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Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Natal: uma avaliação na perspectiva da Assistência Social

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Academic year: 2017

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DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Marisa Rodrigues da Silva

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Natal: uma

avaliação na perspectiva da Assistência Social

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Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Natal: uma avaliação na perspectiva da Assistência Social

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, parte dos requisitos para obtenção parcial do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Profª Drª Denise Câmara de Carvalho

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Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Natal: uma avaliação na perspectiva da Assistência Social

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em___ , _______ de 2006.

Banca Examinadora

Orientadora

Profª Dra. Denise Câmara de Carvalho Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Profª Dra. Ana Elizabete Simões da Mota Fernandes Universidade Federal de Pernambuco

Profª Dra. Severina Garcia de Araújo (Titular) Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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A Deus pela existência da sabedoria.

Foram tantas convivências nessa trajetória, que compartilharam comigo na realização desta Tese, que se torna difícil registrá-las. Um dos grandes desafios da minha vida foi essa fase do Mestrado, busquei forças interiores e determinação para concretizá-la. Percorri caminhos quase incompatíveis, como trabalhar e pesquisar; madrugadas de reflexão, muito estudo, e ainda uma reavaliação pessoal de projeto de vida. Por terem sido importantes o apoio e as contribuições de pessoas queridas e especiais, é que segue a minha admiração e gratidão.

À Professora Denise Câmara de Carvalho, orientadora, amiga que soube tão bem conduzir a orientação num clima de equilíbrio, exigências e discussões científicas que me fortaleceu na compreensão de que os processos fundamentados na base cientifica aponta para a consciência plena do ser.

À Professora Josenira F. de Holanda Brasil pelo suporte, atenção e apoio nos meus primeiros momentos, nos desabafos e incentivos.

À professora Severina Garcia de Araújo, pelas importantes contribuições que despertaram o lado analítico das questões, a minha admiração e o meu apreço. À professora Célia Garcia, pelo incentivo nos momentos que estava vulnerabilizada sobe o tema.

À professora Arlete Duarte de Araújo, pela análise, no período da qualificação; foram muito valiosos.

A Valdelêda M. de França, coordenadora do PETI, pelo apoio e por estar sempre à disposição.

A Sheila da Costa Azevedo, assistente social do PETI pela atenção e disponibilidade. À Maria Lúcia Silva, secretária do curso de Mestrado, por toda a ajuda e colaboração. Aos professores partícipes desse processo.

Aos meus colegas do Mestrado, Adriana, Angela, Cléia, Daniele, Daisy, Denise, Deriscléa, Elenita, Karina, Libânia, Liliane, Maria auxiliadora, Marinalda e Roberta. As minhas amigas, Wanira Brasil, Deusae Cristiane Aciole.

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ECA - O Estatuto da Criança e do Adolescente

Fóruns DCAs - Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente CNSS - Conselho Nacional de Serviço Social

LBA - Legião Brasileira de Assistência LOAS - Orgânica da Assistência Social NOB - Norma Operacional Básica

SUAS - Sistema Único de Assistência Social

DRU - Desvinculação das Receitas da União Série Programas de Assistência Social, SAS 1997

OIT - Organização Internacional do Trabalho

IPEC - Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil FNPETI - Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil TEM - Ministério do Trabalho Emprego

GECTIPAs - Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente

ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal INESC - Instituto de Estudos Sócio-Econômicos

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A pesquisa apresentada trata da questão da Criança e do Adolescente em situação de trabalho infantil, das conquistas jurídicas institucionais e sua relação com as Políticas Públicas na efetivação dos direitos e da proteção social, especificamente sobre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI e sua relação no contexto da avaliação, na perspectiva da Assistência Social. A análise da pesquisa registra o processo de implantação do PETI, no Núcleo Social de Cidade Nova/RN, implantado para absorver crianças e Adolescentes oriundas do ‘lixão’. Faz a relação do PETI com as políticas sociais, tomando como referência o ano de 2000 do século XX. Apresenta a importância do Programa no contexto dos usuários e suas famílias, a averiguação das ações do PETI tendo em vista uma contribuição no processo de combate ao trabalho infantil e como vêm se desenvolvendo as ações de apoio sócio-educativo junto às famílias usuárias do PETI, tomando como base à geração de ocupação e renda. O estudo objetivou apreender como vem se desenvolvendo a política de proteção social à criança e ao adolescente, nas faixas etárias de 07 a 15 anos, em situação de trabalho infantil. Com base numa abordagem qualitativa e quantitativa, foi levantada a caracterização sócio-econômica da população beneficiária (70 famílias), através da aplicação de entrevistas junto aos usuários. Com este estudo, que acreditamos trazer novos subsídios, que possam contribuir para a erradicação do trabalho infantil, articulando-se com as demais Políticas Públicas.

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This research deals with children and teenagers who are in childish work situation like juridical and institutional conquests connected with public politics in order to effects rights and social support about childish work eradication program (PETI) in terms of evaluation context under social work. The analysis of this research records the PETI implantation process at social nucleus in Cidade Nova (Natal/RN) to absorb children and teenagers who come from ‘lixão’. It does this based on the two thousands (2005) and presents the program importance linking users and their families such as the investigation of PETI actions, intending to give a contribution in the childish work combat and how they have been developed social-education protection for children and teenagers (seven to fifteens). About quality and quantity it was make a survey of social-economical characterization of the people benefits (to families) through interviews with users. This study (make us) sure brings new subventions which can cooperate to the childish work eradication by others public politics articulations.

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INTRODUÇÃO ... 10

1 CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO ... 15

1.1 O TRABALHO SOB A PERSPECTIVA DA FLEXIBILIZAÇÃO E DA INFORMALIDADE NO MUNDO GLOBALIZADO ... 17

1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL FRENTE ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO...26

1.3 CRIANÇAS E ADOLESCENTES: SUJEITOS DE DIREITOS ... 37

2 O TRABALHO INFANTIL COMO UMA DAS EXPRESSÔES DA QUESTÃO SOCIAL...48

2.1 DIMENSÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O CONTEXTO DO TRABALHO INFANTIL... 51

2.2 O PETI UMA ALTERNATIVA DA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL... 63

3 O PETI NO NÚCLEO DE CIDADE NOVA EM NATAL – RN: O LIXÃO NUNCA MAIS! ... 73

3.1 OS USUÁRIOS DO PETI – QUEM SÃO? ... 76

3.2 O PETI AVANÇOS E DESAFIOS... 86

3.3 A EFETIVIDADE DO PETI, UMA REALIDADE? ... 93

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 106

REFERÊNCIAS... 111

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INTRODUÇÃO

O trabalho que ora apresentamos refere-se à análise do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no Núcleo de Ação Social de Cidade Nova em Natal/RN. O PETI foi criado pelo Governo Federal no ano de 1996, e implantado em Natal em dezembro de 1999.

A idéia do Governo brasileiro, de implantar um programa governamental como o PETI, que atuasse diretamente nas condições econômicas e sociais das famílias vulnerabilizadas como estratégia de resgate de crianças e adolescentes na eliminação do trabalho infantil e a inserção desses na rede escolar, remonta às discussões ocorridas já na metade da década de 80 do Séc. XX, no interior dos movimentos sociais envolvidos na luta pela defesa das crianças e dos adolescentes.

Em 1990, com a assinatura do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estado deu um passo na defesa dos interesses infanto-juvenis, estabelecendo direitos e políticas protecionistas a essa parcela da população brasileira.

A problemática do trabalho infantil versus as relações de trabalho, vem demonstrando, ao longo da história, traços martirizantes quanto ao uso da mão-de-obra infantil como alternativa para a subsistência das famílias vulnerabilizadas, cujos direitos sociais lhes eram subtraídos ou negados.

As transformações ocorridas no processo de trabalho demarcado pela flexibilização, precarização e fragmentação são características no cenário do capitalismo mundial.

No Brasil, embora exista um conjunto de instrumentos jurídico-normativo, proibindo o trabalho infantil e protegendo o trabalhador adolescente, ainda convivemos com uma realidade massacrante, vivenciada por nossas crianças e adolescente sendo postos à exploração de trabalho infantil.

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em famílias chefiadas por trabalhadores que vivem na informalidade. É nesse seguimento do setor informal que crianças e adolescentes se vêem inseridas.

Os dados apontados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia, - Censo 2000), são evidentes; vê-se, quando destacado, que o Brasil tem mais de 58 milhões de crianças e de adolescentes de até 17 anos; e mesmo proibido por lei, antes dos 16 anos, 2,2 milhões de crianças de 5 a 14 anos já fazem parte das estatísticas da informalidade do trabalho no país.

Entendemos a nossa pesquisa, especificamente sobre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em Natal/RN, realizada no período de fevereiro à outubro de 2005, como sendo uma pesquisa relevante para as Ciências Sociais e, especificamente para o Serviço Social uma vez que o estudo ora realizado sobre este Programa, trata da questão social na qual envolve-se o trabalho infantil de crianças e adolescentes. Nesse sentido objetivamos, com a nossa análise, apreender como vem se desenvolvendo a Política de Proteção Social à Criança e ao Adolescente; a ação implementada no PETI a frente do combate ao Trabalho infantil, considerando a sua interlocução com as demais políticas públicas sociais e econômicas, educação, saúde, trabalho e renda , cultura, entre outras.

A nossa pesquisa realizou-se assim no Núcleo de Ação Social de Cidade Nova, cujo PETI foi implantado em dezembro de 1999, para absorver Crianças e Adolescentes que estariam em situação de trabalho infantil no ‘lixão’, no bairro de cidade Nova, através de sua Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS).

Em princípio, buscamos apreender como se deu o processo de seleção das famílias beneficiadas, a caracterização dos usuários do Programa, como também de suas famílias; analisamos todos os determinantes que levaram à implantação do PETI no bairro de Cidade Nova, bem como as conseqüências que demarcaram toda a problemática do ‘lixão’ na qual essas crianças e adolescentes estavam inseridos. A pesquisa foi desenvolvida junto aos beneficiários do PETI, Coordenador e Assistente Social da Instituição.

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Cidade Nova. A localização do então lixão, concentra um dos bolsões de pobreza da capital, onde a Prefeitura despejava cerca de 1.200 toneladas de lixo por dia, uma realidade, a qual o jornalista João Edmilson da Silva, precursor da luta em defesa, das Crianças e dos adolescentes denominava de “cemitério da infância”.

Das 400 Crianças e Adolescentes cadastrados pelo Núcleo de Cidade Nova, em dezembro de 1999, apenas 70 continuam no PETI. Com base na análise do cadastro, definimos uma amostra aleatória simples em torno de 15% dessa população, tendo sido entrevistados 10 (dez) adolescentes, 10 (dez) das famílias dos beneficiários, além dos técnicos do Programa.

Essa pesquisa tomou como referência teórico-metodológica as contribuições dos estudiosos das Políticas Públicas especificamente sobe as questões do trabalho e da Assistência Social que vêm discutindo esse tema, sob perspectivas conceituais que se aproximam. Dentre os autores destacamos: Alba Maria P. de Carvalho, José de Souza Martins, Márcio Pochmann, Ana Elizabete Mota, Ricardo Antunes, Maria Augusta Tavares, Gilberto Dupas, além de estudiosos que vêm focalizando, em particular, a problemática qeu envolve o trabalho infantil tais como: Irene Rizzini, Irmã Rizzini, Delma Peçanha Neves, Maria do Carmo Carvalho entre outros.

O estudo desenvolvido atendeu aos seguintes aspectos de análise: Primeiro, foram realizadas observações sistemáticas no Núcleo de Ação Social de Cidade Nova, em Natal/RN, no período de fevereiro a julho de 2005. Nesse período, tivemos acesso às informações sobre o Programa, quando analisamos os dados secundários contidos na sistemática operacional deste Programa, especificamente nas fichas de cadastro dos beneficiários do PETI.

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local de residência; atividade de trabalho infantil; observando aspectos como a faixa etária, o sexo, renda e composição do grupo familiar. O universo da pesquisa foi ampliado também com o corpo técnico do PETI, tendo sido entrevistados a coordenadora e a assistente social.

Nesse processo de pesquisa, as informações junto aos entrevistados: usuários, famílias dos usuários, técnicos, coordenadora de implementação do Programa; foram confrontadas, analisadas face ao Programa às suas determinações e contradições, observando-se seus avanços e/ ou retrocessos.

Com o sentido de resguardar as falas dos entrevistados, nominamo-os com letras, com o intuito de preservar suas identidades..

O presente trabalho, de dissertação de Mestrado, a ser apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, trata-se pois, de uma análise crítica da ação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, enquanto política pública de inclusão de Crianças e Adolescentes no Núcleo de Ação Social de Cidade Nova, no bairro de mesmo nome, em Natal-RN.

Este trabalho para efeito de apresentação compõem-se de três capítulos que se articulam, além da presente introdução e das considerações finais. Com as seguintes disposições:

No capítulo, sobre Configurações do Trabalho, explicitamos e analisamos o trabalho com base na concepção histórica, econômica, política e social, confrontando-as com às exigênciconfrontando-as do mercado formal, observando como esse processo aliado à informalidade do trabalho influi no surgimento do trabalho infantil.

Em relação ao capítulo sobre “O trabalho Infantil como uma das Expressões da Questão Social” a análise vai incorporar a discussão das diretrizes asseguradas na Constituição Federal de 1988 ( Séc. XX), a reflexão da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) como construção da política pública de Assistência Social, situando o PETI, como uma alternativa para a erradicação do trabalho Infantil.

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aproximações sucessivas ao objeto de estudo desvendá-lo em sua complexidade e em suas múltiplas determinações. Destacaremos a caracterização dos usuários do Programa, os Avanços e Desafios do PETI, observado a sua efetividade.

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1 CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO

O trabalho é condição natural da existência humana, uma condição do metabolismo entre homem e natureza independentemente de qualquer forma social

Karl Marx

As importantes transformações no plano internacional com o processo da Globalização e suas repercussões em âmbito Nacional, retratadas notadamente pelo desemprego e pela crise econômica e social, colocam novos temas na agenda das Políticas Públicas. Essas transformações nas relações do trabalho demarcam dificuldades que acirram os processos de exclusão social e/ou inclusão social precarizadas, que são produzidos mais intensamente, dentro dessa nova fase do processo inerente ao capitalismo.

Segundo Mota (1995), foi a partir dos anos 80 do séc. XX, que se deu a emergência da ideologia neoliberal diante das grandes transformações ocorridas no Trabalho, numa grande ofensiva do capital, restringindo direitos e garantias sociais. De acordo com a autora, “A principal implicação desse movimento é a proposta de privatização das políticas públicas de proteção social, o que permitiria a expansão do mercado privado de seguros e serviços sociais”, (MOTA, 1995, p.194). Fazendo parte da sua trajetória, o modo de produção capitalista torna-se a condição de contenção da dependência das forças de mercado, que se mostrou possível com a instalação de uma estrutura secundária de distribuição da renda, que levou a não repartição simples entre o trabalho e o capital.

Como afirma, Dupas (1999, p.14):

a internacionalização dos agentes econômicos privados e a privatização dos serviços públicos de infra-estrutura, além de trazerem claros benefícios à eficiência econômica da produção, têm gerado tendência simultânea de aumento do desemprego formal e de crescente flexibilização da mão-de-obra.

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a condição de estruturação incompleta do mercado e da ausência de uma efetiva distribuição secundária da renda. No caso do Brasil verificou-se que entre as décadas de 1930 e 1970 foi identificada a presença de um ciclo virtuoso na industrialização nacional, acompanhada da estruturação do mercado de trabalho.

Mas isso se mostrou ser incompleto, uma vez que as reformas clássicas do capitalismo contemporâneo não foram realizadas tais como as reformas: (agrária, tributária e social), o que provocou a consolidação de uma sociedade apartada, como afirma Carvalho (2001), entre os incluídos pelo mercado de trabalho formal, com acesso às políticas sociais e garantia de uma certa cidadania regulada, àqueles tidos como excluídos, mais conhecidos como despossuídos do progresso econômico. Houve então, um crescimento da produção, mas sem distribuição de renda.

Num período mais recente, nos anos 80 (séc. XX), mostra-nos Pochmann (2000), que a economia nacional registrou uma estagnação da renda per capita combinada com uma forte oscilação no nível de produção. Aliado a isso, o país tem passado também pela implantação de um novo modelo econômico, desde 1990, quando o papel do Estado foi reformulado, na sua atuação como empresário (privatização do setor produtivo estatal), seja na regulação da concorrência intercapitalista (abertura comercial, produtiva, financeira e tecnológica) e do trabalho (desregulamentação das relações de trabalho e flexibilização do mercado de trabalho).

Nesse cenário, o mercado de trabalho apontou para o sentido de sua desestruturação (desemprego elevado, desassalariamento das ocupações e ampliação do trabalho precário).

Contextualizando o modelo capitalista, ocorre que o trabalho passa a delinear-se em um processo de flexibilização, de fragmentação e de exclusão, que se exprime pela precariedade de emprego e salário e na difusão do setor informal.

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1.1 O TRABALHO SOB A PERSPECTIVA DA FLEXIBILIZAÇÃO E DA INFORMALIDADE NO MUNDO GLOBALIZADO

É em Marx que vamos encontrar a análise, o significado concreto do trabalho para o desenvolvimento do homem e as distorções do trabalho na sociedade capitalista. Para Marx, a essência do ser humano está no trabalho. O que os homens produzem é o que eles são. O homem é o que ele faz. E a natureza dos indivíduos depende, portanto das condições materiais que determinam sua atividade produtiva.

Em o Capital, Marx, retrata:

O trabalho como sendo um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, em sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza (1996, p. 297).

De acordo com Antunes (1999), foi depois de meados dos anos 70, que o mundo do trabalho vivenciou uma situação fortemente crítica; talvez a maior, desde o nascimento da classe trabalhadora e do próprio movimento operário.

Foi nesse período que se intensificaram as modificações sócio-econômicas no processo de internacionalizar a economia mundial.

Surge, então, no Plano Mundial, novas tecnologias e formas diferenciadas de organização de trabalho nos diversos setores da economia, ocorrendo assim uma grande modificação nos processos de gestão.

Na análise do conjunto dos dados relativos ao mercado de trabalho nas economias globalizadas, destaca-se o aumento significativo do emprego precário, a queda generalizada dos salários uma renda procedente do trabalho informal e a significativa elevação das taxas de desemprego. Isto vem comprovar que a sociedade global, além de complexa e contraditória, é também um espaço de desenvolvimento desigual. Como afirma (IANNI, 1993, p.6), “A Globalização não significa nunca homogeneização, mas diferenciação em outros níveis, diversidades com outras potencialidades, desigualdades com outras forças”.

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Para Dupas (1999, p. 54-66), esta relação entre o trabalho e o processo de reestruturação produtiva da economia mundial, tem emergido com a modernização tecnológica e organizacional que vem acompanhando o atual processo de globalização, gerando transformações no contexto da flexibilização do trabalho.

No quadro destas transformações, segundo Dupas (1999, p. 54:66), está a descentralização produtiva, apoiada sobre a flexibilidade da produção, novas relações entre as empresas privilegiando a horizontalidade mais que a verticalidade de produção, o aparecimento do desemprego estrutural e a precarização das condições de trabalho.

Acompanhamos também a análise de Antunes(1999), que vai mostrar que se inicia um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, e o processo de privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, como também da flexibilização do trabalho.

A flexibilização, aqui definida, corresponde ao pensamento neoliberal que se concretiza no forte apoio à flexibilidade de regras, defendendo a eliminação de grande parte das normas trabalhistas, por entender que tais instrumentos e circunstâncias comportam o necessário ajuste à competitividade e ao crescimento; premissas para o desenvolvimento da economia e da elevação do nível de vida (Potobsky, 1995, p. 11).

Convém ressaltar que as bases neoliberais fixaram-se no crescimento da automação, com as tecnologias da Informática, as megafusões das empresas, sobretudo a redução do Estado, tornando-o minimizado, gerando, como conseqüência, uma eliminação no setor dos serviços públicos, ocorrendo, assim, o desemprego em massa e a reestruturação do emprego.

Surge, então, o crescente emprego precarizado, a ampliação dos subempregos e a desestabilização dos empregos estáveis.

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representa muito mais um fator de atraso e de recessão econômica do que de progresso”.

Em relação a este processo de flexibilização observando que no entender de Tavares (2004, p. 18):

A flexibilidade invade a organização da produção, fragmentando e desqualificando o trabalho, promovendo o desemprego e a reemergência de velhas formas de trabalho precarizado, que se expressam sobretudo do núcleo formal para a informalidade, em que o trabalho cumpre a mesma função para o capital sem os custos sociais.

Desse modo, o Estado passa a atender aos interesses do capital no ajuste da política macro-econômica, na redução dos gastos públicos, no superávit da balança comercial e nas reformas, visando aumentar a eficiência do sistema econômico.

De acordo com Grave (2002, p. 74), “a classe trabalhadora encontra-se no desalento, sem o amparo legal e institucional do Estado, minimizado e reformado para melhor atender aos interesses do grande capital”.

Compreender a classe trabalhadora é entender que esses trabalhadores vivem da sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção, como afirma Antunes (2002, p. 109)

Se nosso primeiro desafio (teórico e político) é procurar entender o que é a classe trabalhadora hoje, iniciaremos dizendo que ela compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres, que vivem da venda da sua força de trabalho e que são despossuidos dos meios de produção. Não tendo alternativa de sobrevivência, senão vender sua força de trabalho sobre a forma de assalariamento. Nesse desenho amplo, compósito e por certo muito heterogêneo, a classe trabalhadora (ou como recentemente a denominei, classe – que vive – do trabalho) encontra seu núcleo central no conjunto dos trabalhadores produtivos, para lembrar Marx, especialmente em capítulo inédito (VI)

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trabalho humano e maquinário científico-tecnológico. Eles se constituem no pólo central da classe trabalhadora moderna.

Ainda no processo dessa reflexão, a produção capitalista tem como fim a mais-valia. Segundo Marx, “o motivo que impulsiona e o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior auto-valorização possível do capital, isto é, a maior produção de mais-valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho pelo capitalista”(1983, p. 263). Em síntese, a força de trabalho é a única mercadoria que quando consumida produz valor. Nesta perspectiva, não existe capital sem trabalho. Mas, na sociedade capitalista, “não é o trabalho que utiliza os meios de produção, são os meios de produção que utilizam o operário” (MARX, 1978, p. 19).

Os dados atuais que apontam um crescimento na ocupação dos postos de trabalho desfazem a crença de que o novo paradigma produtivo estaria levando a uma melhoria generalizada nas condições de trabalho.

Submetida às leis de mercado, a força de trabalho tem que se sujeitar à oferta e à procura, sendo, ora reivindicada, ora rejeitada, como qualquer bem que é produzido para a venda, mesmo que os trabalhadores não aceitem passivamente essa condição, o que se comprova nos registros históricos de suas lutas (TAVARES, 2004, p.45).

Concordamos com Lira (2002),ao aportar que a “massiva flexibilização” das relações de trabalho, gerada tanto no âmbito interno das empresas, quanto no externo, por meio das mudanças na regulação estatal do trabalho são justificadas pela necessidade do país obter a condição de competitividade exigida pelo mercado internacional, e este fato tem servido de um estímulo a mais para o aumento da informalidade.

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precarizadas para todos os países subdesenvolvidos, enquanto se esperam os efeitos benéficos de crescimento, decorrentes das reformas.

Nesse contexto, observamos como essas políticas complementares não vêm atendendo aos mínimos sociais dos subalternos excluídos pela flexibilização das relações de trabalho, aumentando, assim, o contingente no espaço da exclusão social.

Desse modo, as conseqüências para o trabalho vêm gerando um grande aumento da precarização das condições de trabalho, elevação do índice de desemprego, expansão do setor de comércio e serviços, reduzindo ai o setor industrial que agrava a redistribuição de renda, gerando assim o crescimento das relações de informalidade do trabalho, como também a exclusão social.

Entendendo-se, assim,como afirma Carvalho (1994, p. 11) “a exclusão social, como processos econômicos, políticos e culturais excludentes, processos de marginalização que implicam em não ter um lugar social, ou seja, uma posição à qual estejam associados uma utilidade social e um reconhecimento público”.

Na verdade, a exclusão social não significa, em absoluto, que os contingentes populacionais excluídos estejam fora da dinâmica do capitalismo em curso, ou estejam fora do sistema econômico. De fato, o capitalismo da contemporaneidade busca incorporar essa população via consumo e via ciclos periféricos de atividades e formas de vida de excluídos como formas inadequadas de trabalho, pontuais, itinerantes, precárias e informais. (Martins, 1993).

A heterogeneidade do trabalho na informalidade, conforme nos acrescenta Lira (2000) incorpora assimetrias com relação à renda, pois é possível encontrar desde trabalhadores com excelente nível de renda uma minoria até aqueles cuja remuneração mal garante o consumo mínimo necessário para si e sua família e que são maioria. Além do mais, no trabalho na informalidade encontra-se em sua maioria trabalhadores com instrução e qualificação baixas, como também trabalhadores qualificados expulsos dos seus empregos formais, seja no âmbito privado ou público.

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legislação fiscal, o que caracterizaria essas ocupações seria a ilegalidade, pois estão à margem do sistema tributário.

A informalidade tem um papel na “formação do produto social” (SILVA, 1996), ou por intermédio da flexibilização produtiva, que estabelece uma rede de atividades formais e informais as quais reduzem os custos do produto final e intensificam a exploração do trabalho, contribuindo para aumentar também a extração de mais valia; ou, por outro lado, contribuindo para a manutenção e reprodução da força de trabalho, pois o capital pode utilizar a informalidade como estratégia para “minimizar direta ou indiretamente o custo de reprodução da força de trabalho” (PRANDI, 1978,p. 40-1).

Isto porque os trabalhadores que não conseguem inserir-se no mercado formal de trabalho tendem a recorrer às ocupações informais de forma a obter algum tipo de renda que possa viabilizar o nível mínimo de consumo para suprir suas necessidade. Conforme Prandi, se, do ponto de vista do capital, a informalidade é um instrumento útil, no sentido de permitir a flexibilização produtiva e, da mesma forma, viabilizar o rebaixamento dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho, o mesmo não pode ser dito pela sociedade e pelos trabalhadores com relação às conseqüências dessa informalidade, sobretudo considerando a realidade brasileira.

Na década de 90 do Séc. XX e no início do século XXI, como afirma Lira (2002, p.147), a informalidade coloca a maioria dos trabalhadores numa situação de insegurança e instabilidade cujo desdobramento é a maior segmentação entre os trabalhadores e a fragmentação das suas identidades. São fraturas que abalam os vínculos mais próximos, como a família (dada a proximidade dos riscos de pauperização) e também os parâmetros da sociabilidade. Pois, na ausência do poder institucional que garanta e viabilize, de forma concreta, os direitos estabelecidos, hoje apenas, na legislação, e sem políticas sociais que resguardem o direito a uma proteção social em casos de vulnerabilidade (como desemprego, doença), cria-se um ambiente na contramão da democratização, mais fragilizado pelas investidas do capital e de suas representações nos âmbitos econômico e político.

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demissões, terceirização, subcontratação, efetuadas via flexibilização produtiva) para o setor terciário (comércio e serviços), situação gerada pelo encolhimento da indústria, cuja taxa de crescimento do pessoal ocupado, que era cerca de 25% no período 1981-89, passou a 7,9% no período 1990-99 (CARDOSO JR., 2001, p.17).

Mostra este autor que, essa absorção de trabalhadores pelo setor terciário, já dá mostras do estar-se aproximando da saturação, como evidenciam as taxas médias de crescimento do pessoal ocupado nesse setor: 3,8% ao ano entre 1986 e 1989, contra 1,4% ao ano entre 1995 e 1999 (CARDOSO JR., 2001, p. 19).

A terceirização, na qual predominaram o crescimento das ocupações no comércio e nos serviços, absorveram, juntas, quase 30% de todo o pessoal ocupado em 1999, que concorreram para o incremento das ocupações nas quais predominam as relações de informalidade. Também colaboraram para isso a elevação das taxas de desemprego, que se em 1981 eram de 4%, passaram para pouco mais de 10% em 1998 (CARDOSO JR.,2001, p. 21).

Outro fator que colaborou para a desestruturação do mercado de trabalho, favorecendo a expansão da informalidade em nosso país na década de 90, do Séc. XX foi “a piora distributiva, não desprezível, em termos dos rendimentos pessoais e também do ponto de vista da repartição de renda entre rendimentos do capital e do trabalho”. (CARDOSO Jr. 2000, p. 19).

Quanto à distribuição de renda, na análise de Cardoso Jr. (2001, p. 41).

Embora o índice de Gini tenha recuado um pouco nos anos 1990, praticamente congelou-se no patamar de 0,60 desde 1993 _já em um contexto em que havia se esgotado a influência redistributivista da queda da inflação,. Os 20% mais pobres da população ocupada continuaram a se apropriar de tão-somente 2,2% dos rendimentos do trabalho, enquanto os 10% mais ricos mantiveram-se sempre acima dos 45%.

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Se para o capital a informalidade adquire um papel estratégico no seu processo de acumulação, para os trabalhadores e a sociedade a informalidade representa a ampliação das desigualdades já existentes em nosso país, que a partir desse modelo de desenvolvimento, tende a fragilizar a maioria de nossos trabalhadores e suas famílias a uma condição cada vez mais próxima da pobreza.

Seguindo esse raciocínio, encontramos em Dupas (1999, p. 103), que a internacionalização dos agentes econômicos privados e a privatização dos serviços públicos de infra-estrutura, além de trazerem claros os benefícios à eficiência econômica da produção, têm gerado uma tendência simultânea de aumento do desemprego formal e de crescente flexibilização da mão-de-obra. Em decorrência, os governos acabam inevitavelmente pressionados a garantir certa “proteção social” às crescentes populações pauperizadas, em contradição com os seus recursos fragilizados pela meta imperiosa de equilíbrio orçamentário.

Convém ressaltar que há uma nova vertente de posições dos organismos internacionais, como o próprio Banco Mundial, de que é preciso ser revisto o papel do Estado no seu condicionante, de que é o Estado atuante e não o Estado mínimo que deve ser focalizado no processo de desenvolvimento econômico e social, sustentável.

Defende Dupas (1999, p. 105), que sob esta perspectiva, o Estado estaria apto, simultaneamente, a enfrentar sua enorme e indelegável missão de viabilizador de serviços públicos essenciais à população de baixa renda nas áreas de saúde, educação, habitação e amparo à exclusão social.

Por outro lado, observamos que o Estado na esfera econômica traz, na sua essência, o avanço do capitalismo e que recai sobre o Estado novas demandas geradas a partir do aumento de desemprego, crescimento do setor informal e forte flexibilização do emprego, que tende a agravar a exclusão social passando a exigir do estado políticas públicas, sobretudo no âmbito social. Nesta direção, cabe ressaltar a permanência do atendimento às necessidades básicas do ser social, que devem ser providas pelo Estado, através da implementação de políticas públicas que não sejam focalistas, fundadas na carência, e nem na visão restrita do assistencialismo.

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comprometidos, no atual estágio, em zerar os seus déficits, quando é evidente a ineficiência administrativa e a inexistência de uma política que efetivamente venha assegurar os padrões de proteção social aos trabalhadores e setores mais vulnerabilizados da sociedade.

O que se observa, como afirma (PAULO NETTO, 1996), é a construção de um Estado mínimo, para responder às demandas da classe trabalhadora, e máxima para atender aos interesses do capital.

Neste sentido, é oportuno frisar que a classe trabalhadora vem perdendo seu espaço diante do paradigma do emprego, o que evidencia a explosão do trabalho informal ou flexível muito visível sobretudo nos anos de 90. Em relação a economia brasileira, de acordo com Dupas (1999, p. 148), o emprego flexível avança continuamente sobre o trabalho formal, apenas com pequeno recuo provisório logo após o Plano Real. Esse processo levou o setor informal a representar cerca de 56% da mão de obra metropolitana brasileira em 2000. Significa que em apenas uma década alterou-se a ocupação principal no mercado de trabalho, que deixa de ser formal e passa a ser informal.

Conclui-se daí que, a causa de desemprego não reside no trabalho, mas na estrutura do capital. Conforme nos mostra Dupas (1999, p. 225), “É no capitalismo que se encontra a contradição da dialética de exclusão versus inclusão”. À medida que exclui progressivamente postos formais do mercado de trabalho, o processo de globalização estimula a flexibilização e incorpora a precarização como parte da sua lógica. Com isto, o novo modelo global de produção continuará provocando a exclusão social, tendo como decorrência o aumento do trabalho informal e flexível, colocando a maioria dos trabalhadores numa situação de insegurança e instabilidade, fragmentando sua identidade e vulnerabilizando sua base familiar, num rebaixamento da classe social, como também uma sustentabilidade sócio econômica.

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às políticas de ajuste, de corte dos gastos sociais, a que se somam, hoje. Trata-se de uma mão-de-obra menos organizada, mais dócil e mais barata.

1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL FRENTE ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO

A problematização do trabalho como contingência econômica para crianças e adolescentes não se constitui somente em agenda de debate, na atualidade. Ao contrário, vem de longas datas o início da imposição aos jovens e mesmo às crianças, de participarem das práticas produtivas de seus grupos sociais.

Para entender a realidade atual, é necessário um resgate histórico no qual perceberemos que o trabalho infantil não é um fato novo na história da humanidade, mas ganha evidência, a partir da Revolução industrial, como afirma Silva (2002, p.153). A própria divisão do trabalho e as tarefas simplificadas e depois automatizadas (taylorismo e fordismo) acabaram propiciando a utilização intensiva da força de trabalho das crianças e adolescentes. O que muda, no tempo, é a proporção da demanda e da oferta, as formas de inserção no mercado e as ocupações e condições de trabalho destinadas a essa faixa etária.

No período da acumulação primitiva, Áries (1973), o trabalho era tido como ajuda, e não como trabalho, uma vez que o adulto, junto a sua família, desenvolvia todo o tipo de atividade em sua pequena propriedade. Assim, a criança era incorporada na lida da terra, com uma jornada diária intensa e contínua.

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Tratar do trabalho infantil, neste início de século XXI, é retomar a história de vida de crianças e adolescentes das camadas populares, ao longo de toda a história.

A indignação causada por registros como esses, de crianças e adolescentes em situação de trabalho, aumenta com a constatação de que nos dias atuais ainda existe, sob diversas formas, o trabalho infantil. Fica evidente, portanto, que a problemática da utilização de crianças e adolescentes nos diversos setores produtivos não é invenção brasileira. Ao contrário, o trabalho infantil, vem sendo debatido, tendo como foco sua erradicação, e, no trato das políticas públicas, na tentativa de incrementá-las, visando a regulamentação de proteção social à criança e ao adolescente. ( FONSECA, 2003).

Ao nos determos neste ponto, em acordo com Silva (1999), observamos que, é preciso considerar que a dinâmica econômica recente, tanto no Brasil como em outros países, anuncia uma ruptura do modelo e do paradigma do assalariamento como forma dominante de mobilização da força de trabalho. O avanço tecnológico, mesclado ao crescimento com base na alta produtividade do trabalho e, portanto, com pouca geração de emprego, está revigorando e fazendo surgir novas formas de ocupação. Onde se evidencia a instabilidade nos contratos de trabalho, os empregos a tempo parcial, a terceirização e a subcontratação de trabalhadores que abrem um grande espaço para novas ocupações, de mão de obra, impostas pelo processo de globalização da atividade produtiva que têm inserido o trabalho de crianças e adolescentes, como outras modalidades de trabalho informal. As conseqüências sociais e políticas desse fato são enormes, além de ferir os direitos sociais, é negado a essas crianças e a esses adolescentes as possibilidades de viver sua infância.

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Na primeira década do século XX pudemos constatar, ao retratar a primeira versão do livro Apontamentos de Direito Operário, publicada no Rio de Janeiro em 1905, o qual fazia referência às condições de trabalho naquela cidade, que:

onde trabalham crianças de sete e oito, junto a máquinas, na eminência aflitiva de terríveis desastres, como alguns já sucedidos. O trabalho noturno das crianças é praticado em certas fábricas – como de mulheres – cercado de todos os inconvenientes e desmoralizações [...] Aqui, o trabalho é exercido em condições primitivas. Se algum conforto gozam os operários de certas fábricas – é isso devido à bondosa iniciativa de alguns patrões, que, aliás, não se empobrecem da prática da generosidade... (MORAES FILHO apud MORAES, 1995, p.19)

A realidade social aqui exposta era observada por ocasião da vigência do decreto 1.313, de 1881, que regulamentava o trabalho de crianças e adolescentes nas fábricas. Conforme Moraes (1995), dentre outras medidas, esse decreto dispunha que crianças e adolescentes do sexo feminino, de 12 a 15 anos e os do sexo masculino, de 12 a 14 anos, só poderiam trabalhar, no máximo, sete horas por dia, não-consecutivas, de modo que o trabalho contínuo nunca excedesse a quatro horas. Os adolescentes do sexo masculino, de 14 a 15 anos, até nove horas por dia, nas mesmas condições; os aprendizes que nas fábricas de tecidos poderiam ser admitidos desde os oito anos, cumpriam uma jornada de trabalho de três horas diárias.

Alguns pesquisadores, como Alvim (1994), defende a idéia de que, no Brasil, a discussão mais profunda sobre o tema se inicia no século XX, adquirindo mais consistência nas duas primeiras décadas. É nesse período que vão surgir as primeiras tentativas de construção do menor trabalhador como figura jurídica, culminando na elaboração da parte relativa ao trabalho, conforme consta no Código de Menores de 1927. O trabalho aparece assim, com seu caráter protetor, pois pretende abrigar a criança e o adolescente da marginalidade, além de aumentar a renda familiar.

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pessoal, promover a escolarização dos jovens trabalhadores e, ao mesmo tempo, definir níveis de remuneração.

A mesma autora chama a atenção para a idéia de que existe na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1942, uma tentativa de imposição da aprendizagem compulsória que poderia ser interpretada como uma forma de proteger a criança e o adolescente trabalhadores e torná-los a elite da produção, idéia, ao nosso ver, como configurada ao pensamento neoliberal. Era evidente o emprego de crianças e adolescentes semi-alfabetizados e/ou completamente analfabetos.

O trabalho infantil, como indica-nos Carvalho (1976), é utilizado como um recurso à sobrevivência, o que é imposto pela divisão do trabalho, no período da Revolução Industrial, que demarcou o processo de produção tradicional para o industrial moderno, advindo de outros meios de produção. A mecanização contribuiu para uma extensa jornada de trabalho, que absorveu outros membros da família, como as mulheres e as crianças.

É nesta perspectiva, que Silva (2002) coloca que, é no capitalismo de hoje, da chamada terceira Revolução Industrial, que se alteram os meios e a forma de apropriação dos excedentes, bem como o gerenciamento da força de trabalho, não ocorrendo a distribuição e/ou eliminação do excedente apropriado pelo capital. O trabalho continua a propiciar a reprodução e a acumulação flexível do capital. As inovações científicas e tecnológicas, as legislações dos direitos da criança e do adolescente e a mobilização da sociedade em defesa da infância não tornaram o capital capaz de dispensar e/ou de eliminar o trabalho infantil do processo produtivo. Muito pelo contrário, este seguimento etário da força de trabalho adere cada vez mais ao mercado, de forma fragmentada, heterogeneizada, terceirizada, parcelada e globalizada.

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terceirização das relações de trabalho; enfim, na reorganização do capital e na desorganização do trabalho aliado às políticas neoliberais de cortes dos gastos sociais.

Entendemos que o trabalho infantil é um problema social, que aflige ampla parcela da sociedade e está intimamente vinculado à condição econômica. Quando a criança trabalha, muitas vezes em circunstâncias que comprometem sua saúde e sua esperança de vida, a realidade é perversa e parece não haver outra saída: porque os pais contam com os braços dos filhos para sobreviverem. E se o trabalho apenas consegue assegurar o alimento para a sobrevivência, a educação é um privilégio inacessível e o futuro não existe.

Segundo Cervini e Burger (1991):

o fato de uma criança ou adolescente trabalhar depende, basicamente, de dois macrofatores: a pobreza que obriga as famílias a adotar formas de comportamentos, que incluem a oferta de trabalho dos filhos menores de idade e a estrutura do mercado de trabalho informal, o qual oferece espaços apropriados à incorporação desse contingente específico da força de trabalho.

Telles (1994), ao analisar a pobreza contemporânea no Brasil, O Brasil Moderno, afirma que essa pobreza transborda dos lugares onde esteve confinada desde sempre, atingindo os trabalhadores urbanos integrados nos centros dinâmicos da economia do país. De fato, a pobreza hoje transborda, atingindo a classe média, setores antes protegidos. Inegavelmente, tem-se um novo perfil da pobreza no Brasil. Uma das expressões na vida brasileira dessa pobreza é a crise da mobilidade social no Brasil que precisa ser enfrentada, face aos ditames do neoliberalismo.

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Poucos países têm uma legislação que proteja tanto os interesses das crianças e dos adolescentes quanto o Brasil. Em 1988, dois anos antes da realização da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) 2000, a Constituição Federal já priorizava as garantias fundamentais das crianças e do adolescentes. Em 1990, com a assinatura do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estado deu um passo a frente na defesa dos interesses infanto-juvenis, estabelecendo direitos e políticas protecionistas a essa parcela da população brasileira.

O país dos papéis que estampam medidas tão avançadas, porém, não é o mesmo Brasil que apresentou, em 1980, cerca de 6,9 milhões de crianças e de adolescentes em situação de trabalho e em 1992, registrou 9,6 milhões com idades entre 5 e 17 anos. Em 1995, este número decresce para 9,5 milhões. Porém, é somente em 1998 que este quadro é alterado, totalizando cerca de 7,7 milhões de crianças e de adolescentes, enquanto que em 1999 foram reduzidos para 6,6 milhões, conforme dados do UNICEF, de 2004. De acordo com o PNAD (2001), cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes, com idade entre 5 e 17 anos, encontrava-se em situação de trabalho precoce. Destes, cerca de 300 mil, na faixa etária de 5 a 9 anos.

Os dados da PNAD (1995):

indicam que 3,6% (581.3 mil) das crianças entre 5 e 9 anos de idade estavam trabalhando com uma jornada média semanal de 16,2 horas. A maior parte desse trabalho (79,2%) ocorre nas ocupações típicas da agricultura., em especial na pequena produção familiar. Assim, 63.2% das crianças estavam ocupadas, como trabalhadores, na produção agrícola junto às suas famílias. Consistentemente, 75% das crianças que trabalhavam nessa faixa etária tinham o chefe de família, mas mesmo assim precisavam se submeter ao trabalho para agregar a renda familiar . Esses dados revelam que, no grupo dos 5 aos 9 anos, o trabalho infantil não é muito significativo na sua intensidade e jornada, caracterizando-se por ser uma atividade rural localizada, em sua maior parte, no Nordeste e predominantemente junto às famílias, tipicamente famílias pobres e de baixo nível educacional.

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(cerca de 17,6 milhões). O trabalho infantil nessa faixa etária é predominantemente masculino (87,4%). Cerca de 52% são pardos, 41.7% brancos e 5.3% de cor negra. Cerca de 54,6% dessas crianças tinham como domicilio a área rural. PNAD (1995).

A distribuição regional das crianças que trabalham indica que 47.5% localizam-se no Nordeste e 23.8% no Sudeste. A participação nordestina é superior a que a região detém no total da população ocupada (28,75), do total de crianças (1475,9 mil) com domicílio urbano. 34,1% situavam-se no Nordeste e 33.1% no Sul, revelando uma repartição equilibrada entre as duas regiões. Ressalta-se que, das crianças que tinham domicílio rural (1 778,1 mil ), a proporção de nordestinos é elevada (58,6%) e bem superior a da região Sul (16%). Assim, os dados apontam para uma participação relevante de crianças que trabalham na zona rural da região Nordeste e, secundariamente, na área rural do Sul do país. A principal ocupação infantil ainda é na agropecuária (58.3%), seguida do comércio (12,4%), da indústria e da prestação de serviços (11,2%).

De fato, os dados mostram que 53,8% exerciam seu trabalho em fazendas, sítios, granjas, chácaras, entre outros, e 23,1%, em lojas, fábricas, oficinas e escritórios. As crianças desenvolvem atividades nas pequenas propriedades rurais que trabalham em regime de economia familiar, a exemplo da atividade fumageira. Nas atividades que se exercem fora da pequena produção familiar, tais como nas plantações de cana de açúcar e na produção de carvão vegetal, os pais utilizam o trabalho dos filhos para garantir as cotas de produção. Ou seja, a inserção precoce de muitas dessas crianças tem lugar por uma decisão de suas famílias que em uma estratégia de complementação de renda e de cotas de produção, utilizam o trabalho infantil no processo produtivo. Essa estratégia reveste-se de elevado custo social a longo prazo, na medida em que perpetua a pobreza e a desigualdade dentre as gerações. O trabalho infantil ocorre também fora do contexto familiar e da proteção dos pais, como, por exemplo, em atividades exercidas na rua (comércio ambulante, lavadores e guardadores de automóveis, engraxates, etc.) IBGE-IPEA (1997).

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nos propusemos a uma avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no Núcleo de Cidade Nova em Natal/RN.

Nessa direção, vamos observar que como nos mostra Iamamoto (2001), uma das formas de redução do custo da força de trabalho é o contrato da mão-de-obra infantil. Quando 30% da população economicamente ativa do mundo está desempregada, cresce o desemprego dos adultos e aumenta, contraditoriamente, o trabalho infantil. Para possibilitar a sobrevivência da família, quando o pai se encontra desempregado e a mãe já está no mercado de trabalho, uma terceira possibilidade que se apresenta é a de que as crianças trabalhem. Em outros termos, o desemprego dos adultos provoca o aumento do trabalho infantil, impossibilitando as crianças trabalhadoras de viverem a infância. Como preconiza Martins (1993), a “infância negada”, sem o direito de ser criança.

As origens deste fenômeno são múltiplas: a pobreza e a miséria; as limitações do sistema educacional; e as restrições impostas pelos aspectos culturais.

A Erradicação do Trabalho Infantil esteve na agenda da política social do país, como meta do Programa Nacional de Direitos Humanos, no então Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1996, através do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, para o atendimento às famílias mais vulnerabilizadas pela pobreza e pela exclusão social.

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infanto-juvenil permanece, onde crianças e adolescentes são explorados em fazendas e submetidas ao trabalho escravo.

A problemática demonstrada através da população que se insere no trabalho infantil faz refletir que a criança e o adolescente são impostos, sem opção e que agregam mais força de trabalho, somando-se àquela provinda do contexto familiar,como forma de sobrevivência, passando a configurar-se como a face da informalidade precarizante e excludente que, antes de tudo, é expressão de um país extremamente desigual, que aprofunda as desigualdades sociais e onde há a ausência de um Estado ativo, na formulação de políticas públicas voltadas a, efetivamente, banir essa realidade.

Nos remetendo da realidade em questão do trabalho infantil para a realidade do Rio Grande do Norte, esta não difere das demais realidades dos outros estados brasileiros.

No Rio Grande do Norte, segundo dados (SESP) 2002, do total de 764.070 crianças e adolescentes existentes em 2001, 88.167 trabalhavam. Esse grupo de jovens e adolescentes que trabalham é, em sua maioria, do sexo masculino e está ocupado, principalmente, em atividades agrícolas. Segundo a Diretoria de pesquisas, o Departamento de Emprego e Rendimento, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001) e o IBGE, a situação de crianças e de adolescentes na faixa de 5 a 17 anos, no estado do RN, que não freqüentavam a escola pelo motivo de ajudar nos afazeres domésticos e que trabalham ou procuram trabalhar eram cerca de 43,6%. Trabalhavam 40 horas ou mais; 21.062, num total de 17,4%; as condições de remuneração no trabalho por faixa etária, com trabalho remunerado, era de 34.776 e sem trabalho remunerado, era de 53.391 crianças e adolescentes.

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No ano de 1999 o bairro de Cidade Nova, um dos bolsões de pobreza da capital, com cerca de 1.200 toneladas de lixo por dia, revelava, como preconizava o jornalista João Edmilson da Silva, em suas crônicas, a existência de uma triste realidade, a qual nominou:

cemitério da infância . cemitério do ser humano. Todo dia, vinte quatro horas por dia, crianças e suas famílias morrem por dentro e por fora, são “sepultadas”a céu aberto e seus corpos fustigados pelas aves de rapina, porque lhes são negados o direito e oportunidade de viver com dignidade. Casa, comida, roupa lavada, remédio para matar piolho, bicho-de-pé ou curar uma simples gripe; lazer, escola, creche, não passam de miragem, de sonho ainda inatingível para muitos. Em lugar desses direitos inalienáveis, apenas a podridão. O lixo. (SILVA, 1999, p. 12 )

Houve repercussão positiva da matéria especial do jornalista João Edmilson da Silva sobre a situação das crianças no lixão de Cidade Nova que, inclusive, foi tema de reportagem do Jornal Nacional, da rede Globo, no dia 13/10/1999. Neste período, simultaneamente às denúncias que surgiam, autoridades do Poder Público e Órgãos como a UNICEF, começaram a desenvolver ações para o resgate das crianças dos lixões e dar a elas uma noção, ainda que inicial, do que é ter uma vida com um mínimo de dignidade.

É neste contexto que o objeto da minha pesquisa está inserido. Com 400 crianças e adolescentes atendidas pelo Núcleo Social de Cidade Nova pelo PETI, apenas 70 delas continuam, desde dezembro de 1999, trabalhadoras do ‘lixão’ de Cidade Nova e são elas e suas famílias as fontes do meu objeto de estudo.

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a sociedade capitalista, do século XVIII aos dias atuais, demonstra que características pessoais dos trabalhadores, como idade, sexo e faixa etária não constituem determinações fundamentais para o uso da força de trabalho. Impulsionando pela extração da mais-valia, o capital emprega a força de trabalho que melhor se adapta a cada produção em cada momento histórico: ontem, mulheres e crianças; hoje todos os membros da família; amanhã, mulheres e homens jovens. (TAVARES, 2004, p. 81)

1.3 CRIANÇAS E ADOLESCENTES: SUJEITOS DE DIREITOS

A evolução histórica do sistema jurídico de proteção às crianças e aos adolescentes, revela que os avanços conquistados nessa área reportam-se, sobretudo, às lutas dos movimentos sociais e ao reconhecimento pelo Direito da especificidade da condição de vida desse seguimento da população. O sentido dessa lenta e complexa mudança está, portanto, diretamente relacionado aos esforços destinados à construção de categorias jurídicas que, ao mesmo tempo que expressam e reforçam essa especificidade, criam as condições para o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.

Ao fundamentarmo-nos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, observamos que é de suma importância o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e com prioridade absoluta em qualquer circunstância, sob pena de termos, de um lado nossos filhos, crianças e adolescentes com direitos garantidos, e de outro lado, meninos e meninas excluídos, com direitos violados e/ou violadores de direitos. Em outras palavras, trata-se de saber como, em termos estritamente jurídicos, essa categoria social, por definição, que não alcançou auto-suficiência, pode ser concebida, em termos, de cidadania.

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Esta doutrina baseia-se na concepção de que “criança e adolescente são sujeitos de direitos universalmente reconhecidos, não apenas de direitos comuns aos adultos, mas, além desses, de direitos especiais, provenientes de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que devem ser asseguradas pela família, pelo Estado e Sociedade.” (BRASIL, 1988).

Serem sujeitos de direitos representa, hoje, condição especial que deve garantir-lhes direitos e deveres individuais e coletivos, bem como todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar um bom desenvolvimento físico mental, moral, e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Nos estudos de Ariés (1981) a idéia de infância está ligada à idéia de dependência. Só se saía da infância ao sair da dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos da dependência. Portanto, “assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude dos adultos e não se distinguia mais destes”.

Ainda numa concepção histórica, Novaes (2000, p.527) lembra que, a idéia predominante da infância:

era de “um ser incompleto, frágil, que precisa de cuidados físicos para sua sobrevivência e não a de um vir-a-ser; a visão tradicional da pedagogia definia a socialização da criança como algo que só viria mais tarde, ao contrário da visão moderna psicológica que enfatiza as modalidades subjetivas de se integrar ao meio, havendo uma socialização evolutiva e não um período com e outro sem socialização”.

Para Kramer (1990, p.15), “entende-se, comumente, criança, por oposição ao adulto: oposição estabelecida pela falta de idade ou de maturidade e de adequada integração social”.

Segundo a mesma autora, “o sentimento de infância resulta numa dupla atitude com relação à criança: preservá-la da corrupção do meio, mantendo sua inocência e fortalecê-la, desenvolvendo seu caráter e sua razão”.(KRAMER,1990, p. 21).

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), indicou, especialmente, a primazia em considerá-los em suas características e prioridades, destacando sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e sua titularidade de direitos fundamentais. Ao mesmo tempo, no sistema jurídico vigente, seus direitos e deveres devem ser preservados ao considerar sua incapacidade jurídica para os atos da vida civil e a sua inimputabilidade perante a lei penal.

Costa (1992, p. 39) alerta que a condição peculiar de desenvolvimento:

não pode ser definida apenas a partir do que a criança não sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente não são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude que deve ser compreendido e acatado pelo mundo adulto, ou seja, pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Ao garantir, com “prioridade absoluta” o exercício dos Direitos Fundamentais da população infanto-juvenil, a Constituição e o Estatuto convocaram, além do Poder Público, quanto a destinação dos recursos e a sua efetiva aplicação, os operadores do direito, para promoverem procedimentos e medidas judiciais que garantam essa preferência.

Observa-se, nesse sentido, que a proteção, com prioridade absoluta, é um dever social e, como norma constitucional, não é conselho ou sugestão, é determinação.

Ao tomarmos como referência a posição de outros autores, vimos que para Vercelone (1992, p. 18-19):

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Temos escutado depoimentos de pessoas e autoridades que acreditam que vale a pena lutar pela igualdade de direitos e oportunidades para nossas crianças e adolescentes. Em Natal, ao pronunciar-se sobre a violência, o Juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, (Dr. José Dantas Paiva) afirma que:

Em Natal, uma das causas de violência e exclusão dos jovens é a ausência de políticas públicas e comunitárias tanto de ordem preventiva, quanto terapêutica, que possam garantir aos jovens os seus direitos fundamentais. Nenhuma criança nasce ou nasceu ruim, foram os adultos que as fizeram assim, mas, todos, estão disponíveis para exercerem com dignidade a sua cidadania.

O MM. Juiz entende que, se os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes fossem respeitados, estes cresceriam como verdadeiros cidadãos, preparando-se para o futuro.

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abandonado e aquele com pais presumidos como ausentes, tornando disponíveis os seus direitos de pátrio poder.

Acrescenta Silva (1996, p.179-180), “Os chamados direitos civis, entendidos como os direitos pertinentes à criança inserida em uma família padrão, em moldes socialmente aceitáveis, continuou merecendo a proteção do Código Civil Brasileiro, sem alterações substanciais” .

Ao analisarmos o que dita o código de menores, de 1979, vimos que nos termos da doutrina da situação irregular, o fundamento da regulação jurídica especial de crianças e adolescentes repousa na idéia de patologia social (artigo 2º do Código de Menores de 1979). O tratamento jurídico específico justifica-se sempre que a infância e a adolescência se distanciarem do padrão social dominante. O reconhecimento da irregularidade poderia derivar tanto da conduta pessoal do agente na prática de atos infracionais ou desvio de conduta, como das ações e omissões da família – maus-tratos – e do próprio Estado – abandono.(Ver código de menores 1979-Art. 2º).

Um traço distintivo da doutrina da situação irregular, reside na possibilidade social produzida pela família e pelo Estado. Não por acaso, nos grandes institutos desenhados para abrigar menores, era comum encontrar-se misturados, abandonados e infratores (SARAIVA, 2002, p. 14). Com efeito, crianças e adolescentes que, na terminologia do Código de 1927, eram catalogados como expostos – menores de 7 anos - ,abandonados, vadios, mendigos e libertinos, na nova dicção do Código de 1979 passaram todos a viver sob o guarda-chuva unificador da situação irregular (SILVA, 2001).

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constituíram como objeto de medidas de cunho assistencialista ou repressivo (STANISC, 2000,p.34).

A Constituição Federal de 1988 assinala o ponto de inflexão na passagem da doutrina de situação irregular, para o novo modelo de proteção integral de crianças e adolescentes. Com efeito, no marco do terceiro mecanismo de responsabilização, identificado na passagem da situação irregular para o modelo de proteção social integral, verifica-se o reconhecimento jurídico da especificidade vivida por esses sujeitos. Assim é que o artigo 227 da Constituição Federal considera:

dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente os direitos reflexos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Observa-se assim, que tais direitos têm que ser levados em conta como direitos que se reportam a uma categoria específica do sujeito, cuja marca é dada pelo seu desenvolvimento incompleto e que está a requerer, por isso mesmo, uma proteção especial. Não por acaso, os aspectos abrangidos por esse direito à proteção especial, consoante a terminologia constitucional, vêm arrolados no parágrafo 3º do artigo 227 da Constituição. E, entre os inúmeros aspectos, “reconhece-se expressamente o da obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade” (inciso V, artigo 227).

Na esteira do texto constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA vem reconhecer, expressamente, a natureza específica dessa proteção jurídica, ao assinalar que na interpretação dessa Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirigir, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento (artigo 6º).(ECA)

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inerentes à pessoa humana”, tem que ser compreendida no contexto maior do objetivo a ser propiciado por esse reconhecimento jurídico de direitos, a saber, lhes facultar os desenvolvimentos físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (ECA, artigo 3º, in fine).

Crianças e adolescentes constituem-se, pois, sujeitos de direitos, uma vez reconhecida, aceita e promovida a sua condição jurídica peculiar de sujeitos titulares de direitos que devam propiciar condições favoráveis à complementação do processo de desenvolvimento de suas personalidades. Trata-se, noutras palavras, de sujeitos de direitos em processo de constituição do sujeito adulto, plenamente livre, responsável por seus atos e com capacidade de autodeterminação, cujos direitos visam a garantir parâmetros mínimos que possam realizar essa formação.

Enfim, crianças e adolescentes são titulares de direitos que possam completar o seu desenvolvimento como sujeitos.

O reconhecimento jurídico da especificidade de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos assim é expresso no sistema especial de proteção, adotado pelo ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente. Nos moldes da proteção integral, a estrutura do Estatuto da Criança e do Adolescente contempla três sistemas articulados de garantia: o Sistema primário, que trata das políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente voltadas à efetivação dos direitos referidos na Constituição (artigos 4º e 87); o Sistema secundário, que trata das medidas de proteção dirigidas à criança e ao adolescente, em situação de risco pessoal ou social (artigos 98 a 101); e o Sistema terciário, que trata das medidas sócio-educativas aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei, ou seja, aos autores de atos infratores (SARAIVA, 2002, p.16). A relação entre as políticas públicas e a efetivação dos direitos, indica que a proteção integral de crianças e adolescentes requer um arranjo intersetorial capaz de efetivá-la. A pedra de toque do sistema de proteção integral reside na prioridade expressamente conferida pelo texto constitucional à efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente especifica em que consiste essa prioridade, nos seguintes termos: a) Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer

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Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (artigo 4º, parágrafo único)

Por força de dispositivo constitucional (artigo 207, parágrafo 7º), estendem-se política pública da criança e do adolescente, as diretrizes fixadas para a assistência social, ou seja, a descentralização político-administrativa e a participação da população na elaboração da política e no controle das ações em todos os níveis (CF,artigo 204, I e II ). O caráter articulado das ações de proteção às crianças e aos adolescentes, vem sendo expressamente reconhecido no ECA:

A política de atendimento nos direitos da criança e do adolescente far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios(artigo 86)

No âmbito das diretrizes específicas de atendimento, o mesmo diploma legal refere-se, em sintonia com os balizamentos traçados pela Constituição Federal, à municipalização do atendimento, à criação de conselhos nas diferentes instâncias federativas e à integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA criou as bases legais para a implementação de um verdadeiro Sistema de Garantia de Direitos, canalizando ações de diversos atores sociais, à proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescentes, porém, dados alarmantes com relação ao ingresso precoce de crianças e adolescentes ao trabalho infantil, chamam-nos a atenção, no sentido de verificar até em que nível institucional está sendo consolidada a garantia dos direitos da criança e do adolescente, na problematização do trabalho infantil?

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Tecnicamente, define-se, como trabalho infantil, o trabalho que se executa abaixo da idade mínima básica, para o trabalho.

Conseqüentemente, passa a ser considerado infantil, e como tal, proibido, o trabalho comum que se executar antes dos dezesseis anos de idade. Quando se trata, ou se fala do trabalho infantil proibido, refere-se àquele em que a criança ou o adolescente, abaixo da idade mínima, se vê obrigado a fazer, em uma empresa ou fora dela, entrando no processo produtivo, para manter sua subsistência e/ou de sua família, sobretudo quando compromete a escolaridade, a saúde e a integridade física ou psíquica.

Embora exista um conjunto de instrumentos jurídico-normativo, convenções, declarações, tanto internacionais como nacionais, já citados neste estudo, que oferecem proteção à criança e ao adolescente, ainda convivemos com a realidade massacrante vivenciada por nossas crianças e adolescentes.

Isso ocorre, por causa de um conjunto de fatores, no qual a pobreza não é um fator exclusivo, responsável, por si só, pela entrada das crianças no trabalho. O trabalho é aceito por uma parcela significativa da sociedade, pelos mitos que ele enseja: é formativo, é melhor criança trabalhar do que não fazer nada; ele prepara a criança para o futuro. Fatores como a estrutura do mercado de trabalho, na qual o que se busca é o lucro desenfreado, mesmo às custas da exploração dessa mão-de-obra dócil e frágil; a pouca densidade da educação escolar obrigatória de qualidade ofertada pelos poderes públicos, além da inexistência de uma rede de políticas públicas sociais fundamentais ao desenvolvimento da infância, são algumas outras razões apontadas, como o incentivo à família para a incorporação de seus filhos nas estratégias de trabalho e/ou sobrevivência.

A sociedade, influenciada por estes motivos, associa o não-trabalho à marginalidade e à delinqüência, corroborando com a idéia de que o trabalho é, por excelência, formador das crianças e adolescentes das camadas populares.

As conseqüências físicas e biológicas do trabalho sobre a criança, podem ser classificadas segundo o tipo de trabalho que ela exerce.

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Tabela 1 - Renda Familiar/Ocupação Até 100 Reais 101 A 200Reais 201 A 300Reais 301 A400 Reais 401 A 500Reais Não respondeu TotalRenda familiar /Ocupação f % f % f % f % f % f % f % Emp
TABELA 2 – Escolaridade/Trabalho que exercia.
GRÁFICO 1 – Escolaridade dos adolescentes segundo Idade Fonte: Pesquisa de campo.
TABELA 3 – Número de Pessoas na Família/Renda 2 a 5 pessoas 6 a 10 pessoas 11 a 14pessoas TotalNº de pessoas na família / Renda F % f % F % f % Até 100 Reais 2 7,4 1 2,7 0 0,0 3 4,3 101 a 200 Reais 7 25,9 15 40,6 3 50,0 25 35,7 201 a 300 Reais 10 37,1 16 4
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Referências

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