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SCOLA DEE
NFERMAGEMP
ROGRAMA DEP
ÓS-G
RADUAÇÃO EME
NFERMAGEMPRAZER E SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO NA RELAÇÃO
COM O TRABALHO
ESTUDO EM UM HOSPITAL DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA DE BELO HORIZONTE
SOLANGE CERVINHO BICALHO GODOY
PRAZER E SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO NA RELAÇÃO
COM O TRABALHO
ESTUDO EM UM HOSPITAL DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA DE BELO HORIZONTE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.
Orientadora: Profª Drª Marília Alves
Belo Horizonte Escola de Enfermagem
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A minha mãe, Lená, e a Daniel, Daniela e Isabela,
por todo carinho e paciência com que souberam
Na trajetória de elaboração de uma tese, o sofrimento e o prazer são algo
necessário para o nosso fortalecimento. Houve momentos em que o sofrimento foi mais
intenso, emergiam sentimentos de tristeza e insegurança, sendo necessária uma
introspecção e reflexão. Em outros momentos, manifestavam-se prazer e satisfação, tal
como encontramos no processo de trabalho dos sujeitos que participaram do estudo.
A construção de uma tese gera desgaste, mas, ao inter-relacionar-me
com os trabalhadores da enfermagem que atuavam na unidade pesquisada, pude
perceber que mesmo diante do sofrimento estes encontravam um suporte para
enfrentar o seu dia a dia no trabalho. Este processo refletiu sobre o meu
amadurecimento na pesquisa, o que permitiu que este meu caminhar fosse mais
tranquilo. Assim, agradeço aos enfermeiros que participaram desta pesquisa.
Acreditando na proposta deste estudo, facilitaram o meu processo de aproximação
com o campo, a fim de tornar possível a sua realização.
Aos trabalhadores de enfermagem da unidade de urgência e emergência,
cuja força na luta pela vida me ensinou a superar as dificuldades que a existência
nos impõe. Com os relatos de suas vivencias aprendi a respeitar e valorizar ainda
mais esta profissão.
À equipe da direção do Hospital estudado, que tão bem me acolheu, para
a pesquisa. Obrigado.
À Marília Alves, minha orientadora, pela convivência e amizade,
acompanhando o meu processo de formação, desde o mestrado e me dando
condições para tornar este trabalho uma tese. Obrigada por acreditar nas minhas
potencialidades, e pelas importantes contribuições neste trabalho.
À Marília Rezende pela amizade e companheirismo, compartilhando
momentos delicados deste trabalho, com palavras de conforto, quando precisei e às
vezes oferecendo sua atenção, ouvindo as minhas angústias, medos e vitórias.
Às amigas, Carla Spagnol, Eliane Palhares, Maria Édila Freitas, Mércia
bibliografias.
Aos Professores, Ana Kirchhof, Claúdia Penna e Daclé Carvalho, pela
leitura cuidadosa do trabalho no Exame de Qualificação e por suas valiosas
contribuições.
Aos Professores, Fernando Coutinho, Luciana Colveiro, Zélia Kilimnik e
Claúdia Penna que se dispuseram a participar da banca examinadora deste estudo.
Aos colegas do Doutorado e membros do Núcleo de Pesquisa em
Administração em Enfermagem da EEUFMG, que compartilharam algum momento
deste processo.
Aos professores da Pós-Graduação da EEUFMG, pelo respeito e
oportunidade de ampliação de conhecimentos.
Aos professores do Departamento de Enfermagem Básica da EEUFMG,
que com todas as dificuldades encontradas, acreditam na formação como uma
estratégia de construção de uma enfermagem mais crítica e reflexiva, oportunizando
a minha liberação para formação.
Um agradecimento especial ao meu pai, Prof.º Luiz Bicalho(in memoriam)
e à minha mãe, Prof.ª Lená Assis, pelo amor, incentivo e apoio incondicional para
que eu pudesse chegar até aqui. Amo vocês! Pai, muita saudade!
Aos meus amores, Daniel, Daniela e Isabela, pessoas especiais e razão
para que eu conseguisse realizar este sonho. Só tenho a agradecer por vocês
existirem em minha vida!
Às amigas Yara Ávila e Eliane Mansur, minhas irmãs de coração, por me
ouvirem nos momentos de incertezas e alegria, por me ajudarem na busca de
caminhos e por estarem comigo nesta caminhada.
Ao Marcus Bicalho e todos aqueles que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a construção deste estudo.
Se, de alguma forma, não mencionei ou deixei de lembrar algum nome,
meu pedido de perdão. Sei que todos são importantíssimos. Meu apreço e meu
Toda riqueza provém do trabalho, asseguram os
economistas. E assim o é na realidade: a natureza
proporciona os materiais que o trabalho transforma
em riqueza. Mas o trabalho é muito mais do que isso:
é o fundamento da vida humana. Podemos até afirmar
que, sob determinado aspecto, o trabalho criou o
próprio homem.
Este estudo tem por objetivo analisar as manifestações de prazer e de sofrimento do
enfermeiro em relação à organização do trabalho em uma Unidade de Urgência e
Emergência de um hospital referência na área, da rede pública de Belo Horizonte –
MG. Abordar as relações de prazer e de sofrimento do enfermeiro no atendimento
de Urgência e Emergência e sua relação com a organização do trabalho em uma
Unidade de Urgência e Emergência de um hospital terciário implica explicitar fatos e
ações do cotidiano que exigem reflexão e criação, sobretudo pela diversidade de
ações desenvolvidas. Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado no
referencial teórico e metodológico do materialismo histórico dialético. Essa
abordagem permitiu maior aprofundamento do objeto de estudo, focalizando os
trabalhadores no contexto, a visão do fenômeno em sua totalidade e, ainda, a
contradição existente. O cenário foi a Unidade de Urgência e Emergência de um
hospital de grande porte da rede pública de Belo Horizonte. A amostra compreendeu
21 enfermeiros que atuam na Unidade de Urgência e Emergência, cuja escolha
obedeceu aos critérios de aleatoriedade e acessibilidade. Os dados coletados por
meio de entrevistas semi estruturadas e observação foram submetidos à análise de
discurso. A sistematização das informações obtidas possibilitou identificar e analisar
a forma como o trabalho da enfermagem está organizado e como essa organização
gera prazer e/ou sofrimento no enfermeiro. Os resultados foram organizados nas
seguintes categorias empíricas: organização do trabalho na Unidade de Urgência e
Emergência; relações de prazer e sofrimento do enfermeiro com o trabalho na
Urgência; relações de poder no contexto do hospital e estratégias coletivas de
defesa do enfermeiro. Dos resultados emergiram importantes questões relativas às
características do trabalho na Unidade de Urgência que se revelam como uma
condição adversa para o trabalhador, pois os cuidados àqueles que estão em estado
crítico os expõem a condições inadequadas de trabalho que podem contribuir para
um desgaste. A organização do trabalho atual permite a exploração dos
trabalhadores na Unidade de Urgência e Emergência mediante a intensificação do
trabalho, sobrecarregando cada trabalhador, o que reduz os tempos mortos e
diminuição da capacidade de organização dos trabalhadores em decorrência dos
diferentes contratos de trabalho. O enfermeiro da Unidade de Urgência e
Emergência está exposto a fatores que podem contribuir para o surgimento de
prazer e/ou sofrimento no trabalho. O prazer apresenta-se relacionado com o fato de
se sentir útil, ser reconhecido socialmente e ter a percepção do significado daquele
trabalho que é realizado do principio ao fim, o que traz um sentido positivo ao seu
trabalho. O sofrimento envolve questões organizacionais no que diz respeito ao
desgaste no ambiente hospitalar para o profissional da enfermagem, mediante a
sobrecarga de trabalho, quantitativa e qualitativa; falta de comunicação entre
colegas e convivência constante com o sofrimento, a morte e os conflitos gerenciais,
envolvendo questões relacionadas à autoridade e à falta de autonomia. Na dinâmica
da Unidade de Urgência e Emergência a relação do enfermeiro com o trabalho é
permeada por questões organizacionais, principalmente aquelas específicas do
serviço público de saúde, cuja morosidade nas decisões não combina com a
agilidade da urgência. Assim, a relação de sofrimento do enfermeiro está
relacionada principalmente às condições de trabalho e a de prazer com a finalidade
de suas ações no contexto da urgência. Neste cenário contraditório, o sentido do
trabalho atua como elemento fundamental para a capacidade de manter o equilíbrio
e de não adoecer diante das exigências do trabalho.
The purpose of this analysis is to explore the expressions of pleasure and suffering in
nurses relationship work organization and who work in urgency and emergency units
of a key hospital from the public health services provided in Belo Horizonte – MG.
Attending to this subject means, as well, considering everyday actions and facts
related to nursing that require reflection and creativity, mostly in view of the huge
diversity of activities developed. This is a qualitative study based on the theory and
methodology of historical and dialectical materialism. This approach allowed greater
depth of the object of study by focusing on workers in the context and providing the
vision of the phenomenon in its entirety and also its contradictions. The setting of this
study was the office of emergency and urgency of a large public hospital in Belo
Horizonte and the sample taken to this analysis comprised 21 nurses working in that
department chosen randomly. The systematization of the information obtained from
interviews and observations made it possible to identify and analyze the way nursing
is organized and how this organization generates pleasure and/or pain in nurses. The
analysis of these questions was anchored in empirical categories constructed in this
work, that is emotional expressions arising from nurses and the defensive
mechanisms employed by them while working in an emergency unit. These empirical
categories concern: work organization in a hospital, relations of pleasure and pain of
nurses that work in an emergency unit, power relations within a hospital and
collective defensive strategies of nurses. Important issues emerged from the results,
which emphasizes the main contradictions within these questions. A feature of the
service in the emergency unit reveals itself as an adverse condition to the employee,
once the care that must be dedicated to those who are in critical conditions exposes
nurses to inappropriate working conditions that may contribute to generate frictions
with the organization of work. The current organization of work allows the exploitation
of employees in the emergency unit through the intensification of work, which
overloads each worker, reduces downtimes and increases the aggregation of tasks
and the lack of equivalence in payment according to nurses’ skills, capabilities and
specializations due to multiple working contracts. The sense of pleasure in work has
other hand involves organizational questions concerning the degradation of the
hospital environment due to the overload of the professional nurse, the lack of
communication between working colleagues, the constant process of dealing with
death issues and pain and also the management of conflicts involving authority and
lack of autonomy. Within the relationship between the nurse and work in the
emergency unit the dynamics of work may be damaging due to its organizational
conflicts and the morosity of the public health services. This context produces
relevant impacts in the public system of health, but also allows the sense of work to
be a fundamental aspect in the process of maintaining personal balance in face of
such working exigencies.
Key words: Work. Hospital emergency service. Job satisfaction. Pschological stress.
CCQ Círculos de Controle de Qualidade
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
COEP/UFMG Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais
DAPML Departamento de Assistência Policial e Medicina Legal
DPSML Departamento de Pronto Socorro e Medicina Legal
FEAL Fundações Estaduais de Assistência Hanseníase
FEAP Fundações Estaduais de Assistência Psquiatria
FEMUR Fundações Estaduais de Assistência Urgência
FHEMIG Fundação dos Hospitais do Estado de Minas Gerais
GT Grupos de Trabalho
GSA Grupos Semi-Autônomos
REFORSUS Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde
SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SAST Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador
SES Secretaria de Estado de Saúde
SEC Setor de Emergência Clínica
SAN Setor de Apoio ao Neurotrauma
SAME Serviço de Arquivo Médico
SIGH Sistema de Gestão Hospitalar
SAV Setor de Suporte Avançado de Vida
SUS Sistema Único de Saúde
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
UBS Unidades Básicas de Saúde
1 INTRODUÇÃO ...13
2 OBJETIVOS ...25
2.1 Objetivo geral ...25
2.2 Objetivos específicos ...25
3 REFERENCIAL TEÓRICO ...26
3.1 Organização do trabalho ...26
3.2 Entre o sofrimento e o prazer no trabalho...40
3.3 Organização da Urgência e Emergência em Belo Horizonte...61
4 METODOLOGIA ...72
4.1 Abordagem teórico-metodológica...72
4.2 Caminho metodológico ...79
4.3 Cenário do estudo - Unidade de Urgência e Emergência ... 80
4.4 Sujeitos da pesquisa...83
4.5 Inserção do pesquisador no cenário de pesquisa...85
4.6 Estratégia de investigação ...86
4.6.1 Observação ... 86
4.6.2 Entrevista... 88
4.7 ANÁLISE DOS DADOS...93
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ...97
5.1 Organização do trabalho na Unidade de Urgência e Emergência ...105
5.2 Relações de prazer e sofrimento do enfermeiro com o trabalho na Urgência ...118
5.3 Relações de poder no contexto do hospital...139
5.4 Estratégias coletivas de defesa dos enfermeiros...150
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...158
REFERÊNCIAS...163
APÊNDICE A – Termo de consentimento livre esclarecido...182
APÊNDICE B – Roteiro para anotações de campo na observação...183
APÊNDICE C – Instrumento para coleta de dados ...184
ANEXO A – Termo de autorização do COEP-UFMG para realização da pesquisa ...186
ANEXO B – Termo de autorização do COEP-hospital para realização da pesquisa...187
1 INTRODUÇÃO
Ao incorporar as atividades como enfermeira em uma instituição
hospitalar, atuando em um Grupo de Readaptação Profissional de um Serviço de
Atenção à Saúde do Trabalhador (SAST), observei que muitos trabalhadores da
equipe de enfermagem retornavam ao SAST com queixas de saúde que, muitas
vezes, estavam relacionadas ao ambiente de trabalho. Grande parte desses
trabalhadores envolvidos no processo de reintegração ao trabalho manifestava, na
consulta de enfermagem, desconforto após um período de licença-saúde, pelo fato
de terem que retornar para o mesmo posto de trabalho, uma vez que estaria exposto
às mesmas condições determinadas pela organização do trabalho.
Assim, o interesse pela saúde do trabalhador e o desafio de investigá-la
decorrem da atividade desenvolvida no SAST, como também de pesquisas
associadas à temática “Absenteísmo-doença”, em hospitais da rede pública, nos
níveis federal e estadual, em 2001 e 2002. O trabalho realizado em 2001 refere-se à
dissertação de mestrado, em que analisei o absenteísmo-doença entre
trabalhadores do Hospital das Clínicas/UFMG, na qual foi possível constatar
elevados índices de absenteísmo por motivos diversos. A enfermagem se destacou
em relação à obtenção de licenças na instituição. Em relação à duração das licenças
e aos motivos, a concentração maior ocorria no período até três dias, sendo
provocados por doenças do aparelho respiratório, afecções osteomusculares,
doenças do aparelho digestivo e transtornos mentais (GODOY, 2001).
Em outro estudo, realizado em 2002, analisando as causas de
afastamento do trabalho por motivo doença em uma rede de hospitais públicos do
estado de Minas Gerais, foram encontrados nos 16 hospitalais estudados 4.735
licenças médicas identificadas no decorrer de um ano. Destas, 65,34%
estenderam-se de 1 a 3 dias, revelando como causas mais frequentes doenças do aparelho
respiratório, doenças do sistema osteomuscular e doenças do tecido conjuntivo. O
hospital da rede, referência em urgência e emergência, destacou-se na concessão
de licenças, e o transtorno mental resultou, geralmente, em licenças prolongadas, o
que sugeria desgaste psíquico do trabalhador (GODOY et al., 2006). Após este
pela peculiaridade dos serviços prestados diante da necessidade de responder de
maneira mais efetiva e rápida às necessidades dos pacientes que atendiam.
A Unidade de Urgência e Emergência chamou atenção, na medida em
que gerava situações de desgaste físico e emocional ao trabalhador. Conhecendo o
ambiente de trabalho de uma Unidade de Urgência e Emergência, interessei-me em
investigar o índice de absenteísmo-doença entre os trabalhadores nesta unidade; o
risco relativo de absenteísmo-doença por categoria profissional e o motivo do
absenteísmo-doença no referido grupo. O índice absenteísmo-doença encontrado foi
2,06% e a chance de ocorrência de licenças médicas por profissional de
enfermagem, de 4,7. Este índice foi influenciado pela alta razão prevalente
apresentada pela enfermagem. Os principais motivos relatados de licenças médicas
foram as doenças osteomusculares, seguidas de fatores que influenciam o estado
de saúde e o contato com serviços de saúde e doenças do aparelho respiratório
para a equipe de enfermagem em uma Unidade de Urgência e Emergência (GODOY
et al., 2006).
Há que se reconhecer que existe uma multiplicidade de fatores da
organização do trabalho que interfere nas taxas de absenteísmo ou de
presenteísmo, podendo facilitar o aparecimento ou minimizá-lo. Os aspectos que
envolvem estes fenômenos dizem respeito à natureza da organização, às condições
de risco, ao processo de trabalho e aos aspectos relacionais dentro e fora da
empresa. Essa correlação pode ser explicada pelo fato de a ausência ao trabalho
acontecer daí a um certo tempo, entre aqueles que, além de pertencerem a um
grupo mais vulnerável diante das relações contractuais, trabalham em condições
precárias, o que desencadeará o agravamento de saúde e, consequentemente, o
absenteísmo (ARONSSON; GUSTAFSSON; DALLNER, 2000).
Esses fenômenos se atrelam ao fato de que as condições de trabalho
interferem na relação “trabalho e vida” desses sujeitos na organização hospitalar.
Percebe-se que as formas tradicionais de organizar o trabalho não considera a
saúde mental dos indivíduos; ou seja, não trata a organização do trabalho como um
processo dinâmico que envolve a subjetividades dos trabalhadores.
Em se tratando do ambiente hospitalar, as diversas situações
desfavoráveis criadas para o trabalhador, especificamente para a enfermagem,
geram desgaste emocional diante da atividade de trabalho e do convívio com
seu conflito com a organização do trabalho. As exigências para o enfermeiro que
atua em unidades de Urgência e Emergência centram-se nas habilidades manual e
intelectual, somadas à rapidez diante da pressão para o desempenho das tarefas.
Esse trabalhador está inserido em um ambiente sujeito a situações
geradoras de tensão, somadas à convivência com o sofrimento e a angústia do outro
e com a morte, o que torna tal ambiente complexo e de grande responsabilidade.
Nesse movimento, a organização pode despertar também vivências de prazer, pelo
fato de o trabalhador estar intrinsecamente relacionado com o trabalho ou o sucesso
da execução das tarefas ou seja, o resultado do esforço para recuperar o paciente.
Os estudos que participei em 2002 e 2006 ajudaram-me a compreender
que as condições de trabalho poderiam interferir na relação “trabalho e vida” dos
sujeitos na organização hospitalar. Compreende-se que o ambiente hospitalar −
especificamente, a Unidade de Urgência e Emergência − cria situações
desfavoráveis para o trabalhador, em especial da enfermagem, gerando desgaste
emocional diante da atividade de trabalho e do convívio com situações de dor e
morte. Dessa forma, esse ambiente pode desencadear sofrimento para o enfermeiro
diante do seu conflito com a organização do trabalho, mas também prazer por
participar dos atos que levam à recuperação do paciente.
Na Unidade de Urgência e Emergência, o enfermeiro desenvolve um
número expressivo de atividades administrativas, exigindo deste competência para
viabilizar o gerenciamento da Unidade e da assistência de enfermagem de qualidade
ao paciente sobre seus cuidados. Há falta de tempo para realizar todo o trabalho
necessário e também certo distanciamento físico do paciente, pois a
imprevisibilidade e o aumento da demanda por assistência, características próprias
dessa Unidade, fazem com que o profissional conviva permanentemente com a
necessidade de priorizar atividades mais urgentes (RODRIGUES, 2006). Parece que
o enfermeiro tem a função de atender a tudo e a todos, diante de uma pressão do
hospital, que, segundo Alves (1996), exige dele muito mais a função gerencial das
unidades de trabalho, tendo que se responsabilizar mais pela provisão de recursos e
pela gerência das equipes de enfermagem ou das equipes multidisciplinares do que
pela assistência propriamente dita. A organização do trabalho limita as iniciativas do
trabalhador e determina a divisão do trabalho e dos homens, resultando na
Dejours (1994), quando a organização do trabalho não consegue gerenciar esse
conflito aumenta a carga psíquica do trabalhador, levando-o ao sofrimento.
No ambiente hospitalar, a Unidade de Urgência e Emergência apresenta
uma especificidade que a distingue dos outros serviços, o que pode ser percebido
na rotina diária, que não tem uma prática sistematizada, pois a necessidade do agir
imediato faz com que, muitas vezes, não seja possível ter o conhecimento do caso
do paciente. Afinal, devem-se empregar as técnicas o quanto antes para a
manutenção da vida. O ritmo de trabalho torna-se frenético diante do imprevisível,
pois a demanda pode elevar-se a qualquer momento com a chegada de pacientes
graves. Costa (2003) afirma que no trabalho em emergência o quadro temporal é
marcado pelo tempo do relógio, pelo ritmo da demanda de usuários e pela jornada
de trabalho. Acrescenta que, além da exigência de pontualidade e regularidade,
existe uma pressão pela rapidez na realização das atividades relacionadas à alta
demanda de trabalho e à corrida em benefício da vida.
Deslandes (2002), em estudo realizado em dois hospitais públicos de
emergência, apresenta a questão do sofrimento dos profissionais diante da
intensificação do trabalho para dar conta da lotação, que excede a capacidade
instalada do setor de emergência, trazendo dificuldades tanto para profissionais
quanto para a enfermagem, em especial, que não tem condições de desempenhar o
trabalho de acordo com a prescrição. Essa pressão para trabalhar de forma não
sistematizada gera sofrimento no trabalhador, diante de sua limitação para
proporcionar uma assistência de qualidade. Percebe-se que a “coisa tem que fluir” e
que as interlocuções no ambiente devem ocorrer, a fim de possibilitar uma breve
avaliação do quadro do paciente e, assim, definir quem não pode esperar para ser
atendido. Dessa forma, a enfermagem torna-se protagonista de grande peso nas
cenas de decisões sobre o atendimento prestado, pois está presente desde a
recepção e atendimento a todos os pacientes que chegam às urgências por motivos
diversos até os últimos cuidados de estabilização ou de pós-morte.
A Unidade de Urgência e Emergência desperta o interesse na medida em
que além da sobrecarga e da intensificação do trabalho, expõe seus trabalhadores a
dor e sofrimento. Outros fatores: quadro insuficiente de pessoal; excesso de
pacientes; a carga horária de trabalho, às vezes superior a 40 horas, devido ao
absenteísmo e à rotatividade; trabalho nos finais de semana; e exposição a produtos
sujeitos envolvidos − no caso, os enfermeiros − permaneciam naquele local e em
que dimensão seu trabalho gerava prazer ou sofrimento. Em muitos relatos,
reafirmavam o prazer de trabalhar em urgência. Com isso, algo acontecia e os
estimulava a continuar trabalhando em condições, muitas vezes, desfavoráveis.
Torna-se evidente que sofrimento e prazer aconteciam de uma forma
dialética, pois a organização pode, também, oferecer condições favoráveis que
permitam ao sujeito dominar o sofrimento, encontrando prazer no trabalho, enfim,
sentido naquilo que realiza. A finalidade do trabalho − ou seja, contribuir de alguma
forma para salvar vidas − movimentava o dia a dia dos profissionais, que, acionados
pela necessidade do outro, sentiam-se realizados profissionalmente, apesar das
queixas em relação às condições de trabalho.
O objeto deste estudo − relações de prazer e sofrimento do enfermeiro no
trabalho em urgência/emergência − decorre das vivências pessoais em ambiente
hospitalar, onde foi possível observar que as demandas da organização e a natureza
do trabalho desencadeavam nos enfermeiros sentimentos de prazer e sofrimento.
Esse conflito de sentimentos significava um paradoxo. Como é possível
um sujeito sentir-se satisfeito com a atividade realizada se esta traz junto uma
sobrecarga de trabalho e exige dele responsabilidades e um grau de atenção
elevado, além de um ritmo de trabalho intenso e jornadas extensas?
Muitas vezes, foi possível observar que o trabalhador desenvolvia seu
trabalho sem pausa para descansar e convivia constantemente com situações
imprevistas, desencadeadas pelo paciente ou pelo trabalhador e pela organização
do trabalho da Unidade em que estava inserido. Também a convivência diária com
pessoas fisicamente lesadas e com um quadro clínico instável desencadeava
quadros de tensão nos trabalhadores, que procuravam oferecer aos pacientes
condições adequadas para que se recuperassem.
De outro lado, a recuperação dos pacientes desencadeava em vários
momentos sentimentos de prazer pelo resultado e satisfação com a atividade. O
enfermeiro se sentia útil, necessário à sociedade, esquecendo que estava exposto a
longas jornadas de trabalho e à baixa remuneração, que geralmente levam ao duplo
emprego ou extensão de jornadas e ao desenvolvimento de tarefas penosas e
Em verdade, nenhum trabalho está isento de possibilitar satisfação ou
desgaste físico e mental. Mas a natureza do trabalho, a forma como está organizado
e as condições em que é realizado podem intensificar ou não os quadros de prazer
ou de sofrimento. Assim, o enfermeiro, responsável pela assistência direta a
pessoas com problemas de saúde, torna-se depositário de expectativas diversas,
participando das angústias do paciente, que podem ou não estar relacionadas ao
ambiente hospitalar. Emoções fortes permeiam seu processo de trabalho, tendo em
vista sua capacidade de escuta e comprometimento com resultados positivos.
Há que se ressaltar a incorporação e utilização de novos equipamentos
no processo de trabalho do enfermeiro. Isso vem modificando o seu fazer,
aumentando a pressão pelo desempenho de algumas atividades e exigindo novos
conhecimentos e habilidades para superar as adversidades do ambiente de trabalho.
Atuando em um hospital público, referência para atenção ao trauma,
tenho observado que o trabalho desenvolvido na Unidade de Urgência e Emergência
apresenta para o enfermeiro alguns desafios. Dentre eles, destaca-se o de salvar
vidas, vivido diariamente nessas Unidades e que precisa ser superados mesmo em
condições de trabalho inadequadas, o que gera tensão, diante da necessidade da
rapidez no atendimento aos pacientes graves.
De acordo com a literatura, todo trabalho apresenta determinada carga
psíquica, que aparece como reguladora da carga global de trabalho. Se o trabalho
permite que essa carga seja diminuída, cria-se um equilíbrio para o trabalhador,
mas, se ocorrer o seu aumento, formará um acúmulo de energia psíquica, tornando
a atividade geradora de tensão e desprazer, levando ao sofrimento psíquico
(DEJOURS, 1994).
Da relação do trabalhador com a organização surgem conflitos que
aumentam a carga psíquica imposta pelo trabalho, resultante do confronto do desejo
do trabalhador com as injunções do empregador. Assim, o trabalho na Unidade de
Urgência e Emergência pode desencadear prazer ou sofrimento nas relações dos
profissionais com os pacientes e com o trabalho. Prazer e sofrimento coexistem em
um equilíbrio precário, necessitando ser desvelados para que se assegurem
condutas organizacionais de proteção à saúde física e psíquica dos trabalhadores,
organização do trabalho adequada e bom funcionamento do hospital.
Buscando aproximações com o tema “Prazer e sofrimento no trabalho do
urgências e emergências, realizou-se um estudo preliminar, em 2007 que permitiu
identificar que as situações de prazer/sofrimento em relação ao trabalho, estavam
relacionadas à finalidade do trabalho e ao fato de contribuir para salvar vidas, dando
sentido às ações. As situações de sofrimento são associadas às pressões da
organização do trabalho e às condições em que este é realizado, aumentando a
carga psíquica e física do trabalhador (GODOY; ALVES, 2007).
O prazer e o sofrimento do enfermeiro no trabalho podem estar
relacionados com a organização do trabalho, uma vez que este sujeito, segundo
Murofuse (2004) e Pires (2000), sofre influências da gerência taylorista, a partir do
momento em que a expropriação do saber e o controle do processo de trabalho
ocorrem de forma parcial, em que o médico interfere no trabalho dos demais
profissionais de saúde, tornando-os dependentes de suas decisões. Além do mais,
no trabalho de enfermagem predominam relações verticalizadas entre os membros
da própria equipe. O enfermeiro assume a função de coordenador das atividades de
cuidado ao paciente e dos demais trabalhadores da equipe de enfermagem
(MUROFUSE, 2004). A divisão técnica e social que se verifica na equipe de
enfermagem reafirma a questão do poder e da autoridade, cabendo ao enfermeiro o
controle para garantir a realização do trabalho. O enfermeiro “fiscaliza” o
desempenho dos procedimentos seguindo as regras e normas da organização e
garantindo um comportamento padronizado por parte das pessoas envolvidas nas
atividades em conformidade com o modelo burocrático que se faz predominante nos
hospitais (MUROFUSE, 2004).
O trabalho do enfermeiro no sistema de saúde tem se caracterizado por
organizar o espaço terapêutico, criando condições para a realização do cuidado e
distribuindo e controlando o trabalho da equipe de enfermagem. O seu objeto de
trabalho, em algumas situações, passa a ser a organização do trabalho ou a
administração, atuando para oferecer condições de assistência multiprofissional e a
realização do cuidado terapêutico (LEOPARDI; GELBCKE; RAMOS, 2001). Atua,
também, com a equipe de enfermagem, repassando tarefas e exigindo seu
cumprimento de acordo com as regras. A divisão do trabalho assim estabelecida
acarreta perda da visão da totalidade que o trabalhador deve possuir, até mesmo ao
enfermeiro, que deveria ter uma visão geral.
A divisão das tarefas e o modo operatório estimulam o sentido e o
relações de trabalho (DEJOURS, 1992). O autor acrescenta que essa organização
do trabalho pode exercer impacto no aparelho psíquico do trabalhador, decorrente
do conflito entre a sua história individual e a relação com o exercício das tarefas na
empresa, que, de certa forma, ignora a subjetividade do sujeito. A relação
homem-trabalho gera sofrimento ao trabalhador, de natureza mental, caracterizado pela
frustração na adaptação, pela impotência e impossibilidade de modificar a realidade
(DEJOURS, 1992).
A organização do trabalho no ambiente hospitalar para a enfermagem,
segundo Alves (1991), Torres (1999) e Pires, Gelbke, Matos (2004), é marcada por:
acentuada divisão de trabalho; excesso de normas; rotinas; tarefas fragmentadas;
ausência de participação efetiva nos processos decisórios; condições de trabalho
inadequadas; baixos salários; sobrecarga de trabalho e conflitos nas relações com
outros profissionais e dentro da própria equipe. Ao mesmo tempo, o trabalho pode
ser fonte de prazer, diante de: reconhecimento e valorização em relação à
realização da tarefa; descentralização das decisões; autonomia; controle do
processo produtivo; possibilidade de capacitação; e liberdade de expressão.
A ambivalência entre sofrimento e prazer no trabalho apresenta uma
contradição, uma vez que os processos se dão em um movimento de correlação em
espiral, em que todas as partes mantêm uma reciprocidade. O enfermeiro busca
conseguir com esse ir e vir, do todo para as partes e das partes para o todo, de
forma a alcançar o prazer e evitar o sofrimento. Compreende-se, assim, que o
trabalho realizado pode se transformar em algo penoso, levando ao sofrimento,
diante de uma organização de trabalho que apresenta um modo de produção
específico, como também ao prazer, a partir do momento em que pode se expressar
como sujeito no trabalho. A atuação do enfermeiro em situações críticas é
desempenhada, muitas vezes, com significativo sucesso, conduzindo ao sentimento
de realização e de dever cumprido. Após a realização dos procedimentos
necessários, também há uma sensação de satisfação, o que constitui uma forma de
prazer. A reelaboração deste movimento permite que o enfermeiro se reconheça
como sujeito social importante para a existência do outro, conseguindo transformar a
tarefa em um meio para a sua estruturação psíquica.
Assim, a ambivalência entre prazer e sofrimento evidenciada no trabalho
do enfermeiro em urgências e emergências instiga reflexões. Foi possível encontrar
apesar das condições adversas comuns na área hospitalar, particularmente em
unidades de urgência e emergência. De outro lado, há os que consideram o trabalho
como fonte de sofrimento, chegando a manifestar doenças como saldo de seu
engajamento no trabalho, apresentando, além da dor física, problemas emocionais e
sociais. Esses fatos reforçam a ideia da elaboração de mecanismos de defesa que
possibilitem ao trabalhador minimizar os efeitos nocivos do trabalho, mas deixam
claro também que, muitas vezes, esses mecanismos, apesar de explorados em sua
totalidade, não são capazes de minimizar o sofrimento, que se torna patogênico,
abalando o equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o, lenta ou brutalmente, para
uma descompensação.
O trabalho hospitalar tem, geralmente uma organização rígida, autoritária,
com elevada carga de trabalho, que pode imobilizar a criatividade do trabalhador da
enfermagem, resultando em sofrimento para alguns trabalhadores (PIRES, 1999;
PIRES; GELBCKE; MATOS, 2004). O hospital busca, por meio da divisão técnica e
social do trabalho, estabelecer as categorizações hierárquicas, nas quais o
enfermeiro assume o papel de organizador das atividades parcelares do trabalho
coletivo e complexo da equipe, com pouca atuação direta na sua execução, tendo
em vista que atua na coordenação e no controle de todas as áreas de atendimento,
intermediando relações entre os vários agentes, bem como entre os diversos setores
que compõem a infraestrutura.
Para Dejours (1994), a organização do trabalho pode limitar a realização
do projeto espontâneo do trabalhador quando o coloca diante de um modo
operatório preciso. Assim, a atividade torna-se fonte de tensão, desprazer e
sofrimento. Mas o inverso pode acontecer, quando a atividade oferece um campo de
ação para o trabalhador, um terreno no qual este concretiza suas aspirações, suas
ideias, sua imaginação, seu desejo. Este trabalho, quando é livremente escolhido e
a organização do trabalho é suficientemente flexível, torna possível para o
trabalhador organizá-lo e adaptá-lo a seus desejos, transformando o trabalho
fatigante em um trabalho equilibrante, encontrando, assim, prazer em sua atividade.
Torna-se importante ressaltar que a organização do trabalho neste estudo
é entendida como a forma pela qual se ordenam e se coordenam as diferentes
tarefas necessárias aos objetivos da organização, incluindo a divisão de tarefas, a
coordenação dessas tarefas e a organização temporal das diversas atividades
formas a organização do trabalho é sempre o meio pelo qual se exerce o controle
sobre a atividade de trabalho, dada uma configuração determinada do seu processo”
(LIMA, 1999, p. 57).
A relação de prazer e sofrimento no trabalho é influenciada pelas formas
de organização do trabalho, o que faz com que os processos de trabalho atuais
engendrem padrões de organização que estão em conflito com a constituição
humana (DEJOURS, 1994; FREITAS, 2002). As novas formas de organização do
trabalho não são recentes. Surgiram do questionamento teórico prático dos
princípios taylorista e fordista (LIMA, 1999; PIRES; GELBCKE; MATOS, 2004).
Essas formas de organização, de acordo com Lima (1999), concedem autonomia, de
certa maneira, limitada às tarefas de execução, não alterando o conteúdo do
trabalho diário. Acrescenta que, para romper com essa forma de organização, os
trabalhadores deveriam ser efetivamente mais participativos no processo de
mudança, dando sugestões, provocando transformações capazes de corroer a
divisão do trabalho entre quem planeja e quem executa e fazendo com que o
trabalhador se reaproprie das condições de realização do trabalho.
O enfermeiro da Unidade de Urgência e Emergência se percebe inserido
em um trabalho complexo que abrange uma série de atividades, colocando a
enfermagem diante de inúmeros desafios, como: decisões em relação aos cuidados
oferecidos aos pacientes; assistência a um grande número de pacientes graves;
divisão de tarefas; necessidades diárias de estabelecer prioridades na assistência,
diante da urgência e da escassez de recursos materiais e humanos; e necessidade
de acompanhar os avanços tecnológicos. Tudo isso pode ser fonte de sofrimento
(PITTA, 1990; LUNARDI FILHO, 1995; ALVES, 1996; PIRES, 2000).
Diante das atividades desenvolvidas na Unidade de Urgência e
Emergência, a expressão de prazer no trabalho pode estar presente, pois o
trabalhador encontra formas de equilíbrio em seu engajamento no trabalho e
visualiza, além das condições objetivas de trabalho, sua projeção e realização
profissional, pois consegue propiciar a recuperação de pacientes em risco de morte,
cumprindo, dessa forma, uma função para a qual foi preparado. No entanto, este
mesmo sujeito pode manifestar sentimentos de sofrimento no trabalho a partir do
momento em que tem de lidar com as pressões e exigências do cotidiano de
trabalho. Essa ambivalência prazer versus sofrimento no trabalho hospitalar pode
úteis para o sujeito e a sociedade. Mas para isso este trabalho apresenta-se regido
por imposições arbitrárias e regulamentos restritivos (LAUTERT, 1999; MARANHÃO,
2000; LIMA JÚNIOR; ÉSTHER, 2001).
As empresas assumem, fundamentalmente, grande importância na vida
dos trabalhadores. Diante disso, deve-se lembrar de que elas são alimentadas pela
emoção, pela fantasia e pelos desejos. As pessoas assumem a vida nas empresas
como vida, e os seres humanos que lá estão como humanos. São pessoas, e não
máquinas. Elas sonham, realizam sonhos e expressam alegrias, frustrações,
inquietações e fragilidades (ENRIQUEZ, 2002). O trabalho é uma referência para a
construção social dos homens e de sua autoestima, sendo uma relação que passa
pelo afetivo e pelo psicológico (FREITAS, 2002).
Freitas (2002) afirma que as empresas não são apenas o lugar no qual o
trabalho é executado; é um lugar contraditório, no qual o prazer e o sofrimento se
fazem presentes para o trabalhador. A manifestação desses sentimentos ocorrerá se
a organização criar possibilidades para que o trabalhador possa encontrar sentido
na sua atividade, mesmo diante das dificuldades e dos desafios, procurando
dominar o ambiente, os imprevistos, a tecnologia, as pressões organizacionais e as
exigências. Dessa forma, todas as situações críticas e as tensões que se
apresentam fazem com que o trabalho se torne parte do indivíduo.
No espaço de trabalho na Unidade de Urgência e Emergência, tanto o
sofrimento como o prazer podem ser experimentados pelos enfermeiros. Essas
manifestações dependerão das possibilidades ou restrições para que o trabalhador
faça as devidas adaptações entre o trabalho prescrito, que está institucionalizado
nas regras organizacionais (explícitas ou implícitas), e o trabalho real. Essa ponte é
representada, de acordo com Dejours (2004b), pela engenhosidade, pelos
quebra-galhos e pelas intervenções criativas de cada trabalhador nos processos produtivos.
Torna-se importante ressaltar que nas organizações encontram-se
frequentemente parcelas dos diferentes modelos de gestão, prevalecendo, no
entanto, de acordo com a política institucional, o destaque para um modelo cujas
características estejam mais presentes e refletem a filosofia da instituição.
Pires, Gelbcke, Matos (2004) afirmam que a organização interfere no
processo de desgaste do trabalhador de enfermagem, dificultando que este
manifeste sua subjetividade e exigindo um comprometimento com a instituição que o
(2002) salienta que o modelo estrategista organizacional cria pessoas viciadas pela
atividade, pois a organização torna-se objeto de identificação, funcionando de forma
ambivalente entre o prazer e o sofrimento, no qual o desejo e as aspirações podem
encontrar espaço de realização, excitação e prazer, convivendo com a angústia do
fracasso.
Esse quadro pode desencadear, de um lado, o sofrimento no trabalho e,
de outro, a construção de estratégias defensivas que irão permitir o alívio da carga
psíquica, tornando-se um instrumento de equilíbrio e fonte de prazer para o
trabalhador. As transformações nas formas de produção trouxeram implicações para
o setor da saúde e, consequentemente, para, os enfermeiros de Unidades de
Urgência e Emergência. No entanto, surgem algumas inquietações relacionadas ao
trabalho do enfermeiro na área de urgência, cujas características da organização do
trabalho se diferenciam de outras unidades de saúde. É o que se procurará
responder com esta pesquisa.
“Que situações geram prazer ou sofrimento no trabalho?”, “Como as
manifestações de prazer e sofrimento do enfermeiro são influenciadas pela
organização do trabalho de uma Unidade de Urgência e Emergência da rede
pública?” e “Quais são os mecanismos defensivos que o enfermeiro emprega
para poder trabalhar na Unidade de Urgência e Emergência?”
Apesar da existência de vasta literatura sobre sofrimento e prazer no
trabalho, investigar as dimensões de sofrimento e do prazer no trabalho do
enfermeiro em uma Unidade de Urgência e Emergência pode oferecer subsídios
para a elaboração de políticas de recursos humanos para a área, uma vez que as
produções científicas sobre o trabalho do enfermeiro neste tipo de unidade são
escassos. Além disso, as Unidades de Urgência e Emergência têm se expandido,
incorporando novos profissionais e novas tecnologias no atendimento a pacientes
em situações críticas de saúde. Diante disso, torna-se necessário explicitar a relação
entre as formas de organização do trabalho e as manifestações de prazer e de
sofrimento do enfermeiro em uma Unidade de Urgência e Emergência de um
hospital de grande porte, confrontando o discurso dos sujeitos e a análise
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Analisar as manifestações de prazer e de sofrimento do enfermeiro em
relação à organização do trabalho em uma Unidade de Urgência e Emergência de
um hospital referência na área da rede pública de Belo Horizonte – MG.
2.2 Objetivos específicos
• Identificar as manifestações de sofrimento e prazer que permeiam o trabalho do enfermeiro em uma Unidade de Urgência e Emergência
da rede pública de BH/MG;
• Identificar as formas de organização do trabalho da enfermagem em uma Unidade de Urgência e Emergência de um hospital da rede
pública de BH/MG; e
• Identificar os mecanismos defensivos empregados pelos enfermeiros em relação ao sofrimento/prazer na sua prática cotidiana em uma
Unidade de Urgência e Emergência de um hospital referência na
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Organização do trabalho
O processo de trabalho, em termos organizacionais, inclui uma tríade
constituída por: instrumentos de trabalho (aquilo que é empregado para transformar
a natureza), objeto trabalhado (a matéria sobre a qual se aplica o trabalho) e
atividade humana (trabalho propriamente dito). Este processo ao absorver
determinada tecnologia, exige uma divisão técnica do trabalho, que vai impondo
uma economia de tempo na execução das tarefas como ponto essencial para
alcançar a produtividade. Essa divisão técnica do trabalho incrementa a
produtividade a favor do capital. A partir do momento em que fragmenta o trabalho,
impede o desenvolvimento integral das potencialidades, intensifica o ritmo de
trabalho, rebaixa o valor da força de trabalho e reduz a capacidade dos
trabalhadores de negociarem a seu favor as condições de troca e uso de suas
habilidades (HOLZMANN, 2002).
No final do século XIX, Taylor aprofundou a divisão técnica do trabalho,
atribuindo uma importância decisiva à separação entre concepção e execução, com
o estudo de tempos e movimentos, acompanhado de uma supervisão rigorosa dos
operários em sua execução (tarefas e tempos prescritos). Logo depois, Ford dá uma
nova dimensão à divisão técnica do trabalho, intensificando a fragmentação das
tarefas e vinculando-a à esteira de montagem, impondo aos operários a execução
das tarefas em função do mecanicismo denominado “tempos impostos”
(HOLZMANN, 2002). Entende-se que as mudanças tecnológicas incorporadas ao
processo constituíram um meio de controle da força de trabalho ao tratarem da
produção em sua forma capitalista.
O capitalista compra a força de trabalho e cuida para que o trabalho se
realize de maneira apropriada, para que se apliquem de maneira adequada os meios
de produção, não se desperdiçando matéria-prima e poupando o instrumental de
trabalho. O produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, que seria
o trabalhador (MARX, 1982).
Compreende-se que o capitalismo transformou radicalmente a relação do
homem com a natureza e dos homens entre si, possibilitando a apropriação privada
dos meios de produção apenas para uma parte da sociedade. A exploração do
trabalho em alguns segmentos significativos da sociedade resultava na apropriação
por parte dos proprietários dos meios de produção do trabalho excedente realizado
pelos trabalhadores, caracterizando um quadro de acumulação de capital.
A acumulação de capital em regime capitalista ocorre quando este passou
a desenvolver meios para aumentar a produção, à custa do trabalhador, mutilando-o
e fazendo dele um homem fragmentado, sendo visto como um simples apêndice da
máquina. O trabalhador se isolou de suas potências intelectuais, passando a ver a
ciência como algo estranho e inacessível. Essa submissão do trabalhador fez com
que este realizasse suas atividades em condições inapropriadas, como um
prolongamento da duração do trabalho, ao ponto de não conseguir conjugar, em
diversos momentos, a vida social e familiar (MARX, 1982).
A cooperação vem para reforçar a exploração do trabalhador,
colocando-o prescolocando-o pelcolocando-o encadeamentcolocando-o de fcolocando-orças de trabalhcolocando-o na cadeia de prcolocando-oduçãcolocando-o,
denominado “trabalho social”. Essa cooperação, que trouxe vantagens para o capital
crescente, incorporava a reunião numa mesma oficina de um grande número de
forças de trabalho: economia dos meios de trabalho, aumento da força de trabalho e
possibilidade de combinar as forças de trabalho para execução do trabalho (MARX,
1982).
Mesmo no momento da cooperação simples, reunindo artesões em um
mesmo local de trabalho, a gerência, que era executada pelos próprios donos do
empreendimento, sentia, ainda que de forma rudimentar, a necessidade de
coordenar as atividades, centralizar os suprimentos e registrar custos, produtos,
lucros, perda e outros. Na segunda metade do século XIX, muitos capitalistas não
eram mais do que empregadores imediatos de muitos trabalhadores. Nem havia os
coordenadores de todas as atividades. Passou-se então a utilizar pessoas
especializadas como intermediárias no processo de subcontratação e supervisão
dos empregados (COHN; MARSIGLIA, 1994).
Nesse contexto, desenvolveram-se formas de organização do trabalho em
ampliavam o mercado. Isso permitia a produção em grandes séries, abrindo espaço
para a introdução de máquinas-ferramenta especializadas, provocando o
crescimento numérico de trabalhadores que poderiam se tornar semiespecializados
após poucos dias de treinamento.
Assim, considerando-se a relação entre o desenvolvimento da tecnologia
e o trabalho em si, seguem-se os modelos de organização que contemplavam a
estruturação do trabalho, com a racionalização da tarefa e a formalização dos
cargos. Dentre os modelos de organização, podem-se mencionar a Escola Científica
ou Escola Clássica, que tem como principais formuladores Taylor, Fayol e Ford;
seguida da Escola de Relações Humanas, com Mayo como principal formulador, e
as Teorias Modernas de Administração, que podem ser resumidas na Teoria
Estruturalista, na Teoria Comportamental e na Abordagem Sociotécnica (COHN;
MARSIGLIA, 1994).
A Escola Científica, ou Escola Clássica, defende a tese de que o
trabalhador, como todo ser-humano, é impulsionado pelo espírito econômico,
competitivo, bastando, portanto, recompensá-lo em relação à sua produção, com
bons salários, para que os conflitos, resistências e organizações sindicais que
pudessem emergir no interior das empresas fossem eliminados. Para esta Escola, a
organização do processo produtivo deveria ser formal, hierarquizada, autoritária e
racionalizada, com a intenção de maximizar a produção. Preconiza o controle
rigoroso sobre o trabalho, definindo não só o ritmo, mas também a única maneira
correta de executar o trabalho.
Como um dos formuladores da Escola Clássica, Taylor defendia a
obediência da organização do trabalho em relação aos parâmetros científico e
técnico, que compreende o tempo padrão, melhor método de trabalho, pelo estudo
de tempos e movimentos, e seleção e treinamento dos trabalhadores de acordo com
padrões definidos. Para obter produtividade padronizada, propunha um sistema de
vigilância constante sobre os trabalhadores de níveis hierárquicos inferiores que
poderiam não corresponder ao desejado para a produção (BRAVERMAN, 1987).
Nessa fase, iniciava-se um novo padrão de acumulação, que, de certa forma,
potencializava a intensificação do trabalho para elevar a reprodução de capital. Essa
intensificação para os trabalhadores significou aumento do desemprego e
diminuição dos salários, diante de uma reorganização industrial imposta pelo capital
O taylorismo e o fordismo atuaram de maneira sólida na etapa do
maquinário, transformando o trabalhador em objeto, e não sujeito da produção,
intensificando o trabalho, reduzindo as opções dos trabalhadores de como realizar
suas atividades e sujeitando-os a movimentos ditados pela máquina e pela
organização do trabalho (BRAVERMAN, 1987). Isso significava um conflito aberto
entre o capital e o trabalho, pois as novas formas de gestão visavam rebaixar os
salários e desqualificar os trabalhadores, elevando a extração da mais-valia relativa.
O modelo clássico de administração, de acordo com Fleury (1987), surgiu
em um período conflituoso na sociedade americana, em se tratando de relações de
trabalho, no qual a implantação do sistema taylorista desbalanceou a relação de
forças e promoveu um esquema de organização extremamente autoritário. A
separação entre os que planejavam e os executores permaneceria preservada, uma
vez que a iniciativa do trabalhador seria eliminada na escolha do método, cabendo à
gerência determinar o método e o tempo-padrão para executar. A escolha do
trabalhador certo para o trabalho certo tinha como base a necessidade de treinar o
sujeito não na atividade profissional, mas para executar a tarefa conforme a gerência
indicasse (FLEURY; VARGAS, 1987a, HELOANI, 1996; PARAGUAY, 2005). Essa
cooperação trabalho-capital se revelou muito difícil, pois de um lado estava o
trabalhador, que sofria com a redução dos salários e a luta do movimento pela
jornada de oito horas, e de outro o patronato, contra-atacando diante dos
movimentos sindicais, que instigavam uma onda crescente de greves.
Com um discurso de prosperidade, Taylor induzia que se pensasse
capital e trabalho sob uma ótica em que ambos se fortaleceriam em um espaço de
cooperação e que o estudo do tempo, somado ao emprego da especialização
possibilitaria a articulação entre trabalho manual e trabalho intelectual. Na tarefa, era
especificado o que deveria ser feito, como fazê-lo e o tempo exato para execução.
Dessa forma, o trabalhador, diante de uma mesma tarefa, deveria incorporá-la,
internalizá-la e realizá-la no tempo-limite especificado, recebendo ao final uma
bonificação por fazer rápido e de acordo com as instruções (PARAGUAY, 2005).
A maximização do uso do tempo e o aumento do ritmo para a realização
de uma tarefa determinada pelo planejador deixavam implícito o quanto Taylor
desejava adestrar o trabalhador, desconsiderando seu saber e impondo-lhe etapas
Heloani (1996) afirma que, para atender aos interesses do capital na
década de 1920, o taylorismo se consolidava nos Estados Unidos e na Europa. Essa
consolidação se dá ao apresentar a organização científica do trabalho como uma
inovação técnica que usa a racionalidade do trabalho, a redução de custos e o
aumento da produtividade. A autora acrescenta que mesmo diante de movimentos
de oposição em relação ao taylorismo este continuou a ser empregado, pois cumpria
a sua função política de disciplinamento do trabalho. Após a recessão de 1920-1921,
a economia começa a recuperar, aumentando o crescimento do emprego
especializado, que era destinado à execução de tarefas predefinidas a partir da
operação de máquinas-ferramenta.
Em l916, Fayol, um engenheiro e administrador francês, complementa o
trabalho desenvolvido por Taylor, ao propor a racionalização da estrutura
administrativa que gerencia o processo de trabalho com base nos princípios da
unidade de comando, da divisão do trabalho, da especialização e da amplitude de
controle (MOTTA, 1986).
Simultaneamente à consolidação do taylorismo, Henry Ford desenvolve
uma nova proposta de gestão da produção: a linha de montagem. Usava o princípio
da esteira rolante, cujo funcionamento passava a ser ininterrupto, combinando
operações extremamente parceladas dos trabalhadores. O trabalhador, fixo no posto
de trabalho, passava a ser quase um componente da máquina. Os seus movimentos
mecânicos não sofreriam a interferência da sua mente, guardando uma harmonia
com o conjunto da linha de montagem. O trabalhador qualificado dava lugar a um
novo trabalhador, cuja única função era repetir indefinidamente movimentos
padronizados, desprovidos de qualquer conhecimento profissional. A linha de
montagem tornou-se um instrumento de intensificação de trabalho, que resultava em
vantagens de produtividade, a partir da utilização intensa de equipamentos,
instrumentos e instalações. A linha de montagem contribuiu para a desqualificação
do operário e a intensificação do trabalho (FLEURY; VARGAS, 1987b; HELOANI,
1996; LIMA, 1999; PARAGUAY, 2005).
A linha de montagem foi uma solução para a questão disciplinar no
interior da fábrica, além de se revelar como um projeto político que visava assimilar o
saber e a percepção do sujeito trabalhador para a organização. Era uma estratégia
que, segundo Heloani (1996), deixava implícita a reorganização do trabalho,
de peças, que tentava encobrir a dependência do capital em relação ao trabalho
vivo. A linha de montagem fordista reinventava a correlação da manufatura com a
divisão do trabalho e a produtividade, revelando-se um instrumento de intensificação
do trabalho, pois colocava o trabalhador em um posto específico de trabalho,
executando um único movimento o tempo todo e não devendo se deslocar, pois o
trabalho tinha que vir ao operário.
O fordismo, em sentido mais global, constituiu-se em um sistema de
produção de grandes volumes de produtos padronizados destinados a mercados de
massa, com base no aumento da velocidade do processo de produção, que é
controlada pelo ritmo da linha de montagem. Silva (1991) descreve que entre os
problemas originados do desenvolvimento da linha de montagem e da fragmentação
do trabalho estão: os desequilíbrios nas cargas de trabalho; o impacto negativo da
intensificação do trabalho no bem-estar fisiológico e psicológico do trabalhador,
resultando em cansaço, absenteísmo alto e irregular, doenças, acidentes e baixa
qualidade de trabalho; e a ruptura da ligação entre o esforço e os salários.
A gerência percebeu as deficiências que o taylorismo gerava no que se
refere às formas de conceber e utilizar o trabalho e à falta de definição das
necessidades do homem no trabalho. Essas deficiências comprometiam a
acumulação capitalista. Assim, empenhou-se na busca de alternativas que
permitissem superar tais dificuldades, o que desencadeou correntes pós- tayloristas,
como a Escola de Relações Humanas, o Enriquecimento de Cargos e as Correntes
Tecnocráticas.
A Escola de Relações Humanas defendia a tese de que o homem tem
necessidades psicológicas de sentir-se membro de um grupo social como forma de
reconhecimento, além da recompensa financeira. O trabalhador necessitava
encontrar na organização da produção situações que pudessem favorecer a
cooperação e a sua integração no ambiente de trabalho. Esta corrente do
pensamento administrativo buscou maior adesão dos trabalhadores à empresa para
alcançar maior produtividade, integrando e reunindo-os de uma maneira em geral,
incluindo chefias e lideranças.
A Escola de Relações Humanas que preconizava a humanização do
ambiente de trabalho, obtém maior adesão dos trabalhadores, na perspectiva de
aumentar a produtividade. Esta escola buscou a integração dos trabalhadores à
prevalecia, diante da intensificação, monotonia e desqualificação das tarefas
(FLEURY, 1987; COHN; MARSIGLIA, 1994; HELOANI, 1996).
As teorias modernas de administração podem ser resumidas na teoria
estruturalista, na teoria comportamental e na abordagem sociotécnica, concebendo
o trabalhador como um indivíduo que, além das necessidades básicas, tem
necessidades psicosociais. Estas teorias propõem para o trabalhador técnicas de
enriquecimento do cargo e participação na consulta técnica e na organização da
produção. Cohn, Marsiglia (1994) explicam que o conflito entre capital e trabalho é
inevitável, mas este pode ser positivo ao indicar a necessidade de abertura de canais
de comunicação e participação dos trabalhadores que possam traduzir em mudanças e
desenvolvimento da organização da produção, com a utilização de técnicas que
promovam a motivação no trabalho, a descentralização das decisões, a delegação de
autoridade e a consulta e participação dos trabalhadores. Os autores acrescentam que
esse conjunto de propostas faz surgir grupos cuja formação/estrutura/organização é
definida pela empresa. Esses grupos não representam o controle do poder pelo
trabalhador, uma vez que este permanece nas mãos do capital.
Para Fleury (1987), a formação dos grupos parte de premissas que
definiriam o planejamento do trabalho com base nas necessidades dos homens e
em sua relação com o trabalho. Tais grupos podem se apresentar como grupos de
trabalho (GT), ou grupos de enriquecimento de cargos, os quais admitem que as
necessidades individuais podem ser resolvidas em cargos isolados e as sociais, por
relações de amizade no ambiente de trabalho. Propõe-se uma maior variedade de
tarefas nos cargos, delegando as responsabilidades de forma gradual, e a
manutenção de um processo de feedback, com a intenção de permitir ao trabalhador
aprender a partir dos próprios erros.
Nos grupos semiautônomos (GSA), as relações sociais têm que ser
sustentadas por relações de trabalho, em um esforço cooperativo, propondo que se
atribua a tarefa a um grupo, e não a uma pessoa, proporcionando mais autonomia
ao grupo para organizar-se como desejar, desde que este complete a tarefa no
prazo, com custo e qualidade determinados pela organização do trabalho. Os
chamados ”Círculos de controle de qualidade” (CCQ), que consistem no contrato
permanente de trabalho e nos sistemas de promoção por senioridade, criam as
condições para que se desenvolva um trabalho em grupo, de maneira cooperativa
Com o processo constante de automação e qualificação, percebe-se que
os trabalhadores tiveram uma perda crescente do controle sobre o processo e a
organização do trabalho, mediante a introdução de novas técnicas de produção e
formas computadorizadas de controle do processo de trabalho. Essa situação
provocou mudança nas formas de organização do trabalho, iniciando com um
esquema proposto de rotinização do trabalho, que implicava a criação de um
sistema de apoio à produção que planejasse a tarefa até o ponto em que esta
pudesse ser entregue a uma pessoa desprovida de conhecimento sobre o processo.
As tarefas planejadas de modo simples e individualizado poderiam ser realizadas
por outro trabalhador, em situações de substituições. Este esquema apresentava
algumas características como manter a coordenação das tarefas por nível
hierárquico, o que dificultava a organização dos trabalhadores dentro da fábrica,
induzia a rotatividade, mantinha os salários baixos, usava de forma indiscriminada
trabalhadores sem qualificação e não oferecia treinamentos (FLEURY, 1987).
A rotinização intensificou a criação de um sistema hierárquico para a
supervisão das tarefas e um alto grau de divisão de trabalho, com o estabelecimento
de tarefas individuais, além de não oferecer incentivos salariais. Fleury (1987) afirma
que as empresas, em muitos casos, nos seus centros de decisões, direcionam as
preocupações para a questão da produtividade, não possuindo conhecimentos sobre
teorias de organização do trabalho, adotando, assim, um método simples que
emprega a racionalização da tarefa e do cargo. O esquema da rotinização vem, de
certa forma, atender à aplicação do método da racionalização, pois é dirigido para
um tipo de mão de obra não qualificada, barata e instável. A organização do trabalho
neste esquema de rotinização dificulta a qualificação, o aperfeiçoamento do
trabalhador e o agrupamento entre os trabalhadores, além de manter os baixos
salários e induzir a rotatividade.
Lima (1999) destaca que entre as dimensões fundamentais da
organização do trabalho encontram-se a divisão do trabalho, a qualificação e a
autonomia versus controle. Segundo Braverman (1987), a divisão social do trabalho
corresponde à divisão da sociedade em ocupações, cada qual apropriada a certo
ramo de produção, e a divisão parcelada do trabalho, ou divisão técnica, que, sendo
imposta pelo planejamento, desencadeia a fragmentação de um mesmo trabalho em
tarefas cada vez menores, quebrando sua unidade e tornando o trabalhador incapaz
Entende-se que a divisão social do trabalho subdivide a sociedade,
fortalecendo o indivíduo e a espécie. A divisão parcelada do trabalho subdivide o
homem, menosprezando suas capacidades e necessidades humanas (LAURELL;
NORIEGA, 1987).
Lima (1999) apresenta a divisão do trabalho sob um corte vertical, que
assegura o distanciamento entre a concepção e a execução, no qual um corpo de
especialista, que detém o conhecimento e a capacidade para definir modos
operatórios, determina tudo que é necessário, desde a qualidade da matéria-prima
às pausas para descanso, a fim de que o trabalho seja realizado com eficiência e
sem fadiga excessiva. Na divisão em um corte horizontal, o trabalho é dividido em
múltiplas tarefas. Essas divisões andam lado a lado, sendo que uma é condição e
resultado da outra, dando origem a repetitividade, perda de autonomia e
possibilidade de aumento do controle sobre o trabalhador por parte da organização
(LIMA, 1999).
A qualificação para o trabalho é uma das dimensões que a organização
do trabalho apresenta, pois quanto mais especialista o trabalhador for, melhor
qualificado será para realizar as suas atividades. Essa qualificação reduz a
necessidade de treinamento da mão de obra, bem como o custo de reprodução, e
assim o valor da força de trabalho.
Em um trabalho qualificado, a aprendizagem serve para diminuir a carga
de trabalho, bem como o esforço físico e mental, e a realização da tarefa se dará em
menor tempo. Entende-se, assim, que quanto mais qualificado for o trabalhador,
maior será o domínio do seu métier. Graças a suas habilidades, realiza a sua
atividade com mais facilidade (LIMA, 1999).
No trabalho desqualificado acontece o oposto: o aprendizado se reduz a
aprender a fazer mais rápido. O conteúdo do trabalho está centrado na realização
rápida da tarefa, o que, de certa forma, favorece, a tendência de o trabalhador
querer ficar livre de um trabalho que não tem sentido. Esse processo desencadeia
uma autoaceleração, em que o trabalhador compete consigo mesmo para procurar
ser mais rápido que os colegas. Terminar o trabalho mais cedo torna-se a sua
principal motivação para trabalhar. As consequências desse processo podem ser
desastrosas para a saúde do trabalhador, que emprega gestos automatizados,
acelerando o ritmo de produção e hipertrofiando certas funções e partes do seu