NEWTON P. U. BARBOSA
MODELAGEM DE DISTRIBUIÇÃO APLICADA AOS CAMPOS
RUPESTRES
Belo Horizonte, Minas Gerais
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NEWTON P. U. BARBOSA
MODELAGEM DE DISTRIBUIÇÃO APLICADA AOS CAMPOS
RUPESTRES
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do titulo de Doutor em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre.
Orientador: Dr. Geraldo W. Fernandes
Belo Horizonte, Minas Gerais
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Onírio Reis Barbosa e Maria Abadia de Ulhôa Barbosa, por tudo.
À minha esposa, Clarissa Gonçalves Menicucci, pela paciência que só vem de quem ama.
Ao meu orientador e amigo, prof. Geraldo Wilson Fernandes, pelas valiosas contribuições e explicações que serão levadas para a vida toda.
À Flor, grande companheira nos dias de escrita.
Ao prof. Arturo Sanchez-Azofeifa, e todos os participantes do “Center for Earth Observation Sciences (CEOS)”, da Universidade de Alberta, Canadá.
Ao CNPq, pela bolsa de doutorado e CAPES pela bolsa de doutorado sanduíche.
Ao programa de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre.
Ao prof. Pablo Cuevas Reyes, da Universidade Michoacana do México, por ter sugerido primordialmente que eu trabalhasse com modelagens.
Aos colegas Daniel, Fernando Silveira, Marco Antônio, Marcel, Emmanuel, Soizig, e toda a comunidade LEEB.
Aos professores Claudia M. Jacobi, Mario A. Cozzuol, Frederico Neves, pela participação na banca de qualificação.
A João Giovanelli e Luciana Kamino, pelos valiosos ensinamentos sobre modelagem de distribuição.
Ao Mauricio Yamanaka, pelo grande auxílio no uso do MATLAB.
Ao Frederico e Cristiane, da secretaria de pós graduação, pelo apoio constante.
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SUMÁRIO
Lista de Figuras ... ...
ix
Apresentação ... 14
Referências bibliográficas ... 16
Capítulo I. Past, Present, and Future Distribution of the Highly Endemic and Speciose Mountainous Rupestrian Field Vegetation in South America ... 18
Resumo ... 19
Abstract ... 21
Introdução ... 23
Material e Métodos ... 29
Resultados ... 33
Discussão ... 36
Referências Bibliográficas ... 49
Figuras... 67
Capítulo II. The Fate of a Relict Species Restricted to a Quartzitic Mountain in Tropical America ... 89
Resumo ... 90
Abstract ... 91
Introdução ... 92
Material e Métodos ... 93
Resultados ... 96
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LISTA DE FIGURAS
Capítulo I
Figura 1. Áreas e pontos de ocorrência de campos rupestres utilizados na construção do modelo de
distribuição. ……… 67
Figura 2. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) dos campos rupestres (anos de 1950-2000, AUC = 0.988), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C). Mapas binários de distribuição dos campos rupestres para todo o Brasil (B) e para o sudeste Brasileiro (D), ambos resultantes da aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”) para os anos de 1950-2000. ……… 68
Figura 3. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (Holoceno médio, ~6.000 anos A.P., AUC = 0.988), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C). Mapas binários de distribuição dos campos rupestres para todo o Brasil (B) e para o sudeste Brasileiro (D), ambos resultantes da aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”) para o Holoceno Médio. ………... 69 Figura 4. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (última máxima glacial, ~21.000 anos A.P., AUC = 0.988), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C). Mapas binários de distribuição dos campos rupestres para todo o Brasil (B) e para o sudeste Brasileiro (D), ambos resultantes da aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”) para a última máxima glacial. ……….
70 Figura 5. Áreas de adequabilidade ambiental para os campos rupestres que estiveram historicamente estáveis desde a última máxima glacial (~21.000 anos A.P.) até os dias atuais (e.g., 1950-2000); para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (B). ………... 71
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Figura 7. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2020, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático HADcm3, em um cenário otimista (B2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ……….. 73
Figura 8. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2050, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático CCCma-CGCm2, em um cenário otimista (B2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ………. 74
Figura 9. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2050, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático HADcm3, em um cenário otimista (B2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ……….. 75
Figura 10. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2080, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático CCCma-CGCm2, em um cenário otimista (B2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ……… 76
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Figura 12. Perdas de áreas de adequabilidade ambiental para os campos rupestres até a década de 2080’, preditas pelo modelo de distribuição (MD), através da aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), com a utilização do modelo climático CCCma-CGCm2 (A) e com a utilização do modelo HADcm3 (B), dentro de um cenário otimista (B2A). As áreas em amarelo correspondem às perdas dos dias atuais (1950-2000) até a década de 2020’, as áreas em laranja correspondem às perdas entre as décadas de 2020’ e 2050’, e as áreas em vermelho correspondem às perdas entre as décadas de 2050’ e 2080’. As áreas destacadas em preto são as áreas de adequabilidade ambiental para os campos rupestres restantes até a década de 2080’. ... 78
Figura 13. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2020, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático CCCma-CGCm2, em um cenário pessimista (A2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ……… 79
Figura 14. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2020, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático HADcm3, em um cenário pessimista (A2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ………
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Figura 16. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2050, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático HADcm3, em um cenário pessimista (A2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ………... 82
Figura 17. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2080, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático CCCma-CGCm2, em um cenário pessimista (A2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ……… 83
Figura 18. Resultado logístico da modelagem de distribuição (MD) para os campos rupestres (década de 2080, AUC = 0.988), com a utilização do modelo climático HADcm3, em um cenário pessimista (A2A), para todo o Brasil (A) e para o sudeste Brasileiro (C); e com a aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), para todo o Brasil (B) e sudeste Brasileiro (D). ………. 84
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Figura 20. Áreas de adequabilidade ambiental para os campos rupestres (anos de 1950-2000), obtidas através da aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and specificity”), sobrepostas a um mapa altitudinal do sudeste Brasileiro, evidenciando a ausência de áreas preditas para as Serras do Mar, Caparaó e Mantiqueira (A). Em (B) são evidenciadas as áreas de litologia favorável ao estabelecimento de espécies vegetais de campos rupestres. ………...
86
Figura 21. Áreas isoladas preditas pelo modelo, que apresentam adequabilidade ambiental para os campos rupestres. A) Centro-Oestre Brasileiro (1. Município de Vila da Bela Santíssima Trindade-MT, 2. Município de Pontes e Lacerda-Trindade-MT, 3. Município de Porto Estrela-Trindade-MT, 4. Divisa entre os municípios de Nova Brasilândia-MT e Campo Verde-MT, 5. Município de Baliza-GO, 6. Município de Caiapônia-GO, 7. Município de Mineiros-GO); B) Nordeste Brasileiro (1.Municípios de Exu-PE, Sítio dos Moreiras-PE, Serrita-PE e Jardim-CE, 2. Municípios de Triunfo-PE e Santa Cruz da Baixa Verde-PE, 3. Divisa entre os municípios de Iati-PE e Saloá-PE, 4. Região de Buíque). Os valores foram calculados através da aplicação do limite de corte de 0.09 (MaxEnt, “equal test sensitivity and
specificity”). ……… 87
Figura 22. As áreas historicamente estáveis (entre a última máxima glacial e os dias atuais, referentes a 1950-2000) preditas pelo modelo podem ser vizualizadas em cor vermelha e as áreas de endemismo sugeridas por Echternacht et al. (2011) estão destacadas em amarelo. ... 88
Capítulo II
Figura 1. Localização da área de estudo na cordilheira do Espinhaço, Brasil. ... 115
Figura 2. Adequabilidade ambiental para Coccoloba cereifera na área de estudo. Círculos cinzas correspondem aos pontos de ocorrência para a espécie utilizados no modelo; círculos brancos são os novos pontos de ocorrência encontrados; círculos negros correspondem às ausências. ... 116
Figura 3. Acúmulo potencial de ar frio (CAP) as adjacências das areas de alta adequabilidade ambiental para Coccoloba cereifera. ...
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APRESENTAÇÃO
Nas últimas décadas, a modelagem de distribuição de espécies tem sido cada vez mais
utilizada dentro da biologia (e.g., Nyári et al., 2006; Giovanelli et al., 2008). Estudos
desta natureza têm tido uma importância estratégica para a conservação da vida
silvestre, uma vez que podem auxiliar na identificação de novas populações de espécies
animais ou vegetais, contribuindo, por exemplo, para a demarcação de áreas prioritárias
para a conservação. Entretanto, apesar de sua crescente importância para a ecologia,
muitos estudos que fazem uso desta ferramenta não enfatizam uma teoria ecológica de
forma explícita (Austin, 2007).
O recente desenvolvimento da computação/estatística a partir da década de 80,
possibilitou a criação de diversos algoritmos que deram vida à hipótese do nicho
proposta por Hutchinson mais de 50 anos atrás (Hutchinson, 1957). É surpreendente
como os horizontes se abriram e novos olhares puderam ser construídos a partir daí.
Exemplos interessantes são os recentes estudos sobre o conservadorismo de nicho
(Peterson et al., 1999; Warren et al., 2008), de viés altamente evolucionista.
Esta tese está dividida em dois capítulos. O seu maior objetivo é apresentar algumas
orientações da modelagem de distribuição aplicáveis à ciência da ecologia. O primeiro
capítulo apresenta uma abordagem mais ampla, onde o modelo de distribuição é
aplicado a um ecossistema e não somente a uma espécie (Carnaval & Moritz, 2008;
Carnaval et al., 2009; Werneck, 2011). Através da modelagem de distribuição dos
campos rupestres esperamos contribuir para o estudo histórico deste frágil ecossistema
desde a última era glacial, a aproximadamente 20.000 anos A.P. (última máxima
glacial), até o fim deste século. Acreditamos que os resultados possam contribuir de
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conseqüências da atual crise climática que colocam em risco o resultado de milhares de
anos de evolução.
O objetivo do segundo capítulo é entender quais são os mecanismos envolvidos na
distribuição restrita de uma espécie endêmica dos campos rupestres. O entendimento
dos fatores limitantes na distribuição de Coccoloba cereifera (Polygonaceae), um
pequeno arbusto que está distribuído apenas em uma pequena área de cerca de 35km2,
pode jogar luz ao entendimento da seleção natural de diversas espécies restritas a este
ecossistema ao longo dos últimos milhares de anos (e.g., Rull, 2009; Dobrowsky, 2011).
Para a construção dos modelos de distribuição, optou-se pelo uso de uma única
metodologia: o algoritmo da máxima entropia implementado pelo software MaxEnt
(Computer Sciences Department – Princeton University, 2004). Uma vez que o nosso
objetivo não foi testar a validade de uma abordagem específica, optou-se por um
método que recentemente tem mostrado resultados altamente satisfatórios perante outras
metodologias (Hernandez et al., 2006; Elith et al., 2006, 2011).
Estudos visando o aprimoramento das técnicas estatísticas de validação destes modelos
ainda são de suma importância (Austin, 2007), assim como o desenvolvimento de novas
técnicas de modelagem aliadas às diversas ferramentas tecnológicas disponíveis
atualmente. Esperamos que os resultados aqui apresentados contribuam para a
popularização da modelagem de distribuição dentro da ecologia, abrindo novas portas
dentro desta jovem ciência e ampliando as alternativas para a conservação e o manejo
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Austin. 2007. Species distribution models and ecological theory: A critical assessment
and some possible new approaches. Ecological Modelling 200: 1-19.
Carnaval AC & Moritz C. 2008. Historical climate modeling predicts patterns of current
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predicts genetic diversity in the Brazilian Atlantic forest hotspot. Science 323: 785-789.
Dobrowski SZ. 2011. A climatic basis for microrefugia: the influence of terrain on
climate. Global Change Biology 17: 1022-1035.
Elith J, Graham CH, Anderson RP, Dudik M, Ferrier S, Guisan A, Hijmans RJ,
Huettmann F, Leathwick JR, Lehmann A, Li J, Lohmann LG, Loiselle BA, Manion G,
Moritz C, Nakamura M, Nakazawa Y, Overton JM, Peterson AT, Phillips SJ,
Richardson K, Scachetti-Pereira R, Schapire RE, Soberon J, Williams S, Wisz MS,
Zimmermann NE. 2006. Novel methods improve prediction of species' distributions
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Elith J, Phillips SJ, Hastie T, Dudik M, Chee YE, Yates CJ. 2011. A statistical
explanation of MaxEnt for ecologists. Diversity and Distributions 17: 43-57.
Giovanelli JGR, Haddad CFB, Alexandrino J. 2008. Predicting the potential distribution
of the alien invasive American bullfrog (Lithobates catesbeianus) in Brazil. Biological
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Hernandez PA, Graham CH, Máster LL, Albert DL. 2006. The effect of sample size and
species characteristics on performance of different species distribution modeling
methods. Ecography 29: 773-85.
Hutchinson GE. 1957. Population studies - Animal ecology and demography -
concluding remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology 22:
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Nyári A, Ryall C, Peterson AT. 2006. Global invasive potential of the house crow
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Peterson AT, Soberón J, Sánchez-Cordero V. 1999. Conservatism of Ecological Niches
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Rull V. 2009. Microrefugia. Journal of Biogeography 36: 481-484.
Warren DL, Glor RE, Turelli M. 2008. Environmental niche equivalency versus
conservatism: quantitative approaches to niche evolution. Evolution 62: 2868-2883.
Werneck FP, Costa GC, Colli GR, Prado DE, Sites Jr. JW. 2010. Revisiting the
historical distribution of seasonally dry tropical forests: new insights based on
paleodistribution modelling and palynological evidence. Global Ecology and
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Capítulo I
A Distribuição dos Campos Rupestres no Passado, no Presente e no Futuro
Past, Present, and Future Distribution of the Highly Endemic and Speciose
Mountainous Rupestrian Field Vegetation in South America
Newton P. U. Barbosa*1, G. Wilson Fernandes1
1
Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento
de Biologia Geral, Universidade Federal de Minas Gerais, CP 486, Belo Horizonte,
MG, Brasil, CEP 30161-970, Phone number: +55 31 3409 2580
*Corresponding author: newtonulhoa@gmail.com!
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RESUMO
Durante o período conhecido como Pleistoceno, grandes oscilações climáticas foram
responsáveis por moldar parte da vida no planeta. Apesar da existência de evidências
sobre as mudanças ocorridas no continente sul-americano neste período, dados
climáticos e paleovegetacionais para as regiões montanhosas do leste Sul-Americano
ainda são escassos. Desta forma, pouco se sabe sobre as possíveis mudanças na
distribuição dos ecossistemas montanos, tais como os campos rupestres, dos dias atuais
até a última máxima glacial, a aproximadamente 21.000 anos A.P.. Além disso, esse
ecossistema frágil ainda não foi mapeado de forma coerente e detalhada. Desta forma,
uma nova investigação que contribua para o entendimento da distribuição dos campos
rupestres nos dias atuais e também ao longo das flutuações climáticas do Pleistoceno é
oportuna. O objetivo principal deste trabalho é a aplicação de uma abordagem baseada
na modelagem de distribuição (MD) para investigar a potencial distribuição dos campos
rupestres para os dias atuais (1950-2001), para a última máxima glacial (~ 21.000 anos
A.P.) e para o médio Holoceno (~ 6.000 anos A.P.). Uma vez que os ecossistemas
montanos devem sofrer os efeitos das atuais mudanças climáticas de forma mais
drástica do que os outros ecossistemas do planeta, será investigada também a sua
distribuição potencial no futuro (para as décadas de 2020’, 2050’, 2080’), em dois
cenários diferentes (pessimista/otimista). Além disso, pretende-se determinar as
possíveis áreas historicamente estáveis de campos rupestres, de um ponto de vista
paleohistórico e também a partir de predições baseadas em modelos de circulação geral
para o futuro. De acordo com nossos resultados, não houve uma expansão significativa
dos campos rupestres durante o Holoceno médio e durante a última máxima glacial,
provavelmente devido à especificidade edáfica característica deste ecossistema. De
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e do Brasil central, além das serras da canastra e do sul/sudeste de Minas Gerais.
Entendemos que a presença de outras serras isoladas apresentando táxons típicos de
campos rupestres em outras partes da América do Sul (e.g., páramos) podem estar
relacionadas à fatores climáticos/geológicos mais antigos. Os modelos futuros indicam
uma grande perda de áreas de adequabilidade ambiental para os campos rupestres até a
década de 2080’, que associadas aos diversos impactos antrópicos já existentes nestas
regiões, pode gerar resultados imprevisíveis ou até mesmo catastróficos para esse frágil
ecossistema.
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ABSTRACT
During the Pleistocene, large climatic oscillations were responsible for shaping much of
the life in our planet. Despite the evidences on the climatic changes in South America
during this period, climate and paleo-vegetational data for the mountainous regions of
southeastern Brazil are still scarce. Thus, little is known about possible changes in the
distribution of montainous ecosystems such as the rupestrian fields, from the present
day to the last glacial maximum, approximately 21,000 years B.P.. Additionally, this
ecosystem has not yet been mapped significantly. Thus, a new research which
contributes to the understanding of the distribution of rupestrian fields actually and
throughout the Pleistocene climatic fluctuations is very welcome. The main objective of
this work is to apply an approach based on distribution modeling (MD) to investigate
the potential distribution of rupestrian fields for present days (1950-2001), during the
last glacial maximum (~21,000 years BP) and for the middle Holocene (~6,000 years
BP). Since the montainous ecosystems should suffer the effects of current climate
change more dramatically than other ecosystems, we also investigated the potential
distribution of rupestrian fields in the future (for the years 2020, 2050, 2080), in two
different scenarios (pessimistic and optimistic). We also determine the possible
historically stable areas of rupestrian fields from a paleohistory viewpoint and also from
predictions based on general circulation models for the future. According to our results,
there was no significant expansion of rupestrian fields during the middle Holocene and
during the last glacial maximum, probably due to strong edaphic specifity of this
ecosystem. The historically stable areas were basically the mountains of Espinhaço and
central Brazil, the mountains of Canastra and some isolated mountains in
southern/southeast Minas Gerais. We postulate that the presence of typical rupestrian
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related to older climatic factors. The future models indicate a large loss of
environmental suitability areas for rupestrian fields to the 2080s', which linked to
various human impacts existing in these regions may lead to unpredictable results or
even catastrophic.
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INTRODUÇÃO
O período geológico conhecido como Quaternário teve seu início a aproximadamente
2,5 milhões de anos atrás e foi marcado por diversos ciclos glaciais e interglaciais que
ajudaram a moldar grande parte dos padrões bióticos do planeta (Vuilleumier, 1971;
Gibbard et al., 2010). A partir de seu início até aproximadamente 0,9 milhões de anos
atrás, as coberturas de gelo no planeta avançaram (períodos glaciais) e regrediram
(períodos interglaciais) em intervalos de aproximadamente 41.000 anos. Em seguida
esses ciclos seguiram intervalos maiores (de aproximadamente 100.000 anos),
tornando-se progressivamente mais dramáticos (e.g., Huybers, 2006).
Durante esse longo período de grandes oscilações climáticas, diversas espécies de
organismos sofreram mudanças em suas distribuições geográficas, expressas de formas
diferentes para cada região do planeta (Hewitt, 2004). Como conseqüência disso, muitas
espécies/populações tiveram suas estruturas genéticas modificadas ou chegaram a se
extinguir (Vuilleumier, 1969; Vanzolini, 1992; Avise & Walker, 1998). O continente
sul-americano, por exemplo, perdeu mais gêneros da megafauna do que qualquer outro
continente (Barnosky & Lindsey, 2010). No hemisfério norte, o avanço das camadas de
gelo durante as fases de glaciação pode ter provocado o deslocamento das florestas para
regiões mais ao sul. Espécies arbóreas, tais como Fagus grandifolia (Bennett, 1985),
podem ter permanecido isoladas em refúgios esparsos durante a última máxima glacial
(Pleistoceno superior, ~21.000 anos A.P.) até que a chegada do atual período
interglacial (Holoceno, ~12.000 anos A.P.) possibilitasse a re-colonização de áreas
maiores (Webb, 1987; Rull, 2009).
Estudos sobre as relações entre os padrões de distribuição/diversificação das espécies e
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quando Moreau (1966) destacou a influência das alternâncias climáticas sobre a
distribuição da avifauna tropical africana. Entretanto, naquela época, o autor não foi
capaz de propor um modelo válido abordando a especiação e diversificação. Alguns
anos depois, Haffer (1969) conjeturou que o dessecamento do clima nas fases frias do
Pleistoceno erradicaria parte da floresta tropical amazônica nas regiões que hoje
apresentam menor precipitação anual. Estas regiões teriam sido então colonizadas por
espécies típicas de vegetações mais xéricas, tais como os cerrados ou as matas-secas
(e.g., Werneck et al., 2010), isolando “áreas de refúgio”, ou seja, manchas florestais
onde a fauna umbrófila sobreviveria, entrando em um processo de especiação
geográfica, explicitamente. Este modelo ficaria conhecido como a “hipótese dos
refúgios”, e postula que as oscilações climáticas ocorridas nos últimos milhares de anos
a partir da última máxima glacial (~21.000 anos A.P.) foram responsáveis por moldar
grande parte dos padrões de distribuição de espécies nas florestas tropicais da América
do Sul (Brown & Ab’Saber, 1979; Vanzolini, 1992). Para o cerrado sul-americano,
além das florestas estacionais deciduais (caatinga e matas-secas - ecossistemas
distribuídos no restante do continente), processos similares podem ter ocorrido de forma
inversa, nos períodos interglaciais mais úmidos e quentes (e.g, Werneck et al., 2010;
Werneck, 2011). Percebe-se então que as áreas nucleares das diversas formações
vegetacionais existentes (separadas umas das outras por regiões ecotonais) apresentam
um equilíbrio instável com relação ao clima, resultando em pulsações, expansões e
retrações das áreas, em função da variação climática ao longo da história (Ab’Saber,
1977, 2000). De fato, diversas formações relictuais encontradas na América do Sul nos
dias de hoje podem ser vistas como testemunhos verdadeiros destes processos, tais
como as dunas relictuais do médio São Francisco (Barreto et al., 2002), as manchas de
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mata atlântica) na Caatinga (Ferraz et al., 1998). Apesar das evidências, é importante
salientar que a importância das oscilações climáticas do Quaternário na diferenciação e
no surgimento de organismos em várias partes do planeta tem sido objeto de grandes
discussões (e.g, Klicka & Zink, 1998). Acredita-se que a importância destas oscilações
possa estar sendo superestimada em relação a eventos mais antigos, que teriam
acontecido principalmente no final do Terciário (Pennington et al., 2004), quando as
condições também frias e secas podem ter contribuído para a diversificação de diversos
ecossistemas, em especial as vegetações montanhosas “mediterrâneas” (Tankard &
Rogers, 1978).
Dados paleoclimáticos relativos ao final do Pleistoceno (entre ~21.000 e ~13.000 anos
A.P. ) e Holoceno (a partir de ~12.000 anos A.P.), para as regiões montanhosas do
sudeste da América do Sul, onde hoje estão presentes a maior parte dos campos
rupestres, são freqüentemente superficiais. Dynesius & Jansson (2000) argumentam que
as oscilações climáticas ocorridas no hemisfério sul do planeta, típicas do Pleistoceno,
foram responsáveis pelo estabelecimento e pela conseqüente diferenciação de muitas
espécies nos ecossistemas “mediterrâneos” do planeta, tais como os próprios campos
rupestres no Brasil ou os fynbos na África do Sul.
Parece existir um consenso de que estas regiões montanhosas do sudeste brasileiro eram
significantemente mais frias e secas por volta da última máxima glacial (com exceção
da parte norte da cordilheira do Espinhaço, já no domínio do bioma caatinga), e só
seriam mais quentes e úmidas com a chegada progressiva do Holoceno, a partir de
aproximadamente 12.000 anos A.P. (Vuilleumier, 1971; Ledru, 1993; Stute et al., 1995;
Behling & Lichte, 1997; Behling, 1998; Ab’Saber, 2000; Behling & Hooghiemstra,
2001; Behling, 2002). Entretanto, estes retratos históricos foram construídos
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realizados em áreas adjacentes relativamente mais baixas (e.g., Behling &
Hooghiemstra, 2001). Dados paleopalinológicos para os topos das regiões montanhosas
do sudeste sul-americano são quase inexistentes. Como conseqüência, inferências sobre
a paleovegetação, e conseqüentemente, sobre o paleoclima nessas regiões montanas, são
ainda rudimentares. Além disso, os estudos existentes apontam limitações e
freqüentemente se resumem ao dualismo frio/seco e úmido/quente. Behling & Lichte
(1997), por exemplo, encontraram evidências de que áreas atualmente dominadas por
uma vegetação de cerrado e matas, na região de Catas Altas (no entorno da parte sul da
cordilheira do Espinhaço, no estado de Minas Gerais), eram cobertas por vegetações
campestres (formadas majoritariamente por Poaceae e Cyperaceae) e pequenas áreas de
matas de galeria, durante a última máxima glacial. Apesar da atual presença de campos
rupestres nas proximidades da cidade de Catas Altas, a inexistência de táxons típicos de
campo rupestre nestes estudos torna impossível neste momento uma conclusão
definitiva sobre a possibilidade da vegetação de campos rupestres ter migrado para estas
áreas mais baixas durante a última máxima glacial. Segundo alguns autores, muitos
ecossistemas sul-americanos tiveram suas distribuições geográficas deslocadas até cerca
de 1 km para regiões mais baixas durante a última máxima glacial (e.g., Rind & Peteet,
1985;!Clapperton, 1990; Stute et al., 1995). Desta forma, a alta prevalência de Poaceae e
Cyperaceae seria um indicativo de que os campos rupestres estavam distribuídos nestas
áreas a aproximadamente 21.000 anos A.P., uma vez que este ecossistema apresenta
uma grande abundância destes táxons. Entretanto, a alta presença de Poaceae e
Cyperaceae nas amostras pode ser também um indicativo de que estas regiões eram
muito frias e secas para a existência de uma vegetação mais arbustiva, uma vez que
temperaturas negativas e geadas constantes são distúrbios danosos à grande maioria das
! )&!
Desta forma, uma nova investigação que contribua para o entendimento da distribuição
dos campos rupestres ao longo das flutuações climáticas do Pleistoceno é, sobretudo,
muito bem vinda, principalmente se estes estudos se basearem em informações
pertinentes aos próprios campos rupestres. Alguns estudos já foram realizados, nesse
sentido, para a mata atlântica e as matas secas (Carnaval & Moritz, 2009; Werneck et
al., 2011), através da utilização de modelos de distribuição de espécies (e.g., máxima
entropia, MaxEnt). Entretanto, modelos desta natureza ainda não foram realizados para
os campos rupestres, vegetação que vem sendo alvo de intensos impactos antrópicos
(Barbosa et al., 2010; Hilário et al., 2011) não obstante ter o maior número de espécies
de plantas ameaçadas do Brasil, uma biodiversidade gigantesca e ainda um dos mais
altos índices de endemismo sul-americano (Lara & Fernandes, 1996; Carvalho et al.,
2012 e referências citadas). Além disto, a associação dos dados referentes ao presente e
ao passado pode contribuir para a identificação de áreas de refúgio ao longo das
flutuações climáticas do passado, que ainda podem ser validados através de dados
geológicos, de diversidade genética, ou mesmo paleopalinológicos (Hugall et al., 2002;
Richards et al., 2007; Carnaval et al., 2009; Werneck et al., 2010). Áreas historicamente
estáveis a nível climático teoricamente facilitariam a especiação e o endemismo, ao
longo de um gradiente histórico, sendo de grande importância seu conhecimento seja
para fins conservacionistas ou mesmo de valoração (e.g., Resende et al., 2012).
Outra questão altamente relevante é que a distribuição dos campos rupestres não foi
ainda descrita de forma definitiva. Embora já tenham sido realizados vários debates
sobre o assunto, o mesmo ainda é controverso. Nenhum consenso sólido sobre a
distribuição desta vegetação foi alcançado. Os campos rupestres são vegetações
herbáceas/arbustivas, altamente heterogêneas, intimamente relacionadas aos
! )'!
principalmente sobre formações quartzíticas, areníticas ou de minério de ferro, dentre
outros (e.g., Joly, 1970; Giulietti et al., 1997). Esse ecossistema está distribuído
majoritariamente ao longo da cordilheira do Espinhaço, principalmente acima dos 900
metros a.n.m. e em serras adjacentes e isoladas, tais como a serra do cabral (Alves &
Kolbek, 1994; Giulietti et al., 1997; Kolbek & Alves, 2008). Além disso, os campos
rupestres podem ser encontrados também em outras regiões descontínuas, tais como as
serras do Brasil central (e.g., chapada dos veadeiros e serra dos pirineus, ambas em
Goiás, e serra da canastra, no sudoeste de Minas Gerais) ou em montanhas da região de
São João del Rei (serra do lenheiro), Tiradentes (serra de são josé) e Itutinga, além da
região de Ibitipoca (Benites et al., 2007), em Minas Gerais (para uma revisão sobre o
assunto, ver Vasconcelos, 2011). Táxons típicos dos campos rupestres, tais como
Vellozia Vand., também podem ser encontrados nas partes altas da serra dos carajás, no
estado do Pará (Silva et al., 1996). Desta forma, o mapeamento da distribuição espacial
dos campos rupestres pode gerar informações de grande valor para a implantação de
projetos de conservação mais objetivos e eficazes.
Os campos rupestres, assim como todo e qualquer ecossistema montanhoso do planeta,
enfrentam diversas ameaças devido às atuais mudanças climáticas (veja IPCC, 1996,
2007). Modelagens sobre as dinâmicas temporais dos campos rupestres no cenário
futuro de mudanças climáticas é de vital importância para uma melhor percepção e
implementação dos modelos de conservação e manejo da vida silvestre neste ambiente
frágil e de baixa resiliência. Através da utilização de modelos de circulação global para
o futuro, é também possível explorar as prováveis expansões e retrações dos campos
rupestres em um futuro sob a influência das atuais mudanças climáticas (e.g., Hijmans
! )(!
Desta forma, o objetivo principal deste trabalho é a aplicação de uma abordagem
baseada na modelagem de distribuição (MD) para investigar a potencial distribuição dos
campos rupestres para os dias atuais (1950-2001), durante a última máxima glacial (~
21.000 anos A.P.) e o médio Holoceno (~ 6.000 anos A.P.), além de sua distribuição
potencial no futuro (para as décadas de 2020’, 2050’, 2080’), em dois cenários
diferentes (pessimista/otimista). Além disso, objetiva-se determinar as possíveis áreas
historicamente estáveis de campos rupestres, de um ponto de vista paleohistórico e
também a partir de predições baseadas em modelos de circulação geral para o futuro.
MATERIAL E MÉTODOS
Modelagem de distribuição
Dados ambientais
Nos últimos anos, tem sido provado que variáveis bioclimáticas são bons preditores dos
impactos provocados pelas alterações climáticas na biodiversidade (Pearson & Dawson,
2003; Carnaval & Moritz, 2008; Carnaval et al., 2009; Werneck et al., 2011). Espera-se
que estas variáveis possam determinar de forma satisfatória a distribuição dos campos
rupestres em um contexto histórico, tendo em vista que elas representam fortes
associações climáticas com o meio biótico (Mooney et al., 1995; Schrag et al., 2008).
As variáveis para os dias atuais (1950-2001) foram descarregadas do projeto WorldClim
em uma resolução espacial de 0.0083° (~1km2) (Hijmans et al., 2005). Os dados
climáticos utilizados para a última máxima glacial e para o médio Holoceno seguem o
modelo de circulação geral ECHAM3 (DKRZ, 1992), disponíveis na webpage do
! +*!
http://pmip.lsce.ipsl.fr/). A heterogeneidade do paleoclima na América do Sul faz com
que a maioria dos modelos de circulação geral simulem os climas passados em diversos
cenários, mas com uma definição muito baixa (Werneck et al., 2010). Embora modelos
baseados em padrões regionais provavelmente tivessem um maior desempenho na
simulação do paleoclima, reconstruções climáticas regionais ainda não estão disponíveis
para o continente sul-americano. Sendo assim, o modelo de circulação geral ECHAM3
foi escolhido para este estudo, uma vez que ele apresenta, dentre todos os modelos
utilizados para esse fim, a melhor resolução e desempenho (e.g., Lorenz et al., 1996;
Werneck et al., 2010).
As variáveis climáticas para o futuro (décadas de 2020, 2050 e 2080) foram
descarregadas da webpage do Centro Internacional para a Agricultura Tropical (CIAT,
disponível em http://ccafs-climate.org/download_sres.html#down) em uma resolução
espacial de 0.0083° (~1km2). Foram utilizados dados de dois modelos climáticos
distintos, o CCCma-CGCm2 (Canadian Centre for Climate Modelling and Analysis,
Coupled Global Climate Model, second generation) e o HADcm3 (Hadley Centre
Coupled Model, version 3), ambos em dois cenários diferentes, A2 e B2 (IPCC, 2007;
Houghton et al., 2001). Dentre estes cenários, o mais pessimista, A2, descreve um
mundo hipotético mais heterogêneo, considerando um desenvolvimento econômico
bastante regional. Além disso, o desenvolvimento social e tecnológico per capita é mais
fragmentado e lento, com requerimentos energéticos bastante altos. Já o modelo B2,
mais otimista, enfatiza um mundo de soluções locais para problemas sociais e
econômicos, focado na sustentabilidade ambiental. Além disso, o crescimento
populacional é menor do que em A2, aliado ainda a um desenvolvimento tecnológico
! +"!
A variável altitude, utilizada em conjunto com todos os outros grupos de variáveis, foi
descarregada do projeto WorldClim em uma resolução espacial de 0.0083° (~1km2)
(Hijmans et al., 2005). As variáveis derivadas da altitude (aspecto e inclinação do
terreno) foram criadas pelo Spatial Analyst ToolBox através do software ArcMap®
(ESRI, Califórnia). Por último, foi criada uma variável binária correspondente às áreas
onde a litologia predominante é favorável ao estabelecimento dos campos rupestres, tais
como formações quartzíticas, areníticas, siltes, filitos, metaconglomerados, etc (Benites
et al., 2007; Negreiros et al., 2008, 2012). Para isso, os arquivos vetoriais referentes às
classificações geológicas do Brasil foram descarregados no geobank do serviço
geológico Brasileiro (disponível em www.cprm.gov.br) e transformados através do
software ArcMap® (ESRI, Califórnia), em uma resolução espacial de 0.0083° (~1km2).
Todas as variáveis bioclimáticas foram cortadas para cobrir o território Brasileiro,
englobando toda a distribuição conhecida para os campos rupestres. Foi realizado um
teste de correlação de Pearson para se evitar a presença de multicolinearidade entre as
variáveis. Aquelas altamente correlacionadas (r>0.9) foram mantidas no modelo de
forma qualitativa, apenas com base em sua relevância biológica (e.g., Werneck et al.,
2010). Seguindo esse protocolo, das 19 variáveis bioclimáticas selecionadas
inicialmente, apenas nove foram mantidas no modelo final (em conjunto com as
variáveis “altitude”, “aspecto”, “inclinação” e “litologia”).
A construção do modelo de distribuição (MD) foi realizada através da abordagem da
máxima entropia, que tem apresentado o melhor desempenho entre diversos outros
métodos de modelagem (Hernandez et al., 2006; Elith et al., 2006, 2011). Esse
algoritmo pode realizar análises efetivas mesmo com amostras pequenas (Hernandez et
al., 2006; Pearson et al., 2007; Kumar & Stohlgren, 2009; Thorn et al., 2009) utilizando
! +)!
software MaxEnt, version 3.3.3 (Computer Sciences Department – Princeton
University, 2004), que foi utilizado para a geração de um modelo logístico
estatisticamente significante da distribuição potencial dos campos rupestres.
Os dados de ocorrência para os campos rupestres foram obtidos da seguinte maneira: i)
as regiões prioritárias para estudo e conservação dos campos rupestres foram definidas
com base nos resultados dos trabalhos do 1º Workshop sobre Biodiversidade,
Conservação, Uso e Políticas Públicas nos Campos Rupestres, ocorrido em belo
Horizonte, em Outubro de 2011; com foco na área core da serra do Espinhaço e serra da
canastra (GWF, dados não publicados); ii) em cada uma destas regiões foram
delimitadas as possíveis áreas de campos rupestres através da observação de imagens de
satélite utilizando-se o software Google Earth®, na maior resolução possível, para as
quais foram criadas arquivos vetoriais (polígonos), através do software ArcMap®
(ESRI, Califórnia); iii) dentro de cada um dos polígonos criados foram gerados pontos
aleatórios nunca distantes menos do que 5 km um do outro através do software
ArcMap® (ESRI, Califórnia); iv) foram gerados um total de 300 pontos de ocorrência
para os campos rupestres, cobrindo toda a área “core” da cordilheira do Espinhaço e as
áreas de campos rupestres da serra da canastra, escolhidas devido a sua
representatividade (Figura 1).
Os modelos foram então gerados através do software MaxEnt, utilizando 75% dos
pontos de ocorrência para treino e 25% deles para teste. Além disso, foi selecionado um
limite de corte que nos possibilitará a determinação das áreas historicamente estáveis (e
também as instáveis) dos campos rupestres. O limite de corte converte a distribuição
probabilística oriunda do modelo em um mapa binário de presença/ausência (Liu et al.,
2005). O limite de corte escolhido seleciona valores de corte para os quais a
! ++!
corretamente) é igual à especificidade (probabilidade de um pixel onde os campos
rupestres não estão presentes ser corretamente classificado como uma ausência). Desta
forma, maximizamos a concordância entre as distribuições observadas e aquelas
modeladas, balanceando o custo que poderia surgir de uma predição incorreta versus os
benefícios de uma predição correta (Manel et al., 2001; Pearson et al., 2007).
Sobrepondo os mapas binários (obtidos através do limite de corte) dos cenários
climáticos do presente e passado, foi possível se obter os mapas das áreas
historicamente estáveis e que potencialmente representam as áreas de refúgios de
campos rupestres que ocorreram desde a última máxima glacial. Adicionalmente, o
mesmo processo foi realizado através da sobreposição dos mapas binários dos cenários
futuros, gerando informação sobre áreas que irão apresentar certa estabilidade climática
em um cenário futuro.
RESULTADOS
Distribuição potencial e estabilidade histórica
O modelo apresentou um desempenho satisfatório, como podemos observar nos valores
de AUC (área sob a curva ROC) (Figura 2), que é considerado um indicador efetivo do
desempenho do modelo, independentemente do limite de corte utilizado (Manel et al.,
2001). Valores de AUC acima de 0,9 são indicativos de modelos de alta acurácia (Swets
1988), excluindo casos onde os modelos foram construídos com a utilização de poucos
pontos de ocorrência (Pearson et al. 2007). Segundo o modelo apresentado, a área total
de adequabilidade ambiental para os campos rupestres dentro do território Brasileiro,
para os dias atuais (1950-2000), é de 130.738 km2 (aproximadamente 13 milhões de
! +#!
“equal test sensitivity and specificity”) cujo valor foi de 0,09, o que significa que os
valores de adequabilidade ambiental menores que 9% foram cortados.
De acordo com o teste jackknife utilizado para identificar a importância de cada
variável, aquela que apresentou o maior ganho quando utilizada sozinha foi a altitude,
que parece ter a informação mais útil por si só. Por exemplo, o modelo indica que a
adequabilidade ambiental para os campos rupestres aumenta com o aumento da altitude.
Já a variável que teve o menor ganho quando omitida foi a litologia, que parece ter a
maior informação não presente em outras variáveis. Ou seja, o modelo prediz que as
áreas de maior adequabilidade para os campos rupestres estão localizadas em regiões
com litologias favoráveis, tais como arenitos e quarzitos, por exemplo.
O teste de jackknife demonstra qual é a variável mais importante quando se observa se o
modelo tem um desempenho menor (ou maior) quando a mesma é retirada do modelo.
Por outro lado, a contribuição percentual (calculada durante a geração do modelo)
estima quais variáveis foram mais utilizadas, ou melhor, quais delas contribuíram mais
para o ganho do modelo. Dentro desta perspectiva, a variável com a maior contribuição
relativa para o modelo foi altitude (75.8%), seguida da litologia (8.8%), sazonalidade da
temperatura (4.4%), sazonalidade da precipitação (2.6%), precipitação no trimestre mais
seco (2.5%), temperatura média no trimestre mais quente (2.3%), variação anual de
temperatura (1.3%) e precipitação no mês mais seco (1.3%). As variáveis inclinação,
precipitação do trimestre mais úmido, temperatura média do trimestre mais frio, aspecto
do terreno e isotermalidade contribuíram com menos de 1% cada uma. A serra dos
carajás, na região amazônica, não apresentou adequabilidade ambiental para os campos
rupestres, talvez pelo fato de não apresentar uma sazonalidade de temperatura
expressiva, assim como altitudes maiores. O mesmo ocorre para a grande maioria das
! +$!
A adequabilidade ambiental para os campos rupestres no médio Holoceno (~6000 anos
A.P.) é bastante similar à atual, apresentando valores superiores em áreas ligeiramente
maiores, principalmente para as serras do Brasil central (e.g., canastra, pirineus) (Figura
3). Por outro lado, a adequabilidade ambiental para os campos rupestres predita para a
última máxima glacial apresentou diferenças marcantes das atuais. A parte sul do
Espinhaço, especialmente, apresentou perdas de grandes áreas de adequabilidade
ambiental, provavelmente devido às condições muito frias e secas esperadas para este
período. Uma faixa descontínua, de média/baixa adequabilidade ambiental, parece ligar
a região norte da serra do Espinhaço (e.g., chapada Diamantina) ao oeste da América do
Sul, passando pelas serras de Goiás e Mato Grosso (Figura 4). Além disso, grandes
áreas de adequabilidade ambiental para os campos rupestres foram preditas para o sul
do Brasil (Fig. 4).
Algumas potenciais áreas de refúgio históricas foram identificadas (Figura 5). Em geral
três principais macro-regiões podem ser identificadas: a) a parte norte da cordilheira do
Espinhaço, b) as serras de Goiás e c) a serra da Canastra.
Com relação às projeções no futuro, os resultados são divergentes. Para o cenário mais
otimista (B2), houve uma mudança considerável nas áreas de adequabilidade ambiental
para os campos rupestres nas décadas de 2020´ (Figuras 6 e 7, perdas entre ~43.700
km2, segundo o modelo HADcm3 e ~70.440 km2, segundo o modelo CCCma-CGCm2 )
e 2050´ (Figuras 8 e 9, perdas entre ~69.900 km2, segundo o modelo HADcm3 e
~85.700 km2, segundo o modelo CCCma-CGCm2). Para a década de 2080´, uma
considerável perda de adequabilidade foi percebida, em toda a cordilheira do Espinhaço,
principalmente nas áreas mais ao norte (Figuras 10 e 11, perdas entre ~113.727 km2,
segundo o modelo HADcm3 e ~100.377 km2, segundo o modelo CCCma-CGCm2). Em
! +%!
de adequabilidade ambiental predita para os dias atuais (Figura 12). Para o cenário mais
pessimista (A2), a adequabilidade ambiental para os campos rupestres também sofre
grandes contrações partir da década de 2020´, principalmente nas serras de Goiás
(Figuras 13 e 14), com perdas entre ~53.400 km2 (segundo o modelo HADcm3) e
~67.000 km2 (segundo o modelo CCCma-CGCm2) da área de adequabilidade ambiental
predita para os dias atuais. Um cenário alarmante é mostrado para as décadas de 2050´
(Figuras 15 e 16) e 2080´ (Figuras 17 e 18). Este cenário se torna ainda mais
preocupante se levarmos em consideração o fato de que os impactos antrópicos nessas
regiões também crescem de forma incessante (e.g., Barbosa et al. 2011). Segundo os
resultados obtidos, até o final da década de 2080’ as perdas podem ficar entre ~91%
(CCCma-CGCm2) e ~96% (HADcm3) da área de adequabilidade ambiental para os
campos rupestres predita para os dias atuais (o que corresponde a valores entre
~119.425 km2 e ~125.539 km2, Figura 19). Os valores de perda apresentados foram
calculados em cima dos mapas binários construídos através da aplicação do limite de
corte estabelecido, que foi utilizado para valores menores do que 9% de adequabilidade
ambiental.
DISCUSSÃO
Fatores edáficos e a distribuição dos campos rupestres
Os resultados apresentados evidenciam a influência da altitude e da litologia na
distribuição dos campos rupestres (e.g., King, 1956; Joly, 1970; Giulietti & Pirani,
1988; Vasconcelos, 2011). Devido a esta estreita relação, acredita-se que eventuais
mudanças climáticas ocorridas no passado talvez tenham sido insuficientes para
! +&!
(e.g., Alves & Kolbek, 1994). Segundo os resultados apresentados, não houve uma
expansão significativa da distribuição dos campos rupestres no Brasil pelo menos até a
última máxima glacial. As disjunções hoje existentes entre os fragmentos de campos
rupestres seriam realmente muito antigas e a distribuição das espécies pertencentes a
este ecossistema estaria associada basicamente à capacidade de dispersão das mesmas.
De fato, outros ecossistemas morfologicamente similares aos campos rupestres,
presentes em outras regiões meridionais do planeta, são evidências da existência de uma
ligação muito antiga entre as vegetações montanas do hemisfério sul. Plantas da família
Velloziaceae, por exemplo, são típicas dos campos rupestres e podem ser encontradas
também nos páramos Andinos, nos fynbos Sul-Africanos (Ayensu, 1973; Ibisch et al.,
2001) e também em regiões montanhosas e quartzíticas de Madagascar (E. Buisson,
obs. pessoal) (e.g., Mello-Silva et al., 2011). De fato, a existência de fósseis de plantas
extintas do gênero Glossopteris nas regiões meridionais da América do Sul, África,
Ásia e Austrália, há muitos anos tem sido vista como um forte indicativo de que essas
regiões foram conectadas pelo menos até o triássico, em Gondwana (Plumstead, 1973).
Entretanto, com a movimentação geológica do planeta e a conseqüente deriva
continental (Croizat, 1976, 1984), essas vegetações teriam se isolado umas das outras,
permitindo assim, a diferenciação e diversificação das mesmas. Dentro do continente
sul-americano, a presença de ecossistemas montanos não conectados, mas com
similaridades florísticas e morfológicas entre si, também são indícios da existência de
uma antiga conexão (Giulietti & Pirani, 1988; Alves et al., 2007; Rapini et al., 2008;
Fiaschi & Pirani, 2009). Após a emergência da cordilheira dos Andes, com
conseqüentes mudanças na geografia do continente, esses ecossistemas iniciaram então,
novos eventos de diversificação de espécies (e.g., Gentry, 1982). O gênero Fulcaldea,
! +'!
páramos andinos, F.laurifolia (Asteraceae, Barnadesioideae). Entretanto, foi descoberta
na porção norte da cordilheira do Espinhaço, já no estado da Bahia, a espécie F. stuessyi
(Funk & Roque, 2011). Esse gênero é irmão do gênero Dasyphyllum (Asteraceae,
Barnadesioideae), também distribuído largamente entre os páramos e a cordilheira do
Espinhaço – um sinal de que estes ecossistemas um dia estiveram conectados.
A região da serra dos Carajás, no estado do Pará, sob domínio do bioma amazônico,
também apresenta diversos táxons característicos dos campos rupestres, tais como
espécies do gênero Vellozia. Entretanto, nosso modelo não foi capaz de predizer
qualquer adequabilidade ambiental para os campos rupestres nestas áreas em nenhum
dos períodos estudados (última máxima glacial e médio Holoceno; décadas de 2020,
2050 e 2080). Estas são áreas cercadas por floresta amazônica e alguns fragmentos de
cerrado e além disso apresentam uma estação seca menos pronunciada do que as regiões
xéricas do Brasil central e da cordilheira do Espinhaço. Desta forma, a presença de
espécies em comum entre a serra dos carajás e as outras serras do Brasil central e da
cordilheira do Espinhaço pode estar relacionada à diversificação dos ecossistemas
campestres no hemisfério sul do planeta, como já dito antes, em períodos muito antigos
(Tankard & Rogers, 1978). Não é difícil de imaginar este cenário, uma vez que todas
essas serras de formações residuais na América do Sul são extremamente antigas e
experimentaram uma condição de evolução de pelo menos 70 milhões de anos (e.g.,
Schaefer, 2001).
A última máxima glacial no Espinhaço
Os resultados da projeção do modelo de distribuição dos campos rupestres para a última
máxima glacial mostram uma expansão meridional das áreas de adequabilidade
! +(!
aproximadamente 21.000 anos A.P., as regiões montanhosas do sul do Brasil
apresentaram um clima mais frio, com longos períodos secos anuais (Behling & Lichte,
1997). Acredita-se que esta alta sazonalidade climática tenha perdurado até o início do
Holoceno (Behling et al., 2009). Este cenário pode ter influenciado a colonização desta
região por espécies provenientes de outras localidades. Esta região é conhecida como
uma zona de convergência biótica (Urtubey et al., 2010) e as flutuações do quaternário e
do final do terciário podem de fato ter causado ali grandes mudanças florísticas
(Safford, 1999). Iganci et al. (2011) postularam que durante os períodos glaciais (frios e
secos) do Pleistoceno estas regiões foram colonizadas por espécies andinas e austrais e
também por algumas espécies xerófilas provenientes do planalto central brasileiro. A
própria presença de táxons vegetais de origem andina e/ou austral, com baixa
capacidade de dispersão (Rambo, 1951, 1953), nos campos de altitude existentes nas
serras do mar, é explicada pela existência de antigas conexões climáticas favoráveis.
Estas ligações podem ter acontecido em diferentes períodos do Cenozóico e também
múltiplas vezes durante o Pleistoceno (Safford, 1999, 2007). Interessantemente, o
modelo aqui apresentado mostra uma provável conexão entre as serras do sul do Brasil e
as serras do mar, durante a última máxima glacial e provavelmente esta tenha sido a
última ligação substancial entre estes ecossistemas (Figura 4). Estas conexões foram
delineadas principalmente pela maior sazonalidade e variação da temperatura, segundo
os resultados apresentados, corroborando os cenários existentes para este período para
estas regiões (Behling et al., 2009; Behling & Lichte, 1997). Entretanto, estas regiões
provavelmente não estiveram conectadas às áreas dominadas pelos campos rupestres, ou
seja, à cordilheira do Espinhaço e às serras do Brasil central, diferentemente do que
! #*!
presença significativa de táxons andinos nos campos de altitude (Safford, 1999, 2007) e
a presença quase nula dos mesmos nos campos rupestres.
Durante esse período frio e seco predominante durante a última máxima glacial, a região
sul da cordilheira do Espinhaço apresentava uma adequabilidade ambiental mais baixa
para abrigar o que hoje conhecemos como campos rupestres (Figura 4). Muitas
reconstruções climáticas para este período sugerem que as regiões de latitude superior a
40°N tiveram temperaturas possivelmente 10-20 °C mais baixas do que as atuais,
enquanto latitudes mais baixas foram significantemente mais secas e com temperaturas
2-5 °C mais baixas (Petit et al., 1999; Barron & Pollard, 2002; Willis & Van Andel,
2004; Birks & Willis, 2008). Acredita-se que uma grande alteração nos padrões
climáticos do sudeste sul-americano tenha ocorrido durante este último período glacial.
A dinâmica atmosférica atual na parte leste da América do Sul parece ser bastante
similar àquelas encontradas na maioria dos períodos interglaciais. Atualmente, o centro
anticiclone do Atlântico Sul posiciona-se abaixo do trópico de capricórnio e as correntes
quentes vindas do oceano atlântico (correntes do Brasil e do Golfo) são bastante
influentes no continente, sendo que as massas de ar quente e úmido resultantes são
extremamente importantes para a manutenção do clima majoritariamente úmido do
sudeste Brasileiro (Damuth & Fairbridge, 1970). Desta forma, a influência da corrente
fria das Malvinas fica limitada à região sul do Brasil e à Argentina (Damuth &
Fairbridge, 1970). Além disso, a variação anual da zona de convergência intertropical é
um fator crucial na formação de uma estação chuvosa no sudeste brasileiro no verão, e
uma estação seca no inverno (Damuth & Fairbridge, 1970; Behling, 2002). Entretanto,
durante as fases glaciais, especula-se que o centro anticiclone do atlântico sul tenha se
deslocado para o norte, até as proximidades do equador, impedindo a ascensão da
! #"!
do sudeste Brasileiro (Damuth & Fairbridge, 1970; Ledru, 1993; Behling & Lichte,
1997; Ab’Saber, 2000; Behling, 2002).
Desta forma, durante os períodos glaciais, a região sul da cordilheira do Espinhaço pode
ter experimentado o que chamamos de Frostwechselklima (Troll, 1943), embora de
forma mais amena. São pequenos, embora diários, períodos de geada cuja temperatura
do ar é negativa (Beck et al., 1982; Azócar et al., 1988), e que exigem um grau
moderado de tolerância à geadas paralelamente a um mecanismo eficiente para
retardamento do esfriamento (insulação eficiente). Segundo Behling & Hooghiemstra
(2001) e Behling & Lichte (1997), amostras de sedimento datadas para o período de
50.000 14C anos A.P. a 40.000 14C anos A.P., na região da serra do salitre (a oeste da
parte sul da cordilheira do Espinhaço), continham poucas amostras arbóreas de pólen,
sinalizando um clima bastante árido, uma evidência de que a região já era fria e seca
antes mesmo da última máxima glacial. A partir da última máxima glacial, uma miríade
de formações florestais foram identificadas nesta mesma região. Behling &
Hooghiemstra (2001) e Behling & Lichte (1997) encontraram entre 16.000 14C anos
A.P. e 11.000 14C anos A.P. (período que corresponde ao final do Pleistoceno e início
do Holoceno) um mosaico temporal de formações florestais, evidenciado por uma alta
proporção de pólen de origem florestal, indicando um aumento gradativo da umidade.
Entretanto, Ledru (1993) e Ledru et al. (1996), sugerem um clima mais seco e frio no
início deste período, devido à baixa proporção de pólen arbóreo entre 14.000 e 13.000
14
C anos A.P.. Em seguida, o aumento da presença de pólen de araucárias nos
sedimentos datados de 12.000 14C anos A.P., seria um indicativo de um clima frio e
úmido (Ledru, 1993; Ledru et al., 1996; Behling & Lichte, 1997; Behling &
Hooghiemstra, 2001). Entre 12.000 e 10.000 14C anos A.P., aparentemente corre um
! #)!
Hooghiemstra, 2001). Este declínio, também encontrado por Ledru (1993)
provavelmente está relacionado ao “Dryas Recente”, um período de breve clima frio
ocorrido nesta época (e.g., Alley et al., 1993). Após este pequeno período, formações
florestais voltam a aparecer gradativamente e a partir de 8.500 14C anos A.P. elas são
substituídas por vegetações mesofíticas. Por volta de 5.000 14C anos A.P., amostras de
sedimento apresentaram grandes porcentagens de Poaceae, indicando aridez. Após os
4.000 14C anos A.P., vários foram os indicativos de um clima mais úmido, semelhante
ao atual (seguido apenas por um curto período de aridez por volta de 1.000 14C anos
A.P., constatado pela alta porcentagem de Cyperaceae e Poaceae) (Behling & Lichte,
1997; Behling & Hooghiemstra, 2001). Dados semelhantes, de um aumento gradual na
umidade a partir de 5.000 14C anos A.P., foram encontrados para a região de Lagoa
Santa, próxima à serra do cipó. Entre 5.400 e 4.600 14C anos A.P. a presença de
vegetação pantanosa reflete condições climáticas bem mais secas do que as atuais e
após isso um mosaico de cerrado, florestas semideciduais e matas de galeria, refletem
condições similares às atuais (Parizzi et al., 1998).
As espécies de campo rupestre presentes na região sul do Espinhaço podem ter se
beneficiado de suas diversas adaptações ao fogo e ao clima seco para sobreviver ao frio
intenso deste período. Temperaturas negativas ocorrem até hoje nos campos rupestres
mais altos, bem como nas regiões de campos de altitude. A maioria delas sobrevive a
estes eventos justamente pela baixa precipitação do inverno, caso contrário, as geadas
seriam constantes e se colocariam como um obstáculo maior ao estabelecimento de
diversos táxons nessas áreas. É interessante observar que uma relação entre a base
estrutural e molecular da tolerância ao frio e da evolução da tolerância à desidratação
pelas plantas já foi sugerida por Larcher (1981). A capacidade de diversas espécies de
! #+!
– pode ter alguma origem evolutiva em comum, apesar da vida nessas condições
contrastantes apresentar demandas metabólicas e adaptações bem diferenciadas (Körner,
1999). Estas espécies poderiam mesmo apresentar como adaptação primordial a seleção
ao frio, uma vez que os ecossistemas anciãos dos campos rupestres e outros campos
tropicais vivenciaram milhões de anos de frio polar quando presentes em Gondwana
(McLoughlin, 2001). Mesleárd & Lepart (1989) sugerem que a estreita relação entre o
fogo e a vegetação mediterrânea deve ser reconsiderada, uma vez que eles observaram
que os lignotubosde diversas espécies adaptadas à estas regiões podiam rebrotar na
ausência de qualquer distúrbio, incluindo o frio intenso. Estas estruturas funcionam
como um estoque de carboidratos e nutrientes que irão sustentar o crescimento de
meristemas após algum distúrbio (e.g., fogo, seca ou eventos de frio intenso) (Canadell
et al., 1999). Este é um exemplo reconhecidamente eficiente de uma adaptação ao fogo
presente em diversos táxons vegetais de campos rupestres e cerrado. Esses ecossistemas
compartilham a presença de muitos sistemas clonais e outros tipos de geofitismo,
globalmente peculiar ou típico às savanas, com clima continental (verão chuvoso,
inverno seco).
Por outro lado, outros fatores podem ter contribuído para a sobrevivência de diversos
organismos na parte sul do Espinhaço, durante o período extremamente frio e seco da
última máxima glacial. Durante as fases frias do Pleistoceno na América do Sul (e.g.,
Vuilleumier, 1971), pequenas áreas de refúgios (microrefúgios), com climas
idiossincrásicos, podem ter favorecido a persistência de algumas espécies nestes
ecossistemas montanhosos (veja McLachlan et al., 2005; Rull, 2009; Holderegger and
Thiel-Egenter, 2009). Acredita-se que a espécie arbustiva Coccoloba cereifera, por
exemplo, seja uma espécie relictual restrita a um microrefúgio no sul do Espinhaço, que
! ##!
As diferenças na composição florística entre as porções sul e norte da cadeia do
Espinhaço já foram discutidas (Harley, 1988, 1995; Rapini et al., 2002; Azevedo & van
den Berg, 2007), sugerindo a existência de uma barreira migratória para as espécies
entre essas duas porções da cadeia montanhosa (Harley, 1988). Os resultados aqui
apresentados sugerem a existência de uma “barreira temporal” que ocorreu nesta região
por volta da última máxima glacial. Como podemos observar na figura 4, a parte sul
apresentou uma adequabilidade ambiental baixa para o que conhecemos hoje como
campos rupestres, o que significa que estas regiões apresentaram, pelo menos durante
este último período glacial, condições climáticas dissimilares em diversas regiões.
Postulamos que esse fato pode ter facilitado a diferenciação de diversos gêneros de
animais e plantas nestas duas áreas. O gênero de beija-flores Augastes, por exemplo,
apresenta uma espécie típica do sul e centro do Espinhaço, A. scutatur, e outra típica do
norte do Espinhaço, A. Lumachella (Melo-Júnior et al., 2001, Vasconcelos &
Rodrigues, 2010).
As serras isoladas do sul de Minas Gerais, nordeste e Brasil central
A região de Ibitipoca (Figura 20) está localizada no limite sul da área de adequabilidade
para os campos rupestres, já na Serra da Mantiqueira (Benites et al., 2007). Todavia,
enquanto alguns autores se referem a esta região como uma região com alta
predominância de campos rupestres (Rodela, 1998; Monteiro & Forzza, 2008; Silva et
al., 2009), outros se referem a elas como campos de altitude (Dias et al., 2002; Ladeira
et al., 2007). Esta região apresenta um mosaico de formações de rochas quartzíticas e de
rochas ígneas ou metamórficas, tais como granito ou gnaisse. A presença “vestigial” de
formações quartzíticas (e outras litologias favoráveis aos campos rupestres, tais como os
siltes e metaconglomerados) no sul/sudeste do Estado de Minas Gerais reflete o