DIAGNÓSTICO ANGIOGRÁFICO DOS TUMORES DE PLEXO CORÓIDE
DO VENTRÍCULO LATERAL
N É L I O G A R C Í A D E B A R R O S * G I L B E R T O M A C H A D O D E A L M E I D A **
E m 1960, D o n a l d D . M a t s o n , discutindo u m caso apresentado por F a b e r
e V a w t e r
6salientou a importância do papiloma do plexo coróide para
di-versas especialidades m é d i c a s : ao geneticista interessa a possibilidade de o
processo ser congênito; ao fisiologista, a razão do hidrocéfalo n a ausência
de bloqueio ao trânsito do líquido cefalorraqueano ( L C R ) ; a o patologista,
a r e l a ç ã o dêste t u m o r com os ependimomas e o conceito de malignidade;
ao pediatra, a relativa freqüência e m t e n r a idade; ao neurocirurgião, a
possibilidade de cura cirúrgica quando precocemente diagnosticado. E n t r e
-tanto, M a t s o n não salientou o interêsse que t a l t u m o r t e m para o
neurorra-diologista, e m vista das dificuldades diagnósticas reconhecidas pela maioria
dos autores
4, 6, 7, 1 0.
1 4. R e a l m e n t e , o quadro clínico n ã o apresenta c a r a c
-terísticas uniformes e o pneumoventriculograma, feito c o m a quantidade
de ar usualmente empregada, é insuficiente, sendo necessário estudo c o m
g r a n d e v o l u m e de contraste, o que torna o e x a m e m u i t o traumatizante,
especialmente e m crianças hidrocefálicas.
E m 1955, E r n s t i n g
5j á sugeria o emprêgo de angiografia cerebral, e m
conjunto com o estudo pneumográfico, para o diagnóstico dos papilomas do
plexo coróide. N o caso apresentado por êste autor, o e x a m e , indicado por
ter ocorrido hemorragia meníngea, permitiu verificar que o v a s o aferente
ao t u m o r era a artéria coróidea anterior. A b b o t t e col.
1, e m 1957, em o u
-tra criança com hemorragia subaracnóidea, realizaram angiografia carotídea
bilateral e vertebral, demonstrando que a i r r i g a ç ã o do papiloma se fazia
pela artéria coróidea posterior. Êstes autores salientaram a importância
do aspecto angiográfico, caracterizado por pequenas alterações vasculares
n a r e g i ã o do confluente ventricular. E n t r e t a n t o , a maioria dos autores
com séries grandes dêste t u m o r l i m i t a v a - s e a o emprêgo das pneumografias,
quando a primeira manifestação clínica n ã o consistia e m episódio
hemorrá-gico. E m 1958 P e c k e r e c o l .
1 2consideraram, como método eletivo para o
diagnóstico dos papilomas do plexo coróide, o estudo angiográfico, que t e m
a v a n t a g e m de permitir a a v a l i a ç ã o cuidadosa dos pedículos arteriais a f e
-rentes. Contudo, trabalhos u l t e r i o r e s
2 , 3, 4, 6, 7, 9, 10, 11, 14, 1 5c o n t i n u a r a m a n ã o
dar importância às angiografias, havendo apenas referências isoladas
8, 1 3a
casos diagnosticados por êste e x a m e .
O conceito de m a l i g n i d a d e dos t u m o r e s do plexo coróide n ã o e s t á re-lacionado ao aspecto histológico, m a s s i m c o m a existência, ou não, de in-f i l t r a ç ã o t u m o r a l . O nosso segundo doente pode ser incluído neste grupo.
M A T E R I A L
E S T U D O R A D I O L Ó G I C O D O S 5 C A S O S
CASO 1 — L C B ( R e g . 558083). Angiografia cerebral via artéria carótida direita.
A r t é r i a cerebral anterior estirada e d e s v i a d a p a r a a esquerda. A r t é r i a cerebral média r e c a l c a d a p a r a dentro e fortemente e l e v a d a , a p r o x i m a n d o - s e , nos filmes de perfil, da cerebral anterior. A a r t é r i a coróidea anterior, m u i t o calibrosa, dirige-se para a á r e a de c i r c u l a ç ã o p a t o l ó g i c a i r r e g u l a r , medindo três c e n t í m e t r o s no m a i o r diâmetro, c o n s t i t u i d a por f i n a rêde v a s c u l a r e s i t u a d a e m p r o j e ç ã o parietal, porém a b a i x o do grupo s i l v i a n o .
Comentários — O e x a m e s u g e r i u i n i c i a l m e n t e a e x i s t ê n c i a de t u m o r cístico c o m pequena m a s s a sólida. N o a t o c i r ú r g i c o v e r i f i c a m o s que o processo e x p a n s i v o e r a m u i t o maior, o c u p a n d o quase todo o v e n t r í c u l o l a t e r a l d i l a t a d o . O g r a n d e l e v a n -t a m e n -t o das a r -t é r i a s do g r u p o s i l v i a n o era c a u s a d o pela m a i o r d i l a -t a ç ã o do côrno temporal, bloqueado pelo tumor.
CASO 2 — P G D ( R e g . 698908). Angiografia cerebral via artéria carótida
es-querda. D e s v i o p a r a a direita da a r t é r i a cerebral anterior, que se apresenta esti-rada. A r t é r i a cerebral m é d i a d e s l o c a d a p a r a dentro, p a r a a frente e p a r a c i m a , descrevendo, nos f i l m e s de perfil, trajeto s e m e l h a n t e a o da a r t é r i a cerebral a n t e -rior. N o t e m p o a r t e r i a l n ã o h o u v e c o n t r a s t a ç ã o d a á r e a de c i r c u l a ç ã o p a t o l ó g i c a , v i s í v e l nos tempos c a p i l a r e s e venosos. O s vasos a n ô m a l o s são pequenos, o c u p a m á r e a de l i m i t e s imprecisos, c o m dois c e n t í m e t r o s no m a i o r d i â m e t r o e estão e m sit u a ç ã o s e m e l h a n sit e à do caso ansiterior. A p a r sit e ansiterior da v e i a de G a l e n o e n c o n -tra-se a b a i x a d a . Pneumoventriculografia. A p ó s p e r f u r a ç ã o p a r i e t o t e m p o r a l esquer-d a foi a t i n g i esquer-d a c a v i esquer-d a esquer-d e c í s t i c a contenesquer-do liquiesquer-do fortemente x a n t o c r ô m i c o . O a r injetado d e l i m i t o u c a v i d a d e de l i m i t e s i r r e g u l a r e s .
Comentários — N e s t e caso o estudo p n e u m o g r á f i c o n a d a esclareceu, m o s t r a n d o a p e n a s c a v i d a d e que no a t o c i r ú r g i c o v e r i f i c o u - s e corresponder à p o r ç ã o d e f o r m a d a do v e n t r í c u l o l a t e r a l . O t u m o r e n c o n t r a d o n a o p e r a ç ã o e r a m u i t o m a i o r do que a á r e a de c i r c u l a ç ã o p a t o l ó g i c a o b s e r v a d a n a a n g i o g r a f i a . A a c e n t u a d a e l e v a ç ã o do grupo s i l v i a n o pôde ser e x p l i c a d a p e l a m a i o r d i l a t a ç ã o do côrno t e m p o r a l do v e n t r í c u l o l a t e r a l , c a u s a d a por bloqueio do m e s m o .
CASO 3 — I F C ( R e g . 718073). Angiografia cerebral via artéria carótida direita.
A l é m dos sinais indiretos de a c e n t u a d a d i l a t a ç ã o v e n t r i c u l a r e do l e v a n t a m e n t o do grupo s i l v i a n o , notase, a o n í v e l do c o n f l u e n t e v e n t r i c u l a r , á r e a de v a s c u l a r i z a -ç ã o e x a g e r a d a , m a i s n í t i d a nos tempos venosos, de l i m i t e s i r r e g u l a r e s , medindo c ê r c a de 4 c m no m a i o r d i â m e t r o . A s a r t é r i a s coróideas posterior e anterior dirig e m s e p a r a os v a s o s p a t o l ó dirig i c o s . Pneumoventriculodirigrafia c o m 50 m l de ar. D e -formidade da porção posterior do v e n t r í c u l o l a t e r a l direito, c o m a m p u t a ç ã o do côrno o c c i p i t a l .
Comentários — Depois de realizado o estudo p n e u m o g r á f i c o , a c r i a n ç a piorou p r o g r e s s i v a m e n t e , v i n d o a f a l e c e r após 7 dias. N a necropsia c o m p r o v o u s e a e x i s -t ê n c i a de p a p i l o m a do p l e x o coróide n a s porções pos-teriores do v e n -t r í c u l o l a -t e r a l direito. N e s t e caso n ã o h a v i a e l e v a ç ã o da a r t é r i a cerebral média, o que é e x p l i -c a d o pelo f a t o de n ã o ter h a v i d o bloqueio do -c ô r n o t e m p o r a l .
CASO 4 — E C O M ( R e g . 721859). Angiografia cerebral via artéria carótida
tempos venosos, medindo cêrca de 6 , 5 c m no maior d i â m e t r o e de limites nítidos. A i r r i g a ç ã o do processo e x p a n s i v o é f e i t a p r i n c i p a l m e n t e às custas d a a r t é r i a co-róidea posterior esquerda. Angiografia cerebral via artéria carótida esquerda. A l é m d a v i s i b i l i z a ç ã o m a i s nítida do processo e x p a n s i v o demonstrado no e x a m e anterior, notam-se sinais indiretos de d i l a t a ç ã o v e n t r i c u l a r , sem desvio da cerebral anterior, m a s e l e v a ç ã o do g r u p o s i l v i a n o (fig. 1 ) .
Comentários — O e x a m e foi feito c o m a c r i a n ç a em estado m u i t o g r a v e , devido à h e m o r r a g i a m e n í n g e a m a c i ç a e à g r a n d e hipertensão i n t r a c r a n i a n a . A p ó s a a n -g i o -g r a f i a cerebral a paciente c o n t i n u o u a piorar, apesar d a d r e n a -g e m v e n t r i c u l a r c o n t í n u a , v i n d o a falecer no dia s e g u i n t e . Ê s t e foi o único dos nossos casos e m q u e a á r e a de c i r c u l a ç ã o p a t o l ó g i c a d e m o n s t r a d a nas a n g i o g r a f i a s correspondeu a o v o l u m e r e a l do processo e x p a n s i v o , c o m p r o v a d o n a necropsia.
Comentários — O quadro a n g i o g r á f i c o difere dos anteriores. O s caracteres de m a l i g n i d a d e são evidentes, a á r e a de c i r c u l a ç ã o p a t o l ó g i c a c o m retenção de con-traste é m a i o r que nos outros casos. E s t a c r i a n ç a c h e g o u a o hospital e m estado g r a v e , tendo sido operada no mesmo dia. Desde o i n í c i o do a t o c i r ú r g i c o o edema cerebral era m u i t o a c e n t u a d o e o s a n g r a m e n t o t ã o a b u n d a n t e que levou a paciente a paciente ao choque e ao óbito. A biopsia revelou t r a t a r s e de c a r c i n o m a , i n v a -sivo, do p l e x o coróide.
D I S C U S S Ã O
O s papilomas do plexo coróide determinam quadros clínicos diversos.
A hipertensão intracraniana é freqüente, podendo estar, ou não,
acompa-nhada de sinais de localização. O u t r a s vêzes, o quadro inicia-se por
hemor-ragia meníngea, como ocorreu e m nosso caso 4. N o s pacientes dêste ú l t i m o
grupo o e x a m e neurorradiológico que t e m sido empregado com mais
fre-qüência é a angiografia cerebral. N o s demais casos, em que o processo
ex-pansivo a c a r r e t a quadro clínico de hipertensão intracraniana, a maioria dos
autores opta pelas pneumografias. A c r e d i t a m o s que a experiência
adqui-rida com alguns casos referidos na literatura
1, 5, 8, 12, 13rela-tados a t e s t a m as vantagens da angiografia cerebral. Êste e x a m e é menos
traumatizante do que as pneumografias realizadas com a quantidade de
contraste necessária para o diagnóstico dos papilomas do plexo coróide dos
ventrículos laterais. E m dois de nossos doentes foram feitas
ventriculogra-fias. N o caso 2 o e x a m e mostrou u m cisto, não dando maiores informações
quanto à etiología do processo. N o caso 3 a pneumoventriculografia
mos-trou deformidade da porção posterior do ventrículo lateral; só a análise e m
conjunto com a angiografia permitiu firmar o diagnóstico radiológico de
papiloma do plexo coróide.
A s angiografias demonstraram, em todos os casos de papilomas, a
exis-tência de área de circulação patológica, mais nítida nos tempos venosos.
E m 3 doentes (casos 1, 2 e 3) havia delicada rêde vascular e em u m caso
(4) os vasos patológicos f o r m a v a m grande conglomerado, mostrando
nitida-mente o volume do processo expansivo. É interessante c h a m a r a atenção
para o fato de que só neste último enfêrmo havia correspondência entre o
t a m a n h o da área de circulação patológica e o volume do tumor. O quadro
histopatológico dêste caso foi semelhante ao encontrado nos demais, sem
caracteres de malignidade. A angiografia do caso 5 apresentou aspecto
di-ferente. A presença de fístulas arteriovenosas, o grande número de vasos
neoformados e a extensa área de retenção de contraste sugeriam m a l i g n i
-dade do tumor. A biopsia revelou tratar-se de carcinoma, pois, além do
aspecto histológico indicar malignidade, havia infiltração de áreas vizinhas,
fato que não ocorreu e m nenhum dos outros 4 casos.
E m 4 dos doentes (casos 1, 2, 4 e 5) havia desvio, para dentro e para
cima, dos vasos do grupo silviano. N o s casos 1, 2 e 5 êste deslocamento
arterial era t ã o acentuado que não poderia ser explicado pela localização
do tumor. Realmente, a maior dilatação do côrno temporal, por bloqueio
do mesmo, foi a causa do grande desvio arterial, fato êste que constitui mais
u m elemento para se suspeitar do diagnóstico de papiloma do plexo coróide.
E m todos os pacientes havia sinais indiretos de dilatação ventricular e,
e m três casos (1, 2 e 5), desvio contralateral da artéria cerebral anterior.
O u t r a v a n t a g e m do exame angiográfico é permitir o estudo dos
prin-cipais vasos aferentes e eferentes ao tumor, o que pode ter importância
na orientação da t á t i c a cirúrgica.
R E S U M O
O s autores consideram a angiografia cerebral c o m o método de escolha
para o diagnóstico dos tumores de plexo coróide dos ventrículos laterais.
A s pneumografias, por necessitarem de grande quantidade de contraste, são
muito traumatizantes e, não raro, insuficientes. N o s 5 casos apresentados,
as angiografias cerebrais demonstraram a existência de circulação
patoló-gica, permitindo o diagnóstico correto. O u t r o elemento interessante é a
de-monstração da dilatação do côrno temporal bloqueado. A l é m disso, o e x a m e
permite estudar os vasos aferentes e eferentes, facilitando, desta maneira,
a t á t i c a cirúrgica. O aspecto angiográfico de u m caso de carcinoma foi
diverso dos 4 casos de papiloma.
S U M M A R Y
Angiographic diagnosis of tumors of the choroid plexus of the lateral
ventricles
T h e authors believe that cerebral angiography is t h e best
neuroradio-logic procedure for the diagnosis of tumors of the choroid plexus of the
lateral ventricles. P n e u m o g r a p h s needing a large quantity of contrast m a
-terial are very t r a u m a t i c and occasionally insufficient. I n t h e 3 cases
re-ported cerebral angiograms disclosed the presence of pathological circulation,
enhancing a correct diagnosis. A n o t h e r interesting point is t h e
demonstra-tion of the dilatademonstra-tion of the blocked temporal horn. I n addidemonstra-tion, angiography
allows the study of the afferent and efferent vessels, thus facilitating surgical
procedures. T h e angiographic picture in a case of carcinoma was different
from those found in four papillomata cases.
R E F E R Ê N C I A S
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