• Nenhum resultado encontrado

Foco no cartório

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Foco no cartório"

Copied!
1
0
0

Texto

(1)

38

G E T U L I O

Março 2008

P E S Q U I S A

P E S Q U I S A

Março 2008

G E T U L I O

39

P E S Q U I S A G V :

FOCO NO

CARTÓRIO

Estudo realizado pela Direito GV em parceria com o Cebepej

revela que grande parte da lentidão do Poder Judiciário se

deve à obsolescência das rotinas cartorárias

Por Fábio Fujita e Rui Santos

Foto T

iana Chinelli

S

e virou lugar-comum mencio-nar o ritmo da justiça como sinônimo de morosidade, uma pesquisa feita por encomenda da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça aca-ba de jogar nova luz na problemática, atribuindo aos cartórios a fatia maior do tempo consumido nos processos judi-ciais. O estudo, realizado pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Cebepej (Centro Brasi-leiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), consumiu dois anos e foi coordenado por Paulo Eduardo Alves da Silva, pro-fessor de Direito Processual e Civil da Direito GV. Ao traçar o perfil de orga-nização e funcionamento de quatro car-tórios judiciais no Estado de São Paulo (dois na capital e dois no interior), en-volvendo 92 funcionários, a pesquisa, se não tem a pretensão de generalizar em âmbito nacional as conclusões al-cançadas, é, ao menos, representativa de boa parte da realidade que vigora nos cartórios e comarcas do país.

Como diz o texto da pesquisa, “mes-mo sendo o presente estudo baseado em investigação pontual, os elementos co lhidos indicam certa realidade do sistema nacional, ressalvadas as

pecu-liaridades de funcionamento em outros Estados da Federação”. Ou seja, mes-mo sem generalizar as conclusões, não se pode afirmar que essa realidade seja exclusiva dos cartórios estudados ou da Justiça paulista. Os casos representam tipos de cartórios judiciais e a análise pode servir para aplicação em outras regiões, pois os cartórios compartilham características semelhantes, têm função idêntica e são submetidos à mesma le-gislação processual.

Ausência de padrão no fluxo

O ponto-chave para a lentidão no andamento dos processos são as práticas obsoletas de gestão utilizadas nos car-tórios. “Diferentemente do que muitos pensam, o tempo essencial de um pro-cesso é muito curto. O que influencia a morosidade da justiça é toda a dinâmi-ca de preparação e envio dos autos ao juiz, registro, certificação e publicação dos atos processuais”, aponta Paulo Eduardo Alves da Silva, o coordenador da pesquisa. Se a tramitação durasse o tempo previsto na lei, um processo de rito ordinário teria de acabar em 209 dias e o de rito sumário, em 178. Na prática, os processos de rito ordinário e sumário duram, em média, 872 e 615,5

dias nos cartórios, respectivamente. “Ou seja, um prazo quatro vezes superior ao estabelecido pela lei”, pondera Alves da Silva. “Deve-se notar”, prossegue, “que são problemas estruturais acumulados há décadas. Porém, observa-se nos úl-timos anos iniciativas do Tribunal para reverter esse cenário, com a informati-zação das Varas, por exemplo.”

A demora pode ser atribuída, segun-do os pesquisasegun-dores, a uma combina-ção da falta de estímulo para concluir o trabalho e à ausência de processos que garantam fluxo mais rápido e or-denado das peças judiciais. Apesar de praticamente a metade dos servidores entrevistados (51,1%) declarar que sa-lário e a estabilidade são fator atrativo para a escolha da carreira no cartório, uma percentagem semelhante (56,5%) afirmou não se sentir estimulada para o trabalho. “Grande parte dos cartorários aponta que a incapacidade de colocar os processos em dia é um fator de de-sestímulo”, explica Leslie Shérida, co-ordenadora do Cebepej.

E isso se deve, em geral, às rotinas sedimentadas ao longo dos anos de exis-tência do cartório passadas pelo funcio-nário mais antigo ao recém-chegado. Não se organizam treinamentos

espe-cíficos ou cursos de aperfeiçoamento e de atualização. O caos é ainda maior quando se constata que não existe um padrão no fluxo do trabalho: enquan-to num dos cartórios estudados, por exemplo, o juiz permanece uma hora por dia na mesa do diretor conferindo e assinando cerca de 80 minutas – o que leva a crer que a conferência não é rigorosa –, em outro cartório o pró-prio diretor se vê forçado a fazer uma espécie de “controle de qualidade” das mesmas, checando posteriormente as decisões assinadas, para saber se estão corretas. Em qualquer um dos casos, fica a impressão de não haver grande rigor na conferência dos processos por parte daquele que é a autoridade final.

Duplicidade: no computador e na cartolina

Aliás, a questão hierárquica é bas-tante complexa dentro do ambiente cartorário. Pior do que ser ausente no dia-a-dia (avaliado com nota 2,89 pe-los entrevistados – numa escala em que zero é a omissão e cinco é a participa-ção efetiva), o juiz é apontado como incapaz de estabelecer bom relaciona-mento com os subalternos. Um conjun-to de características como arrogância, pedantismo e falta de tato por parte do magistrado rendeu, inclusive, uma terminologia utilizada pejorativamen-te pelos funcionários: “juizipejorativamen-te”. Para 79,3% dos entrevistados, é esse o prin-cipal problema que envolve a figura do magistrado, muito mais do que a falta de competência profissional (apontada por 23,9% dos cartorários). Representa-tivo disso é que, na escala hierárquica imediatamente abaixo, os diretores, quando avaliados de forma negativa, foram caracterizados como “autoritá-rios”, não como “incompetentes”.

Esse problema existente nas relações interpessoais reflete o próprio desenho infra-estrutural do cartório. Os compu-tadores (uma média de um para cada dois funcionários, nem todos ligados em rede) são distribuídos por critério de hierarquia e não de exigência da função – logo, auxiliares e estagiários não têm acesso, enquanto muitos apa-relhos passam tempos ociosos. Com isso, a publicação, hoje informatizada, demora, pois o funcionário encarrega-do não tem computaencarrega-dor em rede ou

precisa se revezar com outros no uso da máquina. Além disso, o sistema infor-matizado recém-instalado não foi bem incorporado às atividades. Nem todos os funcionários foram treinados para operar o novo sistema e, por isso, não abandonaram as fichas de andamento em papel, fazendo registros em dupli-cidade, no computador e na ficha de cartolina. Por mais bizarro que pareça, é prática comum a conclusão de uma rotina ser registrada no sistema infor-matizado pelo escrevente-chefe e o pro-cedimento ser repetido por um auxiliar em uma ficha de cartolina. Houve um caso, por exemplo, da escrevente que, por não confiar nos outros dois, faz um terceiro registro em sua agenda pessoal. Somem-se a isso as mencionadas práti-cas viciadas de trabalho e as conseqü-ências são a inibição da informatização da Justiça e a duplicidade do serviço de registros – vista em três dos quatro car-tórios analisados.

Essa insistência na manutenção da “cultura do papel” não só compromete o espaço físico do ambiente de trabalho – mesas “verticalizadas” por pilhas de pa-péis, volumes de processos abarrotados em escaninhos, caixas e arquivos – como instaura outro problema: a constatação de que a contratação de mais funcioná-rios não resolveria o problema de exces-so de trabalho, justamente por falta de espaço. “Essa observação reforça a tese de que é preciso incentivar mecanismos de gestão mais eficientes junto aos cartó-rios para dar conta da demanda”, afirma Paulo Eduardo Alves da Silva.

O “cartório invisível”

Por causa dessas variáveis, a pesquisa concluiu que o período de permanên-cia dos autos em cartório consome o equivalente a 80% do tempo total do processo. Segundo o relatório, não é possível apontar precisamente os vários elementos que compõem esse “tempo em cartório”, mas é possível elencar os atos que ocorreram com pouca freqü-ência e, por exclusão, extrair as tarefas mais demoradas. As rotinas praticadas são complexas, o que aumenta o tem-po. Além disso, o fluxo dos processos é represado na pilha formada na mesa de cada funcionário. “O trabalho não tem fim e as mesas nunca ficam vazias”, foram frases colhidas nas entrevistas

re-alizadas na pesquisa. “Pode acontecer de o processo aguardar mais de um mês na mesa do funcionário ou no escani-nho da estante. Trata-se de um ‘tempo morto’ dos processos judiciais”, afirma Alves da Silva. Outros pontos que atra-sam o trâmite são os procedimentos de publicação e juntada (que computam, respectivamente, entre 51,4% e 69,3% e entre 7% e 38,8% do tempo total) e o tempo que o processo permanece no cartório após proferida a sentença, quando praticamente já terminou: apro-ximadamente 35% do tempo total.

Como se vê, esse é um cenário pre-ocupante, na medida em que os fun-cionários pesquisados demonstraram-se alheios ao debate sobre a crise da Jus-tiça, o que talvez explique a incipiente representação institucional dessa cate-goria em torno da Reforma do Judiciá-rio. Apesar da importância de seu papel no trâmite de decisão dos processos, a pesquisa concluiu que o cartório ainda não é visto como um “ator” do sistema de justiça. Ele costuma ser ignorado pelo próprio Tribunal de Justiça, res-ponsável pela organização dos cartórios judiciais. Visto pelos funcionários pes-quisados como uma entidade abstrata e distante, o Tribunal é acusado de só se dirigir aos cartórios para exigir o cumprimento de medidas consideradas descabidas, típicas de quem desconhe-ce suas atribuições. Assim, a expectati-va é de que a pesquisa – inédita dessa natureza – possa servir como um alerta do atual estado de coisas, de modo a contribuir para que a imagem da jus-tiça seja desassociada não só da idéia de morosidade – mas também da de anacronismo.

Por falta de

treinamento,

muitos ainda usam

as fichas de papel,

fazendo registros

em duplicidade,

no computador

Referências

Documentos relacionados

O relator do processo, desembargador Daniel Viana Júnior, destacou em seu voto o termo de inspeção elaborado pelo MPT, que demonstrou que o tempo gasto

A prática de atos de gestão administrativa, sem a finalidade discriminatória, não caracteriza assédio moral, como a atribuição de tarefas aos subordinados, a

As Festas Bíblicas não existem para ser guardadas como lei, pois Jesus já as cumpriu no seu ato redentivo, embora a Igreja Cristã creia em Páscoa, Pentecoste e Tabernáculos?.

As amostragens foram realizadas em seis baías (Figura 1) com conexão conectadas ao rio Paraguai. Os peixes coletados foram identificados e fixados a formal 10%. Depois

por 60 países entre os quais Portugal. A presente Convenção aplica-se a qualquer transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias, efectuado por aeronave

O espólio conhecido é rico e variado e dele constam, além dos habituais fragmentos de ce- râmica comum da época romana, castreja e me- dieval, muitos outros elementos dos

1 — Os preços dos serviços de incubação são estabelecidos por despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, ouvido o Conselho de Gestão, e publicitados no website

Analisou-se inclusive a utilização de abordagens de desenvolvimento de software e verificou-se que o TDD é a abordagem mais utilizada (33% dos respondentes) e que, ainda,