascríticasdosjornaisaoeventoemmomentoalgum toca-ram na questão simbólicaque envolvia o evento: mesmo osmaiscríticosao governoSalazar viamcombonsolhosa alianc¸acomoBrasil.Asressalvasforamrelativasàdeficiente organizac¸ão:conclamava-sequeissofosseaperfeic¸oadode formaagarantiracontinuidadedosJogos,paraexponenciar osganhosqueambosospaísespoderiamter.
Emseguidaaoeventoesportivo,entre15e20deagosto de1960foifeito,emLisboa,oICongressoLuso-Brasileiro de Educac¸ão Física. O diretor da Divisão de Educac¸ão Física (DEF) do Ministério da Educac¸ão e Cultura (MEC), AlfredoColombo,professordaEscolaNacionaldeEducac¸ão FísicaeDesportos(Enefd),foioresponsável pororganizar
a delegac¸ão do Brasil e conseguiu verbas federais para 15passagens(o governoportuguês ficouresponsávelpelas hospedagens),distribuídaspararepresentantesdasescolas deeducac¸ãofísicadosestados e técnicosdaprópria Divi-são.Alémdisso,viajaramcomrecursospúblicosdocentesda EnefdedaEscoladeEducac¸ãoFísicadoExército(EsEFEx).
Embora não tenha sido o tema central do debate, algumas conclusões apontaram claramente para a ideia de luso-brasilidade. Sugeriram-se: criac¸ão de uma Socie-dadeLuso-BrasileiradeEducac¸ãoFísica;discussãodeuma terminologiadesportivaemcomum;maiornúmerode inter-câmbiostécnico-desportivo;estímuloàproduc¸ãodeobras emportuguês.5
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O alinhamento da política externa brasileira às questões que interessavam a Portugal, posicionamento eivado de ‘‘sentimentalismo’’ pouco pragmático,trouxe prejuízos à imagemdopaís:
Oapoiobrasileiroaocolonialismoluso,mesmoque dis-creto, ajudou a dar fôlego à manutenc¸ão da presenc¸a portuguesanaÁfrica.EmboraoBrasilnãotenhamantido umapolíticairrestritadeapoioaPortugal,enemmesmo consensualnoplanointerno,aimagemdopaísficou pre-judicadaea diplomaciabrasileiratevequeseesforc¸ar em dobropara darumasatisfac¸ão coerente aospaíses africanos(PennaFilho,2006,p.1).
Porcompreenderquenãotraziaganhospolíticose econô-micos para o Brasil, entre outros motivos, os governos seguintes,JânioQuadroseJoãoGoulart,tentaram entabu-larmudanc¸asnaformaderelacionamentocomPortugal,no âmbitodachamadaPolíticaExternaIndependente.O inte-resseclaro,paraalémdequestõesideológicas,eracomec¸ar a garantir espac¸o para os produtos brasileiros nas novas nac¸ões africanasque seforjavam, nasdécadasde 1950e 1960,comoprocessodedescolonizac¸ão.
A despeito da nova orientac¸ão, no máximo o país passou a ser mais dúbio no que se refere à questão da autodeterminac¸ão das colônias africanas. Dequalquer forma,aindaseguiamuitodoanteriorapoioaPortugal,que continuava a mobilizar fatores sentimentais, incentivado pelo grandenúmero deportugueses que viviamno Brasil, porumsetordaimprensaeporumapartedosintelectuais ediplomatasbrasileiros(aindaqueoutrapartedesses tam-bémdemonstrasseoposic¸ãoaoalinhamento)(PennaFilho, 2006).
Ainfluênciadessenovoquadroéclaramenteperceptível nosII Jogos DesportivosLuso-Brasileiros, de28dejulho a 11deagostode1963,em13cidadesbrasileiras.Os discur-sossobreoevento,emgeral,poucolembramasexaltac¸ões comuns por ocasião daprimeira edic¸ão, ainda que sejam observáveismanifestac¸ões desimpatia, mais intensas por
5Foramapresentados37trabalhosdePortugal(somenteum
rela-tivoaumacolôniaafricana),19comunicac¸õesdoBrasilequatrode outrospaíses(umadaFranc¸a,umadaArgentinaeduasdaBélgica).
partedosportugueses,comovemosnaspalavrasdeBaltasar deRebeloSouza,chefedadelegac¸ãodePortugal:
EmbaixadadoDesportotalvezsepudessechamaranossa missão. E isso quer dizer Embaixada da Amizade mais pura,porqueoDesportoé, paraalémdetodoomérito de técnica devalorizac¸ão humana, uma dos eficientes instrumentos de aproximac¸ão entre os povos e, por-tanto, um dos autênticos caminhos dapaz (...).Neste caso particular, de brasileiros e portugueses, os lac¸os que nos prendem transformam osnossos encontros em fraternasjornadasdeverdadeiraexaltac¸ãodoforte sen-timento que possuímos: de uma grande e promissora Comunidade.6
O mesmo pode se observar no que se refere ao Con-gressoLuso-BrasileirodeEducac¸ãoFísica,noRiodeJaneiro, de 9 a 13 de agosto de 1963. De um lado, em alguns discursospercebe-seaexaltac¸ãodeideiastipicamente luso-tropicalistas. Vejamos o posicionamento de Jayr Jordão Ramos,emartigopublicadonaedic¸ãodosArquivosdaEnefd que antecedeu o evento: ‘‘Bibliografia luso-brasileira de educac¸ãofísica’’(1962). A iniciativa é apresentada como ‘‘contribuic¸ãopara o intercâmbio culturale fraternal, no campodasatividadesfísicas,entreespecializados portugue-sesebrasileiros’’(Ramos,1962,p.9).Nessaocasião,oautor elogiaosCongressosLuso-Brasileiros:
Aidentidadedalíngua,oparalelismohistórico,religioso, filosófico,culturaletradicionalqueexisteentreosdois povosemesmoosparticularismosqueosdistinguem,sem osseparar,definemumambientementaleespiritualque do pontode vistapedagógico, e mesmo metodológico, podeserparticularmenteútilaoproblemadaEducac¸ão Físicanosdoispaíses(Ramos,1962,p.10).
Deoutro lado,há ummenor númerodemanifestac¸ões sentimentaisedealinhamentopolítico.Asprópriassec¸ões estavammaissintonizadascomasdiscussõesrelacionadas à educac¸ão física nocenário internacional.7 Somente em trêsdos59 itensdasconclusõesseapontaparaaquestão darelac¸ãoBrasil-Portugal,mesmo assimde formatímida: ‘‘37---É vantajosoo intercâmbiode professorese alunos; 38---Épossível ointercâmbio dealunos doBrasil e Portu-gal,contantoqueosdoispaísesencontremumafórmulade equivalência;39---Devehavermaioresfacilidadespara tro-casdecomunicac¸ões,cedênciadefilmesedetesesdeuma Escolaparaasoutras,tantobrasileirasquantoportuguesas’’ (p.27).8
Umdositensaprovadosseafastamesmodoselogiosaos portuguesesedemonstracertaindependênciados brasilei-rosnaformadeconceberomovimento,umaconclusãobem
6DiáriodeLisboa,Lisboa,ano43,n◦.14.592,30dejulhode1963, p.10.
7Ocongressofoi estruturadoemcincosec¸ões: Educac¸ãoFísica
EscolareRecreac¸ão;Preparac¸ãoDesportiva;Formac¸ãoProfissional; MedicinaAplicadaaEducac¸ãoFísica;TemasLivres.Foram apresen-tados94trabalhos,11dePortugal(doisdeAngola),umdaBélgica eorestantedoBrasil.
8IICongressoLuso-BrasileirodeEducac¸ãoFísica(RiodeJaneiro,
adequadaaocontextodapolíticaexternabrasileirada oca-sião:
Recomenda-seque,nopróximoCongresso,sejam apre-sentadas (...) à considerac¸ão dos brasileiros outras comunicac¸õesreferentesàÁfricaPortuguesa,paraque, melhor conhecendo as possibilidades e limitac¸ões da Metrópole,noqueconcerneàproblemáticadas Provín-cias Ultramarinas, possam nelas se apoiar de maneira inequívoca,para umaapreciac¸ãomaisjusta dos meios comqueoGovernoPortuguêsassisteaspopulac¸ões pro-vinciaisautóctones(p.30).
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Aterceiraedic¸ãodoseventossedeuemmeioaumnovo qua-droderelac¸õesentreospaíses.Comogolpemilitarde1964, houveumrefluxodasposic¸õescontráriaseumnovoimpulso dasfavoráveisaosrelacionamentoscomPortugal.Em1966, oBrasilchegaareconhecerquenãodeveriahaver interfe-rênciasexternasnoqueserefereàsprovínciasultramarinas portuguesasporessasseremnãoterritóriosautônomos,mas simpartesefetivasdaquelepaís.
A despeito desse posicionamento, é importante perce-berque nãose tratavado mesmo alinhamentoobservado noperíodoKubistchek,atéporqueoItamaratydeu sequên-ciaàbuscadeatenderaosinteressescomerciaisdoBrasil, iniciativaoriginalmentedesencadeadanomomentoda Polí-ticaExterna Independente.De qualquer forma, a fala do ministrodasRelac¸õesExteriores,JuracyMagalhães,é explí-citadanatureza dorelacionamentonoprimeiromomento doregimedeexcec¸ão:
Éirrestritaanossaconfianc¸aemPortugal,arespeitodo futuro de suas unidades territoriais ultramarinas. Não derivaessa confianc¸a de quaisquer fantasias ou artifí-cios.O Brasil não podejulgar a missão civilizadora de PortugalnoUltramarsemteremmenteaprópria expe-riência nacional, semlevar em considerac¸ãoa política colonizadora portuguesa em nosso país, política hoje pacificamentequalificadadeprovidencialpelahistóriae asociologia.OBrasilnãocrêqueosportuguesespossam estar fazendohoje em Angola e Moc¸ambique obra dis-tintadaquerealizaramemnossopaís.Daíderivaanossa confianc¸aemPortugal,confianc¸aquereafirmamosacada momento,conscientesdequePortugalsaberáencontrar nastradic¸õesdeseusmaiores oscaminhos que o leva-rãoaum desfechodignodo atualimpasseultramarino (Magalhães,1966,apudPennaFilho,2006,p.35).
Nesse quadro, de 14 a 29 de julho de 1966, 13 cida-des da metrópole e oito das províncias (entre as quais Luanda e Moc¸ambique) receberam mais de 600 atletas
9Apartirde1951,comarevogac¸ãodoAtoColonial,ascolônias
passaramaserdenominadas‘‘provínciasultramarinas’’,umsuposto sinaldemaiorintegrac¸ãodoImpério.
(149 brasileiros) para os III Jogos Desportivos Luso--Brasileiros. Na cerimônia em que publicamente foi confirmadaa competic¸ão,em Lisboa,em1965, ogoverno portuguêsjáexplicitavasuasintenc¸ões:
Umfactoespecialmenterelevantehá,porém,que assi-nalar,noqueserefereaosJogosde1966.Équeneles, Portugalmostrapelaprimeiravezasuaverdadeiraface multiterritorial. Portugalsurge nestes Jogoscomo uma pequena-grandeNac¸ãoeuropeia,africanaeasiática.Se tal realidade já era patente ao atentarmos na etnolo-giados atletasparticipantes, faltariaporventura a sua demonstrac¸ãoafectiva,geográfica.10
Defato,asequipes nacionaisportuguesas jácontavam comatletasorigináriosdasprovínciasafricanaseasiáticas, maseraaindamaisestratégicodemonstrarqueoultramar eraconsideradocomoparteefetivadopaís,bemcomoque ogovernotinhacontrolesobreseuterritório,adespeitodos conflitoscoloniais,apresentadoscomorestritosapequenos espac¸osatacadospor‘‘terroristas’’.
Não surpreende, assim, que Portugal tenha envolvido tantos órgãosgovernamentais e feitograndes investimen-tosparaque tudosaíssedamelhorforma.Foi atémesmo concedidoumrecursoorc¸amentárioextraparafazerfrente aos gastos necessários.11 As altas despesas não se deve-ram somente aosgastos nosdiasdo evento,mastambém à preparac¸ãodasinstalac¸ões,já que ogovernoportuguês optoupordistribuirasprovaspormuitascidades.12
EmtodasassedesdosJogos,osbrasileirosforamsempre recebidoscompompaemcerimôniasmarcadaspor discur-sos,deambososlados,queexaltavamarelac¸ãodeamizade entreospovos.Porexemplo,naaberturadascompetic¸ões emMoc¸ambiquefoilidaaseguintesaudac¸ão:
Os nossos visitantes brasileiros voaram, da América à Europa, dali à Áfricapara sentirem deperto o sortilé-giodestagrandecomunidadelusíadaemquealínguade Camões e de Bilac é ponte indestrutível, erguida pelo gênioportuguêssobreotempoeadistância.13
Fazendoecoatalposic¸ão,ogeneralAntonioCastroFilho, chefedadelegac¸ãobrasileira,lembrouqueAfrânioPeixoto diziaqueCamõese oBrasilforamasprincipaisobras por-tuguesasdomundo.JáoalmiranteHelenodeBarrosNunes assimsepronunciou,paragostodasautoridadesdePortugal:
Temosacertezadequeessesquaseduzentosbrasileiros danossaembaixadaqueaquivieramvoltamàsuapátria comomensageiroseportadoresdasmelhoresimpressões quesepodemrecolherdeumacidadecivilizada,pelasua limpeza,trac¸adourbanístico,civilidadeeculturadoseu povo.Quegrandeobraestaaquirealizada.14
10 BoletimGeraldoUltramar,ano41,n◦.486,dez.1965,p.180.
11 DiáriodaRepública.Portarian◦.21.994,12demaiode1966, MinistériodoUltramar---Direcc¸ão-GeraldeFazenda.
12 Ogovernoteveaindadeabrirumcréditoespecial(1059804$88)
parapagarasdespesaspendentes.Portarian◦.22.846,26deagosto de1967,MinistériodoUltramar---Direcc¸ão-GeraldeFazenda.
Esse tipo de discurso também foi comum nas ativida-desdoIIICongressoLuso-BrasileirodeEducac¸ãoFísica,em Luanda, de20 a29 dejulho de1966. Aescolha dasede, aliás, deveu-seaos mesmosmotivosjá assinalados parao casodosJogos:
Aoeleger-seacidadedeLuandaparaarealizac¸ãodoIII CongressoLuso-BrasileirodeEducac¸ãoFísica, pretendeu--se, por um lado, que nesta autêntica metrópole de lusitanidadeportuguesesebrasileirospudessematravés deumdiálogoesclarecido,estreitarereforc¸aramútua compreensão,quecadavezmaisnosdistingue, individu-alizaehonranomundodehoje.15
Vemos,porexemplo,reflexosdonovoalinhamentocom Portugalem umdosdiscursos deJayr JordãoRamos, pro-ferido em umadas muitas cerimônias. Ramos ressaltou o multirracialismoquecaracterizariaosdoispaísese a ami-zade existente entre seus povos, enfatizou reconhecer a vastidãoterritorialportuguesa(issoé,asprovíncias deve-riam ser vistas como parte efetiva do país)e exaltou ‘‘o mundocriadopeloportuguêsetambémomundobrasileiro, ondetudoosuneenadaossepara’’.16 Éexplícitoousode ideiaslusotropicalistas.
As maiores expressões de ‘‘luso-brasileirismo’’ foram mesmo perceptíveis nas homenagens feitas a dois per-sonagens insignes da educac¸ão física de Portugal: Mário Gonc¸alvesVianaeNoronhaFeio.Nodiscursodesaudac¸ão, JayrJordãoRamosfazquestãode‘‘consignarumalágrima desaudadepelosquejáseforam,emparticularpelosque, naÁfrica,comosolhosvoltadosparaaPátria,tombaramno cumprimentododever’’(p.52).17
Ramosfezclaramenteumaconexãoentreainstabilidade políticadeAngola,emfunc¸ãodosconflitosanticoloniais,a instabilidadepelaqualpassavaoBrasil,emfunc¸ãodos movi-mentosdecontestac¸ãoaogolpede1964,eastensõesque percorriam todoomundonaqueladécadade1960: ‘‘Num mundocheiodeincertezasedificuldades,depreconceitos ideológicosa agressões,cada vezmaissefirmounonosso espíritoanecessidade,paraobemdaHumanidade,demaior entrelac¸amentopolítico,culturalesocialentrePortugale Brasil’’.18
Em todos os momentos salta aos olhos a subserviên-ciados brasileiros aosportugueses. Oargumento paratal eraareferência(eumareverência)aopassado(umavisão enviesada pelas ideias lusotropicalistas): ‘‘Os Delegados BrasileirosaoCongressodeLuanda,convictosdasábia polí-tica portuguesa do multirracialismo, da qual o Brasil é a melhordemonstrac¸ão,ofereceu-lhesummodestomimo, cri-ado parasimbolizar oselos indestrutíveis daComunidade Luso-Brasileira’’(p.52).19
15 BoletimGeraldoUltramar,ano42,n.493,jul.1966,p.230. 16 BoletimGeraldoUltramar,ano42,n.493,jul.1966,p.229. 17 Educac¸ãofísicaatravésdomundo:reportagemsobreoIII
Con-gresso Luso Brasileiro de Educac¸ão Física. Revista de Educac¸ão Física,RiodeJaneiro,ano36,n◦.96,1967,p.45-52.
18 BoletimGeraldoUltramar,ano42,n◦.493,jul.1966,p.232.
19 Educac¸ãofísicaatravésdomundo:reportagemsobreoIII
Con-gresso Luso-Brasileiro de Educac¸ão Física. Revista de Educac¸ão Física,RiodeJaneiro,ano36,n◦.96,1967,p.45-52.
ComonocasodosJogos,noeventocientíficoogoverno português se esmerou para demonstrar tanto os supostos avanc¸osdaprovínciaquantoseuprópriocompromissocom osqueviviamnoPortugaleuropeu.Porexemplo,foram pro-gramadasexibic¸õesdeescolaslocais(comooLiceudeBeira) eda metrópole (comoo Colégio Militar), deslocadaspara Luandaparaexplicitar‘‘o interessedoGovernoPortuguês peloCongresso e a importância que dáà Educac¸ãoFísica comofatordeintegrac¸ãosocialdajuventude’’(p.47).20
Oprogramafoiextenso.Alémdassessõescientíficasedas exibic¸ões,houvemuitasatividadessociais,afimde apresen-tarabelezaurbanaeruraldeAngola,oprogressolocal,bem comoagentilezadopovo:passeios,visitas,jantares,festas, recepc¸ões.
Aprogramac¸ãocientíficatambémexpressouumamaior preocupac¸ão com as províncias ultramarinas, incorporou certos temas mais afeitos ao ‘‘mundo luso’’ para além do Portugal europeu. Duas sec¸ões são explícitas dessa opc¸ão:‘‘AEducac¸ãoFísicadospovosconformeseugraude evoluc¸ão’’e‘‘Educac¸ãoFísicanospaísesquentes’’.Outra sec¸ãoque merece destaquepelo enfoque é ‘‘Maneira de desenvolveraatividadegimno-desportivaluso-brasileiranas suasrelac¸õescomodesenvolvimentoculturaleeconômico deambos ospaíses’’. Mesmoqueainda em número redu-zido,foiaedic¸ãodocongressoemqueforamapresentados maistrabalhossobreasprovíncias:cinco.21
As conclusões reforc¸am a apreensão de que o evento desenvolveu-seexplicitamentenosmarcosque caracteriza-vamapolíticaexternaeodiscursodepartesignificativade intelectuaise dirigentesbrasileirose portuguesesnaquele momento.
Conclusão
Pelovisto,aComunidadeLuso-Brasileiranãoédehoje,é umaconstantedetodosostempos.Nãoémeraexpressão sentimental, de simples efeito histórico e convencio-nal, masumarealidade,semprepresentenaexistência histórica doMundo Português,porque é umfacto polí-tico,umfenômenodahistória,dapsicologiasocialeda sociologia.22
É possível perceber que os Jogos Desportivos Luso--Brasileiros e os Congressos Luso-Brasileiros de Educac¸ão Física (1960-1966) estiveram muito influenciados pelas características dos relacionamentos estabelecidos entre BrasilePortugalnoâmbitodapolíticaexterna,algoquefoi marcadoporumgrandesentimentalismoeporumaleitura do passado entabulada a partir das ideias lusotropicalis-tasdeGilbertoFreyre.Aprimeiraedic¸ãodoseventosteve relac¸ão com o fluxo inicial de discursos de exaltac¸ão da luso-brasilidade.Asegundafoiumaexpressãodorefluxodo alinhamentodospaíses.Aterceiraexplicitaograndeesforc¸o
20Educac¸ãofísicaatravésdomundo:reportagemsobreoIII
Con-gresso Luso Brasileiro de Educac¸ão Física. Revista de Educac¸ão Física,RiodeJaneiro,ano36,n◦.96,1967,p.45-52.
21Oeventoenvolveu86congressistas,20doBrasil,65dePortugal
eumdaFranc¸a.
portuguêsnabuscademanterovelhoaliadoque,embora umavezmaispróximo,jádavasinaisdeafastamento.
Uminteressanteposicionamentoquereforc¸anossa con-clusão é o de Augusto Simões, um dos parlamentares portugueses mais ativos na defesa do esporte, palavras proferidas na 41a sessão da IX Legislatura da Assembleia
Nacional,em25demarc¸ode1966.23
Já noinício de sua fala, a visão idealizada de Simões vai ao encontro dos argumentos sentimentais do governo português:
Éque,Sr.PresidenteeSrs.Deputados,nãosetrata,como ébemsabido,deumamerapugnadesportivaemqueos atletasprocuram,cobic¸osos,somenteeapenasas vitó-rias,embuscademedalhasdouradasoudoprestígiomais oumenosefêmeroqueessasvitóriasnaturalmente pro-duzem!
Em vez dessa cobic¸a, que neste conturbado Mundo dominaasgrandescompetic¸õesinternacionaisejá des-virtuouosnobilíssimos ideaisdodesportopuroquenos foramlegadospelosGregos,seuscultivadoresnas Olim-píadas,osJogosDesportivosLuso-Brasileirossãoantesa afirmac¸ãoclaraeindesmentíveldamaisaltafraternidade entreduaspátrias,dentrodosgrandesprincípiosdaética dodesporto.
Aolembraraprimeiraedic¸ãodoevento,Simõesfez ques-tãodeexaltaraimportânciadeJoãoHavelange:‘‘Ninguém como ele sentiu com tanta intensidade que sem esta competic¸ãodesportivahaveriaumapermanentelacuna no funcionamentoda Comunidade Luso-Brasileira’’. Deoutro lado,odeputadonãodeixoupassardespercebido quepor ocasiãodasegunda edic¸ão‘‘não corriam muito defeic¸ão para nós as relac¸ões entre Portugal e o Brasil’’. Toda-via, no seu ponto de vista, ‘‘as autoridades e o povo brasileiro receberam tão cordialmente a embaixada dos desportistasportugueses’’que‘‘o quenãotinhasido con-seguidopeladiplomaciaepelapolíticaforaalcanc¸adopelo desporto’’.
Por fim, inferiu que a terceira edic¸ão seria marcada por ‘‘uma forte afirmac¸ão de que a Comunidade Luso--Brasileiraestácadavezmaisfortalecidanosseusimutáveis mandamentos’’,atéporque‘‘terãoporcenárioos portugue-síssimosambientesdemuitascidadesdasnossasprovíncias de Angola e de Moc¸ambique’’. Assim, concluiu: ‘‘Nada, absolutamentenada doque sefac¸a,será demasiadopara demonstrarmosaosnossosirmãosbrasileirosatéqueponto lhesficamosgratospelasuavindaaPortugal’’.
Comtantarelac¸ãocomoâmbitodapolíticaexterna,não surpreendeque oIVCongresso,programadoparaoBrasil, nãotenhasido feito.Quanto aosJogos, aindahouvemais duasedic¸ões,ade1969,noBrasil,eade1972,em Portu-gal,semamesmarepercussãodasanteriores.Deumlado, ospaísespassavamporummomentopolíticoturbulento,o Brasilviviaoaugedastensõesdesuaditaduramilitare Por-tugalcaminhavaparaofimdeseulongoperíododitatoriale doseutãoacalentadoImpério.Deoutrolado,natransic¸ão
23 Disponível em: http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=
r2.dan.Acessoem:14dedezembrode2011.
dos anos 1960e 1970 o Brasil mudavadefinitivamente de posturanoqueserefereàsprovínciasultramarinas.
Saraiva(1997)chamaesseperíodo,de1967a1979,de ‘‘anosdouradosdapolíticaafricana’’:ogovernobrasileiro, naintenc¸ãodeconquistarnovosmercados,passoua mobi-lizar os supostos lac¸os existentes entreo paíse a África. Parasuperaradesconfianc¸adasnovasnac¸õesdaquele con-tinente,emfunc¸ãodasposic¸õesquetomaraporsualigac¸ão comPortugal,oBrasiltevededefinitivamenterompercom osinteressesdoantigocolonizador.
Interrompidos os eventos na transic¸ão dos anos 1960/1970,iniciativassemelhantessomenteforam promo-vidasnadécadade1990,exatamentequandosetornoumais concretaaideiadeformac¸ãodaCPLP(Comunidadedos Paí-sesdeLínguaPortuguesa),delineadaem1989eoficialmente criadaem1996.Oscongressos,comdenominac¸ãodistinta, comec¸aramaserorganizadosem1989.24 Quantoaos even-tosesportivos,sóapartirde1992passaramaserfeitoscom onomedeJogosDesportivosdaCPLP.25
Esseseventosainda nãoforamdevidamente avaliados. Osposicionamentos sobreelestêm sidomajoritariamente dedicadosaelogiarouressaltaraprioriasuaimportância, semumadiscussãomaisprofunda.Nãoéo objetivodeste estudo proceder a tal avaliac¸ão, mas, tendo em conta o que ocorreu na década de1960, podemos perguntar: não estaríamos a repetir velhos argumentos lusotropicalistas, sentimentaise/ou pautados numasuposta missão civiliza-tóriaportuguesa?Valeapenateremcontaapercepc¸ãode
Castelo (1998) sobrea permanênciadas ideias deFreyre: ‘‘A influênciado luso-tropicalismo ter-se-áalargado, pro-gressivamente,docampoculturalparaocampopolítico,e desteparaodasmentalidades’’(p.14).
Se isso estiver acontecendo, não estaríamos conside-rando as ocorrências dopassado: somente entendendoas aporias e os paradoxos que cercam a concretizac¸ão da CPLP,26podemoscaminharparaaconsolidac¸ãodeum movi-mentoquepossaefetivamentetrazercontribuic¸õesparaos paísesenvolvidoseparaaprópriaoperacionalizac¸ãodaideia decomunidadelusófonaapartirdeoutrospatamares que nãoosdopassado.
Financiamento
ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoe Tecnoló-gico(BolsadeProdutividadeemPesquisa).
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
24 Aprimeiraedic¸ãofoifeitanoRiodeJaneiro.Oeventoestána
14aedic¸ão,jáfoipromovidonoBrasil,emPortugal,emMoc¸ambique
eatémesmonaEspanha(emLaCoru˜na).
25 Apartirde2006passaramatambémserfeitososJogosda
Luso-fonia.Háduasdiferenc¸asbásicasentreosdoiseventos:nosJogos daCPLPsomenteépermitidaaparticipac¸ãodeatletasmenoresde 16anos;osJogosdaLusofoniaenvolvelocalidadesquetêmalguma relac¸ãocomalínguaportuguesa,mesmoquenãopertenc¸amàCPLP.
26 ParaumadiscussãosobreaspolêmicasaoredordaCPLPeda
Referências
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