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Revista Bioética: ascensão e dinâmica de um campo para a ética aplicada à ciência no Brasil (1993-2008)

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LAURA DE OLIVEIRA

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ASCENSÃO E DINÂMICA DE UM CAMPO PARA A ÉTICA APLICADA À CIÊNCIA NO BRASIL (1993-2008)

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ASCENSÃO E DINÂMICA DE UM CAMPO PARA A ÉTICA APLICADA À CIÊNCIA DO BRASIL (1993 - 2008)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, da Universidade Federal de Goiás, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em História. Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades. Linha de Pesquisa: Identidades, Fronteiras e Culturas de Migração.

Orientadora

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Profa. Dra. Fabiana de Souza

Fredrigo

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ASCENSÃO E DINÂMICA DE UM CAMPO PARA A ÉTICA APLICADA À CIÊNCIA NO BRASIL (1993-2008)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, da Universidade Federal de Goiás, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em História. Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e

Identidades. Linha de Pesquisa:

Identidades, Fronteiras e Culturas de Migração.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

PROFA. DRA. FABIANA DE SOUZA FREDRIGO (UFG)

(PRESIDENTE)

_________________________________________________________

PROFA. DRA. REGINA HORTA DUARTE (UFMG)

(ARGÜIDORA)

_________________________________________________________

PROF. DR. CARLOS OITI BERBERT JÚNIOR (UFG)

(ARGÜIDOR)

_________________________________________________________

PROF. DR. CRISTIANO ALENCAR ARRAIS (UFG)

(SUPLENTE)

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Este trabalho, intitulado “Revista Bioética: ascensão e dinâmica de um campo para a ética aplicada à ciência no Brasil (1993-2008)”, consiste em uma avaliação histórica da ascensão da bioética na segunda metade do século XX, considerando, especialmente, as redes intelectuais e políticas que tornaram possível o seu processo de institucionalização. Entende-se que a bioética acabou se configurando em um domínio específico no interior da ética, convertido não só em vertente filosófica, como em referencial moral e disciplina acadêmica. Nesse sentido, há um contexto absolutamente novo, que constitui um campo poroso aos debates intelectuais e à aproximação desses com as transformações na área da saúde pública brasileira.

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This work, entitled “Revista Bioética: ascension and dynamics of a field for the ethics applied to science in Brazil (1993-2008)”, consist in a historical evaluation of the ascension of bioethics in the second half of century XX, considering, especially, the intellectual and politics nets that had become possible its process of institutionalization. It is understood that the bioethics configured itself as a specific domain in the interior of the ethics, converted into philosophical source, as in moral referential and academic discipline. In this direction, there is an absolutely new context that constitutes a porous field to the intellectual debates and the approach of these with the transformations in the area of Brazilian public health.

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AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome AMA – Associação Médica Americana

AMM - Assembléia Médica Mundial CEPs - Comitês de Ética em Pesquisa

CFM - Conselho Federal de Medicina

CICT - Comissão Inter-setorial de Ciência e Tecnologia

CIOMS - Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas CNS - Conselho Nacional de Saúde

CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CRMs – Conselhos Regionais de Medicina

DNA - Deoxyribonucleic Acid

FMUSP - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FURB - Fundação Universidade Regional de Blumenau

HIV – Human Imunodeficiency Virus MS - Ministério da Saúde

NEPEB - Núcleo de Pesquisas em Bioética

OGM´s - Organismos Geneticamente Modificados

OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas OPS - Organização Panamericana de Saúde

PUC-RS - Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul RB - Revista Bioética

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UEL - Universidade Estadual de Londrina UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UnB - Universidade de Brasília

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNICAMP - Universidade de Campinas

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INTRODUÇÃO... 12

CAPÍTULO I - Da Ética à Bioética: História, Filosofia e ascensão de um campo aplicado à pesquisa científica... 26

1.1 As águias e a autonomia da ciência: comunidade médica e ascensão de um campo para a bioética no Brasil... 26

1.2 Natureza, Razão e Verdade: a Filosofia como fundamento para uma ética biomédica... 31

1.3 Por uma “história da bioética”: a “narrativa oficial” da Revista Bioética... 39

1.4 Nuremberg: sobre as relações entre as experiências dos médicos nazistas e o nascimento da bioética... 45

1.5 Bioética e Direitos Humanos: o universalismo como marca do pós-guerra... 54

1.6 Sobre a crítica do projeto racionalista: a ciência na epistemologia francesa e na Escola de Frankfurt... 65

1.7 O nascimento da bioética principialista: técnica e natureza humana como fundamentos do biocatastrofismo... 73

CAPÍTULO II - A bioética como biopolítica: Estado, instituições de saúde e universidades 81 2.1 A bioética e a biopolítica: as relações entre a ética científica e a “tecnologia política dos indivíduos”... 81

2.2 A Revista Bioética e a Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde: dinâmica de um campo político no processo de normatização da bioética no Brasil... 87

2.3 A Revista Bioética e a Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília (UnB): dinâmica de um campo político no processo de institucionalização acadêmica da bioética no Brasil... 103

2.4 Revista Bioética e política de população: epidemiologia e demografia como saberes aliados à bioética brasileira... 118

CAPÍTULO III: “Cuidando dos cuidadores”: a subjetividade do profissional de saúde, o saber médico e a morte como fracasso... 129

3.1 O profissional de saúde e os estudantes de medicina diante da morte... 129

3.2 Eutanásia, distanásia e ortotanásia: o médico, a técnica e a morte como escolha 141 3.3 O princípio responsabilidade, o “erro médico” e o “gerenciamento dos riscos”... 147

3.4 A “medicina baseada em evidências” e o princípio da “prova”: as águias em defesa do saber médico... 160

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 167

REFERÊNCIAS ... 172

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Nossa tarefa: inventariar e revisar todas as coisas herdadas, tradicionais, tornadas inconscientes, examinar a origem e a utilidade delas, negá-las o bastante ou deixar que sobrevivam durante muito tempo. (NIETZSCHE, 2005, p. 333).

A introdução que segue divide-se em três tópicos: o primeiro deles preocupa-se em, resumidamente, apresentar a tese que guiou a pesquisa. O segundo ocupa-se em mapear o caminho metodológico que conduziu as reflexões sobre o tema desta dissertação: a institucionalização de um campo para a bioética1 no Brasil. Por esse motivo, explicita-se a relação entre os assuntos abordados pela

Revista Bioética e a construção dos capítulos, uma vez que, no interior desses últimos, a escolha dos eixos temáticos esteve articulada às preocupações intrínsecas ao discurso dos bioeticistas – considerando, ainda, a importância de estar atento à crítica da “narrativa oficial”. Nesse sentido, apresentar os dados estatísticos relacionados à produção da Revista é de fundamental importância na medida em que eles revelam os elementos constitutivos da subjetividade desses atores (em sua maioria, profissionais da área de saúde), responsáveis pela definição do campo. O terceiro tópico está orientado para a explicitação dos conceitos utilizados neste trabalho, explorando o universo teórico que sustentou a tese defendida.

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Esta dissertação de mestrado, intitulada Revista Bioética: ascensão e dinâmica de um campo para a ética aplicada à ciência no Brasil (1993-2008)2,

consiste em uma avaliação histórica da ascensão da bioética na segunda metade do século XX, considerando, especialmente, as redes intelectuais e políticas que tornaram possível o seu processo de institucionalização. Entende-se que a bioética acabou se configurando em um domínio específico no interior da ética, convertido não só em vertente filosófica, como em referencial moral e disciplina acadêmica. Nesse sentido, há um contexto absolutamente novo, que constitui um campo3

poroso aos debates intelectuais e à aproximação desses com as transformações na área da saúde pública brasileira.

Fonte preciosa utilizada neste trabalho, a Revista Bioética4, produzida pelo Conselho Federal de Medicina e publicada entre 1993 e 2008, permite explicitar a dinâmica interna de um campo, no decorrer dos anos 90. A partir de sua análise, é possível captar a operação que legitima a bioética acadêmica e politicamente, com vistas, simultaneamente, a aproximar e singularizar o Brasil no que se refere às discussões em outros países, como França e Estados Unidos, por exemplo. Sendo assim, é certo que a Revista não era apenas um espaço de experimentação para a bioética principialista5 no cenário intelectual brasileiro, mas uma ferramenta política

que visava à normatização dos princípios e à sua institucionalização acadêmica. Para acompanhar essa tese, faz-se necessário, primeiro, apresentar de que forma os médicos, filósofos e historiadores corroboraram com a adoção da

2 Concebe-se como marco definidor dessa ascensão a criação da Revista Bioética. Por essa razão, o recorte temporal estabelecido é o período compreendido entre o número inaugural da Revista, publicado no primeiro semestre de 1993, e o número publicado no primeiro semestre de 2008. Para explorar o debate que levantou os indícios quanto à necessidade de estabelecimento de um campo para a ética biomédica em ambiente internacional, antes que no cenário brasileiro, esse recorte é recuado. Com o objetivo de perseguir os caminhos teóricos que conduziram à ascensão da bioética, retrocede-se ao pós-Segunda Guerra Mundial.

3 Utiliza-se o vocábulo “campo” apropriando-se de seu sentido conceitual, conforme Pierre Bourdieu (1989). Do mesmo modo, o uso dos termos “narrativa oficial”, para se referir à construção discursiva elaborada pelos bioeticistas, e “biopolítica” fazem parte do encaminhamento teórico-metodológico seguido no decorrer da pesquisa. Os esclarecimentos necessários sobre as questões teóricas serão feitos, mais detidamente, no item III desta introdução.

4 Na sua fundação, a Revista Bioética abrigava, nos seus quadros, profissionais vinculados à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade Federal do Piauí e ao Conselho Federal de Medicina, órgão responsável por sua publicação.

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bioética principialista. Cabe entender de que forma relacionaram-se a “narrativa oficial” sobre a bioética e a bioética a ser adotada em nosso país. Essa narrativa oficial foi erguida como forma de legitimação a priori da bioética, e sua desnaturalização abriu a possibilidade de historicizar o processo de ascensão e instituição da disciplina, expondo sua relação com os movimentos intelectuais emergentes a partir do segundo pós-guerra e sua interação com outros campos, como a política. Em seguida, trata-se de apontar as relações entre a classe médica, que concede suporte à Revista, as instituições governamentais, que se responsabilizam em elaborar normativos e políticas públicas relacionadas à saúde, e as instituições acadêmicas, que se incumbem de converter a bioética em disciplina e adotá-la como fundamento no processo de formação dos profissionais da área médica. Esses são temas desenvolvidos nos capítulos I e II.

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Ao considerar a importância das ligações discursivas entre a narrativa oficial expressa na Revista, o movimento intelectual do pós-Segunda Guerra e a subjetividade médica na avaliação da sua prática, foi imprescindível para essa pesquisa construir o diálogo entre tradições de pensamento distintas, que se preocuparam com as questões relevantes para o século XX; essas referências foram a epistemologia francesa e a Escola de Frankfurt. Ao seguir, simultaneamente, as discussões na Revista, indicadoras da reflexão nacional sobre a bioética e a saúde pública, e os debates contemporâneos sobre o lugar da ciência e sua relação com a proteção da vida, esta dissertação não apenas se apropriou das ferramentas da história intelectual6 como buscou associar o “universal” (o debate contemporâneo, colocado em relevo desde a discussão evocada pelas tradições referenciadas até a importação do principialismo norte-americano) e o “particular” (o debate intelectual e político no cenário brasileiro).

A escolha pela história intelectual, como um caminho associado à história política, guiou a análise da fonte. Isso significa que a metodologia utilizada neste trabalho consiste, fundamentalmente, em uma análise da Revista que dê conta não só do discurso patrocinado por ela, como também da teia institucional envolvida na sua produção. Entende-se que a articulação entre a comunidade médica e as instituições de ensino superior às quais os profissionais que escreveram para a

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Revista estiveram vinculados é fundamental para a compreensão da rede que definiu a consolidação de um campo específico para a ética aplicada à ciência no Brasil. Essa rede inclui o Conselho Federal de Medicina, as universidades às quais os médicos envolvidos na produção da Revista pertencem (cf. Tabela 1, no apêndice) e o Conselho Nacional de Saúde, responsável por definir as diretrizes para a pesquisa e a prática científica no Brasil. Por essa razão, o discurso elaborado na Revista será colocado em paralelo com as normas nacionais de bioética, buscando demonstrar como tal discurso articulou os princípios que seriam incorporados à legislação a posteriori. Esse caminho de investigação possibilita visualizar a aproximação entre o campo intelectual e o político na definição da bioética brasileira, indicando a ação decisiva da classe médica no processo e como a sua empresa intelectual gestou os princípios teóricos que fundamentariam a bioética brasileira normatizada.

Ainda assim, é muito importante esclarecer que a vinculação das idéias às instituições não significa atribuir às últimas o poder de traduzir as idéias como “únicas” (como se, inclusive a circulação das idéias, ação que não é passível de controle, não as reelaborasse continuamente), difundindo-as como “a” representação das instituições, pois esse tipo de avaliação retiraria das idéias, expostas na Revista,

a sua força em explicitar a contradição. A Revista Bioética, apesar de colaborar com

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Revista, pode-se afugentar o elemento de discórdia? Captar a regra e o desvio exige atentar, no caso desta pesquisa, para “os mecanismos através dos quais categorias de pensamentos fundamentais se tornam, num dado grupo de agentes sociais, esquemas interiorizados e não algo que sobre-estrutura todos os pensamentos e ações individuais” (CHARTIER, 1990, p. 39). É a partir desse pressuposto que se avalia um dos mecanismos de institucionalização, mais propriamente, a institucionalização acadêmica, que acaba por exigir a vigília dos currículos como um meio de patrocinar a assimilação de princípios fundamentais à ética biomédica, tal como se demonstra no capítulo II.

No que diz respeito ao discurso da Revista, ele será delineado a partir de um duplo exercício: a análise dos temas dos simpósios apresentados em cada volume (cf. Tabela 2, no apêndice) e dos temas recorrentes na Revista de modo geral (cf. Tabela 3, no apêndice). A quantificação das fontes possibilitou a composição de doze eixos temáticos, no decorrer desses quinze anos de publicação da Revista (o que lhe permitiu alcançar o total de vinte e nove volumes). Seguem elencados os doze temas, com o percentual das vezes em que foram tratados relativamente à totalidade dos textos da Revista: história da bioética (4%), AIDS (4%), Ética e Filosofia (10%), Biotecnologias (15%), Controle de população (5%), Direito (5%), Medicina e Lógica de Mercado (1%), Autonomia (18%), Médico e Medicina (6%), Estado (13%), Institucionalização da bioética (17%) e Principialismo (2%) (cf. Gráfico 1, no apêndice).

Cabe reforçar que o discurso expresso na Revista permite mapear as influências7 estrangeiras que marcaram a bioética brasileira, a exemplo do próprio principialismo, que foi adotado como base para as reflexões sobre as questões de saúde pública e pesquisa biomédica. Ele ajudou a compor a narrativa que vincula o aparecimento e a sedimentação da bioética à ação norte-americana. Ao mesmo tempo, o discurso elaborado pela Revista, se tomado em paralelo com as normas

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estabelecidas pelo governo brasileiro que dizem respeito à pesquisa e à prática científicas, permite recompor o panorama intelectual e institucional que marcou a definição de um campo para a bioética no Brasil. A título de exemplo, pode-se citar a

Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida imediatamente após a publicação de um número da Revista que tratava das normas internacionais de pesquisas envolvendo seres humanos. Como grupo politicamente forte, institucionalmente representado pelo Conselho Federal de Medicina e pelas universidades às quais os seus membros estavam vinculados, a comunidade médica lançou-se no empreendimento de fomentar as discussões sobre bioética no Brasil, pressionando as autoridades para a regulamentação do campo. Esse processo se deu por meio da Revista, que além de estar disponível no site do CFM, é distribuída gratuitamente em hospitais, postos de saúde e conselhos regionais de medicina. A tiragem, que inicialmente era de 6000 exemplares, chega hoje a 10.000 (cf. Tabela 2, no apêndice). Todos os recursos utilizados na confecção e distribuição da Revista provêm da própria entidade de representação da classe médica, o Conselho Federal de Medicina, uma autarquia mantida com verbas oriundas do Governo Federal e dos seus associados. Além da visualização da narrativa histórica constituída, dos vínculos com a bioética anglo-americana e da pressão política em prol da normatização da bioética brasileira, o discurso elaborado pela Revista permite a revelação de elementos constitutivos da subjetividade dos médicos, que orienta as reflexões que eles empreendem acerca da própria profissão.

Além da relação política com o Conselho Nacional de Saúde, que garantiu a cristalização da bioética em normativos a serem seguidos sob pena de sanção legal, outra preocupação norteava a escrita dos profissionais de saúde vinculados à

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gama de publicações sobre o tema, por uma revista especializada (a Revista Brasileira de Bioética) e pela formação, em nível de pós-graduação, de centenas de profissionais da área da saúde.

A institucionalização da bioética inclui, certamente, as questões que dizem respeito à atuação estatal. Como já se afirmou, os clamores presentes na Revista não tardaram, muitas vezes, a expressar-se em legislações e políticas públicas. Por essa razão, a reflexão sobre Estado e bioética deverá ser incorporada ao processo de institucionalização da disciplina, já que amplia as possibilidades de recomposição dos elementos que definiram um campo específico para a ética biomédica brasileira, além de favorecer a elaboração de uma história que dê conta da aproximação entre o campo intelectual e o político. Para além dessa questão, o Estado mereceu destaque nas reflexões da Revista, sendo objeto de 34 (13%) artigos (cf. Tabela 3, no apêndice), que disseram respeito, entre outros temas, à alocação de recursos para a saúde, à violência, à cidadania (pensada como categoria em torno da qual se articulam os direitos humanos) e à necessidade de que um controle estatal garantisse o comprometimento da pesquisa biomédica com os interesses da sociedade.

Por se compreender que essas reflexões constituem um domínio específico, que vai além do desejo de instituir um campo para a bioética e incorpora uma reflexão filosófica sobre o papel do Estado, dos indivíduos e dos grupos sociais, o tema será abordado separadamente. Sendo assim, a reflexão sobre a institucionalização é objeto do capítulo 2, focalizando a dinâmica institucional que vincula o discurso da Revista ao Estado e às instituições de ensino. São as relações empreendidas entre esses espaços que definem o campo político a que se faz referência.

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do doente, atuando assertivamente na relação médico-paciente, elaborando subterfúgios para lidar com os limites de si mesmo e do próprio empreendimento, aceitando a inexorabilidade da morte.

No que diz respeito ao médico, dedica-se um capítulo específico para produzir uma leitura sobre a profissão médica e o imaginário de biocatástrofe8. As biotecnologias, o estatuto do saber médico e o trabalho do profissional de saúde, juntos, equivalem a 22% (cf. Tabela 3, no apêndice) dos textos publicados na Revista. Acredita-se que tal percentual indica a importância conferida pela classe médica ao esforço de pensar sua profissão à luz dos princípios bioéticos. O imaginário de biocatástrofe revela-se nas reflexões sobre biotecnologias, que, sozinhas, representam 15% dos textos publicados. Ele constitui-se nas lentes através das quais os médicos avaliam a própria experiência. Por essa razão, acredita-se que a análise do discurso do médico seja importante para elucidar a avaliação que a classe faz acerca do próprio trabalho, levando-a a redefinir conceitos antes tomados como sacrossantos no interior da prática médica, a exemplo da distanásia e da medicina baseada em evidências. Em tempos de desconfiança em relação à ciência, mesmo no interior da comunidade científica, o princípio positivista da prova retorna com força total.

Com base no exposto, fica claro o exercício que se pretende realizar com as fontes para reconstituir o discurso elaborado pelos próprios bioeticistas no interior da Revista Bioética e, subjacente nele, a “narrativa oficial” em torno da história da disciplina – a história intelectual deve desconfiar de narrativas bem arranjadas, nas quais os “empréstimos de influências” despontam como dados naturalizados, visando à escamoteação das escolhas intencionais e à naturalização do campo constituído, antes que a explicitação da dinâmica histórica, que lhe é inerente. Nesse sentido, por se compreender que essa narrativa prioriza a ação norte-americana e ignora outros elementos importantes, serão incorporados como fontes os códigos internacionais que não constam na “narrativa oficial”. Para além dessa questão, será empreendido um esforço de pensar os movimentos intelectuais emergentes no pós-guerra, que estabeleceram um novo tratamento à ciência e à técnica e aos direitos do homem. Recompor esse cenário intelectual exige apontar discussões importantes

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na Europa daquele contexto: as aproximações entre ciência e ideologia, realizadas pelos estudiosos de Frankfurt, e a reafirmação do estatuto de positividade da ciência, explicitada pelos epistemólogos franceses. No que diz respeito aos direitos do homem, faz-se imperioso refletir sobre o processo histórico que levou à conversão dos direitos do homem em Direitos Humanos, como resultado da proclamada crise dos Estados Nacionais e da propagação de uma moral cosmopolita que visava transpor fronteiras e questionar antigas soberanias.

Em relação à singularidade do caso brasileiro, trata-se de avaliar como esses acontecimentos ecoaram nas “consciências de uma comunidade médica” que converteu a si mesma em porta-voz do discurso em defesa da limitação e do controle da prática científica. Através da Revista, sobretudo os médicos encabeçaram um projeto moralizador que teve como objetivo claro definir um campo para a bioética no Brasil, construído a partir das múltiplas forças que envolveram as esferas governamentais, intelectuais e educacionais.

I IIIII

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orientando a sua prática e codificando o projeto político de encampar a bioética, do qual eles se tornaram portadores. O conceito de campo, tal qual formulado por Bourdieu, apresenta-se, portanto, como o eixo central em torno do qual a tese foi desenvolvida.

Uma segunda referência foi cara a este trabalho: trata-se da reflexão empreendida por Giorgio Agambem (2002) acerca da historicidade dos códigos internacionais de direitos. A aproximação da bioética com o movimento intelectual dos Direitos Humanos, ambos marcados pela elaboração de um conjunto de códigos internacionais que exprimem o desejo de uma moral universal, torna necessário um aparato teórico que dê conta do caráter temporal e conjuntural desses códigos e permita pensá-los antes como resultados de circunstâncias políticas e intelectuais específicas do que como portadores de valores transepocais. Essa possibilidade é apresentada por Giorgio Agambem em Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua (2002). Cabe anotar que a reflexão de Agambem restringe-se aos códigos de Direitos Humanos. Entretanto, em virtude da aproximação, proposta por este trabalho, entre a bioética e os Direitos Humanos, acredita-se que o pensamento do autor possa ser ampliado e colaborar com o intento de refletir sobre os códigos internacionais de bioética, a exemplo do Código de Nuremberg e das declarações de Helsinki, por meio da dinâmica intelectual e política do pós-guerra e suas destilações nas últimas décadas do século XX. Acredita-se que a incorporação de Agambem como referencial teórico ampliou as possibilidades de reflexão sobre a historicidade dos códigos de bioética, permitindo a revelação das pontes que ligam esses documentos aos fundamentos filosóficos e políticos subjacentes nas suas diretrizes. Essa discussão foi essencial para a composição do primeiro capítulo, intitulado Da ética à bioética: história, filosofia e ascensão de um campo aplicado à pesquisa científica.

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saúde, para os normativos relacionados aos impasses na área das biotecnologias e para uma disciplina acadêmica responsável por garantir uma formação humanista ao estudante de medicina e dos demais cursos da área biomédica. Além disso, os bioeticistas adotaram uma retórica que, ao mesmo tempo em que concebia o seu empreendimento como um fundamento a ser adotado no gerenciamento de populações, exaltava a autonomia sobre os corpos, conformando as expectativas individuais. O conceito foucaultiano de biopolítica serve a esta tese, uma vez que permite pensar a bioética a partir da sua dimensão política, efetivada por meio da normatização e da disciplinarização acadêmica. Além disso, a elaboração discursiva efetuada no interior da Revista foi determinante no processo de disseminação dos princípios intrínsecos à bioética, levando-a a ecoar nas consciências como princípios naturalizados, capazes de orientar quaisquer reflexões e ações no âmbito da saúde. Como apoio, evoca-se os textos de Miguel Kottow (2005) e Carlos Eduardo Maldonado (2003), que esboçaram possibilidades e limites de aproximação entre a bioética e a biopolítica.

O terceiro capítulo, que recebeu o título “Cuidando dos cuidadores”: a subjetividade do profissional de saúde, o saber médico e a morte como fracasso, ao objetivar a compreensão das motivações subjetivas que conduziram a classe médica ao empreendimento da bioética, encontrou na questão da morte o objeto central das preocupações desses atores. Por essa razão, partiu-se da reflexão de Norbert Elias, expressa em “A solidão dos moribundos” (2001), sobre a concepção, vigente nas sociedades ocidentais contemporâneas, da morte como parte de um processo natural. Ainda assim, essa concepção não desmistificou a morte, ao contrário, esteve relacionada a um processo de silenciamento do morrer e do confinamento dos moribundos no interior dos hospitais. Nesse caso, o hospital emerge como um campo específico, não o campo político de que trata Bourdieu (1989), mas o campo como espaço de confinamento, um “lugar para a morte”, pensado de acordo com a perspectiva delineada por Hannah Arendt (1989) para os campos de concentração. Nesse caso, o médico emerge como protagonista e “testemunha de exceção”, no espaço que se configura no limiar entre a vida e a morte.

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percepções mais correntes sobre as mesmas questões. Nesse sentido, é possível afirmar que a dupla percepção que esses atores possuem acerca da medicina, bem como do aparato técnico que a serve, é condizente com um ideário contemporâneo que, ao mesmo tempo em que volta um olhar de desconfiança para a ciência, deposita nela expectativas emancipatórias. Dominique Lecourt (1999b) sintetizou esses dois sentimentos por meio dos conceitos de biocatastrofismo e tecno-profetismo. Eles também são caros a esta dissertação, haja vista a sua validade para pensar a subjetividade do médico, que se refletirá na maneira como ele pensa o próprio ofício e as questões relacionadas à saúde, assim como define a sua posição no que diz respeito à bioética.

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História, Filosofia e ascensão de um campo aplicado à pesquisa científica

Talvez acredite Sarsi que bons filósofos se encontrem em quadras inteiras e dentro de cada recinto dos muros? Eu, Senhor Sarsi, acredito que voem como as águias e não como os estorninhos. É bem verdade que aquelas, porque são raras, pouco se vêem e menos ainda se ouvem, e estes, que voam em bando, enchendo o céu de estridos e de rumores, aonde quer que pousem, emporcalham o mundo. (GALILEI apud MARICONDA; LACEY, 2001, p. 4).

1.1. As águias e a autonomia da ciência: comunidade médica e ascensão de um campo para a bioética no Brasil

A metáfora da águia e dos estorninhos foi uma estratégia retórica utilizada por Galileu Galilei no século XVII para defender a não interferência da Igreja Católica nos assuntos da ciência. Seu argumento fundamentou-se nos três pilares que, segundo ele, sustentam os empreendimentos científicos: imparcialidade, neutralidade e autonomia. O primeiro deles parte do próprio método científico, que, por caracterizar-se por observações e inferências concretas no mundo natural, não pode ser avaliado sob nenhum ponto de vista valorativo. Nisso residiria a imparcialidade da ciência.

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Por último, Galileu valeu-se do princípio da autonomia partindo do argumento de que as águias, cientistas solitários dotados de aptidões intelectuais privilegiadas, seriam as únicas capazes de elaborar juízos a respeito da própria produção científica. A distinção entre fato e valor situava ciência e proposições teológicas em domínios distintos, de modo que não cabia a um campo interferir no outro. Quaisquer contestações externas eram grunhidos de estorninhos, criaturas que não dominavam a linguagem nem os fundamentos da ciência. Seus julgamentos morais em relação à pesquisa e à prática científica não eram capazes de captar o espírito da ciência porque estavam no domínio dos valores – religiosos, políticos ou ideológicos – e não dos fatos.

Segundo Pablo Mariconda e Hugh Lacey (2001), a reflexão galileana não só é reveladora da concepção seiscentista de ciência como se constitui na base do entendimento contemporâneo sobre a relação entre ciência, verdade e valor. Ao defender a separação entre fatos e valores como forma de justificar a ação da ciência fora do domínio da Igreja, Galileu teria iniciado uma tradição que levou à recusa da avaliação moral do conhecimento ou, no limite, à compreensão de que a ciência é livre de valores. A conseqüência mais drástica seria a postura de desconfiança em relação a qualquer esforço de estabelecimento de normas externas para as pesquisas científicas.

Segundo os autores, o mundo contemporâneo, para defender a autonomia da ciência, evoca a tradição galileana e rebate com severidade a valoração moral dos empreendimentos científicos. Em nome dessa autonomia, este mundo rejeita os princípios teológicos para reafirmar compromissos históricos com as proposições tautológicas, receando a revitalização de uma ética religiosa que conduza à ignorância e à supressão das liberdades. Ainda, o uso contemporâneo da ciência demonstraria o seu atrelamento a determinadas ideologias, o que, por si só, fere o ideal galileano de neutralidade. A defesa de uma ética amparada em Galileu, assim, desde já estaria comprometida pela influência de instituições externas no processo científico e pelo uso do conhecimento para fins outros que não os interesses da coletividade.

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metafísica. A imposição de valores morais que norteiem a pesquisa e a prática científica é defendida, ainda que esses princípios sejam laicos e auto-impostos, ou seja, elaborados pelos próprios cientistas. Não há impedimento a isso na ética galileana. Evocá-la como fundamento para a ausência de restrições à prática científica no mundo contemporâneo seria mais do que a radicalização do ideário seiscentista, a escamoteação de uma lógica já deturpada pela ausência da neutralidade (MARICONDA; LACEY, 2001).

O argumento de Mariconda (2001) parece confluir para as expectativas contemporâneas que levaram à emergência da bioética. A crítica, elaborada pelos bioeticistas, que teria levado à instituição9 de um campo10 para a ética científica, residiu na excessiva liberdade concedida à ciência. Ela seria resultado do contexto próprio do nascimento da ciência moderna. Teria sido o caráter contestatório da ciência dos tempos de Galileu a base para a resistência contemporânea ao controle da prática científica. A Revista Bioética parece adotar essa consideração sem maiores problemas, quando se lê num de seus artigos que

[...] podemos avançar que, na verdade, uma das dimensões mais avessas ao controle externo é justamente a ciência, talvez por ter nascido, pelo menos em sua feição moderna, como espécie de superação dos muros externos de controle de pensamento. ([Ricardo Timm de] SOUZA, 2005, p. 17 [RB, v. 13, n. 2])11.

9

A idéia de instituição está relacionada à criação de Revista, que é considerada o marco para a ascensão da bioética no Brasil. Entende-se que essa ação determinou o surgimento de um objeto novo na história não mediante o acaso, mas através das escolhas voluntárias dos atores envolvidos no processo.

10 Incorpora-se como referencial o conceito de campo elaborado por Pierre Bourdieu. Entende-se que a ação do Conselho Federal de Medicina, materializada na criação da Revista (palco de atuação de profissionais vinculados a universidades), bem como a relação travada entre a Revista e as instituições governamentais, a exemplo do próprio Conselho Nacional de Saúde, no processo de normatização da bioética, evidenciam uma lógica institucional reveladora da constituição de um campo para a bioética no Brasil. Não se trata de um campo científico, como expresso em “Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico”(BOURDIEU, 2004), uma vez que se compreende a bioética como um fenômeno exterior e não interior ao processo científico. O conceito que se incorpora é o de campo político, tal qual formulado por Bourdieu no texto “A representação política: elementos para uma teoria do campo político”, onde se lê: “o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’ deverão escolher” (1989, p. 164). Nesse novo campo, a Revista emerge como produto de uma instituição e, ao mesmo tempo, instrumento de interlocução entre as distintas instituições componentes do campo.

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Os esforços em prol do estabelecimento de normas para as pesquisas envolvendo seres humanos e para a prática científica, bem como o empreendimento de encampar uma vertente filosófica convertida, a posteriori, em referencial para o estabelecimento de padrões éticos para a ciência, se deram como uma ação da própria classe médica. Ela revestiu-se de compromissos que ultrapassam o juramento hipocrático – “não causar dano” – e lançou-se no projeto de formular uma doutrina moral que limite a própria atuação. Talvez receosas de que “estorninhos” se engajassem nessa empreitada, as “águias” rapidamente assumiram as rédeas de um processo que, no Brasil, está prestes a completar dezesseis anos. A “tomada de posição”12 da classe médica materializou-se no marco inicial que definiu a

emergência do campo para a bioética, a Revista Bioética, criada em 1993, que é, ao mesmo tempo, resultado primeiro da mobilização da classe médica em prol da institucionalização de bioética brasileira e ferramenta política essencial no processo de normatização levado a cabo a partir de então. Através dela, a comunidade médica tomou para si o protagonismo no processo de “moralização” da prática científica e defendeu o controle social da ciência com o argumento de que o conhecimento deve estar a serviço do homem e não o contrário: o homem se tornar refém do próprio “projeto civilizacional” ([Franklin Leopoldo e] SILVA, 1993, p. 6 [RB, v. 1, n. 1]). Dessa forma, a Revista defenderia que a

[...] profissão médica sempre teve um papel de destaque na construção de um corpo de conhecimentos científicos e técnicos cuja aplicação prática se guiasse por regras de conteúdo ético-moral. De Hipócrates, figura-símbolo do médico cientista e filósofo, à época atual, com as Ordens dos Médicos e os Conselhos de Medicina, consagrou-se a concepção válida para toda a ciência: o conhecimento deve estar sempre a serviço da humanidade. Para isso, impõe-se a observância de normas bem definidas que submetam o saber médico a uma ética humanista. Nesse sentido, cresce a compreensão de que os próprios institutos científicos e centros de pesquisa devem sofrer algum tipo de controle social, com a coletividade participando mais amplamente na definição dos seus objetivos e de suas prioridades. De modo que a ciência e a ética sejam construções do conjunto social. ([Ivan de Araújo Moura] FÉ, 1993, p. 6 [RB, v. 1, n. 1]).

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Enquanto os mass-media exploram alguns desses temas [técnicas de transmissão e término da vida, e de inovações maravilhosas no tratamento de algumas doenças] a classe médica, protagonista e testemunha de exceção, tem que se posicionar quanto ao seu modo de agir e às suas responsabilidades. ([Joaquim] CLOTET, 1993, p. 13 [RB, v. 1, n. 1], grifo do autor).

O primeiro trecho acima transcrito se encontra na apresentação do número inaugural da Revista Bioética, escrita pelo então presidente do Conselho Federal de Medicina, Ivan de Araújo Moura Fé. O texto incumbiu-se de mostrar os objetivos que haviam levado à criação da Revista, que projetava no cenário nacional um termo até então desconhecido, e tratou de buscar fundamentos filosóficos que o legitimassem. Desde então, ficou claro que o objetivo da Revista não era propor uma discussão científica que avaliasse o conhecimento biomédico produzido no Brasil, mas constituir-se em uma “tribuna” onde pudessem ser debatidos temas referentes à ética científica e aos impasses éticos relacionados ao serviço de saúde no país. Não era objetivo tratar do estatuto de cientificidade das novidades da ciência, mas refletir eticamente sobre o impacto social desse “progresso científico”. O trecho que segue explicita a importância da Revista Bioética no cenário nacional:

[...] É nossa intenção transformar a revista BIOÉTICA [sic] em uma tribuna que possibilite diferentes enfoques dos problemas e conflitos éticos na Medicina e na Saúde. E, na verdade, multiplicam-se as questões a serem analisadas, novos horizontes se descortinam com o progresso da ciência, mudam os valores, velhos problemas adquirem facetas novas. ([Ivan de Araújo Moura] FÉ, 1993, p. 6 [RB, v. 1, n. 1]).

A discussão proposta pela Revista, embora patrocinada pela classe médica, deveria então apresentar uma abordagem multidisciplinar que estivesse em acordo com a proposta de pensar a ciência do ponto de vista da sociedade e não em uma perspectiva endógena. As águias, ainda que revestidas do papel de autoridade no controle da prática científica, evocaram saberes alheios ao “livro da natureza”13

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para corroborar com o seu intento. As referências incorporadas advieram, sobretudo, da Filosofia e da História. Foi atribuído aos filósofos um papel importante na consolidação desse novo campo que emergia nos cenários intelectual e político brasileiros. Caberia a eles, especialmente nas primeiras edições da Revista, elaborar uma história para a bioética que a vinculasse à tradição filosófica ocidental e legitimasse a sua ascensão como uma etapa na história do pensamento condizente com as demandas contemporâneas. A escolha da Filosofia como fundamento é sintomática da concepção que esses atores tinham a respeito do próprio empreendimento: a bioética era vista, antes de mais nada, como uma vertente filosófica responsável por responder aos novos problemas gestados ao longo do século XX.

1.2. Natureza, Razão e Verdade: a Filosofia como fundamento para uma ética biomédica

Os filósofos contemporâneos evocaram os clássicos com o duplo objetivo de exaltar a ética como preocupação elementar da Filosofia ocidental e reafirmar a possibilidade de postular objetivamente critérios éticos para a ciência contemporânea. Em Platão, recorreu-se à idéia da indissociabilidade entre o Bem e a Verdade como forma de restaurar a relação entre o conhecimento objetivo do mundo e a construção do homem como ser moral.

[...] a perfeição natural do universo era inseparável da consideração da perfeição moral de que ele se revestia, a ponto de o homem ter, diante de si, na organização cosmológica, um modelo pelo qual guiar-se na tentativa de atingir a perfeição pessoal, no sentido ético. ([Franklin Leopoldo e] SILVA, 1993, p. 7 [RB, v. 1, n. 1]).

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Referenciando a ética aristotélica, apontou-se para a continuidade entre o homem e o cosmos como o fundamento primeiro da ética. Ainda que feita a ressalva de que não se poderia esperar dos valores o mesmo grau de certeza e objetividade que se espera dos enunciados da ciência, o desejo de fundar uma vida individual moral em harmonia com o universo se mantém. Ela não deveria pautar-se no cientificismo, mas sim, no princípio da prudência, mais compatível com a complexidade da vida moral. A prudência constitui-se no princípio de referência que garante a harmonização da vida individual com o mundo da natureza, pois era necessário entender que

[...] nos assuntos relativos aos valores que devem nortear a conduta não se podia esperar o mesmo grau de certeza e objetividade que se podia atingir na ciência das coisas e dos seus princípios. Deixou-se então de procurar a harmonia por meio da cientificidade e passou-se a buscá-la por meio da prudência, espécie de saber análogo mais adaptado à fluidez e à relatividade – em suma, à complexidade – da vida moral. ([Franklin Leopoldo e] SILVA, 1993, p. 7 [RB, v. 1, n. 1]).

É na ética laica de Aristóteles que o filósofo contemporâneo Franklin Leopoldo e Silva (USP) foi encontrar as ferramentas teóricas para legitimar a bioética. Segundo o autor, a ética cristã rompeu com a harmonia aristotélica e inaugurou uma nova concepção de virtude ao negar a naturalidade do homem e exaltar os elementos interiores e espirituais, distanciando o homem do seu aspecto natural. O mundo da natureza passa a ser visto não como continuidade do próprio homem, mas como um obstáculo à realização ética do espírito. Deste modo, o filósofo aponta para a necessidade de conceber o homem novamente a partir da sua dimensão natural, percebendo-o como célula do mundo e membro essencial da comunidade humana. Para tanto, o princípio da prudência é o meio através do qual se pode eliminar o cientificismo exacerbado e o extremo relativismo atribuído às proposições éticas.

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íntima mas também intersubjetiva. Qualquer decisão moral é sempre tomada tendo como pano de fundo a comunidade humana. ([Franklin Leopoldo e] SILVA, 1993, p. 11 [RB, v. 1, n. 1]).

Teólogo moralista da ordem Camiliana, Hubert Lepargneur também incorpora o princípio da prudência como fundamento para uma ética científica contemporânea. Ao contrário de Silva, no entanto, ele se refere à prudência como um elemento de continuidade entre a filosofia laica aristotélica e a tradição cristã. É em São Tomás de Aquino que o teólogo visualiza a consolidação do princípio na cultura ocidental, percebendo-o como o fundamento da responsabilidade atribuída ao indivíduo como agente moral.

Vimos que a prudência de Tomás de Aquino tem pai e mãe: Aristóteles e o estoicismo posterior, numa síntese esclarecida pela fé, mas estruturada pela cultura secular. Com efeito, a tradição cristã conhecia a “discreção” [sic], mas deve a São Tomás a introdução motivada do conceito de “prudência”. [...] A prudência (sempre no sentido amplo e profundo do tomismo) corresponde à perplexidade individual do agente confrontado com uma decisão eticamente delicada a ser tomada. ([Hubert] LEPAGNEUR, 1996, p. 138-139 [RB. v. 4, n. 2]).

Em um artigo sugestivamente intitulado A Bioética frente ao irracionalismo da pós-modernidade, o médico, psicoterapeuta e filósofo Enídio Ilário aponta para o relativismo como marca de um tempo em que a crítica ao humanismo estaria levando o homem à sua desumanização, posto que representa uma ameaça à sua condição racional. O cientificismo teria conduzido a humanidade ao fascínio por “miçangas e quinquilharias tecnológicas” ([Enídio] ILÁRIO, 2001, p. 13 [RB, v. 9, n. 1]), levando-a a um esvaziamento de sentidos e a um profundo desenraizamento. Nesse sentido, argumentou-se que a pós-modernidade seria a negação da ética iluminista: um contexto que oculta, por meio da exaltação das liberdades, a supressão da verdadeira autonomia e o comprometimento da vocação racional do homem.

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[...]

Importa estar atento, também no campo da Bioética, para se evitar que a agressão contra o espírito não venha a se desenvolver numa regressão ao obscurantismo. A ferramenta do homem é a razão, jogá-la fora é a negação da sua vocação essencial.

[...]

Dessa forma, somente a partir de uma reflexão bioética que contemple a dimensão propriamente humana, verdadeira fonte de sua essencial autonomia, será possível traçar um caminho seguro para a compreensão do fenômeno humano. ([Enídio] ILÁRIO, 2001, p. 14-15; 17 [RB, v. 9, n. 1]).

A evocação da ética iluminista, com efeito, está no centro da argumentação desses atores e autores que, ao escrever para a Revista, contribuem para a emergência e a instituição da bioética brasileira. Ao caracterizar o tempo da escrita como pós-modernidade, eles patrocinam um discurso que exalta tanto quanto estereotipa o moderno, materializado na Ilustração. O discurso dos bioeticistas indica a contramão do que Keith Michael Baker e Peter Hans Reill (2001) trataram como fundamento dos discursos ditos pós-modernos, que requerem uma “modernidade” – o iluminismo – para repudiar e substituir. A consolidação da bioética indica a outra face desse processo: a negação do caráter etéreo dos valores pós-modernos, fundamentada na incorporação do ideário setecentista e dos seus princípios de modernidade, sobretudo: racionalismo, universalismo, direitos abstratos, individualismo e humanismo14. Esses princípios são reveladores da

vitalidade do projeto filosófico da Ilustração, a exemplo do apontamento feito por Richard Rorty: Natureza, Razão e Verdade substituíram a autoridade outrora conferida a Deus e subjazem como fundamentos de uma ética do século XX15. Ela rechaça a religiosidade como argumento e evoca a tradição racionalista como recurso capaz de reconduzir o homem aos trilhos do projeto desenvolvimentista. “Progresso”, aqui, não diz respeito ao desenvolvimento da ciência, mas sim, ao

14 “Is has become increasingly clear in recent years that, for all their differences, the many varieties of thinking commonly grouped together under the rubric of “postmodernism” share at least one salient characteristic: they all depend upon a stereotyped, even caricatural, account of the Enlightenment. Postmodernity, by definition, requires a ´modernity´ to be repudiated and superseded. And the tenets of this modernity – variously described as rationalism, instrumentalism, scientism, logocentrism, universalism, abstract rights, eurocentrism, individualism, humanism, masculinism, etc. – have invariably been assumed to be postulates of a philosophy of absolute reason identified with the so-called Enlightenment Project.” (BAKER; REILL, 2001, p. 1).

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aperfeiçoamento moral. Por essa razão, a lógica cientificista do XVIII é subsumida em benefício dos direitos abstratos, que emergem como o único recurso capaz de salvaguardar as conquistas sociais da Ilustração (RORTY, 2001). As tentativas de qualificar a ética contemporânea estão no alicerce dos debates propostos na Revista:

Numa abordagem psicanalítica, podemos afirmar [...] que a religião é a pulsão que mais se afasta do desejo humano de liberdade ‘ao perturbar o livre jogo de eleição e adaptação, ao impor a todos um igual caminho único para alcançar a felicidade e evitar o sofrimento, reduzindo a vida a um único valor (Deus) deformando intencionalmente a imagem do mundo real e estimulando o mundo de fantasias catastróficas.

[...]

Portanto, a ÉTICA que desejamos conceituar não pode ser religiosa, ou moralista, se a quisermos autônoma.

[...]

Igualmente, a ciência é muitas vezes usada para justificar um posicionamento moralista, atribuindo-se-lhe um valor inquestionável. ([Cláudio] COHEN; [Marcos] SEGRE, 1994, p. 21 [RB, v. 2, n. 1]).

Essas reflexões obrigam a situar as possíveis relações entre a ética e o Iluminismo. A esse respeito, é preciso anotar que, a despeito dos indicativos que permitem pensar o iluminismo16 como um elemento subjacente na lógica dos bioeticistas contemporâneos e, portanto, como um princípio constitutivo do seu

habitus, a filosofia da Ilustração, foi, por vezes, por eles questionada. O empirismo é apontado como a base daquilo a que se convencionou chamar transumanismo ou pós-humanismo, um fenômeno contemporâneo marcado pela concepção mecanicista da natureza e do próprio homem. A ciência iluminista havia transformado o entendimento sobre o corpo, que passou a ser visto como um conjunto articulado de peças. Essa visão legou ao Ocidente, de acordo com os bioeticistas, uma tradição anti-humanista que ora eles tentavam combater.

Embora os termos transumanismo e pós-humanismo sejam criação recente, as idéias que representam não são novas. O

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ideal filosófico subjacente remete ao Século das Luzes, reconfigurado sob saudável dose de relativismo pós-moderno. Do Iluminismo surge uma visão completamente reducionista da vida humana, característica daquele movimento materialista empiricista. Na obra L´homme machine, publicada em 1748, o médico e filósofo francês Julien Offray de La Mettrie afirma que os humanos são, fundamentalmente, somente animais e máquinas. O marquês de Condorcet, outro filósofo do Iluminismo francês, escreveu em 1794 que não foram fixados limites para o aperfeiçoamento das faculdades [...] o aperfeiçoamento do homem é ilimitado. ([Leo] PESSINI17,

2006, p. 132-133 [RB, v. 14, n. 2]).

A crítica não se restringiu à ciência iluminista: a moral kantiana também foi alvo de Cláudio Cohen e Marcos Segre, professores da FMUSP, como forma de rejeição ao próprio projeto racionalista, assim eles argumentam: “Entendemos que a nossa conceituação de ética, que não se atém apenas à racionalidade, é mais dinâmica e abrangente que a kantiana.” ([Cláudio] COHEN; [Marcos] SEGRE, 1994, p. 21 [RB, v. 2, n. 1]).

O filósofo Franklin Leopoldo e Silva apontou para a incondicionalidade do ato moral em Kant, formulada por meio do Imperativo Categórico, como um princípio que ignora os elementos constitutivos das distintas moralidades: através dele, se operaria uma espécie de supressão da historicidade inerente à moral. Se, para alguns autores, o subjetivismo exacerbado emergia como marca do niilismo contemporâneo, para outros, era preciso criar princípios éticos flexíveis que dessem conta das distintas experiências morais.

Para não reintroduzir a metafísica, que havia sido eliminada da concepção formal de sujeito, Kant é obrigado a conceber o fundamento da moral no nível da pura forma, sem qualquer conteúdo. Foi assim que nasceu o célebre Imperativo Categórico, a partir do qual somente se admite como critério ético aquele que puder ser concebido como absolutamente universal. O caráter absolutamente universal do imperativo ético o esvazia de todo e qualquer conteúdo determinado, fazendo com que a razão prática, ao enunciá-lo, não se comprometa com qualquer motivação que não seja a pura forma da lei moral. [...] O que caracteriza, pois, essa concepção ética é a incondicionalidade do ato moral. Mas será possível mantê-la? Não será mais realista considerar que o peso dos

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fatores psicológicos, sociológicos, históricos, etnológicos, religiosos em nenhuma hipótese será abstraído da escolha moral? ([Franklin Leopoldo e] SILVA, 1993, p. 9-10 [RB, v. 1, n. 1]).

Nesse sentido, justificava-se a exaltação do princípio aristotélico da

prudência para a constituição de uma ética, ao mesmo tempo, individual e universalizante, que desse conta da historicidade da moral sem, contudo, incorrer no relativismo exacerbado que foi apontado como a marca do nosso tempo. Se a moral era vista como múltipla, a ética foi tomada como um padrão a ser partilhado por membros de um mesmo grupo, tal como revela o trecho a seguir: “essa é a nossa concepção de ética, a realização ou crescimento das pessoas ou sociedades por meio da aquisição, integração e partilha dos valores.” ([Joaquim] CLOTET, 1993, p. 13 [RB, v. 1, n. 1]).

Assim, a bioética era apontada como um referencial a integrar a comunidade humana em um mesmo projeto moralizador para a pesquisa e a prática científicas. Ela deveria articular princípios flexíveis que dessem margem à afirmação de distintas moralidades e, ao mesmo tempo, fixassem padrões de conduta com validade universal. A história havia legado à “humanidade” esse imperativo. O século XX, mais do que cenário das grandes conquistas da ciência, seria lembrado pelas catástrofes resultantes da ausência de controle sobre a prática científica. Essa relação é o que o professor de filosofia da PUC-RS Ricardo Timm de Souza chamou de “esquizofrenia civilizatória do século XX” (2005, p. 17 [RB, v. 13, n. 2]). Em nome da liberdade da ciência, fundamento do projeto racional, a humanidade teria se tornado refém do seu próprio empreendimento.

O ser humano fez da ciência a sua verdade racional, tendendo, especialmente na cultura ocidental, a torná-la seu ídolo, ao qual tudo o mais – especialmente outras formas de racionalidade – é sacrificado.

[...]

A ciência precisa de liberdade; sem liberdade não existe. Essa retórica é, evidentemente, eloqüente e tem sua porção de verdade. Paralelamente, trata-se de retórica de extrema periculosidade.

[...]

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para isso quebrará muito do que ali se encontra. Em nome da sua liberdade, sacrificará muitos bens [...]. ([Ricardo Timm de] SOUZA, 2005, p. 17 [RB, v. 13, n. 2]).

A história foi utilizada também como fundamento para legitimar a instituição de um campo para a ética aplicada à ciência no Brasil. Era preciso apontar os cânones do processo originário da bioética. No limite, intentou-se criar uma tradição que, ao mesmo tempo, justificasse a introdução do vocábulo no Brasil, bem como das discussões afeitas a ele, e ressaltasse o caráter tardio da bioética brasileira em relação ao movimento internacional. Para além da fundamentação filosófica, as águias recorreram à história, abordando desde a criação do termo até o seu processo de institucionalização fora do Brasil. Nessa trajetória, incorporou-se uma “narrativa oficial”18, que se tornou hegemônica nos escritos sobre bioética elaborados no país desde então.

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1.3. Por uma “história da bioética”: a “narrativa oficial” da Revista Bioética

O neologismo bioética é atribuído ao biólogo e oncologista estadunidense Van Rensselaer Potter. A “narrativa oficial” indica que o termo teria aparecido, pela primeira vez, em um artigo intitulado Bioethics, the Science of Survival, de 1970, tendo sido retomado no livro Bioethics: Bridge to the Future, também de sua autoria, no ano seguinte.

O neologismo bioética foi cunhado e divulgado pelo oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter no seu livro Bioethics: bridge to the future. ([Joaquim] CLOTET, 1993, p. 15 [RB, v. 1, n. 1]).

A palavra ‘bioética’ é primeiramente forjada por Van Rensselaer Potter, da Universidade de Wiscosin, Madison, na obra Bioethics: bridge to the future, publicada em janeiro de 1971. ([Maria do Céu Patrão] NEVES, 1996, p. 7 [RB, v. 4, n. 1]).

No dia 6 de setembro de 2001, em Madison (WI-EUA), faleceu o oncologista norte-americano dr. Van Rensselaer POTTER [sic] (1911-2001). Foi ele quem, em 1970, cunhou o neologismo bioethics. Chamá-lo de “pai da Bioética”, como muitos o fazem, seria exagerado segundo alguns estudiosos na área da história da Bioética, e dizer que ele é somente autor do neologismo “bioethics” seria não fazer justiça com a estatura de sua pessoa como pesquisador e pioneiro da Bioética, já que acabou sendo marginalizado por seus compatriotas. ([Leocir] PESSINI, 2001, p. 149 [RB, v. 9, n. 2]).

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paralelamente na tradição ocidental sem, contudo, influenciar uma à outra. A b io-ética viria atrelar a prática científica a um projeto moralizador em nível global que garantisse a sobrevivência da espécie humana no planeta.

[...] se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar - as ciências e as humanidades - e se isto se apresenta como uma razão pela qual o futuro se mostra duvidoso, então, possivelmente, poderíamos construir uma ponte para o futuro, construindo a Bioética como uma ponte entre as duas culturas. No termo bioética (do grego "bios", vida, e "ethos", ética) "bios" representa o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e "ethos" representa o conhecimento dos valores humanos. (POTTER, 1971 apud PESSINI, 2001, p. 15 [RB, v. 9, n. 2]).

Ainda em 1971, André Hellegers fundou The Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, hoje denominado Kennedy Institute of Ethics, onde uma seção específica foi criada com o intuito de dar conta das questões éticas envolvendo a reprodução humana; esse é o caso do Center of Bioethics. Essa iniciativa representou a ascensão da bioética como disciplina acadêmica e campo de estudo em nível universitário. Além disso, determinou uma nova orientação para o uso do termo, agora voltado para os impasses da área biomédica. Hellegers teria afirmado não ter conhecimento da obra de Potter, defendendo não só a originalidade da expressão, mas a especificidade do seu uso. Potter, além de reivindicar a paternidade sobre o vocábulo, teria lamentado a sua restrição, defendendo a utilização também para se pensar uma ética ambiental e animal. Com efeito, a bioética de que tratou Potter consistia em uma outra bioética, em sintonia com o movimento ambientalista, que emergia também no contexto dos anos 70. A despeito da polêmica em torno da sua origem, desde os anos subseqüentes a 1971 até os dias atuais, a palavra bioética passaria a ser amplamente utilizada com a conotação conferida a ela por Hellegers.

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Hellegers restringe a uma ética das ciências da vida, particularmente consideradas ao nível do humano. ([Maria do Céu Patrão] NEVES, 1996, p. 8 [RB, v. 4, n. 1], grifos do autor).

A concepção ambientalista da bioética de Potter, contudo, não teria se restringido aos seus escritos. No artigo Sobre tecnociencia y Bioética: los árboles del paraíso – parte II, publicado na Revista Bioética, o professor de filosofia Francisco Fernandez Buey, de Barcelona, demarcou O princípio responsabilidade, de Hans Jonas, como a obra de referência no que diz respeito à uma ética, ao mesmo tempo, ambiental e relacionada diretamente ao humano.

Una de las más serias tentativas de volver a fundir ambas preocupaciones en una ética alternativa con atención muy particular a los problemas que habitualmente aborda la bioética es el llevado a cabo por el filósofo alemán Hans Jonas [1903-1993]. En su relevante ensayo dedicado a construir una ética de la civilización tecnológica, Jonas parte de la idea de que el carácter de la acción humana se ha modificado en las últimas décadas. Estudia a continuación los cambios que a este respecto se han producido en la historia de la humanidad acentuando en la vocación tecnológica del homo sapiens y en lo que esto representa desde el punto de vista de la relación entre el hombre y la naturaleza y desde el punto de vista de las relaciones entre los hombres. Y desde ahí analiza las características de la ética habida, de la ética heredada, de los viejos y nuevos imperativos, para llegar a la conclusión de que falta una ética orientada hacia el futuro. ([Francisco Fernandez] BUEY, 2000, p. 188-189 [RB, v. 8, n. 2]).

Escrito em 1979, portanto, posteriormente ao neologismo de Potter e ao instituto de Hellegers, o livro de Jonas não menciona o termo bioética. No entanto, sua abordagem é indicativa dos princípios que fundamentam tanto o movimento ambientalista quando a bioética, ambos emergentes naquele contexto.

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ela existe ou não existe como fato que influencia a ação humana, mas no caso da ética é preciso dizer que ela tem que existir. Ela tem de existir porque os homens agem, e a ética existe para ordenar suas ações e regular seu poder de agir. (JONAS, 2006, p. 65, grifo nosso).

Embora o surgimento do termo e os debates em torno da sua utilização datem da década de 70, a história oficial da bioética é elaborada a partir dos acontecimentos que marcaram as três décadas anteriores. Aponta-se para a proliferação, nos países ocidentais, desde o final da década de 40, de comitês de ética em pesquisa e tratados internacionais que visavam ao estabelecimento de normas para as pesquisas envolvendo seres humanos, a exemplo do Código de Nuremberg (1947) e da Declaração de Helsinki (1964). Assim, se não se podia fazer menção, ainda, à bioética, uma ética norteadora da pesquisa científica já era concebida no final dos anos 40. Com esse argumento, alguns bioeticistas afirmam que a institucionalização da bioética teria precedido o surgimento do termo em si.

O primeiro documento internacional sobre a ética da pesquisa, o Código de Nuremberg, foi promulgado em 1947 como uma conseqüência do julgamento de médicos que tinham realizado experiências atrozes em prisioneiros e detentos, sem seu consentimento, durante a Segunda Guerra Mundial. O Código, desenhado para proteger a integridade de participantes de pesquisas, estabelece condições para a condução ética de pesquisas envolvendo seres humanos, enfatizando o "consentimento voluntário" do participante para a pesquisa. (REVISTA BIOÉTICA, 1995, p. 99 [v. 3, n. 2]).19

Desde o Código de Nuremberg (1947) diretrizes éticas propõem reflexões e normativas para uma conduta condizente entre avanço científico/experimentos nas ciências da vida. ([Márcio] FABRI, 2001, p. 131 [RB, v. 9, n. 1]).

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Tabela 3 – Temas recorrentes na Revista Bioética no período de 1993 a 2008

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