Campus de Araraquara - SP
Paula de Souza Gonçalves
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ENTRE A INVARIÂNCIA DE FUNCIONAMENTO E A
VARIAÇÃO SEMÂNTICA
ARARAQUARA – S.P. 2012
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ENTRE A INVARIÂNCIA DE FUNCIONAMENTO E A
VARIAÇÃO SEMÂNTICA
Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de pós-graduação em linguística e língua portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em linguística e língua portuguesa
Orientador: Letícia Marcondes Rezende
Co-orientador: Denis Paillard (de set/2009 a fev/2010)
Bolsa: CNPq e CAPES (de set/2009 a fev/2010)
invariância de funcionamento e a variação semântica / Paula de Souza Gonçalves. – 2012
147 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara
Orientador: Letícia Marcondes Rezende
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ENTRE A INVARIÂNCIA DE
FUNCIONAMENTO E A VARIAÇÃO SEMÂNTICA
Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em linguística e língua portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em linguística e língua portuguesa.
Orientador: Letícia Marcondes Rezende
Co-orientador: Denis Paillard (de set/2009 a fev/2010)
Bolsa: CNPq e CAPES (de set/2009 a fev/2010)
Data da defesa: 30/05/2012
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Nome e título/ Universidade.
Professora doutora Letícia Marcondes Rezende/Departamento de Didática/FCLAr - UNESP
Membro Titular: Nome e título/ Universidade.
Professora doutora Rosane de Andrade Berlinck/Departamento de Linguística/FCLAr-UNESP
Membro Titular: Nome e título/ Universidade.
Professora doutora Cristina Martins Fargetti/Departamento de Linguística/FCLAr-UNESP
Membro Titular: Nome e título/ Universidade.
Professor doutor Albano Dalla Pria/Departamento de Linguística/UNEMAT
Membro Titular: Nome e título/ Universidade.
Professora doutora Adriana Zavaglia/Departamento de Letras Modernas/FFLCH-USP
___________________________________________________________________________
Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras
Aos meus pais, pelo carinho e incentivo de sempre.
À minha orientadora Letícia; pela paciência, compreensão e grandeza com que conduziu meu trabalho.
Ao professor Denis Paillard, pela grande ajuda no trato com as preposições.
Ao meu marido Felipe, pela compreensão e incentivo à carreira acadêmica.
Às professoras Rosane de Andrade Belinck e Cristina Martins Fargetti, pelas ricas contribuições durante a minha qualificação. Em especial à Rosane, por ter me ensinado os primeiros passos na pesquisa quando me orientou na iniciação científica.
grammatical categories by means of concatenated operations”
Este trabalho representa uma continuação de nossa dissertação de mestrado em que buscamos evidenciar as operações que, constitutivas da natureza semântica da preposição "para" no português brasileiro, decorrem das diversas interações suscetíveis de se estabelecer entre essa preposição e os termos que, de um lado, a antecedem, de outro, são por ela introduzidos (doravante A e B, respectivamente), formando o que apresentamos em nosso trabalho como o seu esquema de funcionamento. Baseando-nos Baseando-nos pressupostos teórico-metodológicos da Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas do professor Antoine Culioli, entendemos o significado e a sintaxe como inseparáveis numa variedade de linguagem, ou seja, consideramos o texto como um arranjo léxico-gramatical em que devemos encontrar o sujeito sócio-psicológico, e enxergar a língua como uma questão de auto-organização do ser humano. A teoria culioliana é uma teoria que propõe que se observem valores semântico-discursivos veiculados por marcas de diferentes ordens (entoacional, lexical, morfológica, etc.) geradas na relação léxico-gramatical. Enfim, acreditamos que esta tese, dedicada ao estudo da marca “para” em diversos contextos, seja relevante porque apresenta algumas operações que buscam esclarecer o papel desta preposição enquanto marca de operações léxico-gramaticais da linguagem, a saber: colocar dois termos (A e B, respectivamente) em relação (gramática), indicando B como uma única (elimina-se toda alteridade) referência para a estabilização da noção A. Esta referência se dá sob uma ótica que é externa ao que é intrinsecamente constitutivo de A (elimina-se toda alteridade), além de ser um modo de apreensão momentâneo e dependente do contexto. O resultado desta operação é A (a própria noção A) e AB (A localizado por B), ou seja, apesar de “para” contribuir para a estabilização da referência de A, jamais a fixa, apontando anaforicamente sempre uma iminência de A no sentido AB que dá origem aos inúmeros significados e/ou funções que são atribuídos(as) a esta preposição (léxico).Em conclusão, podemos afirmar que a busca das características intrínsecas dessa preposição não deve ser ignorada, pois, percebemos ao longo de nosso trabalho, o papel específico que a preposição “para” desempenha dentro do enunciado, contribuindo para o entendimento das operações de linguagem que, em funcionamento, não diferem sintaxe, semântica e pragmática.
Ce document répresent um développement de notre travail de master où nous avons essayé de montrer les opérations qui, constitutives de la sémantique de la préposition “para” au portugais brésilian, viennent des plusieurs interactions susceptibles de s'établir entre cette préposition et les termes qui, d'un côté, la précèdent, d'autre, sont pour elle introduits (désormais A et B, respectivement), en constituant ce que nous présentons dans cette thèse comme sa forme schématique.
Comme notre recherche se développe dans l’espace théorique ouvert par Antoine Culioli, nous voyons la signification et la syntaxe comme inséparable dans une variété de langue, c'est-à-dire, nous considérons le texte comme une disposition lexico-grammatical où nous devons trouver le sujet socio-psychologique, et voir la langue comme une question d'auto-organisation de l'être-humain. La théorie de Culioli est une théorie qui propose que s'observent des valeurs semantico-discursifs propagées par des marques de différentes ordres (entoacional, lexicale, morphologique, etc.) produites dans la relation lexico-grammatical. Enfin, nous croyons que cette thèse est importante parce qu’elle présente une façon de comprendre le rôle de la préposition “para” en tant que marqueur d’opérations lexico-gramaticaux du langage, a savoir: Mettre deux termes en relation (grammaire) en montrant B comme la sole (on écarte toute les altérités) référence pour stabiliser la notion A. Cette référence est externe à ce qui est intrinsèquement constitutif de A (on écarté toutes les altérités),en plus, elle est une façon d’appréhension momentanée de A et dépendante du contexte.Le resultat de cette opération est A (la notion A) et AB (A localisé par B), c’est à dire, malgré la contribution de “para” pour stabiliser la référence de A, cette préposition jamais contribue pour la fixer, en montrant l’imminence de A dans le sense AB qui donne origine aux innombrables significations et/ou fonctions qui sont attribués à cette préposition (lexique). En conclusion, nous pouvons dire que la recherche des caracteristiques intrinsèques de cette preposition ne doivent pas être ignorées, une fois que, nous avons vu dans cette thèse, le rôle spécifique que la préposition “para” joue dans l’énoncé, en contribuant pour la compréhension des opérations du langage que, en fonctionnement, ne différent pas syntaxe, sémantique et pragmatique.
ESTUDO DA PREPOSIÇÃO PARA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: ENTRE A INVARIÂNCIA DE FUNCIONAMENTO E A VARIAÇÃO SEMÂNTICA
INTRODUÇÃO ... p.12
CAPÍTULO 1 – A TEORIA DAS OPERAÇÕES PREDICATIVAS E ENUNCIATIVAS: UMA BREVE EXPOSIÇÃO DOS PRINCIPAIS CONCEITOS UTILIZADOS AO LONGO DESTE TRABALHO ... p.21
1.1 Definição de Língua e Linguagem na Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas ...
1.1.1 Atividade de representação ... 1.1.2 Atividade de referenciação ... 1.1.3 Atividade de regulação ...
1.2 O processo de produção da linguagem ... p.21
p.26 p.26 p.27
p.30
1.2.1 Relação primitiva ... 1.2.2 A Léxis ... 1.2.3 A Relação predicativa ...
p.31 p.35 p.36 1.2.4 Relação enunciativa ... p.37
CAPÍTULO 2 - REVISÃO DA LITERATURA SOBRE PREPOSIÇÕES ... p.46
2.1 Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara ...
2.1.1 A preposição PARA ... p.47
2.3 Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha ... p.50
2.3.1 Conteúdo significativo e função relacional ...
2.4 As pesquisas linguísticas sobre as preposições ...
2.5 Alguns estudos sobre preposições sob a ótica da TOPE: articulação entre léxico e gramática ...
p.50
p.52
p.75
CAPÍTULO 3 – OBJETIVOS, METODOLOGIA DO TRABALHO E LEITURA DOS ENUNCIADOS ... p.85
3.1 Algumas palavras sobre a leitura dos enunciados ...
3.2 Leitura de alguns enunciados ...
p.93
p.96
3.2.1 Algumas reflexões sobre o processo de construção referencial de enunciados com a preposição PARA ...
p.97
Enunciado 1 ... p.98 Enunciado 2... p.105 Enunciado 3...
3.2.2 Verbo ir: forma esquemática e estrutura argumental ... p.110
p.114
Enunciado 4 ... p.117 Enunciado 5 ... p.120 Enunciado 6 ... p.123 Enunciado 7 ... p.127
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto da evolução de uma pesquisa que tem sido
desenvolvida desde a iniciação científica1, quando foi investigada a variação2
preposicional (sob a perspectiva da Sociolinguística Laboviana ou Variacionista) em
verbos de movimento (ir, vir, voltar, chegar e partir) e de transferência (levar,
trazer, enviar e remeter) no português paulista do século XX. A conclusão desses
trabalhos resultou numa descrição da variação preposicional com tais verbos para o
século XX, além de algumas observações a respeito das causas dessa variação e a
consequente redução no uso da preposição “a” em detrimento da preposição “para”.
No mestrado3, as investigações da iniciação científica foram retomadas e
estudadas sob o enfoque da Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas
(TOPE) de Antoine Culioli4. Com este novo estudo, trabalhamos incessantemente no
sentido de buscar, especificamente, as causas e a natureza dessa variação tomando
por base uma única preposição (por sua grande produtividade, constatada durante
estudos de iniciação científica), a saber, a preposição “para”. Esse trabalho resultou
em um estudo detalhado (mas ainda insipiente) das operações enunciativas em
torno da referida preposição e também da consequente variação – glosas e
paráfrases5 - do enunciado, estudo esse que é contemplado de maneira bem
1
Trabalho realizado sob a orientação da professora doutora Rosane de Andrade Berlinck durante a iniciação científica da autora da presente tese, respectivamente com o auxílio dos programas PIBIC/CNPq e da FAPESP. Cf. Gonçalves, 2004, 2005.
2
O termo “variação” é diferentemente abordado entre a Sociolinguística e a TOPE. Em Sociolinguística, no caso específico de nosso trabalho de iniciação científica, consideramos variação a alternância entre preposições “concorrentes”, por exemplo, variantes como A e PARA. Já na TOPE, de acordo com Rezende (1989, p. 148): “A variação linguística é o próprio movimento da linguagem. A diferença/variação individual entre os interlocutores, que é a condição indispensável para o ato de fala básico, é a mesma diferença/variação, em escala mais ampla, das variações dialetais dentro de uma mesma língua e é a mesma diferença/variação que gera as diferentes línguas.”
3
Trabalho desenvolvido sob a orientação da professora doutora Letícia Marcondes Rezende durante o mestrado da autora da presente tese, com o apoio financeiro da Capes. Cf. Gonçalves, 2008.
4 Culioli (1924- ) – anglicista de formação, fundador do princípio enunciativista e catedrático
aposentado da Universidade de Paris VII – é comumente conhecido como discípulo da linha teórica de Émile Benveniste por também tratar de uma linguística enunciativa. Culioli propõe um estudo da linguagem através da diversidade das línguas naturais sem dissociar semântica, sintaxe e pragmática.
5
diferente na Gramática Tradicional (GT) e que pouco aparece na cena das
pesquisas linguísticas atuais em torno das preposições, como veremos no capítulo
segundo de nossa tese Revisão da literatura sobre preposições.
A partir desse contato com a TOPE e, portanto, com o trabalho e valorização
do enunciado, vimos o quão importante é o papel da preposição (enquanto marca6
de uma operação enunciativa) em si e dos demais componentes do enunciado na
construção de seu sentido. Como fruto dessa valorização do enunciado enquanto
material de estudo, surgiu a hipótese de nosso projeto de doutorado7, uma vez que
nos estudos do mestrado a marca “para” revelou um papel de fundamental
importância no enunciado, sendo, muitas vezes, também influenciada pelos demais
componentes deste; logo, a partir dessas pistas, concluímos que esta preposição,
assim como as outras, possui um esquema de funcionamento constante em todos
os seus usos, mas que depende sempre do contexto no qual ela está inserida para
desencadear a produção de sentido do enunciado.
Em outras palavras, sustentamos que em seus empregos, a preposição não é
dessemantizada e que este seu esquema de funcionamento só pode ser apreendido
através da variedade de valores e de empregos que sempre resultam da interação.
6
Ao longo de nosso trabalho, utilizaremos com frequência a palavra “marca” ao invés de utilizarmos o termo “preposição” porque consideramos que a preposição é uma marca de operação da linguagem no enunciado. Com isso, desejamos mostrar que não nos atemos ao “rótulo” que lhe é dado, mas às operações que essa marca provoca no enunciado. Apesar disso, devemos ressaltar que o termo “preposição” também é usado em nosso trabalho, mas isso é feito com o intuito de nos fazermos entender em meio à terminologia mais usual. Vale ressaltar que, para Culioli (1999), o conceito de marca exclui toda separação radical entre léxico e gramática.
7
Essa interação se estabelece por meio dos termos que a preposição coloca
em relação, como podemos perceber quando essa tem um valor espacial ou
temporal, o qual sempre depende do que está ao seu redor, mas também dela
mesma, pois cada preposição determina e configura seu ambiente e o valor de seu
co-texto. Em poucas palavras, acreditamos que para entender o funcionamento da
preposição “para” é fundamental que se articule léxico e gramática.
Com base nessa hipótese, pode-se perceber que a alternância preposicional
com verbos, sejam eles de movimento ou de transferência (por nós estudados
durante a iniciação científica), envolveriam outros fatores além dos de natureza
“morfológica” (exemplo: a diminuição no uso da preposição “a” estar relacionada à
sua redução fonética), mas também os de natureza mais abstrata, que diria respeito
a uma invariância que sustentaria essa alternância e a consequente variação
parafrástica dos enunciados, restando-nos descobrir e tentar entender essa
invariância por meio da desambiguização contextual.
Durante o mestrado, ao estudarmos o enunciado que contém a marca “para”
em detalhe, pudemos enxergá-la de um centro de perspectiva da delimitação do
sentido do enunciado, ou seja, partimos do pressuposto de que ela aciona
operações que vão lhe conferir sentido. Em nossa dissertação, chegamos a esboçar
um esquema de funcionamento bem primitivo para o que entendíamos, até o
momento, das operações de “para” por meio da manipulação dos enunciados. Esse
esquema seria o seguinte, ilustrado pelo exemplo utilizado em nossa dissertação de
mestrado (GONÇALVES, 2008, p.77):
Figura 1: Nesta figura, podemos perceber que preposição “para” transfere, em
um instante anterior ao instante da enunciação, uma posse ao termo localizado à
sua esquerda (que é especificado pelo termo da direita, passando, então, a “possuir”
essa determinada característica), desencadeando operações em seu processo de
Em nosso trabalho de doutorado, intensificamos nossas análises com
enunciados que continham a preposição “para” com o intuito de entender melhor o
que seria esse seu “esquema de funcionamento”. Foi a partir desse árduo trabalho
de mergulhar nas operações de linguagem, que chegamos ao conceito de forma
esquemática de Antoine Culioli e pudemos esboçar de uma maneira mais clara o
que seria esse trabalho da preposição “para” nos enunciados em que aparece.
Para começarmos a entender este conceito, precisamos primeiro entender
que quando utilizamos a palavra “marca” ao nos referirmos à preposição “para”,
estamos encarando este termo como a marca de uma operação de linguagem.
Ao estudarmos essa marca buscamos chegar a uma representação formal de
seu funcionamento com características estáveis e controláveis. Essa representação
formal seria sua forma esquemática ou forma abstrata de base, a partir da qual
proliferariam as formas suplementares. A função de uma forma esquemática é
propor a caracterização da unidade permitindo o engajamento em um trabalho de
distinção entre o papel próprio desta unidade e o papel dos termos que ela coloca
A forma esquemática é um conceito proposto por Culioli para tentar construir
representações metalinguísticas de formas empíricas, ou textuais, de acordo com
suas regras distribucionais. Podemos definir a forma esquemática como uma
configuração abstrata composta de parâmetros também abstratos cujas relações
possíveis delineiam, ao mesmo tempo, a invariância da forma e a sua
deformabilidade.
Para realizar um trabalho sobre as formas textuais não é necessário ser
exaustivo; o mais importante para Culioli é demonstrar a possibilidade, através de
uma formalização, de se esquematizarem a configuração invariante dos fenômenos
linguagísticos e a plasticidade dos fenômenos linguísticos na direção da
generalização.
Antes de caracterizar esquematicamente um item lexical, é necessário
estabelecer um corpus textual de análise no qual o termo escolhido apareça. Em
seguida, é necessário analisar cada caso com o intuito de estabelecer famílias de
enunciados nos quais os funcionamentos do item lexical sejam identificados de
enunciado a enunciado de acordo com o aparato formal de apoio. Tendo constituído
as famílias de enunciados e a caracterização de seus respectivos funcionamentos, é
possível identificá-las na direção de uma generalização para construir, desse modo,
a forma esquemática do item lexical analisado. Essa representação possibilita a
generalização, por intermédio da definição da invariância de funcionamento do item
lexical, e a deformabilidade, ou as diversas variações de seus usos.
A representação metalinguística a partir do conceito de forma esquemática
seguida de sua explicação e exemplificação torna possível um tratamento formal
de um item lexical e permite a comparação com outros conectores.
Partimos do pressuposto de que o objeto metalinguístico é primitivo ou
construído e está sempre inserido em uma relação. Assim, como não existe objeto
isolado na teoria culioliana, todo objeto é considerado “localizado” ou repéré, para
usar os termos de Culioli. Sendo assim, todo termo que está em relação é
necessariamente situado, ou seja, estabilizado num esquema em relação a um
produzir, interpretar, colocar em relação as formas, através do jogo de
representações, referenciações e regulações interlocutórias8.
A representação é um complexo de n operações, baseada numa operação
primitiva chamada operação de localização. E este conceito de localização está
ligado à ideia de localização de um termo em relação a um outro termo.
Nesse sentido, tomando-se uma expressão no esquema A PARA B (por
exemplo, uma cama para casal), pensamos que A seria introduzido, assertado,
justificado em referência a B, o qual seria a referência externa por meio da qual A é
apreendido, o que significa que A não é considerado por seu valor intrínseco, mas
em referência a algo. Em outras palavras, a noção carregada pelo domínio de A
-“cama” /um móvel em que se dorme ou repousa, sobre o qual, em geral, coloca-se
um colchão e que varia de forma segundo a época, estilo e lugar onde foi feito/ é
vista em sua referência a B (“casal”). Isso acontece porque, como dissemos acima,
quando temos uma expressão ou um enunciado com a marca “para”, esta se
encarrega de, ao mesmo tempo, permitir-nos a visão da noção A (por ela mesma,
com suas características intrínsecas, num primeiro momento), mas também sob uma
ótica particular, extraindo a propriedade “casal” e devolvendo-a para A.
Da mesma maneira, B é localizado por um outro termo e assim
sucessivamente. Acreditamos que um objeto somente adquire forma e valor por
meio do esquema dinâmico de localização e referenciação.
No caso da preposição “para”, propomos que a referência é dada
independentemente da primeira construção de A, o que permite enxergá-lo por meio
de “dois pontos de vista”, ou seja, de um lado A por si só (“cama” em seu sentido
intrínseco), e de outro, A tal como apreendido por B (“uma cama específica para
casal, com medidas maiores, entre outras características”). É interessante ressaltar
que “para” não fixa a referência de A, pois sempre podemos ter essa dupla visão de
A: localizado por B (fronteira) e não localizado por B.
Por este raciocínio, podemos perceber que no esquema A PARA B, B
constitui um modo de apreensão de A ao introduzir propriedades não características
8
a este termo. Considera-se A sob uma ótica, uma categorização que é externa ao
que é intrinsecamente constitutivo de A. B não trata A por ele próprio, mas sob uma
perspectiva que permite apreendê-lo de uma determinada maneira. Podemos dizer
que essa relação é algo momentâneo, uma vez que a cada atualização de A no
esquema A PARA B, A terá um localizador diferente e único na atualização de cada
enunciado, o que acarretará uma nova apreensão deste (por exemplo, cama para
cães: em que primeiro precisamos acessar o domínio nocional de /cama/ para,
depois, entendermos a localização introduzida pela marca “para”).
Diante do exposto, nosso intuito neste trabalho é o de contribuir para os
estudos enunciativos em torno das preposições e ajudar na compreensão de seus
usos. Propusemos no trabalho do mestrado e insistimos, para o doutorado, num
estudo que valorize as ações particulares de cada sujeito que podem criar
imprevisibilidades na organização do conhecimento (empírico) e,
consequentemente, na construção do enunciado.
Nossa tese defende a ideia, já esboçada no mestrado, de que a variação do
sentido é constitutiva das unidades linguísticas, as quais são interdependentes e
permitem a variação dos sentidos dos enunciados graças às operações de
linguagem. É nesse sentido que afirmamos que os diferentes comportamentos das
preposições não envolvem apenas o aspecto sintático, que é comumente muito
enfatizado pelos diversos estudos, mas envolvem também o aspecto
semântico-pragmático. Assim, a interdependência das preposições se faz pelos valores
construídos pelas diferentes categorias gramaticais9 (aspecto, modalidade,
determinação, diátese) que participam da construção do significado dos enunciados.
Seu papel não estaria apenas em “relacionar” item ou até mesmo sentenças,
mas sim e além disso, contribuir para o processo de construção referencial do
enunciado em que está inserida, o que envolve aspectos tanto gramaticais quanto
lexicais como pudemos ver nos exemplos acima.
9
Segundo Culioli (1999, p. 130) “Uma categoria gramatical se define como a correspondência entre um conjunto de operações sobre um domínio nocional complexo e as marcas dessas operações” (tradução nossa).
“Une catégorie grammaticale se définit comme la correspondance entre un ensemble d’opérations
No primeiro capítulo desta tese A Teoria das Operações Predicativas e
Enunciativas: uma breve exposição dos principais conceitos utilizados ao
longo deste trabalho, introduzimos o tema da articulação entre linguagem e línguas
naturais e adotamos uma definição de linguagem enquanto uma atividade de
representação, referenciação e regulação à qual somente temos acesso por meio
dos traços encontrados nas línguas naturais (organismos empíricos e históricos).
Em seguida, fazemos uma exposição dos principais fundamentos da teoria
que escolhemos para embasar nosso trabalho, a TOPE de Antoine Culioli. Nosso
objetivo ao longo deste capítulo não foi explicar todos os conceitos da teoria (dada a
sua complexidade), mas apenas e tão somente os conceitos que foram utilizados
para realização de nossas análises. Fazemos uma breve explicação do surgimento
da TOPE, conforme relato do próprio Antoine Culioli. Em seguida, esboçamos um
conjunto de enunciados parecidos em que procuramos mostrar como se dá nosso
trabalho na busca pelo entendimento do porquê da existência de algumas
sequências impossíveis (e/ou estranhas) que se tornam possíveis quando se varia
uma marca. Ainda neste capítulo, apresentamos uma simulação do que seriam as
etapas das operações subjacentes ao processo de enunciação e os vários termos
teóricos utilizados ao longo deste trabalho, tais como noção, léxis, entre outros, até
chegarmos à explicação das relações de localização que ocorrem na relação entre
as marcas.
O capítulo segundo Revisão da literatura sobre preposições é dividido em
três partes. Na primeira parte, buscamos fazer um apanhado das definições dadas à
preposição “para” por alguns manuais da Gramática Tradicional. Esta primeira parte
é apresentada com o intuito de mostrar as definições de preposições que mais
aparecem nos manuais para termos como compará-los às nossas observações
sobre a marca “para” sob a ótica da TOPE. Em um segundo momento deste mesmo
capítulo, apresentamos uma revisão da literatura de pesquisas sobre as
preposições, os principais artigos, livros, entre outras produções. Logo em seguida,
apresentamos a última seção do capítulo sobre Alguns estudos sobre as
preposições sob a ótica da TOPE: Articulação entre léxico e gramática em que
fazemos a exposição de alguns trabalhos sob a ótica da TOPE, explicando as
razões pelas quais optamos por esse viés teórico, além de apresentar a
problematização que levou ao desenvolvimento de nossa tese: a necessidade da
intuito deste capítulo é estabelecer uma comparação entre os trabalhos aí expostos,
visando a ressaltar a necessidade de uma gramática operatória que não separe
léxico e gramática.
O terceiro capítulo Objetivos, metodologia do trabalho e leitura dos
enunciados traz, respectivamente, nossos objetivos e a metodologia aplicada em
nossas análises.
Neste capítulo, fazemos uma longa exposição dos procedimentos tomados
para o trabalho com as análises dos enunciados e além de introduzirmos o item
Algumas palavras sobre a leitura dos Enunciados, em que traçamos alguns
comentários sobre o corpus usado, dentre outras contribuições. É neste capítulo que
fazemos a exposição de nossas análises seguidas pela apresentação de nossas
palavras finais que reforçam a necessidade da articulação entre léxico e gramática
1 A TEORIA DAS OPERAÇÕES PREDICATIVAS E ENUNCIATIVAS: UMA BREVE EXPOSIÇÃO DOS PRINCIPAIS CONCEITOS UTILIZADOS AO LONGO DESTE TRABALHO
1.1 Definição de Língua e Linguagem na Teoria das Operações Predicativas
e Enunciativas
Iniciaremos este capítulo de nosso trabalho fazendo um histórico sobre a
evolução da concepção da linguística enquanto uma ciência10.
Segundo Benveniste (2005, p.7), “a tendência de uma mudança de atitude em
relação ao objeto da linguística se define por um esforço para formalizá-lo. Esse
esforço, na origem, teve uma influência dupla: Saussure (Europa) e Bloomfield
(América) que concordava com o princípio saussuriano de que o único e
verdadeiro objeto da linguística era a língua”.
Segundo Culioli (1999a, p.117)11, “Benveniste parece ter sido o linguista que
colocou, de modo explícito e parcialmente teorizado, que o objeto da linguística
era o estudo da relação entre a linguagem e as línguas”. Como podemos
perceber na citação que se segue, Benveniste (2005, p. 20), em seu Problemas
de Lingüística Geral, acreditava que a linguística tinha um duplo objeto, que ela
seria, ao mesmo tempo, uma ciência da linguagem e uma ciência das línguas e
que seria necessário fazer esta distinção:
[...] a linguagem, faculdade humana, característica universal e imutável do homem, não é a mesma coisa que as línguas, sempre
10
Vale ressaltar que este capítulo é uma releitura em português (com ênfase nos conceitos que mais usamos nesta tese) dos três tomos de Pour une Linguistie de L’énonciation, de Antoine Culioli, além de outros livros do e sobre o mesmo autor, como Variations sur la linguistique (livro com entrevista feita a Culioli) (2002) e La théorie d’Antoine Culioli : Overtures et incidences (livro de publicações sobre a TOPE) (1992), entre outros de igual importância.
11
« [...] je dirai que Benveniste me paraît être le linguiste qui a posé, de façon explicite et
particulares e variáveis, nas quais se realiza. É das línguas que se ocupa o lingüista e a lingüística é em primeiro lugar a teoria das línguas. Dentro da perspectiva em que nos aqui colocamos, veremos que essas vias diferentes se entrelaçam com freqüência e finalmente se confundem, pois os problemas infinitamente diversos das línguas têm em comum o fato de que, a um certo grau de generalidade, põem sempre em questão a linguagem.
Segundo Culioli (1999a, p.117)12, “a reflexão sobre a linguagem só é frutífera
se trata de línguas reais. É o estudo das línguas (organismos empíricos e
históricos) que desencadeia o único acesso possível à compreensão dos
mecanismos e do funcionamento da linguagem”. Por meio desse trabalho de
reflexão sobre as variações de estrutura nas línguas e sobre as manifestações
intralinguísticas de algumas funções, chega-se ao problema da generalização e
da invariância existente por trás das variações.
Assim, ao mesmo tempo em que se estudam as manifestações
intralinguísticas de algumas funções, é necessário estudar a linguagem, ou seja,
as relações entre o biológico e o cultural, entre a subjetividade e o social, entre o
símbolo e o pensamento, entre outras relações.
Segundo Culioli (1999a, p.119)13, “Benveniste já dizia que para definir a
natureza própria dos símbolos linguísticos necessita-se da ajuda de uma
formalização rigorosa e de uma metalíngua distinta”. Tudo isto acompanhado da
introdução do dinamismo e da atividade dos sujeitos (representação simbólica,
ação intersubjetiva). Nesse sentido, o dado linguístico é considerado um
complexo cujos valores resultam das propriedades particulares a cada elemento,
das condições de seus agenciamentos e da situação objetiva.
12
« [...] la réflexion sur le langage n’est fructueuse que si elle porte d’abord sur les langues réelles. L’étude de ces organismes empiriques, historiques et du fonctionnement du langage (ici est posé le problème fondamental de la théorie des observables) ; ‘la notion de structure et celle de fonction sont l’objet des essais suivants qui portent successivement sur les variations de structure dans les langues et sur les manifestations intralinguistiques de quelques fonctions’ (ici est posé le problème de la généralisation et de l’invariance derrière les variations). » (CULIOLI, 1999a, p. 117)
13
Culioli faz questão de trabalhar com o foco na relação entre a linguagem e as
línguas, em outras palavras, ele considera que a elaboração teórica pode e deve
se fazer a partir das produções dos locutores (os textos) no quadro de sua língua
de uso.
Como sabemos, linguistas de todo o mundo têm procurado entender por que
existem diferenças e similaridades entre as línguas do mundo. Osu (2003), por
exemplo, faz um histórico dessa procura em seu artigo Semantic Invariance,
Locating Process and Alterity: a TOPE-based Analysis of the Verbal Prefix z- in
Ikwere que é bem oportuno neste momento de nosso trabalho.
Primeiramente, ele cita a hipótese de Sapir-Whorf de que a língua determina
o modo como percebemos e concebemos o mundo. Ainda de acordo com esta
hipótese, cada língua seria um vasto sistema, diferente dos outros, cujas formas
e categorias seriam culturalmente ordenadas.
Em segundo lugar, Osu cita a linguística comparativa que se preocupa em
demonstrar que, historicamente, as línguas possuem uma origem comum.
O referido autor lembra também a tipologia linguística, que procura encontrar
as propriedades que diferenciam as línguas e demonstrar os limites dentro dos
quais tais línguas podem variar.
A TOPE, recuperando as ideias de Culioli (acima citadas), valoriza e busca,
na diversidade de línguas naturais, a atividade de linguagem. Para Culioli,
existem propriedades invariantes (operações elementares) que sustentam a
diversidade de estruturas, realizações e categorizações das línguas do mundo
(atividades de linguagem), de maneira que elas compartilham características
comuns. Assim, ele propõe encontrar homogeneidade por meio do que parece
heterogeneidade, uma vez que as diferentes línguas farão uso destas operações
comuns de modo específico ao combiná-las e fazê-las interagir nos enunciados.
Se o linguista conseguir definir as peculiaridades de uma língua individual,
conseguirá traçar seu modo específico de mobilizar as invariantes e,
consequentemente, esboçar o que ela tem em comum com as outras línguas.
Culioli considera a linguagem uma atividade de produção e reconhecimento
referenciação e regulação, o que se resume a uma reconstrução de enunciados
sendo o processo de construção desses enunciados a própria enunciação.
Segundo Michel Viel (CULIOLI, 2002, p.7)14, “Benveniste é um dos primeiros,
talvez o primeiro estudioso a empregar regularmente a palavra énonciation”.
Contudo, o fundador do “princípio enuciativista” foi o professor francês Antoine
Culioli, que considera que “o linguista produz as observações e trabalha sobre as
valorações: é a mesma coisa; é diferente; é a mesma coisa em tal modulação
próxima; é aceitável; é inaceitável” (CULIOLI, 2000, p.23)15.
O homem das rupturas, como Culioli é apontado por Michel Viel (CULIOLI,
2002, p. 10)16, “consagra-se em 1968 com o artigo A formalização em
linguística”, sempre enfatizando que “a tarefa do linguista é dupla: pesquisar e
descobrir fenômenos (fatos) e, é claro, explicá-los” (CULIOLI, 2002, p. 11)17.
Assim, devemos fazer manipulações para chegar aos enunciados e, mesmo
que cheguemos a sequências impossíveis, isso será de grande importância para
nosso estudo. Trata-se de um trabalho que pode tanto ser feito intralíngua como
com outras línguas, uma vez que nessa teoria, procura-se uma forma mais
abstrata que estaria subjacente às várias línguas, ao francês, ao italiano, ao
português, entre outras.
No que tange à invariância citada acima, Mattoso Câmara (1985, p.7) faz a
seguinte afirmação: “Nestas condições, a língua fica sendo, como unidade, uma
estrutura ideal, que apresenta em si os traços básicos comuns a todas as suas
variedades. É a invariante abstrata e virtual, sobreposta a um mosaico de
variantes concretas e atuais” (CAMARA JUNIOR, 1985, p.7).
14
« Benveniste est l’un des première, le premier peut-être, à employer régulièrment le mot ‘énonciation’ Cependent si on chercher un précurseur et qu’on croit en trouver un en la personne de Benveniste, alors on se doit de jeter un nouveau regard en arrière. Y a-t-il un inventeur premier de ce qu’on designe sous l’étiquette ‘d’énonciation’ ? » (CULIOLI, 2002, p. 7)
15
« Le linguiste est obligé de travailler de façon plus rudimentaire : produire des observations, travailler sur des valuations (c’est la même chose ; c’est différent ; c’est la même chose à telle modulations près ; c’est acceptable ; c’est inacceptable) ; [...] » (CULIOLI, 2000, p. 23)
16
« Culioli est l’homme des ruptures plus que des continuités. Il y a bel et bien une révolulion, datable,
datée, qui se cristallise en 1968 avec l’article sur ‘La formalisation en linguistique’ » (CULIOLI, 2002,
p. 10).
17
Acreditamos que essa “invariante abstrata e virtual” seja a linguagem que,
segundo Culioli é o objeto da linguística que é apreendido através da diversidade
e dos registros das línguas naturais.
Culioli admite que dentro das línguas existam “configurações” de marcas que
são profundamente diferentes e justifica que é através da diversidade das línguas
e também dos textos que encontraremos a invariância da linguagem.
Em suma, nosso estudo abrange questões eminentemente filosóficas, tais
como: qual o objeto da linguística (articulação entre linguagem e línguas) e como
tratar a relação entre a materialidade do texto e a imaterialidade da atividade
significante dos sujeitos.
Assim, partimos, com Culioli, da hipótese de que há uma atividade mental que
se regula sem que nós tenhamos consciência. A materialidade do texto é o traço
dessa atividade mental, das operações, ou seja, nele vai se construir uma sorte
de traço metalinguístico que nos permite remeter a essas operações.
A citação abaixo reforça a importância desse estudo da linguagem e seus
princípios e, consequentemente, das operações mentais citadas acima:
Todo falante, independentemente da modalidade de linguagem de que se sirva, possui uma gramática interna ou, pelo menos, a interioriza já em tenra idade, a partir de suas próprias experiências lingüísticas (...) Saber gramática não depende, pois, em princípio, da escolarização ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria atividade lingüística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princípios e regras. (FRANCHI, 1991, p.54).
Em resumo, segundo Culioli a linguagem é uma atividade de produção e
reconhecimento de formas como traços de operações simultâneas de
representação, referenciação e regulação e à qual só temos acesso por meio das
1.1.1 Atividade de representação
Para Culioli (CULIOLI, 1999a), a linguagem é um trabalho constante de
representação que é seguido de um processo de referenciação dessa
representação. E essa atividade de representação ocorre entre o “eu” e o “outro”
o que leva a um processo de regulação e equilibração.
A atividade de representação, individual e psicológica, considera, além da
manifestação verbalizada da linguagem, outros domínios que não são
estritamente linguísticos. Essas operações apresentam-se em três níveis de
representação:
1) Nível nocional: nível das representações mentais das propriedades
físico-culturais. Essas propriedades físico-culturais são organizadas em noções,
que são representações inacessíveis, mas que podem ser apreendidas através
dos textos, dos gestos, prosódia, entonação, etc.;
2) Nível dos agenciamentos das “marcas, as quais remetem às operações
mentais” (CULIOLI, 1999a, p. 162)18;
3) Representações metalinguísticas das representações do nível 2.
1.1.2 Atividade de referenciação
A referenciação é uma relação entre um elemento A, do domínio linguístico e
um elemento B, do domínio extralinguístico; esses elementos não se
correspondem termo a termo e as relações por eles construídas não são fixas
nem imutáveis. Assim, quando um termo A é construído num sistema de
referência, recebe um valor referencial ou, a determinação de uma propriedade.
18
« [...] marqueur renvoie à l’indication perceptible d’opérations mentales [...] » (CULIOLI, 1999a,
1.1.3 Atividade de regulação
A atividade de regulação (CULIOLI, 2000) é muito importante na atividade de
linguagem e consiste em uma tentativa de adequação do discurso por parte do
enunciador dependendo do seu ouvinte ou leitor, trata-se de uma reflexão sobre
a própria atividade de linguagem e esse processo também pode ser entendido
como um processo interno de estabilização e equilíbrio.
A seguir, faremos uma breve exposição do surgimento da TOPE e dos
principais conceitos utilizados ao longo de nossa tese. Apresentaremos desde o
conceito de noção até as operações de localização entre as marcas dentro dos
enunciados, esforçando-nos para mostrar o papel das operações de linguagem
suscitadas pelas marcas.
A Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas (TOPE) surgiu,
conforme o relato de Antoine Culioli19 (1999a), de um sentimento de inquietação
em relação à linguística que lhe foi apresentada, pois ele teve uma formação de
filólogo e uma formação linguística de tipo vagamente estruturalista e por conta
dessa formação, sentia-se limitado diante de uma linguística classificatória e
descritiva.
Incomodado com o que lhe era legado e ensinado, esse estudioso resolveu
construir uma posição de exterioridade em relação a tudo aquilo que o faziam
sentir-se ridículo por não lhe fornecer caminhos diante dos afásicos,
esquizofrênicos, etc. Foi com esse sentimento de suas insuficiências que ele
descobriu a complexidade de uma disciplina que devia articular o diverso, o
intersubjetivo e heterogêneo por meio de uma metalíngua coerente, explícita e
objetiva. Tratava-se de uma situação fascinante por requerer uma ambição de
teorizar o funcionamento empírico das línguas, dos textos e das situações por
19
meio de um sistema de representação metalinguística de operações
inacessíveis.
Essa reflexão sobre a linguagem o conduziu a questionar a pertinência do
conceito de “frase”, uma vez que queria ultrapassar a análise morfossintática de
tipo estruturalista. O resultado dessa inquietação foi a elaboração do conceito
teórico de “enunciado” juntamente com a descoberta dos princípios que
organizam a boa formação enunciativa que eram diferentes dos princípios da boa
formação frásica. Buscava-se construir um sistema dinâmico que tratasse dos
fenômenos complexos, uma vez que se recusava a se satisfazer com “dados”
simplificados, idealizados. Culioli queria tratar tudo o que ele encontrava, sem
exclusão pré-avaliável e sem recusar-se à construção de um modelo dinâmico.
Ele parte da ideia de que os enunciados são o produto da instanciação de um
esquema de léxis (termo que será explicado nas próximas páginas) situado
dentro de um espaço de referência. Assim, a construção de um enunciado
envolve a relação de uma noção e de uma ocorrência dessa noção e a
localização desta ocorrência em relação a um sistema de localização. Em um
conjunto de enunciados parecidos, procura-se entender porque existem algumas
sequências impossíveis que se tornam possíveis quando se varia uma marca
categorial, prosódia, etc.
No enunciado que se segue, podemos perceber a estranheza causada com o
uso da preposição “a” com o verbo “ir” em um contexto relativo ao “lar”, ou seja,
quando a noção /casa/ remete à residência (interior do domínio nocional /casa/)
do sujeito em questão (fronteira do domínio nocional /casa/).
(1) ?Eu vou à casa dormir um pouco e depois vou trabalhar o meu texto (em
referência à sua residência)
Por outro lado, em 2, o uso da preposição “a” já não causa a mesma
estranheza, pois fizemos uma pequena modificação no seu contexto de direita,
isto é, alteramos o uso da palavra “casa” enquanto “residência do sujeito em
questão” para “casa” enquanto a “habitação do amigo do sujeito enunciador”
(fronteira do domínio nocional /casa/).
Em outras palavras, podemos perceber que o contexto em que o enunciador
fala de sua ida em relação à sua casa favorece o uso das preposições “para/pra”
(1a) e “em” (2a), enquanto em um contexto em que este sujeito não se refere ao
seu lar (2), o uso da preposição “a” não causa estranheza, apesar de o seu uso
parecer um pouco mais rebuscado para a linguagem falada20.
(1a) Eu vou pra casa dormir um pouco e depois vou trabalhar o meu texto.
(2a) Eu vou em casa e depois vou ao banco. (em referência à sua própria
residência)
(2a1) ? Eu vou à casa e depois vou ao banco. (podemos nos perguntar: “que
casa?” sem a identificarmos como a casa do “eu” em questão)
O enunciado 2a1 mostra a impossibilidade de interpretação quando o escopo
de “casa” é “a residência do sujeito em questão”. A partir destas pequenas
observações, pode-se chegar a algumas generalizações a respeito do uso
dessas preposições e logo em seguida, trabalhamos as representações
metalinguísticas dos fenômenos observados, a que chamamos de construtivismo
metalinguístico (que seria, na verdade, todo esse esforço reflexivo na busca do
processo de construção do enunciado). Neste caso, podemos dizer que a
preposição “para” se destaca no quesito permanência pelo fato de trabalhar a
noção daquilo que vem à sua esquerda, atribuindo-lhe, ainda que
momentaneamente, uma característica que se torna sua única localizadora na
atualização do enunciado. Em outras palavras, “para que eu vá para algum lugar”
é necessário que haja uma relação com esse lugar e que implique uma
permanência, já que na atualização do enunciado essa “ida” só será
caracterizada se for para determinado lugar, o que cria um vínculo tão grande
entre antecedente e consequente que traz a ideia de permanência à tona. Ao
20
mesmo tempo, pudemos notar que a preposição “a” marca apenas uma
localização de A em relação a B (em um esquema A Prep B), não trabalhando,
portanto, a noção /A/. Essa preposição não cria um vínculo necessário entre A e
B. Apesar de não termos nos dedicado ao estudo das preposições “a” e “em”,
pudemos perceber também que a preposição “em” quase sempre requer uma
“penetração” de A em B (Vou na casa de um amigo, por exemplo) sem, no
entanto, criar um vínculo necessário entre A e B, assim como acontece com a
preposição “a”.
Ao observarmos estes enunciados acima, vale ressaltar o importante papel da
preposição no processo de construção referencial do enunciado, uma vez que,
como pudemos perceber, não exerce apenas o papel de relacionar termos, mas
também de contribuir para a construção da significação dos enunciados.
1.2 O processo de produção da linguagem
Para Culioli, a linguística é uma ciência que tem por objeto a linguagem
apreendida através da diversidade das línguas naturais. Por sua vez, a linguagem é
uma atividade que supõe uma perpétua atividade epilinguística21, além de ser
significante, ou seja, na comunicação, as operações
são complexas, pois o emissor e o receptor têm cada um dois papéis, já que o
emissor é também seu próprio receptor e que o receptor é um emissor em potencial.
Cada um constrói ao mesmo tempo a produção e a recepção do outro, sendo assim,
Culioli prefere falar em “co-enunciadores”.
Segundo este estudioso, pode-se mostrar que a linguagem não é exterior ao
sujeito22, pois está em uma relação complexa de exterioridade-interioridade; além
disso, o código tem necessidade de um suporte e deve codificar alguma coisa, não
sendo biunívoco, pois se houvesse correspondência biunívoca, não saberíamos
explicar a existência de mal-entendidos ou metáforas, por exemplo.
21
A epilinguística é aqui entendida como uma atividade metalinguística não consciente.
22
Para estudar o processo de produção da linguagem, é necessário sair do
domínio da observação ilusoriamente imediata para operar abstratamente.
Procura-se, por combinações, os enunciados possíveis até o detalhe, pois a linguística formal
não tem por tarefa apenas estudar as línguas em suas generalidades, mas sim, dar
conta do que se encontra em toda sua diversidade, sem nenhuma exceção, e a
existência desta traz a necessidade de uma justificativa para seu caráter
excepcional.
A Teoria das Operações Predicativas e Enunciativas apresenta-se não só pela
explicitação do enunciado, mas também pela forma como os enunciados são
construídos. Acredita-se na existência, em um nível mais profundo (verdadeiramente
pré-lexical), de uma gramática das relações primitivas em que a distinção entre
sintaxe e semântica não tem nenhum sentido. Após uma filtragem, obtém-se a léxis
que é pré-assertiva. A sua passagem para a asserção (no sentido de uma
“enunciação por um sujeito”) implica uma modalização. Modalizar significa aplicar
uma modalidade, sendo esta entendida aqui com quatro sentidos: afirmativo ou
negativo; provável, necessário; apreciativo e pragmático, que implica uma relação
entre sujeitos.
Parte-se da hipótese de que existem relações primitivas e esquemas primários,
de maneira que tudo nos conduzirá a um esquema de análise no qual a origem
(relações primitivas), agente, etc. desempenham um papel essencial.
Portanto, o enunciado passa por três momentos:
1) Formação da léxis (relações primitivas ou elementares).
2) Hierarquização do conteúdo da léxis, no intuito de indicar um elemento em torno
do qual o enunciado se organiza (relação predicativa).
3) Localização do conteúdo do pensamento com relação à situação de enunciação e
ao enunciatário (relação enunciativa).
1.2.1 Relação primitiva
A primeira etapa é de origem pré-linguística, chamada por Culioli de “relações
primitivas”; são as propriedades que cada ser humano, através das suas
Assim, inicialmente estabelecem-se relações entre termos que remetem às
noções que aglomeram um conjunto de propriedades físicas e culturais referentes a
essas palavras (CULIOLI, 1999a). A operação de relação primitiva repousa sobre a
ideia de que existe, em um nível profundo, pré-lexical, uma gramática de relações
primitivas na qual a distinção entre sintaxe e semântica não tem nenhum sentido.
As noções (CULIOLI, 1999a, p. 100)23 “são complexos sistemas de
representação de propriedades físico-culturais”, isto é, propriedades do objeto
resultantes de manipulações necessariamente tomadas no interior das culturas. A
noção compreende uma forma de representação não linguística, ligada ao estado do
conhecimento e à atividade de elaboração de experiências de cada pessoa. Por
exemplo, quando pensamos em “mulher” (que não pertence à linguística, mas ao
domínio das representações), antes de mencionar essa palavra num enunciado,
temos a representação daquilo que é “mulher”. Essa representação é construída
com as propriedades comuns a todos os tipos de mulher (alta, baixa, inteligente,
bonita, etc.). Esse conjunto de propriedades é chamado de noção: a noção “mulher”
é a propriedade “ser mulher”. A partir da noção de “mulher”, que não pertence à
linguística, mas ao domínio das representações, constrói-se um domínio nocional24
que vai permitir efetuar as operações de quantificação e qualificação. De um lado,
teremos a classe “mulheres” que permitirá extrair uma ou várias “mulheres” -
operação de quantificação; de outro lado, poderemos distinguir aquilo que é
“mulher”, aquilo que não é mulher e aquilo que não é exatamente mulher – operação
de qualificação.
Numa situação real de enunciação, os termos de uma língua mudam de
função a todo momento, o que em princípio era um verbo passa a ser um nome, o
que era definido passa a ser indefinido, enfim, torna-se impossível uma classificação
feita antes da materialização das formas. Por isso, Culioli propõe que os processos
gramaticais gerais são formalizados pelas diferentes línguas por marcas diversas.
23
« Nous appellerons notion un système complexe de représentation structurant des proprietés physico-culturelles d’ordre cognitif [...]. » (CULIOLI, 1999a, p. 100, grifo do autor)
24
De maneira que, se partirmos de um grau zero para procurar os elementos,
ou marcas, que representam essas operações enunciativas gerais em línguas
diversas, teremos facilidade em entender o funcionamento das unidades da língua.
Só podemos definir as etiquetas gramaticais (categorias prontas) no interior
de uma situação enunciativa, ou seja, após a construção ou interpretação das
operações envolvidas em cada produção de enunciado. Essas categorias têm a ver
com a determinação, com a diátese, com a modalidade e com o aspecto.
a) Determinação
A determinação é um conjunto de operações elementares (extração,
flechagem, varredura, localização) que são resultados de operações de
quantificação e qualificação possibilitadas pelas características da noção.
As operações de quantificação : “extração”, “flechagem” e “varredura”
consistem em atividades com o objetivo de extrair um em vários elementos de
determinada classe ou extrair uma parte de um todo e proporcionar a devida
localização dessa noção com relação à situação de enunciação. Isso quer dizer que
se falarmos em “A”, assinalamos uma ocorrência, isolamos e delimitamos seus
limites espaço-temporais. Atribuímos um estado existencial, real ou imaginário à
ocorrência de uma noção devidamente situada.
a1) Extração - Traz para a existência discursiva uma ocorrência
individualizada que não tem nenhuma outra característica distintiva a não ser pelo
fato de que foi escolhida dentre outras. Ela permite ao sujeito enunciador isolar um
ou mais elementos de uma classe de ocorrências. Essa operação de extração se dá
sobre a extensão de um domínio nocional e os elementos isolados são atualizados
no discurso. (exemplo : “Gatos são animais lindos, mas o gato siamês é mais bonito
do que os outros”)
Segundo Vignaux (1995), “extração” corresponde a separar de uma coleção
ou conjunto, um elemento desse conjunto.
a2) Flechagem - Trata-se de uma retomada por identificação estrita que
distingue um elemento, identificando-o consigo mesmo, conferindo um grau de
determinação suplementar; tendo como traços de superfície na língua uma série de
a3) Varredura – (CULIOLI, 1999b, p.48)25 «Essa operação consiste em
percorrer todos os valores assinaláveis ao interior de um domínio sem poder se ater
a um valor distinguido » (exemplo : “todo gato mia”, “todo gato tem quatro patas”).
A operação de qualificação está interligada à quantificação, entrando em jogo
cada vez que se efetua uma operação de identificação/diferenciação sobre qualquer
coisa. Trata-se, especificamente, da atribuição de qualidades aos fenômenos do real
ou do desembaralhar um encadeamento complexo de operações.
b) Modalidade
Segundo Vignaux (1995), Antoine Culioli distingue quatro tipos de
modalidade: as modalidades 1 são as da asserção (afirmação ou negação), as da
interrogação e as da ênfase. Elas permitem colocar uma fórmula (seja ela afirmativa
ou negativa) como validável, isto é, referenciável.
As modalidades 2 são as do necessário ou as do possível, até as da certeza.
Podemos dizer que, juntando os dois casos 1 e 2 teremos uma enunciação sobre
julgamentos universais (é necessário que...) ou sobre julgamentos localizados (é
provável que em certas circunstâncias...).
As modalidades 3 constituem a dimensão apreciativa e centralizam o sujeito
enunciador. Por meio dessas modalidades, constroem-se nas línguas todas as
distâncias e as avaliações não assumidas pelo enunciador e também todos os
julgamentos auto-centrados.
Da combinatória das modalidades podemos construir uma certa
representação das coisas e estabelecer uma relação intersujeitos, considerando
discursos anteriores ou projeções de discursos.
c) Aspecto
25
Segundo Vignaux (1995), na interação verbal, precisamos modular nossos
domínios de referência no tempo e no espaço, este é o papel das operações
aspectuais, mais especificamente, o aspecto é construído por uma trajetória desde
um momento origem até um momento esperado ou atingido.
As operações aspectuais são as operações de determinação de um
predicado. Modulam no tempo e no espaço os jogos de relação entre enunciador e
co-enunciador para que eles possam construir ou reconstruir os domínios de
referência.
1.2.2 A léxis
O termo léxis é definido como um esquema abstrato constituído de três
lugares vazios sob o esquema <a R b>. Os lugares vazios (a, b) são preenchidos
por argumentos e o lugar vazio (R), preenchido por predicado, ou seja, esses
lugares são atualizados e modulados durante a enunciação.
Cada lugar vazio é preenchido por uma noção que resulta na léxis. Essa
relação se estabelece entre lexemas que possuem propriedades vinculadas à
noção. A léxis “é uma forma geradora de outras formas derivadas” (CULIOLI, 1999a,
p.101)26.
Assim, em Paula escreve uma carta podemos esquematizar a seguinte lexis:
<A B C>
<Paula escrever carta>
O argumento nominal A (Paula), uma noção de predicado (escrever), um
argumento proposicional B (carta). A partir do esquema de uma léxis se estabelece
uma relação ordenada entre os termos. A ordenação da léxis, ou seja, o lugar
ocupado por cada termo depende das propriedades de cada um deles, da
compatibilidade dessas propriedades quanto aos termos que são colocados em
26
relação e do propósito dos sujeitos enunciador e co-enunciador em relação à
emissão dos enunciados.
Os enunciados abaixo formam uma família parafrástica derivada da léxis de
partida.
1a) Paula escreve uma carta. (que assinala a escritura da carta por Paula como um
simples acontecimento).
2a) Eu desejo que Paula escreva a carta. (assinalando um desejo).
3a) Eu não quero que a Paula escreva a carta. (exprimindo uma rejeição).
1.2.3 Relação predicativa
A relação predicativa (segunda etapa do processo de construção do
enunciado) tem por base a predicação, é nessa fase que o enunciador vai ordenar
os termos da léxis, decidindo qual será a origem e assim estabelecendo uma relação
predicativa entre os termos.
A léxis (CULIOLI, 1999a) é um esquema subjacente a todo ato de linguagem,
é ela que assegura a relação entre esquemas de funcionamento sintático e os
efeitos semânticos ligados a esses funcionamentos. Posteriormente, esta relação
construída entre os termos irá se localizar em relação à situação de enunciação,
tendo em vista o que o enunciador pensa e o que ele espera que o outro pense. A
léxis possui a propriedade de gerar formas variadas, isto é, uma família de relações
predicativas que constituem uma família parafrástica de enunciados.
A relação predicativa define o termo em torno do qual o enunciado definitivo
vai ser organizado pelo enunciador e é o resultado de um trabalho de dois efeitos
semânticos: a localização e a identificação.
A localização acontece a partir da escolha de um termo de origem; esse termo
servirá de localizador, que por sua vez servirá como um centro atrator da léxis,
1.2.4 Relação enunciativa
A relação enunciativa (CULIOLI, 1999a) consolida a passagem de um
pré-enunciado para um pré-enunciado. É a consolidação que se dá por meio das operações
de determinação e da aplicação das categorias de tempo, aspecto e modalidade.
Todas essas operações da linguagem descritas acima se articulam entre si
para formar um todo, não tendo valor algum separadamente; cada operação se
insere dentro de um processo de produção da linguagem, ocupa seu lugar e tem sua
importância dentro do processo da enunciação.
A partir da manipulação dos enunciados, o linguista pode construir uma
representação formal capaz de observar a relação constante que se dá entre a
atividade de linguagem e as línguas.
De acordo com Culioli (1999a), existem três níveis de estudo27: o primeiro
nível, caracterizando-se pela capacidade inata que o ser humano possui de construir
representações mentais da realidade (atividade epilinguística28) consistindo em um
nível pré-consciente ao qual o linguista somente tem acesso por meio de formação
técnica e protocolos experimentais (glosas, paráfrases). O segundo nível é o
linguístico (representações textuais, dos textos orais ou escritos...). E por fim, o
terceiro nível é o metalinguístico, referente às manipulações feitas pelo linguista
(atividade epilinguística consciente).
Sistematizando o que foi dito acima, podemos dizer que a linguagem, uma
atividade simbólica significativa, só é acessível aos linguistas por meio de
sequências de textos, isto é, através de conjuntos de marcas que são traços de
operações subjacentes. Assim, o objeto da linguística, segundo Culioli, não seria
construir uma gramática universal, mas, reconstruir, por meio de um processo
teórico e formal, as noções primitivas, operações elementares, regras e esquemas
que geram categorias gramaticais e padrões específicos para cada língua. Em
resumo, o objetivo seria o de encontrar as invariantes que fundamentam e regulam a
atividade da linguagem, em toda a sua riqueza e complexidade.
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Para mais informações, ler CULIOLI, 1999a, p. 162.
28